Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1747/20.0T8AMT-H.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: EXTINÇÃO
DIREITO DE SUPERFÍCIE
NORMA SUPLETIVA
TRESPASSE
NULIDADE DE CLÁUSULA
BOA FÉ
ANALOGIA
DIREITO DE PROPRIEDADE
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 09/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- A autonomia privada não significa que as partes possam a seu belo prazer, ao abrigo da liberdade negocial decorrente do disposto no artigo 405º, nº1 do CCivil, fazer todas e quaisquer estipulações, estipulando aquele normativo que as mesmas deverão ser feitas dentro dos limites da Lei, aferindo-se as circunstâncias concretas em que se desenvolveu o conteúdo negocial.

II- Analisando a materialidade assente, nada resulta que nos faça  sequer por em causa, que todo o envolvimento negocial não tenha sido objecto de conversações entre as partes e/ou que  a Recorrente tivesse sido obrigada a  subscrever os contratos sem os ler, ou sem ter sido devidamente elucidada  do seu conteúdo e alcance,  sendo certo que, de outra banda, qualquer das cláusulas que aqui se pretendem por em causa não se mostram  consubstanciadoras de negócios cujos objectos sejam física ou legalmente impossíveis, contrários à Lei ou indetermináveis, nem tão pouco contrários à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes que possa postular a nulidade aludida no artigo 280º do CCivil.

III- Como decorre do artigo 1º, nº1 do DL 446/85, de 25 de Outubro do apontado diploma «As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.», acrescenta o seu nº2 que «O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.».

IV- Tais cláusulas apresentam-se com um conteúdo pré-elaborado, imbuído de rigidez, sem qualquer possibilidade de alteração, as quais são utilizadas por pessoas indeterminadas: é apresentado um contrato “standart” pelo proponente ao destinatário, contendo todas as cláusulas já pré-definidas por aquele, limitando-se este a dar o seu consentimento, sem que tenha a possibilidade de as discutir.

V- A tónica transversal a este tipo de contratos e/ou de contratos individualizados com cláusulas pré-elaboradas sem discussão prévia neles inseridas é que os mesmos estão sujeitos à disciplina da LCCG e por isso sujeitas a todos os deveres de comunicação e informação decorrentes do disposto nos artigos 4º a 6º, bem como ao controlo e fiscalização do seu conteúdo.

VI- Contudo, a tese da Recorrente falece na medida em que da matéria dada como provada, para além de não se ter dado por liquido que os contratos havidos entres as partes sejam contratos de adesão, nem tão pouco demonstrado ficou que as  claúsulas neles inseridas tivessem sido previamente elaboradas, sem qualquer tipo de negociação entre as partes interessadas, nem tão pouco que, mesmo que algumas cláusulas tivessem sido apresentadas pré-feitas, o que se equaciona apenas por mera hipótese de racíocinio, as mesmas não houvessem sido comunicadas e objecto da informação necessária e devida à Recorrente, por forma a serem inquinadas com alguma invalidade.

VII- O facto de o contraente que propõe contratos cujas cláusulas são predispostas por si, consentir na negociação de algumas, não exclui que se trate de contrato de adesão: o que importa é saber se o aderente pode negociar as que lhe aprouver, pois se, desde logo, a sua margem de negociação está balizada, condicionada, pelo predisponente, estamos perante um quadro impositivo em que a as cláusulas individuais só são contempladas pela opção do predisponente. Além disso, sempre importará considerar o contrato como um todo, atendendo ao quadro negocial padronizado, onde certamente existem cláusulas mais importantes e outras não tanto, para saber quais as que consentem negociação individual.

VIII- A celebração de qualquer contrato pressupõe o conhecimento pelos contraentes das posições recíprocas, o que decorre da imposição do princípio geral da boa fé no contexto negocial, que o legislador assinala como dever logo na fase pré-contratual e que se, culposamente infringido, acarreta responsabilidade civil como decorre do artigo 227º do CCivil e quanto mais complexo foi o conteúdo contratual e a teia de interesse antagónicos mas harmonizáveis nele implicados for, mais intensos são os deveres de informação, lealdade e ponderação recíproca de interesses como postulados indissociáveis da actuação de boa fé.

IX- O artigo 1536º do CCivil nas várias alíneas do seu nº1, especifica múltiplas causas de extinção do direito de superfície, adiantando o seu nº2 que no titulo constitutivo poderá  prever-se a extinção de tal direito em virtude da verificação de qualquer condição resolutiva, podendo desta feita as partes assentar contratualmente, de harmonia com o preceituado no artigo 270º do mesmo diploma, num acontecimento futuro com efeitos resolutivos do negócio engendrado.

X- A lei civil admite o ressarcimento pela extinção do direito de superfície devido ao decurso do prazo no artigo 1538º e mesmo neste caso excepcionando a existência de estipulação em contrário, não antevendo qualquer indemnização para os demais casos de extinção,   ressalvando-se, claro está, qualquer negociação ex adverso.

