Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047613
Nº Convencional: JSTJ00028111
Relator: TEIXEIRA DO CARMO
Descritores: FURTUM USUS
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
JOVEM DELINQUENTE
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA DA PENA
PRESSUPOSTOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REQUISITOS
REGIME APLICÁVEL
Nº do Documento: SJ199505170476133
Data do Acordão: 05/17/1995
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PATRIMÓNIO.
Legislação Nacional: CPP87 ARTIGO 402 ARTIGO 403 ARTIGO 410 N2 A B C N3 ARTIGO 426 ARTIGO 433 ARTIGO 436.
L 38/87 DE 1987/12/23 ARTIGO 29.
DL 401/82 DE 1982/09/23 ARTIGO 4.
CP82 ARTIGO 9 ARTIGO 48 N1 N2 ARTIGO 72 N1 N2 ARTIGO 297 N1 A N2 B C D H ARTIGO 304 N1 N2 N3.
DL 123/90 DE 1990/04/14 ARTIGO 1.
DL 114/94 DE 1994/05/03.
L 15/94 DE 1994/05/11 ARTIGO 8 N1 A D.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC41644 DE 1991/03/13.
Sumário : I - Pratica o crime de furto de uso de veículo, previsto e punido no artigo 304 do Código Penal de 1982, quem utilizar automóvel ou outro veículo motorizado contra a vontade de quem de direito.
II - O regime penal especial referente a jovens delinquentes contido no artigo 9 do Código Penal e no Decreto-Lei 401/82, de 23 Setembro, não é de aplicação automática, carecendo antes de um juízo de prognose favorável em relação ao agente.
III - O Código Penal na determinação da medida da pena elege como critério fundamental a culpa do agente e a prevenção de futuros crimes.
IV - A suspensão da execução da pena para além de outros pressupostos, assenta na conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de prevenção e reprovação do crime.
Decisão Texto Integral: Na 1. Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, acordam os seus Juízes:

Em processo comum e perante o Tribunal Colectivo, na Comarca de Vila Franca de Xira, foram submetidos a julgamento os arguidos:
1. A, solteiro, nascido em 29 de Março de 1974, presentemente preso preventivamente; e,
2. B, solteiro, nascido em 31 de Agosto de 1974, presentemente preso preventivamente, ambos com os demais sinais dos autos, sendo-lhes imputada, mediante acusação do
Ministério Público e que recebida foi nos seus precisos termos - folha 112 - a prática dos seguintes crimes:
Ao A: a) um crime de furto qualificado, em co-autoria material, previsto e punido pelo artigo 297, ns. 1, alínea a), e 2, alíneas c), d), e h), do Código Penal; b) dois crimes de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 123/90, de 14 de Abril, e, c) um crime de furto qualificado, em autoria material, previsto e punido pelo artigo 297, ns.
1, alínea a), e 2, alíneas c), d), e h), do referido Código Penal;
Ao B: a) um crime de furto qualificado, em co-autoria material previsto e punido pelo artigo 297 ns. 1, alínea a), e 2, alíneas c), d) e h), do Código Penal também.
Na oportunidade, apenas o arguido A apresentou contestação escrita, constante de folha 125, aí se limitando a oferecer o merecimento dos autos e bem assim tudo quanto em seu benefício possa resultar da discussão da causa.
No final do julgamento, foi lavrado o acórdão de folhas 178 a 190, aí decidindo o Colectivo dos Juízes condenar os arguidos: a) - O A:
1. pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 304 n. 1, do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão; e,
2. pela prática de um outro crime de furto de uso de veículo, em autoria material, previsto e punido pelo mesmo artigo 304 n. 1, do mesmo Diploma legal, na pena de 12 (doze) meses de prisão; b) - o B:
1. pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 304, n. 1 do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão.
Nos termos do disposto no artigo 8, n. 1, alínea d), da Lei n. 15/94, de 11 de Maio, foi declarada perdoada ao arguido A, pela comissão do crime de furto de uso de veículo, em autoria material, e cujos factos ocorreram em 11 de Março de 1994 (respeitantes ao veículo IX), toda a pena de 12 (doze) meses de prisão, entendendo-se não ser de efectuar cúmulo jurídico relativo às penas parcelares impostas, tendo, assim, o mesmo arguido que cumprir a pena de 12 (doze) meses de prisão, que lhe foi imposta, relativamente ao veículo com a matrícula AU.
