Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
200/04.4IDAVR.P1-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
PRESSUPOSTOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I- Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça

II- O acórdão do Tribunal da Relação que convoca e aplica a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não é, obviamente, proferido contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Decisão Texto Integral:



Processo n. º 200-04.4IDAVR.P1-B.S1

(Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. AA, arguido, interpôs recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 17.06.2020, alegando encontrar-se em oposição com a jurisprudência fixada no AFJ n.º 8/20212.

2. Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

«A. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pela .. Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 17 de Junho de 2020, nos autos do processo n.° 200/04.4IDAVR, através do qual se decidiu negar provimento aos recursos intercalares interpostos pelo Recorrente e pela sociedade Arguida “R Star Petróleos Lda.” no âmbito dos processos n°s 200/04.4IDAVR e 371/06......, que correram termos perante Tribunal Colectivo no Juiz .., do Juízo Central Criminal ……………., concedendo provimento parcial ao recurso, que correu termos sob o processo 200/04.4IDAVR.P1 na ... Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, com data de 04/03/2019 e depositada no mesmo dia, por via do conhecimento oficioso da questão da medida concreta da pena, em particular quanto à prática do crime de branqueamento de capitais.

B. O Tribunal a quo condicionou a suspensão da pena aplicada ao Arguido aqui Recorrente, “ao pagamento da quantia, ao Estado, no valor de 2.500.000, 00€ faseadamente, em prestações, no valor cada uma de 500.000,00€, cuja primeira vence-se 12 meses após o trânsito em julgado da decisão e as subsequentes, respectivamente, aos 24, 36, 48 e, a última, aos, 54 meses (500.000,00 X 5 2.500.000,00€).”

C. Atento o decidido no acórdão agora sob recurso e o teor do acórdão, em oposição, proferido pelo Acórdão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, para Fixação de Jurisprudência n.° 8/2012, de 24 de Outubro, publicado no Diário da República n°206, Série 1, de 2012-10-24 concluímos ser o Acórdão recorrido contrário ao Acórdão para Fixação de Jurisprudência, uma vez que não procedeu ao juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do condenado sendo que a falta desse juízo, o que implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

D. In casu, o dever subordinado à suspensão da pena nos termos do n.° 1 e 2 do art.° 50.° do CP reflecte-se na determinação de indemnização ao Estado, no valor de 2.500.000,00€, a pagar durante o período da suspensão, embora faseadamente.

E. Prevê o art.° 14°, n.° 1, do RGIT, que a suspensão da execução da pena é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

E. É o dever que decorre do art.° 14°, do RGIT, que deve ser conjugado com os termos do art.° 51.°, n.°1 al. a), do CP, de onde decorre que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente de pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea.

G. O caso presente trata não da discussão sobre a imposição da obrigação de indemnizar que resulta do art.° 14.° do RGIT e 51.° do CP, mas antes o seu quantum.

H. Importa sublinhar o que referiu o relator Conselheiro Manuel Joaquim Braz em sede de declaração de voto no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, quando ali referiu que “ (...) tendo-se concluído pela verificação dos pressupostos da suspensão da execução da prisão, de acordo com o disposto no artigo 50.°, n.° 1, do CP, não pode deixar de aplicar-se essa pena de substituição, seja por se concluir pela impossibilidade de o condenado cumprir a condição a que obrigatoriamente a suspensão deve ficar subordinada, seja por outra razão.

(…)

Quer dizer: nesses casos, o arguido, se tivesse capacidade económica para pagar a prestação tributária e os acréscimos legais, veria a pena ser suspensa na sua execução; como a não tem, vai cumprir a prisão, visto estar afastada, em função da sua medida, a possibilidade de a substituir por outra pena não privativa da liberdade.

Sofre, assim, parece-me, um prejuízo em razão da sua situação económica, em violação do artigo 13.° da Constituição.