XI- Uma resolução acordada não equivale a uma expropriação, já que os factores expropriativos são decorrentes de critérios de utilidade pública, de um modo geral incertos e inopinados mas dependentes de um acto da autoridade pública e por motivo de utilidade pública, enquanto uma condição resolutiva prevista num negócio jurídico, para além de ter sido tomada em conta e discutida entre as partes, assume foros de probabilidade, constituindo a possibilidade de fazer cessar o contrato na sequência da verificação de um facto futuro, mediante uma declaração unilateral e receptícia dirigida à contraparte, sempre dependente da vontade negocial; as situações não são comparáveis, nem podem ser comparadas, não tendo qualquer aplicação o disposto no artigo 62º da CRPortuguesa.  

XII- O direito de propriedade não goza de uma protecção constitucional em termos absolutos, apenas estando instituído o direito de não se ser privado do direito de propriedade de uma forma arbitrária e de ser indemnizado no caso de ocorrer uma desapropriação forçada por acto da autoridade pública, prevendo a Constituição, além do mais,  figuras deste jaez, tais como a requisição e a expropriação por utilidade pública, expropriação de solos urbanos para efeitos urbanísticos e nacionalização de empresas e meios de produção.

XIII- Prescreve o nº1 do artigo 1538º que «Sendo o direito de superfície constituído por certo tempo, o proprietário do solo, logo que expire o prazo, adquire a propriedade da obra ou das árvores.», o que significa que a extinção do direito de superfície conduz inexoravelmente à aquisição, pelo fundeiro, proprietário do solo, do direito de propriedade da obra eventualmente edificada pelo superficiário.

XIV- A doutrina tem vindo a admitir a aplicação analógica do preceituado no artigo 1538º, nº1 do CCivil a todos os casos de extinção do direito de superfície, desde que sejam observadas as especificações do preceituado no artigo 10º, nº1 do CCivil, isto é, a existência de lacuna, a semelhança na situação factual, aquisição pelo fundeiro do direito de propriedade sobre o implante.

XV- Como aí igualmente se refere, a norma em equação não tem um sentido absoluto e injuntivo, podendo ser afastada por vontade das partes, aplicando-se apenas na sua integralidade caso nada tenha sido previsto, daí que não ocorra qualquer nulidade da cláusula contratual resolutiva, e prevendo-se  expressamente a ausência do ressarcimento do superficiário, sendo tal cláusula perfeitamente licita face ao disposto nos artigos 1536º, nº2 e 1538º, nº2 do CCivil, não sendo caso de aplicação do disposto no artigo 809º do mesmo diploma, nem consubstanciando a extinção do direito de superfície a equivalência a um acto expropriativo e/ou de espoliação ilegal ou indevida, o superficiário não tem qualquer direito a ser indemnizado.

Decisão Texto Integral:


PROC 1747/20.0 T8AMT-H.P1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I SODIBAIÃO – SUPERMERCADOS, LDA e AA intentaram contra Imoalcanena – Sociedade Imobiliária, SA e ITMP Portugal – Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA pedindo que:

a) fosse declarado transmitido a favor da sociedade Autora, por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade da Ré Imoalcanena sobre o terreno do prédio urbano sito em lugar da ..., ..., inscrito na respectiva matriz no artigo ...76.º e descrito na conservatória de registo predial sob o n.º ...61 – produzindo-se todas as alterações registrais daí decorrentes;

b) caso assim se não entenda, devem as cláusulas sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície e a cláusula quinta do contrato de trespasse ser declaradas nulas por violação do disposto no artigo 280.º do Código Civil;

c) caso assim se não entenda, devem os contratos de constituição de direito de superfície e de trespasse ser considerados contratos de adesão, e em consequência:

1) serem as cláusulas sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície e a cláusula quinta do contrato de trespasse declaradas nulas, por configurarem cláusulas contratuais gerais proibidas, contrárias à boa fé, nos termos das disposições consignadas nos artigos 12.º, 15.º, 19.º/c) e f) do DL. 446/85, de 25 de Outubro, ou

2) caso assim se não entenda, devem as cláusulas segunda, sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície, bem como a cláusula quinta do contrato de trespasse ser consideradas excluídas dos respectivos contratos singulares, por violação apenas imputável às rés, dos deveres de comunicação e de informação, nos termos do consignado nas disposições conjugadas dos artigos 5.º, 6.º e 8.º/al. a) e b) do mesmo diploma legal;

d) sem conceder, e caso ainda assim se não entenda, deve ser reconhecido que, caso a Ré Imoalcanena venha a exercer as prerrogativas insertas nas cláusulas segunda, sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície – antes ou no final do seu prazo de vigência – incorreria em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e/ou de desequilíbrio/desproporção no exercício (artigo 334.º do C.Civil), sendo o seu exercício ilegítimo; declarando-se ainda que, caso a ré ITMP venha a accionar a cláusula penal – aliás manifestamente excessiva (artigo 812.º C.Civil) - contida na cláusula quinta do contrato de trespasse, tal actuação configuraria de igual modo manifesto abuso de direito, na modalidade de desequilíbrio/desproporção no exercício (artigo 334.º do C. Civil), sendo o seu exercício ilegítimo;

e) caso ainda assim se não entenda, devem os Autores ser indemnizados por todas as benfeitorias realizadas sobre o prédio urbano em referência, nos termos que vierem a apurar-se, ao abrigo do artigo 556.º do C.P.Civil.