Mais foram condenados ambos os arguidos em 3 UC's de Taxa de Justiça e, solidariamente, nas custas do processo, fixando-se a procuradoria em 12000 escudos.
Decidiu-se também que os arguidos se mantivessem presos, para cumprimento de pena que ainda lhes resta, devendo ter-se em conta o período de prisão preventiva por eles sofrido, à ordem dos presentes autos e que, em virtude dos objectos apreendidos a eles, constantes de folha 8, haverem sido por eles utilizados na prática dos factos - crime em questão, de harmonia com o disposto no artigo 107, n. 1, do Código Penal, foram os mesmos declarados perdidos a favor do Estado.
Relativamente aos imputados 2 crimes de condução ilegal, previsto punido pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 123/90, de 14 de Abril, entendeu-se tal Diploma sido revogado conjuntamente com outros, pelo Decreto-Lei n.
114/94, de 3 de Maio, cujo artigo 1 aprovou o novo Código da Estrada, o qual entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1994. Face à entrada em vigor do novo Código da Estrada, o referido crime passou a constituir ilícito de mera ordenação social. A intenção do legislador, argumenta-se no acórdão, foi descriminalizar a condução de veículos automóveis sem habilitação legal (carta de condução), aplicando-se as regras do artigo 9, n. 3, do Código Civil. Acresce que, no caso, sempre haveria que aplicar o regime mais favorável ao arguido (artigo 2 n. 4, do Código Penal).
Nestas condições, em conformidade, também com os ns. 1 e 2 do mesmo preceito legal, considerou-se descriminalizada a conduta do arguido A, quanto à mencionada condução sem carta. Como tal, em consequência, e nessa parte, foi declarado extinto o procedimento criminal (condução sem carta), e ordenado o arquivamento dos autos.
Inconformado com tal decisão condenatória, veio o arguido A, a folha 196 e seguintes, interpor recurso do acórdão proferido para este Supremo Tribunal de Justiça, que logo motivou, sendo que, em sede conclusiva, aduz as seguintes razões:
1. O Tribunal "a quo" não tomou em devida conta a personalidade do arguido, o seu comportamento anterior, isto é, quaisquer factos que pudessem atenuar a pena ou justificar a sua suspensão.
2. O Tribunal "a quo" não justificou a necessidade e a adequação da pena de prisão efectiva, nem teve em consideração a situação anterior e posterior ao crime,
3. A pena efectiva só se justifica por necessidade de reprovação e prevenção do crime.
4. No caso presente, não se demonstrou que a prisão efectiva fosse necessária para reprovar e prevenir o crime em questão.
5. A pena deve ser meio sócio-pedagógico activo.
6. No caso presente, só a suspensão da pena de prisão conseguirá esse alcance.
7. O Tribunal deveria ter aplicado o regime previsto no Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro, por não existirem razões para a sua não aplicação.
8. Deverá ser aplicado o artigo 48 do Código Penal.
9. Violou o acórdão recorrido os artigos 71 e 72 do mesmo diploma legal.
Conclui o recorrente, impetrando a procedência do recurso.
Foi o recurso admitido, tendo vindo responder ao mesmo o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, cuja contramotivação consta de folhas 205 a 207, aí se batendo pela manutenção do acórdão recorrido.
Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, conforme o ordenado a folha 209.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Alto Tribunal, na vista que teve, pronunciou-se no sentido de nada haver que contrarie a regularidade processual do recurso interposto ou que impeça o seu prosseguimento, promovendo que, oportunamente, se designasse dia para a audiência.
Foi proferido o despacho preliminar. Correram os vistos legais e teve lugar a audiência, na qual se observou o ritualismo legal.
O que tudo visto, cumpre decidir.