I. Importa salientar que o juízo de prognose que aqui se impõe traduz tanto a regra do art.° 14.° do RGIT mas, igualmente, a medida do seu cumprimento.

J. Se, efectivamente, for fixado, como foi pelo Tribunal a quo, um montante a pagar que se manifesta profundamente desadequado para o Recorrente, tal fixação, importa, de antemão, uma condição impossível no seu cumprimento,

K. E nessa medida, a fixação feita nos termos em que o foi — e que, salvo o devido respeito, se tem por desadequada — implica condenar o Recorrente à realidade do previsto nos termos do n.° 2, do art.° 14°, do RGIT.

L. Importava naturalmente que se atentendesse à própria capacidade como verificável antes de condenar a um desfecho que se pretende evitar, como aliás refere o mencionado Juiz Conselheiro, uma vez que o juízo de prognose, necessário in casu, não pode violar o Princípio da Igualdade e per si, o Princípio da Proporcionalidade.

M. Ora, não se pretende arguir que o Recorrente não tem posses ou capacidade económica in totum, antes, como é manifestamente expectável, verificar que o mesmo não dispõe de 2.500.000,00€ para entregar ao Estado num hiato temporal tão curto.

N. Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por pena de multa, pois o processo de determinação da pena a aplicar não é um caminho sem retorno - Há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes, conforme estabelece o artigo 339°, n.° 4, do CPP.

O. Porventura terá o Tribunal a quo entendido que a importância referida se aproximava das capacidades económicas do Recorrente, porém, tal não se verifica. Até porque, sabe-se, existe uma clara distinção entre a pessoa jurídica do Arguido e a sociedade Arguida.

P. Ou seja, caso fosse esse o entendimento, não poderia avaliar-se os montantes correspondentes às operações económicas da sociedade Arguida gerida pelo arguido, para os transpor como pertencentes ao Recorrente.

Q. Suplantaria, naturalmente, a diferença entre as duas pessoas jurídicas pois nem a sociedade poderia fazer seus os bens do Recorrente, nem assim o Recorrente poderia fazer seus os bens ou activos da sociedade arguida.

R. Sempre com o devido respeito, o Recorrente não pode suportar as medidas subordinadas à suspensão da pena, que considera desadequadas e desproporcionais.

5. O juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do condenado, ora Recorrente, tendo em conta a concreta situação económica, presente e futura, não se verifica correcto.

T. Antes pelo contrário, apresenta-se irrazoável e tremendamente desproporcional à capacidade económica do Recorrente.

U. O pagamento no valor de dois milhões e meio ao Estado, no espaço de quatro anos e seis meses, não se apresenta sustentável ou razoável para o Recorrente, nem assim é fundamentada, sendo omisso o Acórdão quanto à base a que recorreu para a determinação do valor em causa.

V. Diga-se aliás, uma análise profundamente díspar da que foi a análise jurídica nos autos do processo comum n.° 200/04.4IDAVR-J.P1 que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ….. — ………., J. C. Criminal onde se sustentou “(...) verificamos que condicionar a suspensão da pena de prisão ao pagamento do montante total da prestação tributária em falta (€1.493.013,64 - €217. 984,27 = €1.275.029,37) e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos não será razoável.

Contudo, já assim não será condicionando tal suspensão ao pagamento parcial de tal quantia, ou seja, ao pagamento de €48.000,00, em cinco anos (60 meses) o que representará um esforço médio mensal de € 800,00, valor adequado atenta a sua situação económica (supra exarada, não se olvidando que detém património e rendimentos actuais que nos permite efectuar um juízo de prognose favorável relativamente à sua futura situação económica).”

W. Ora, não sendo razoável exigir o pagamento no montante de EUR 1.275.029,37, não pode ser razoável exigir o pagamento numa importância que excede o dobro.

X. Atendendo à remuneração do Recorrente, o Tribunal a quo entendeu à luz da razoabilidade, condicionar a suspensão da pena ao pagamento num hiato temporal de quatro anos e seis meses, do rendimento do Arguido obteria em 139 anos de rendimentos provenientes do trabalho do Arguido, com a actual remuneração.