As Rés contestaram invocando a incompetência absoluta do Tribunal para a tramitação e julgamento da acção, no que se refere ao invocado contrato de trespasse, e a sua ilegitimidade processual passiva, no que respeita aos pedidos deduzidos sob as alíneas b) e c) e impugnaram os factos alegados, concluindo pela improcedência da acção.

Os Autores responderam às excepções invocadas, pugnando pela sua

improcedência.

Foi julgada oficiosamente a excepcção de incompetência relativa do Tribunal, tendo sido determinada a apensação da acção ao processo de insolvência da Autota e a notificação dos Autores para, em 10 dias, virem aos autos suscitar a intervenção principal provocada da sociedade “D..., Lda”, sendo-o como associada das Rés, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos art.ºs 316.º, n.º 1, 318.º, 320.º e 590.º, n.º2, al. a), e 6.º, n.º 2 do CPCivil, o que se tornou impossível pois a mesma foi  foi objecto de dissolução e liquidação em 5.09.2008, ou seja, cerca de 10 meses após a outorga do contrato de trespasse que constitui o doc. 5 dos autos.

No despacho saneador julgaram-se, além do mais, improcedentes as excepções da incompetência material do Tribunal e da ilegitimidade passiva das Rés.

Proferiu-se sentença a julgar a acção improcedente com a absolvição das Rés dos pedidos, bem como os Autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

Inconformada com a tal decisão, dela veio a Autora - massa insolvente de Sodibaião - Supermercados Ld.ª recorrer de Apelação, que veio a ser julgada improcedente com a confirmação da sentença recorrida.

Irresignada, recorreu a Autora de Revista excepcional, recurso esse que veio a ser admitido pela Formação por Acórdão de 30 de Junho pp., tendo apresentado como acervo conclusivo:

«[F)] CERTO É QUE, SE A DECISÃO FINAL MERECER PROVIMENTO, TODO O PATRIMÓNIO (MOBILIÁRIO E IMOBILIÁRIO) QUE RESTA À RECORRENTE (E À SUA MASSA INSOLVENTE, ATENTA A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA PROFERIDA NOS AUTOS) TRANSITARÁ AUTOMÁTICA E INELUTAVELMENTE PARA A ESFERA JURÍDICA DAS DEMANDADAS, FACE AO TEOR DA CLÁUSULA NONA DOCONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE – A QUAL, CONFORME OS IMPETRANTES DISCORREM NOS PRESENTES AUTOS, TEM NATUREZA CONTRA LEGEM E É MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL.

G) REPRESENTANDO OUTROSSIM UMA LESÃO IRREPARÁVEL PARA OS CREDORES SOCIAIS, NA MEDIDA EM QUE PERDERÃO A GARANTIA DO SEU CRÉDITO, POR FORÇA DA ELIMINAÇÃO (SEM CONTRAPARTIDA INDEMNIZATÓRIA) DO DIREITO DE SUPERFÍCIE QUE CONSTITUI O ÚNICO ATIVO VALIOSO DA MASSA INSOLVENTE.

H) ENTRE OS CREDORES SOCIAIS FIGURAM INÚMEROS PEQUENOS EMPRESÁRIOS E MUITAS P.M.E., ÀS QUAIS  PODERÃO ADVIR CONSEQUÊNCIAS ECONÓMICO-FINANCEIRAS DESASTROSAS, FRUTO DO JÁ CONHECIDO EFEITO “BOLA DE NEVE” INERENTE À NÃO RECUPERAÇÃO (TOTAL OU PARCIAL) DOS SEUS CRÉDITOS.

I) O TRIBUNAL RECORRIDO INTEPRETOU DE FORMA ABSOLUTAMENTE ERRÓNEA A DISPOSIÇÃO CONSTANTE DO ARTIGO 1538º DO CÓDIGO CIVIL, PORQUANTO O MESMO APLICA-SE UNICAMENTE QUANDO A EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE É FUNDAMENTADA PELO DECURSO DO PRAZO.

J) CONFORME CLARAMENTE RESULTA DA ELEMENTO LITERAL DO ARTIGO 1538º, Nº 2 DO CÓDIGO CIVIL, O RECURSO À EXPRESSÃO: “NESSE CASO” É REVELADORA DA INTENÇÃO DO LEGISLADOR: LIMITAR A POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA AO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO AOS CASOS EM QUE O DIREITO DE SUPERFÍCIE SE EXTINGA PELO DECURSO DO PRAZO.

K) NO CASO SUB JUDICE, É UNÂNIME QUE O DIREITO DE SUPERFÍCIE FOI EXTINTO ATRAVÉS DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RESOLUÇÃO CONTRATUALMENTE PREVISTO (AO ABRIGO DA CLÁUSULA 8ª, Nº1 (POR REMISSÃO DA ALÍNEA G) DA CLÁUSULA 6ª) E 3 DO CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE).