Vêm dados como provados os seguintes factos:
- No dia 27 de Abril de 1994, pela 1 hora e 30, noite, portanto, quando passavam, no local, a seguir, indicado, os arguidos (A e B) abeiraram-se do veículo automóvel de matrícula AU, pertencente a C, o qual se encontrava estacionado, na via pública, no Bairro da Icesa, Vialonga.
- Nessa altura, eles encontravam-se munidos de um par de luvas de cabedal, de uma chave de fendas e de uma chave de grifos (objectos indicados no termo de entrega de folha 8);
- Aproveitaram a noite, para, mais facilmente, alcançarem os seus objectivos, a seguir indicados;
- Então, enquanto um dos arguidos vigiava se alguém se aproximava daquele local, o outro, utilizando um instrumento cortante, não identificado, cortou a borracha do vidro que margina o vidro traseiro esquerdo do citado veículo e, pela abertura criada dessa forma, introduziram-se no seu interior (do mesmo veículo);
- Seguidamente, o arguido A partiu o plástico, que envolve a coluna de direcção do automóvel e, com as referidas chave de grifos e chave de fendas, partiu o canhão da ignição e procedeu a uma "ligação directa", colocando o motor da viatura a trabalhar;
- Com essa actuação, causaram danos/prejuízos no veículo, embora, não, concretamente apurados;
- Esse arguido procedeu a tais operações, com as luvas calçadas, para evitar deixar impressões digitais no automóvel;
- Entretanto, o arguido B manteve-se alerta, procurando aperceber-se da eventual chegada de alguém, para avisar o arguido A;
- Em seguida, ambos abandonaram o local, transportando-se, naquela viatura, conduzindo-a o arguido A, por várias artérias daquela localidade (Bairro da Icesa);
- O mesmo arguido A não possuía carta de condução, nem qualquer outro documento que o habilitasse à condução de veículos automóveis, na via pública, sabendo que essa condução pressupõe a necessária habilitação, com carta de condução, ou outro documento próprio;
- O aludido veículo automóvel (de matrícula 63-37-AU) tinha um valor não concretamente apurado, mas não era inferior a 1000000 escudos
(um milhão de escudos);
- Acresce que, já no decurso da noite de 11 de Março de 1994, também, a hora indeterminada, o mesmo arguido, A, acercara-se do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula IX, marca "Fiat UNO", de cor vermelha, que se encontrava estacionado, na via pública, em Vialonga, pertencente a D;
- Tal veículo tinha o valor de cerca de 850000 escudos;
- E o arguido A, por meio não concretamente apurado, retirou ao veículo o vidro lateral direito traseiro e procedeu a uma "ligação directa", deixando a ignição do mesmo danificada;
- Uma vez colocada essa viatura em funcionamento, o arguido levou-a dali e, com ela, conduzindo-a, fez-se transportar, por vários locais, naquela área;
- O referido arguido, nos termos acima descritos, também conduziu tal veículo automóvel, nas ruas de Vialonga, sem estar habilitado com carta de condução, ou outro documento, querendo fazê-lo e sabendo que o mesmo era legalmente necessário;
- Também em relação ao citado veículo automóvel de matrícula, IX, o arguido A aproveitou a noite para, mais facilmente, levar a efeito as suas intenções;
- No caso de ambas as viaturas, os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente;
- Mas agiram, apenas, com o propósito de as utilizarem (o arguido B, somente, no tocante ao veículo AU), para "darem umas voltas", embora sabendo que não lhes pertenciam, que agiam sem conhecimento e contra a vontade do seu dono e que tal conduta lhes era proibida por lei.