Y. O juízo de prognose relativamente à situação económica do Recorrente, sobre a sua possibilidade de entregar ao Estado o valor fixado representa, salvo o devido respeito, foi o que falhou no juízo recorrido.

Z. Quer isto dizer que a garantia que advém do texto fundamental, maxime no art.° 13°, da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), não se verifica no caso sob apreciação.

AA. Importaria para o caso concreto, que só quem disponha de avultados rendimentos pode cumprir a condição imposta pelo Tribunal a quo, o que como aliás é do conhecimento dos autos, não corresponde à realidade do Recorrente.

BB. Refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.°1467/11.7IDLSB.L1-3, que “sendo que o seu não cumprimento pelo arguido, com a devida consequência, ou seja o cumprimento efetivo da pena de prisão, não pode espelhar de modo algum uma ‘prisão por dívidas”.

CC. Fixar o pagamento em dois milhões e meio de euros neste hiato temporal, aliado à prática e real impossibilidade de pagamento, implica que o seu não cumprimento, se traduza para o Recorrente numa prisão por dívidas.

DD. Nesses termos, não se alega nem se pretende com o presente sustentar, que condicionar a suspensão ao pagamento de determinada quantia fere a Constituição,

EE. O que se verifica é de facto a desproporcionalidade da medida imposta, violando o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, e nessa medida, o art.° 18.°, n.° 1, da CRP.

FF. Pois dessa forma, e como anteriormente se referiu, a igualdade de oportunidades apresenta-se ferida por inadequação do rendimento do Recorrente ao montante que terá de entregar nos cofres do Estado.

GG. Como aliás se pode ler do Acórdão para a Fixação de Jurisprudência: “De pouco valerá impor um dever económico de forma cega só porque a lei a impõe de forma automática, dir-se-ia, num posicionamento que roça a total e completa alíenidade em relação ao concreto ser julgado e condenado, quando não só pelo exagero do montante, não arbitrado, mas imposto, pelo muito curto prazo assinado para o cumprimento e sobretudo pela já consabida sua deficiente capacidade de solvência, de cumprir o imposto, seria dentro de um juízo de normalidade das coisas da vida do cidadão comum, de um juízo de verosimilhança, de ante ver o inevitável incumprimento, a menos que lhe sorrisse em sorte a «sorte grande», ou mesmo uma média, com que pudesse recompor a sua vida e cumprir a injunção condicionante da suspensão.”

HH. A sentença proferida nos presentes autos do processo n.° 200/04.4IDAVR é omissa quanto a essa análise.

II. Quer isto dizer, que a sentença recorrida padece do vício de omissão de pronúncia na fixação do montante a entregar como condição para a suspensão da pena.

JJ. Não bastava a remissão para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 8/2012. D.R. n.° 206, Série 1 de 2012-10-24. Era necessário que fosse cumprido o nele disposto.

KK. A falta do juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

V — Pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, requer que seja declarado nulo o Acórdão proferido no processo n.° 200104.4IDAVR, por violação do Acórdão para a Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.° 8/2012, publicado em D.R. n.° 206, Série 1 de 2012-10-24, tudo com as necessárias consequências legais».

3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto respondeu sustentando que a decisão aí proferida não contraria a doutrina do acórdão do STJ n.º 8/2012, publicado no D.R., S.I, de 24/10/2012. E adianta, como o recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça não foi admitido o recorrente tenta, agora, a sua sorte com a interposição deste recurso extraordinário, mas sem qualquer fundamento. O presente recurso deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente (art. 420.º n.º 1 a), do C.P.P., ex vi do art. 448.º, do mesmo diploma legal).