L) A POSSIBILIDADE DE AS PARTES    AFASTAREM, ATRAVÉS DE CONVENÇÃO EM CONTRÁRIO, O DIREITO À INDEMNIZAÇÃO APENAS EXISTE QUANDO O DIREITO DE SUPERFÍCIE SE EXTINGUE PELO DECURSO DO PRAZO E NÃO ATRAVÉS DAS DEMAIS FORMAS DE EXTINÇÃO PREVISTAS NO ARTIGO 1536º DO CÓDIGO CIVIL.

M) NESTA CONFORMIDADE, O Nº 2 DA CLÁUSULA NONA DO CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE É NULO POR SER CONTRÁRIO À LEI, NOS TERMOS DO ARTIGO 280º DO CÓDIGO CIVIL.

N) ACEITANDO A ARGUMENTAÇÃO EXPENDIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDA, CONCLUI-SE QUE BASTARÁ INTRODUZIR UMA QUALQUER CLÁUSULA “INTUITU PERSONAE”, INTERLIGAR CONTRATOS DE DIFERENTES TIPOS OU FAZER SUBORDINAR A VALIDADE DO DIREITO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL À REALIZAÇÃO DE UMA NOTIFICAÇÃO ADMONITÓRIA À PARTE INCUMPRIDORA - PARA PODER LIVREMENTE FURTAR-SE AO CUMPRIMENTO DE NORMAS IMPERATIVAS (UT, ART.S 280º E 994º DO CÓDIGO CIVIL).

O) A FAMOSA CLÁUSULA NONA DO CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE ESTABELECE A POSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE NÃO SÓ PELO DECURSO DO PRAZO, MAS TAMBÉM ATRAVÉS DO EXERCÍCIO DE UM VERDADEIRO DIREITO DE RESOLUÇÃO DA PARTE DA FUNDEIRA.

P) CONTUDO, NA ESTEIRA DO ENTENDIMENTO PERFILHADO POR PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, A ENUMERAÇÃO LEGAL CONSTANTE DO ARTIGO 1536º REVESTE “CARÁTER EXAUSTIVO47”, PELO QUE A EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE, OPERADA, IN CASU, POR EXERCÍCIO DO DIREITO DE RESOLUÇÃO, TENDO SIDO EFETUADA FORA DAS SITUAÇÕES CONSIGNADAS NAQUELE PRECEITO LEGAL, TEM DE CONSIDERAR-SE NULA E DE NENHUM EFEITO A CLÁUSULA EM REFERÊNCIA,

Q) QUALQUER CLÁUSULA OU NEGÓCIO PELO QUAL ALGUÉM POSSA SER ESPOLIADO DA SUA PROPRIEDADE SEM, CONCOMITANTEMENTE, RECEBER UMA COMPENSAÇÃO ADEQUADA POR ESSA PERDA, CONSTITUI UMA VIOLAÇÃO FLAGRANTE E GROSSEIRA DE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO, CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO, DEVENDO, POR ISSO, SER DECLARADO NULO, AO ABRIGO DO ART. 280.º, N.º 2.

R) A CLÁUSULA NONA, NÚMERO UM, DO CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE ATRIBUI À IMOALCANENA UM DIREITO DE FAZER SUA A OBRA CONSTRUÍDA E CERTOS BENS MÓVEIS, MAS O SEU NÚMERO DOIS EXCLUI O PAGAMENTO DE QUALQUER CONTRAPARTIDA À SODIBAIÃO, SEM QUE SE DESCORTINE QUAL A RAZÃO OU INTERESSE LEGÍTIMO DA IMOALCANENA QUE JUSTIFIQUE ESSE NÃO PAGAMENTO.

S) ESTA AUSÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO TORNA A CLÁUSULA ESPECIALMENTE INÍQUA, MAS, ALÉM DISSO, CONFIGURA A VIOLAÇÃO DE UMA REGRA FUNDAMENTAL DO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO, PREVISTA INCLUSIVAMENTE NO ART. 62.º, N.º 2, DA CONSTITUIÇÃO. NESTE SENTIDO, O NÚMERO DOIS DA CLÁUSULA NONA DO CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE CONFIGURA UMA CLÁUSULA NULA POR CONTER UMA ESTIPULAÇÃO CLARAMENTE OFENSIVA DA ORDEM PÚBLICA, NOS TERMOS DO ART. 280.º, N.º 2.

T) FACE AOS FACTOS PROVADOS, E ÀS REGRAS DO ÓNUS DA PROVA NESTA MATÉRIA RESULTANTES DO ART. 1.º, N.º 3, DO DECRETO-LEI N.º 446/85, TEMOS DE CONCLUIR QUE AS CLÁUSULAS 6.ª, 8.ª E 9.ª, DO CONTRATO DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE, E A CLÁUSULA 5.ª, DO CONTRATO DE TRESPASSE, SÃO CLÁUSULAS PRÉ-ELABORADAS PELAS RÉS COM VISTA À SUA INCLUSÃO EM CONTRATOS SINGULARES A CELEBRAR COM OS FRANQUIADOS DA ITMP, ASSIM SE VERIFICANDO OS REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO ÀS MESMAS CLÁUSULAS DO ALUDIDO DECRETO-LEI N.º 446/85.