O Tribunal considerou, ainda, provados os seguintes factos:
- Ambos os veículos foram, depois, recuperados, mas com alguns danos/prejuízos, causados pela acção dos arguidos;
- Como já se referiu, eles somente pretenderam utilizar, como utilizaram, os citados e respectivos veículos, para neles se deslocarem, isto é, para "darem umas voltas", não tendo tido a intenção de deles se apropriarem (assim como, portanto, o arguido A, no que respeita ao veículo IX);
- Eles confessaram os factos atrás descritos e dados como provados;
- Ambos os arguidos se encontram presos, preventivamente, à ordem dos presentes autos;
- O arguido A, antes de preso, sendo solteiro, vivia com os pais, trabalhando, como servente de pedreiro, na construção civil, auferindo um montante de cerca de 60000 escudos;
- Do seu certificado do Registo Criminal, folha 86, nada consta;
- É pois, delinquente primário;
- O arguido B, antes de preso, sendo solteiro, vivia com os pais;
- Trabalhava, como ajudante de pedreiro, na construção civil, auferindo, nessa actividade, um montante de cerca de 70000/800000 escudos mensais;
- Como se verifica do seu certificado do registo criminal, de folhas 105/106, este arguido já respondeu, neste Tribunal, em 25 de Fevereiro de
1994, pela prática de um crime de ofensas corporais, tendo sido condenado em pena de multa, com a respectiva alternativa de prisão;
- Tem, ainda, um processo pendente, neste Tribunal, pela prática de um crime de ofensas corporais e dano, que, segundo o arguido declarou em audiência, tem julgamento marcado, para o dia 13 de Outubro de 1994).
Factos não provados:
Considerados os factos acima descritos e dados como provados, bem como os que constam da acusação, não se tendo provado quaisquer outros, não se provou, designadamente, que qualquer dos arguidos tivesse tido a intenção de se apropriar do veículo de matrícula AU, neste caso, quanto a ambos os arguidos, ou do veículo IX, neste caso, apenas, quanto ao arguido A, mas, apenas, de os utilizarem, para deslocações com os mesmos, para "darem umas voltas", não tendo tido a intenção de deles se apropriarem.
O âmbito de um recurso, segundo a jurisprudência que tem sido dominante neste Supremo Tribunal de Justiça, é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (cfr. por todos, o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 13 de Março de 1991, no Processo n. 41694).
Tendo presentes os mandamentos que promanam do disposto nos artigos 402 e 403, ambos do Código de Processo Penal, temos que o contexto factológico que o acórdão recorrido deu como firmado ou como provado, e que atrás tivemos o cuidado de reproduzir, impõe-se a este
Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de ter de acatá-lo como insindicável, atenta a qualidade de tribunal de revista que assume este mesmo Alto Tribunal, nos precisos termos dos artigos 433 e 29, respectivamente do Código de Processo Penal e da Lei n. 38/87, de 23 de Dezembro.
Identicamente ao que sucedia no regime do Código de Processo Penal de 1929, quando o Supremo Tribunal de Justiça funciona como tribunal de recurso, compete-lhe aplicar o regime jurídico adequado perante os factos que foram apurados pelo Tribunal de instância, que agora é o tribunal colectivo ou o do júri.
Perante o Supremo Tribunal de Justiça, funcionando como tribunal de recurso, não há lugar, em caso algum, a renovação da prova; a lei atendeu à elevada garantia de veracidade que dá a prova apurada pelos mencionados tribunais.
Sucede, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça, face ao actual Código de Processo Penal, tem hoje poderes que, de algum modo, se intrometem na apreciação de aspectos fácticos - por isso, chama-se-lhe tribunal de revista alargada -, e que são os de apreciação da matéria referida no artigo 410, ns. 2, e suas alíneas, e 3, também do Código de Processo Penal.
Aludem as alíneas a), b) e c) do n. 2 e o n. 3, ambos do citado artigo 410, aos seguintes vícios: a) - a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) - a contradição insanável da fundamentação; c) - erro notório na apreciação da prova, e, finalmente, "a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (n. 3).
Porém, atente-se, os vícios a que se reportam as alíneas a), b) e c) do n. 2 do mesmo artigo 410, com vista à sua relevância, isto é, em ordem a imporem o reenvio do processo para novo julgamento, como se preceitua nos artigos 426 e 436, ambos também do Código de Processo Penal, hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não podemos socorrer-nos de outros elementos.
Não pode o Supremo sindicar a valoração das provas feitas pelo Colectivo, em termos, por exemplo, de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra ou por ter mesmo formado a sua livre convicção com base em provas de consistência duvidosa. E já agora, acrescente-se, não integra o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer dos outros previstos no artigo
410, n. 2, do Código de Processo Penal, o facto de o recorrente pretender contrapôr às conclusões fácticas do Tribunal, a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e o não foi.