4. Neste Supremo Tribunal de Justiça a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que no acórdão do TR.. procedeu-se a análise sobre a situação económica do recorrente, presente e futura, que o tribunal julgou verificada, e formulou-se em concreto, juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal aludida, por parte do recorrente. Ali se fundamentou que “a intervenção do recorrente, sua falecida mulher e da própria empresa R. Star, levam-nos a ponderar a suspensão da execução da pena subordinada a uma indemnização ao Estado, num valor razoável e equitativo, por força do disposto no art° 51 n° 2 do CP (o dever imposto não pode representar obrigação cujo cumprimento não seja razoável de exigir). Com base neste raciocínio julgamos adequado, suspender a execução da pena aplicada ao arguido, subordinada ao cumprimento de uma indemnização ao Estado, no valor de 2.500.000,00€, a liquidar durante o período da suspensão, embora faseadamente “.

Concluiu que o TR.. não proferiu decisão contra a jurisprudência fixada no AFJ nº8/ 2012, antes a tendo acolhido e aplicado, razão pela qual, o recurso deve ser rejeitado, por não verificação dos pressupostos de natureza substancial alusivos ao recurso extraordinário previsto no art. 446º nº1 do CPP.

5. Colhidos os vistos e após conferência cumpre decidir, decisão que na fase preliminar do recurso se circunscreve a aquilatar da sua admissibilidade ou rejeição (art. 441.º, CPP).

II.

1. Em tema de recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça dispõe o art. 446.º, CPP:

1 - É admissível recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

2 - O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

3 - O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.

2. O recorrente fundamenta o presente recurso [extraordinário] de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal na alegada circunstância de o acórdão recorrido – decisão do TRP de 17.06.2020 – «ser (…) contrário ao Acórdão para Fixação de Jurisprudência [n.º 8/2012, publicado no Diário da República I.ª série – N.º 206, - 24 de outubro de 2012], uma vez que não procedeu ao juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do condenado sendo que a falta desse juízo (…) implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia».

3. O recorrente, como arguido condenado, tem legitimidade e interesse em agir (art. 446.º/2, 401.º/1/b/2, CPP)

4. Proferido o acórdão recorrido em 17.06.2020, transitado em julgado em 05.11.2020 e interposto o recurso de contra jurisprudência fixada em 27.11.2020, é o recurso tempestivo, porque interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida (art. 446.º/1, CPP).

5. O pressuposto material exigido pela norma é que a decisão recorrida tenha sido proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a decisão recorrida viole essa jurisprudência (art. 446.º/1, CPP). A jurisprudência fixada no Acórdão Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça é do seguinte teor:

«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»

6. Na decisão recorrida, em tema de escolha e medida da pena refere-se com interesse para o caso:

«Como dissemos o arguido não tem antecedentes criminais. A sua personalidade reflecte padrões de normalidade. Encontra-se profissionalmente activo e continua a exercer a gerência da sociedade R. Star com rendimentos não quantificados mas suficientes para satisfazer encargos pessoais, profissionais e familiares. Não há contrariedades presentes ou futuras sobre a saúde económico-financeira do arguido e respectiva empresa R. Star.

Concretamente o tribunal a quo sancionou o relatório social baseando-se no facto do arguido estar profissionalmente activo, no mesmo ramo laboral, como sócio gerente da R. Star e nos rendimentos provenientes da sua actividade profissional, que permitem fazer face aos encargos pessoais e profissionais.

De salientar que o MP requereu a perda a favor do Estado de todas as vantagens adquiridas pelo arguido mediante a prática de actos ilícitos. Nos presentes autos foi decretado o arresto dos bens dos arguidos: contas bancárias, imóveis (fis 1380), móveis dos prédios (fis 1380) e veículos (fis 1352e fis 361). Consequentemente foi decretada a perda a favor do Estado das vantagens patrimoniais, no valor indicado de 7.278.099,87 €, com manutenção do arresto.

Perante esta estrutura, por necessidade de prevenção e tendo em conta a verificação das circunstâncias previstas no art° 50 n° 1 do CP, decidimos avaliar a suspensão da execução da pena da pena de prisão, nos termos infra.