U) REFERINDO-SE À BOA FÉ COMO NORMA DE VALIDADE (ART. 15.º DO DECRETO-LEI N.º 446/85), A GENERALIDADE DA DOUTRINA IDENTIFICA AÍ UMA MEDIDA DE EQUILÍBRIO E EQUIDADE CONTRATUAL: É NECESSÁRIO IDENTIFICAR OS INTERESSES LEGÍTIMOS DO PREDISPONENTE E ASSEGURAR QUE A SUA PROTEÇÃO É CONSEGUIDA À CUSTA DE            MECANISMOS CONTRATUAIS QUE NÃO SACRIFIQUEM INJUSTIFICADAMENTE OS INTERESSES DO ADERENTE.

V) ORA, O INTERESSE LEGÍTIMO DA IMOALCANENA EM IMPEDIR QUE OUTREM ADQUIRA UM ESTABELECIMENTO “I...” E O EXPLORE SOB UMA OUTRA INSÍGNIA, PODE JUSTIFICAR A IMPOSIÇÃO DE UMA AQUISIÇÃO FORÇADA, MAS A PROTEÇÃO DESTE INTERESSE JÁ NÃO JUSTIFICA A INEXISTÊNCIA DE UMA CONTRAPARTIDA POR ESSA AQUISIÇÃO; A IMPOSIÇÃO DO NÃO PAGAMENTO DO VALOR DA OBRA E DE MAIS BENS ASSIM ADQUIRIDOS ESTÁ            DISTINTAMENTE ALÉM DO QUE É NECESSÁRIO PARA PROTEGER AQUELE INTERESSE DA IMOALCANENA.

W) É ESSE  EXCESSO INJUSTIFICADO, ESSE DESEQUILÍBRIO MANIFESTO, QUE TORNA A CLÁUSULA INÍQUA, ABUSIVA, CONTRÁRIA À BOA FÉ E, PORTANTO, NULA NOS TERMOS DOS ARTS. 15.º E 12.º DO DECRETO-LEI N.º 446/85.

X) O ACÓRDÃO RECORRIDO CONSIDERA TER EXISTIDO NEGOCIAÇÃO ENTRE AS PARTES FUNDAMENTE TAL CONCLUSÃO EXCLUSIVAMENTE COM BASE EM AFIRMAÇÕES GENÉRICAS E SEM QUALQUER REFLEXO NA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA, FAZENDO TÁBUA RASA DO PRINCÍPIO DA INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA CONSAGRADO NO ARTIGO 1.º, Nº 3 DO DL 446/85;

Y) PIOR: PARECE QUE SE CONCLUI QUE, DESDE QUE EXISTAM CONTRATOS COLIGADOS CONTENDO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, DEIXA DE SER APLICÁVEL      O DL   446/85, O QUE CONTRARIA FRONTALMENTE O ARTIGO 2º DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL E CARECE DE QUALQUER TIPO DE SUPORTE DOUTRINAL E/OU JURISPRUDENCIAL.

NESTA CONFORMIDADE,

Z) O ACÓRDÃO EM REFERÊNCIA É NULO, NOS TERMOS DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 615º, Nº 1, AL. C) E D), E 674º, Nº1, AL. C) DO C.P.CIVIL, UMA VEZ QUE:

a. OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS AÍ INVOCADOS ESTÃO EM MANIFESTA DESCONFORMIDADE COM A SUA DECISÃO;

b. O TRIBUNAL “A QUO” NÃO TOMOU CONHECIMENTO, COMO LHE COMPETIA, DA NULIDADE MENCIONADA NAS CONCLUSÕES N) E O) DA PRESENTE ALEGAÇÃO DE RECURSO.

AA) CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, SEMPRE SE DIRÁ QUE O MESMO ACÓRDÃO INTERPRETOU DE FORMA ERRÓNEA AS DISPOSIÇÕES LEGAIS CONSTANTES DO ARTIGO 62º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, DOS ARTIGOS 280º, 994º, 1536º E 1538º DO CÓDIGO CIVIL, BEM COMO O TEOR DO ARTIGO 1º, 2º, 4º, 15º, 17º E SS. DO DL. 446/85, DE 25 DE OUTUBRO.»

Nas contra alegações as Rés pugnam pela manutenção do julgado.

Foram juntos aos autos Pareceres jurídicos subscritos pelos Exºs Senhores Doutores Pedro Pais de Vasconcelos (Rés) e Paula Costa e Silva (Autora).

II Põem-se como problemas a resolver no âmbito da Revista, tendo em atenção a delimitação que provém do Acórdão da Formação, os seguintes: i) nulidade do Acórdão por contradição entre a sua fundamentação e a decisão; ii) nulidade das cláusulas contratuais sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície e a cláusula quinta do contrato de trespasse por violação do disposto no artigo 280.º do Código Civil; iii) nulidade das cláusulas sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície e a cláusula quinta do contrato de trespasse declaradas nulas, por configurarem cláusulas contratuais gerais proibidas, contrárias à boa fé, nos termos das disposições consignadas nos artigos 12.º, 15.º, 19.º/c) e f) do DL. 446/85, de 25 de Outubro; iv) exclusão das cláusulas segunda, sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície, bem como a cláusula quinta do contrato de trespasse, por violação apenas imputável às rés, dos deveres de comunicação e de informação, nos termos do consignado nas disposições conjugadas dos artigos 5.º, 6.º e 8.º/al. a) e b) do mesmo diploma legal; v) nulidade do Acórdão por omissão de pronuncia quanto à interpretação dos artigos 1536º e 1538º do CCivil e 62º da CRPortuguesa.