Ora, nenhum dos apontados vícios vem alegado, nomeadamente invocado nas conclusões da motivação do recorrente e arguido A, nem eles fluem do texto da decisão recorrida, maxime da panorâmica factual aí dada como apurada.
Daí, que a mesma se tenha de haver por definitivamente assente.
Avançando, face às conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, cremos não errar se dissermos que o recorrente A limitou o seu recurso à pena que lhe foi aplicada, pugnando, na essência, no caso concreto e no que lhe respeita, pela aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n. 401/82, de 23 de Setembro e pela suspensão da execução da pena, lançando-se mão do preceituado no artigo 48 do Código Penal.
Como se vê, o arguido e recorrente vinha libelado ou acusado da comissão de um crime de furto qualificado, em co-autoria material, previsto e punido pelo artigo 297, ns. 1, alínea a), e 2, alíneas c), d) e h), do
Código Penal, de dois crimes de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 123/90, de 14 de Abril, e, de um crime de furto qualificado, em autoria material, previsto e punido pelo artigo 297, ns. 1, alínea a), e 2, alíneas, c), d) e h) (?), do referido Código Penal.
Relativamente aos crimes de condução ilegal, o Tribunal "a quo", após doutas e exegéticas considerações sobre o ordenamento jurídico-penal e contra-ordenacional vigentes, em que não deixou de ser trazido à ribalta o
Decreto-Lei n. 114/94, de 3 de Maio, isto para além do Decreto-Lei n. 123/90, de 14 de Abril, considerou descriminalizadas as condutas do recorrente A, mas no que concerne à condução sem carta ou documento que a tal habilitasse, e, nesta parte, declarou extinto o respectivo procedimento criminal, com o arquivamento oportuno dos autos.
Nenhuma questão foi levantada neste domínio, sendo que, por nossa banda, subscrevemos a solução encontrada, tendo-a por correcta.
Quanto aos demais crimes imputados ao recorrente, ou seja, a prática dos dois crimes de furto qualificado, o tribunal "a quo", no enquadramento jurídico-penal a que procedeu, face aos factos dados como provados, decidiu que a conduta do arguido recorrente A integrava a comissão, em co-autoria material, de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 304, n. 1, do Código Penal (veículo automóvel com a matrícula AU, pertencente a C), bem como de um outro crime de furto de uso de veículo, em autoria material, previsto e punido pelo citado artigo 304, n. 1, do mesmo Diploma legal (veículo automóvel com a matrícula IX, pertencente a D).
Tal subsunção jurídico-penal (ou enquadramento) antolha-se correcta, como aliás, a operada quanto ao arguido B, não recorrente.
Sempre se dirá que a "convolação" feita não vem sequer posta em crise, sendo aceite pelo recorrente. A realidade emergente da prova produzida substituiu, na sua valoração jurídico-penal, o "furtum rei" pelo "furtum usus".
Estatui-se, com efeito, no n. 1 do artigo 304 do Código Penal que "Quem utilizar automóvel ou outro veículo motorizado, aeronave, barco ou bicicleta contra a vontade de quem de direito será punido com prisão até 2 anos ou multa até 50 dias, salvo se pena mais grave for cominada para o facto em outra disposição legal".
Não ocorreu, no caso concreto dos autos, algo, em termos de factualidade provada, que conduza ou imponha a aplicabilidade do disposto nos ns. 2 e 3 do referido artigo 304 do Código Penal.
Por cada um dos crimes provados e a assacar ao recorrente, decidiu o Tribunal Colectivo, como vimos, aplicar ao arguido A a pena de 12 meses de prisão, declarando, desde logo, perdoada a pena decretada relativamente ao crime praticado em 11 de Março de
1994, isto por força do estatuído no artigo 8, n. 1, alínea d), da Lei n. 15/94, de 11 de Maio. Restava, deste modo, ao arguido-recorrente cumprir a pena pelo crime praticado em 24 de Abril de 1994, pena esta última nivelada em 12 meses de prisão.