Qualquer consideração sobre esta matéria passa pela imposição do art° 14 do RGIT conjugado com o art°s 50 e 51 n°1, ala a), ambos, do CP. A suspensão da execução da pena de prisão fica condicionada ao pagamento, o que reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia — Acórdão do STJ- Fixação de Jurisprudência n° 812012 de 24 de Outubro.

Verificam-se os requisitos para suspender a execução da pena, condicionada ao pagamento de determinada quantia, destinada a reparar o mal do crime, sem prejuízo de, paralelamente, correr termos a perda de vantagens decretada, mantendo-se, por isso, o arresto preventivo.

A intervenção do recorrente, sua falecida mulher (responsabilidade extinta por morte) e da própria empresa R. Star, levam-nos a ponderar a suspensão da execução da pena subordinada a uma indemnização ao Estado, num valor razoável e equitativo, por força do disposto no art° 51 n° 2 do CP (o dever imposto não pode representar obrigação cujo cumprimento não seja razoável de exigir). Com base neste raciocínio julgamos adequado, suspender a execução da pena aplicada ao arguido, subordinada ao cumprimento de uma indemnização ao Estado, no valor de 2.500.000,00€, a liquidar durante o período da suspensão, embora faseadamente.

O cumprimento da 1a prestação, no valor de500.000,00€, deve ocorrer 12 meses após o trânsito em julgado da decisão. As prestações subsequentes, de valor idêntico, vencem-se, respetivamente aos 24, 36, 48 e, a última, aos, 54 meses (500.000,00 X 5 = 2.500.000,00€).

Esta subordinação ao cumprimento de um dever de indemnizar o Estado (art° 51 n°1 ala a) do CP), no valor de 2.500.000,00€, destinado a reparar o mal do crime, em nada contende, com a manutenção paralela da perda de vantagens (art° 11 n°s 2 e 4 do CP), no valor de 7.278.099,87€, cuja finalidade radica na prevenção criminal e encontra fundamento na perigosidade do agente.

Por estas distintas vias o ressarcimento do Estado nunca poderá ser superior ao valor limite das vantagens obtidas — 7.278.009,87 €.

Em conclusão julgamos adequado manter a moldura concreta da pena, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal (3 anos de prisão) e revogar a moldura concreta da pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de branqueamento de capitais, reduzindo-a, agora, para uma moldura na ordem dos 3 anos e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico vai o arguido AA condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Tendo em conta personalidade e condições de vida do arguido, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias da prática criminosa, a condição imposta, bem como o tempo decorrido, conclui-se que a simples censura dos factos e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Nos termos do art° 50 n°s 1 e 5 do CP decide-se suspender a execução da pena pelo mesmo período de tempo — 4 anos e 6meses

A suspensão da execução da pena fica subordinada, durante o mesmo período, ao cumprimento do dever de indemnizar o Estado no valor de 2.500.000,00 €, de forma escalonada no tempo, em prestações iguais e subsequentes, tudo como melhor acima se descreveu. (art°s 51 n° 1, al. a) e art° 14 do RGIT)».

7. O recorrente pode discordar da decisão do TR.., quanto ao concreto juízo de prognose acerca da razoabilidade (art. 51.º/2, CP) da imposição da condição legal prevista no art. 14.º RGIT, o que não pode é, atropelando a evidência e a clareza, dizer que o acórdão recorrido violou a jurisprudência fixada por este Supremo Tribunal, quando, ao contrário do que diz o recorrente, o acórdão do TR.. expressamente convocou e depois aplicou a jurisprudência fixada. Donde, sem necessidade de outras considerações, se conclui pela rejeição do recurso porquanto não se verifica «decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo tribunal de Justiça», pressuposto material para viabilizar o recurso extraordinário pretendido pelo condenado.

Decisão:

Acordam em rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 09.06.2021.

António Gama (Relator)

João Guerra