As instâncias fixaram a seguinte materialidade factual:

1. A 1.ª autora é uma sociedade comercial por quotas cujo escopo social consiste na comercialização de produtos alimentares e prestação de serviços correlativos;

2. O 2.º autor é o seu único gerente e sócio maioritário;

3. Em 15 de Fevereiro de 2007 os demandantes outorgaram com a ré ITMP – Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A. (cuja denominação social era então I..., S.A.) um contrato de franchising (ou de uso e insígnia, ou de franquia) que esta minutou e lhes apresentou;

4. As partes subscreveram tal contrato - a ITMP na qualidade de franquiadora, a Sodibaião na qualidade de franquiada (“sociedade de exploração”) e o 2.º autor AA como “aderente” (gerente);

5. Contrato que é constituído por três partes: considerandos, condições gerais condições particulares;

6. Conforme se alcança do contrato em referência – “maxime “ dos seus considerandos – a ré ITMP é titular exclusiva do direito de exploração, em Portugal, dos direitos de propriedade da sociedade francesa I..., dos quais constitui parte integrante a insígnia I...;

7. A ITMP desenvolve em Portugal o “know-how” desta sociedade francesa, adaptando-a à realidade económica e comercial do nosso país.

8. O contrato mencionado nos anteriores pontos 3. a 5, têm o seguinte teor: (…) - junto aos autos com a p. inicial em 3.10.2017 – DOC. n.º 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos.

9. Por escritura pública datada de 11.09.1998, intitulada “Constituição de Direito de Superfície”, as partes nela, outorgantes declararam o seguinte: (…) - junto aos autos com a p. inicial em 3.11.2017 – DOC. n.º 4, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos.

10. Por documento datado de 27.04.2007, intitulado “Contrato     de     Trespasse” os intervenientes nele, outorgantes declararam o seguinte: (…) - junto aos autos com a p. inicial em 3.11.2017 – DOC. n.º 5, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos.

11. Por escritura pública e “Compra e Venda” celebrada em 27.04.2006, no Cartório Notarial da Dra. BB, no ..., a sociedade D..., Lda (trespassária no mencionado contrato de trespasse) declarou ter vendido à sociedade autora: “(…) o direito de superfície constituído sobre o seguinte imóvel: Prédio urbano, composto de edifício destinado a comércio alimentar, com bombas de combustíveis e parque de estacionamento, sito no Lugar ..., freguesias de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil quatrocentos e sessenta e um, e aí registado o direito de superfície a favor da representada do primeiro outorgante pela inscrição F-um e F-cinco, inscrito na matriz sob o artigo ...82.” (no mais dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 233 verso a 235 do processo físico – documento n.º ...3 junto com a contestação).

12. Na mesma data de 27.04.2006, no referido Cartório Notarial ..., os autores outorgaram a favor do Banco Comercial Português, S.A., uma escritura pública de hipoteca, a qual tem por objecto a constituição pela sociedade autora: “Que constituiu a favor do Banco que o segundo outorgante representa, hipoteca sobre o direito de superfície do imóvel acima identificado, com todas as construções e benfeitorias (…)” (no mais dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 236 verso a 239 do processo físico – documento n.º ...4 junto com a contestação).

13. Actos que se mostram registados na Conservatória do Registo Predial:

a) AP. 6 de 1998/10/19: constituição do direito de superfície a favor da D..., Lda;

b) AP. 22 de 2007/05/18: compra do direito de superfície pela sociedade Autora;

c) AP. 23 de 2007/05/18: hipoteca voluntária a favor do Banco Comercial Português.

14. Os autores recorreram, em finais de 2015, a Tribunal Arbitral peticionando não só a rescisão do contrato de franchising, por incumprimento exclusivamente imputável à ITMP – como ainda exemplares indemnizações a seu favor.

15. Realizado o julgamento na referida acção, foi proferida sentença, transitada em julgado em 21.01.2019 que, entre outras coisas, julgou totalmente improcedentes os pedidos aí deduzidos pelos aqui autores (cfr. certidão de fls. 383 a 433 do processo físico).

16. Em meados de 2006, o autor AA resolveu abandonar o seu país natal para vir fixar-se na V....

17. A sociedade S... foi incorporada (por fusão) na sociedade anónima e ora ré Imoalcanena – Sociedade Imobiliária, S.A., que é a actual proprietária do solo sobre o qual foi implantado de raiz o edifício/loja I..., fusão, essa, formalizada por escritura pública datada de 29.12.200 (cfr. documento de fls. 478 a 482 do processo físico).