À data dos factos, o arguido A ainda não havia completado os 20 anos de idade, isto com respeito aos ocorridos em 11 de Março de 1994, e já tinha os 20 anos de idade com respeito aos factos ocorridos em 27 de Abril de 1994. Na verdade, completou os 20 anos de idade em 29 de Março de 1994. Não tinha antecedentes criminais, nada constando do respectivo certificado do registo criminal junto aos autos, a folha 86. Confessou os factos dados como provados.
A determinação da medida da pena deve fazer-se em função da culpa, mas deve ter ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes - artigo 72, n. 1, do Código Penal.
Como escreveu o Professor Doutor Figueiredo Dias, embora a outro propósito (especialmente os fins das penas na perspectiva de revisão do Código Penal), o modelo da determinação da pena mais adequado, como no Código vigente, é aquele que comete à culpa a função - única, mas nem por isso menos decisiva - de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma "moldura de prevenção", cujo limite máximo é dado pela medida
óptima de tutela de bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e, à prevenção especial, a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida "moldura de prevenção" que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.
Este modelo é o que melhor combina os critérios de culpa e da prevenção, como vectores legalmente impostos de medida da pena, dentro das intenções político-criminais básicas do Código Penal (cfr. do Professor referido, o estudo "O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma", na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3. - Abril - Dezembro de 1993, página 186).
Ora, tendo em conta tudo quanto vem de ser dito, temos que o legislador actual, na consideração dos fins das penas, como flui do n. 1 do citado artigo 72, elege a culpa do agente como causa final da determinação da pena, assim se decidindo por um sistema ético-retributivo, isto, obviamente, sem prejuízo da consideração dos fins da prevenção geral e especial.
O n. 2 do mesmo artigo 72 fixa os factores de doseamento da pena, ou seja, os elementos com recurso aos quais a mesma se deverá graduar, fazendo-o, contudo, de forma exemplificativa. Para além do circunstancialismo aí previsto (ver respectivas alíneas), o tribunal pode, pois, relevar agravativa ou atenuativamente quaisquer outras circunstâncias.
Essencial é que tenham reflexos nos domínios da culpa e da ilicitude.
Refere-se a lei, no elencar das aludidas circunstâncias, embora de modo exemplificativo, ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados na preparação do crime e aos fins ou motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e sua situação económica, à conduta anterior ao facto e à posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, e, finalmente, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Temos como dado incontroverso que o tipo legal de crime que o recorrente cometeu, e por duas vezes, uma situação de perfeito concurso real ou de acumulação real de crimes, tem vindo a assumir proporções acentuadas, levando ao aparecimento ou surgir de mecanismos, evidenciadores de técnicas avançadas, destinados a assegurar a inviolabilidade dos veículos automóveis por parte de intrusos, ou, melhor dizendo, por parte de indivíduos para quem o respeito pela propriedade alheia pouco ou nada conta.
É certo que, no caso em apreço, tratou-se apenas, de acordo com a respectiva tipologia, de um "furtum usus", sem intenção apropriativa, isto em termos definitivos, por parte de qualquer dos arguidos, quanto a qualquer dos ditos veículos.
Mas, como se salienta no acórdão recorrido, a verdade é que, ambos os arguidos - um dos crimes foi cometido em co-autoria material - apossaram-se dos veículos por forma bastante censurável, retirando, inclusivé, as borrachas do vidro traseiro (no AU, do vidro traseiro esquerdo, e, no IX, foi retirado o vidro lateral direito traseiro); acresce que no veículo AU, foi partido o plástico que envolve a coluna de direcção do automóvel e, com as chaves de grifos e a chave de fendas, foi partido o canhão da ignição, tendo-se procedido a uma ligação directa com vista a colocar o motor a trabalhar, como é, aliás, costume fazer em casos destes. A mesma ligação directa foi feita pelo arguido A no veículo IX, tendo deixado a ignição danificada. Tudo isto, em suma, para "darem umas voltas"!
Foram causados danos/prejuízos em ambas as viaturas, decorrentes da actuação dos arguidos, tal como se vem de narrar e provado ficou.