18. A ré Imoalcanena integra o universo societário do grupo O..., tendo o seu capital social partilhado com a sociedade A..., S.A. (que detém 69,81% do seu capital social), com a sociedade belga I... des Mousquetaires Belgique (que detém 30,13% do seu capital social) e ainda com a sociedade U..., S.A. (que detém 0.04% do capital social), estando os restantes 0,02% do capital social disseminados por vários accionistas minoritários.

19. O presidente do conselho de administração de ré Imoalcanena (CC) é simultaneamente presidente de igual órgão da A..., S.A.

20. Os vogais do conselho de administração da demandada Imoalcanena, DD e EE, são simultaneamente administradores (por delegação) da A..., S.A (cfr. documento de fls. 100 a 104 verso do processo físico – documento n.º... - e o documento de fls. 105 a 107 – documento n.º ... – juntos com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

21. O órgão de fiscalização da ré Imoalcanena é encabeçado por FF, pessoal igualmente encarregada da fiscalização da sociedade de aprovisionamento do Grupo os M..., S.A., e da Alcapredial – Investimentos e Imobiliários, S.A., bem como de outras sociedades ligadas ao Grupo O..., como a I..., S.A (cfr. documento de fls. 95 verso a 98 do processo físico – documento n.º... junto com a petição inicial – cujo teor se dá no mais aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

22. A autora sempre pagou à ré Imoalcanena a importância referida na cláusula 3.ª do acordo descrito no anterior ponto 9.

23. A 1.ª ré exerce a actividade comercial de compra, locação e administração de imóveis. 24. A segunda ré exerce a actividade comercial de realização de estudos, pesquisas e acções no domínio da assistência, da informação, da formação e do aconselhamento de pessoas individuais e colectivas que exerçam a sua actividade no sector da distribuição de produtos, designadamente dos membros do agrupamento "O...", em todos os domínios e mais particularmente, em matéria de organização, de gestão financeira, de comunicação, de marketing, de publicidade e de actividade comercial (cfr. documento de fls. 159 verso a 163 do processo físico documento n.º ... junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

25. No dia 26.10.2016, reuniu a Assembleia Geral Extraordinária de Accionistas da ITMP Portugal - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A., tendo a mesma deliberado nos moldes vertidos no documento n.º ...0 junto com a petição inicial, constante de fls. 107 verso e 108, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

26. Em 14 de Dezembro de 2006, o segundo autor, juntamente com a segunda ré, procederam à constituição da nova sociedade de exploração para o estabelecimento comercial I..., que denominaram de "Sodibaião - Supermercados, Ld.ª, tudo nos moldes vertidos no documento de fls. 224 verso a 229 do processo físico -documento n.º ...0, junto com a contestação-, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. ainda o documento de fls. 230 e 231 do processo físico -documento n.º ...1, junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

27. O autor AA exercera já o comércio alimentar em França: em 1995 adquirira um estabelecimento comercial afecto ao Grupo "L...", que posteriormente transferiu para o seu próprio ponto de venda, sito na cidade ....

28. Nesse país, o 2.º autor teve uma experiência positiva sob a égide do grupo" O...", que ali foi competitivo e potenciava a "qualidade a baixos preços", permitindo deste modo aos seus franquiados alcançar margens de lucro normais para o sector alimentar e que correspondiam "grosso modo" às promessas e previsões do Grupo.

29. Sendo difícil que qualquer mercearia ou minimercado tivesse capacidade para praticar ao longo do ano preços de venda ao público mais baixos do que a insígnia de distribuição alimentar I....

30. O 2.º autor, quando se fixou na V..., tomou conhecimento da falta de concorrência na área da distribuição alimentar moderna, já que no concelho ... o único hipermercado existente era (como é) o I....

31. Esta constatação, aliada ao facto de o aderente/gerente que o antecedeu (GG), pretender alienar a sua loja I..., motivou o autor AA a encetar negociações no intuito de adquirir aquele estabelecimento comercial.

32. A assinatura do Contrato de Insígnia I... entre os autores e a segunda ré pressupôs e exigiu a observância pelo segundo dos autores de todo um procedimento, realizado ao longo de mais de meio ano.

33. Tempo de análise e reflexão que o segundo autor usou e utilizou como bem entendeu. 34. À data de assinatura do contrato de Insígnia I..., o segundo autor tinha

perfeito conhecimento dos termos e condições desse contrato, no qual havia sido parte durante mais dez anos, em França, cujo teor era em tudo análogo ao que veio a assinar em 2007 com a segunda ré.

35. A unidade comercial I... abriu as suas portas ao público em 15.09.1998, sendo então explorada, e até Março de 2007, pela sociedade "D..., Lda", cujo gerente e detentor da maioria do seu capital social era o também franqueado da insígnia I..., GG.

36. Em 15.11.2006, o segundo autor, porque pretendia comprar um estabelecimento comercial explorado sob a insígnia I..., e querendo continuar a usar a mesma insígnia na sua actividade comercial, após ter participado a sua intenção de celebrar o contrato de trespasse, teve de defender o seu projecto de exploração e convencer a designada "Comissão de Retoma", constituída por outros franqueados da insígnia I..., de que conhecia o projecto e dispunha de condições para assegurar e continuar a exploração comercial da mesma unidade comercial e sob sua responsabilidade.