Às suas condutas esteve sempre subjacente o dolo directo, como forma regra e grave de culpa ou da imputação subjectiva, em direito penal.
Nas apropriações ilegítimas ou indevidas levadas a efeito, o recorrente, tal como o co-arguido B (somente no caso da viatura AU), aproveitou-se da noite para, mais facilmente, levar a efeito os seus propósitos criminosos, colocando-se, por via de tal, como é bem de intuir, numa situação de mais fácil impunidade ou de subtracção à acção da justiça.
Com propriedade, se escreveu na decisão recorrida que, em tais casos, inseridos nos crimes de furto, modalidades ou formas de apropriação ilícita de bens e outros valores, dada a sua frequência, sem dúvida conducente a um crescente alarme social, "necessário se torna a aplicação de penas, especificamente adequadas a esses casos, que traduzem reais efeitos de reprovação social e de prevenção, quer geral, quer, principalmente, especial".
Chegados aqui, na óptica do recurso interposto pelo arguido A, temos que as penas parcelares impostas - uma delas desde logo perdoada por força do estatuído no artigo 8, n. 1, alínea d), da Lei n. 15/94, de 11 de Maio - se mostram ajustadas, indo perfeitamente ao encontro dos fins a prosseguir com a punição e sem se olvidar os factores de doseamento que a lei, embora a título exemplificativo, prescreve.
O contexto factológico emergente da discussão, tal como consta da decisão, é suficiente em termos de, justificadamente, impor a adopção da pena de prisão efectiva, ao mesmo tempo que afasta qualquer tentativa da aplicação, como se pretende com o presente recurso, do regime especial previsto no Decreto-Lei n. 401/92, de 23 de Setembro. O acórdão recorrido disse em cabal justificação, colhendo o nosso assentimento ou concordância. A impetrada atenuação especial não encontra, no caso, suporte. A argumentação expendida vale também para o afastamento ou improcedência da impetrada suspensão da execução da pena, ao abrigo do disposto no artigo 48 do Código Penal.
A não suspensão da pena de prisão aplicada flui devidamente fundamentada, não se mostrando presentes os pressupostos mencionados no n. 2 do artigo 48 do Código Penal.
Não esqueçamos ou desprezemos a circunstância do arguido A, no espaço de tempo de pouco mais de um mês, ter cometido dois crimes da mesma natureza. Onde ou quando pararia?
Nada habilita a concluir que, atendendo à personalidade do agente, o aqui recorrente, às condições da sua vida,
à sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o recorrente da criminalidade e satisfazer as necessidades da reprovação e prevenção do crime, isto, nos termos de se impôr e mostrar aconselhável a suspensão da execução da pena.
Ainda no que respeita ao regime penal referente aos jovens delinquentes - artigo 9 do Código Penal e Decreto-Lei n. 401/82, de 23 de Setembro - não é ele de aplicação automática, antes carecendo de um juízo de prognose, favorável em relação ao agente.
Tais medidas não são de imposição ou adopção automática, como, aliás, resulta da própria lei. Não devem funcionar, em suma, como mera substituição automática da prisão. Como reacções ou mecanismos de conteúdo pedagógico e reeducativo, só devem ser decretadas quando o Tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias, serem tais medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.
Quanto à atenuação especial que dimana do artigo 4 do mencionado Decreto-Lei n. 401/82, aí se diz que o juiz deve lançar mão dela quando tiver sérias razões para crer que, da atenuação, resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Ora, a tal propósito e neste sentido nada nos é oferecido pelo contexto factológico apurado.
Em conclusão, pelas razões expostas, o recurso interposto pelo arguido A é de julgar improcedente, como efectivamente se julga e, porque, no mais contido e decidido no acórdão recorrido, nada se oferece censurar e alterar, mais se decide confirmar na integra o mesmo.
Pela sucumbência, vai o recorrente A condenado em 4 UC's de taxa de justiça, fixando-se a procuradoria em 1/3. Fixa-se no mínimo os honorários ao Defensor (ocasional).
Lisboa, 17 de Maio de 1995.
Teixeira do Carmo,
Amado Gomes,
Lopes Rocha,
Herculano Lima.