37. O segundo autor realizou duas Comissões de Retoma, ambas em 29.11.2006, uma tendo por objecto a retoma da unidade comercial do supermercado e, a outra, a retoma do posto de abastecimento de combustíveis, então igualmente explorado pela sociedade "D..., Lda".

38. Em cada uma das referidas Comissões de Retoma, o segundo dos autores, AA, apresentou o seu próprio estudo de viabilidade, elaborado por si e pelo seu Técnico Oficial de Contas, junto da segunda ré.

39. Ultrapassada essa fase, em 14 de Dezembro de 2006, o segundo autor, juntamente com a segunda ré, procederam à constituição da nova sociedade de exploração para o estabelecimento comercial I....

40. Surgindo, assim, a sociedade aqui primeira autora, "Sodibaião Supermercados, Ld.ª", cujo capital social é (originalmente) detido em 90% pelo segundo autor, e em 10% pela segunda ré.

41. Nessa mesma data, 14.12.2006, a segunda ré constituiu usufruto a favor do segundo autor sobre oitenta por cento da quota que subscreveu no capital social da sociedade Autora, pelo que é o segundo autor, de facto e de direito, titular de 98% do capital social da sociedade autora (90% em plena propriedade + 8% em usufruto),

42. Detendo a segunda ré 2% do capital social da sociedade autora.

43. O segundo autor, sócio ultra maioritário da sociedade autora, desempenhou, desde o primeiro dia de actividade da mesma sociedade, o cargo de gerente único desta, tendo investindo, para a constituição daquela sociedade, a quantia de €180.000,00 em entradas para o seu capital social.

44. Constituída a sociedade autora, foi então assinado, entre os autores e a segunda ré, o designado Contrato de Insígnia I....

45. Bem sabendo os autores que, realizada a mencionada Comissão de Retoma, a formalização do dito contrato de trespasse, dependia unicamente da vontade das partes nele outorgantes, e não de qualquer das aqui rés.

46. A sociedade Fundeira referida em 9. era, à data de 11.09.1998, detida pelas sociedades principais do grupo "O...", tendo, no final de 1999, sido incorporada por processo de fusão na aqui primeira ré.

47. A sociedade que no título constitutivo referido em 9. detém a posição de SUPERFICIÁRIA", sociedade D..., Lda, era, à data da sua outorga, uma sociedade franqueada do grupo "O...", tendo celebrado com a aqui segunda ré o Contrato de Insígnia, por via do qual lhe foi concedido o direito de usar e explorar a sua unidade comercial sob a insígnia I... e no prédio identificado naquele título.

48. O título constitutivo de direito de superfície foi celebrado entre a sociedade Fundeira, pertencente ao grupo "O...", e uma sociedade de exploração, franqueada da insígnia I....

49. O que em cada uma das alíneas b), c), d), e) e g) da cláusula sexta daquele título constitutivo do direito de superfície está em causa é a necessidade de garantir que ao prédio objecto do direito de superfície constituído não é dado outro uso pela superficiária, que não seja a exploração de uma unidade comercial sob a insígnia I..., excepto em caso de acordo entre Fundeira e Superficiária.

50. Quer a prospecção do prédio objecto do direito de superfície, quer o licenciamento à implantação de uma área comercial a explorar sob a insígnia I... e no mesmo prédio, quer a compra desse prédio, constituíram encargos e responsabilidades da Fundeira e dos serviços do agrupamento "O...", e não da Superficiária.

51. Para o agrupamento de distribuição "O..." é essencial que, ocorrendo nova transmissão do mesmo estabelecimento comercial, tal suceda, tanto quanto o possível, dentro da própria insígnia, e não para qualquer concorrente desta, razão pela qual as partes outorgantes no “contrato de trespasse” referido no ponto 10. aceitaram incluir no mesmo a cláusula quinta, tratando-se de uma condição inerente à qualidade de franqueadas da insígnia I... que aqueles outorgantes tinham à data da formalização daquele “contrato de trespasse”.

52. Condição que se insere no conjunto de disposições do Contrato de Insígnia que visam assegurar a coesão, solidariedade e progresso do agrupamento "O...".

53. Bem sabendo os autores que o contrato de trespasse foi elaborado de acordo com as suas instruções e vontade.

54. E em consonância com o por si convencionado com a sociedade trespassária.

55. Autores e trespassária, entre si, fixaram livremente o preço do trespasse em Julho de 2006.

56. Preço do trepasse esse que o segundo autor inscreveu nas Comissões de Retoma que apresentou e defendeu nos serviços da segunda ré e para a compra do estabelecimento comercial I....

57. A cláusula relativa à insígnia, acima aludida, era do conhecimento dos autores, uma vez que o segundo deles era franquiado da insígnia I... desde 1995, ou seja, há mais de 10 anos à data da outorga do mesmo contrato de trespasse.

58. Não só o segundo autor tinha conhecimento do direito de superfície e suas implicações, como o sabia da sua existência desde que iniciou a sua negociação com o legal representante da sociedade trespassante, D..., Lda.

59. A primeira ré, na sua qualidade de Fundeira, facultou ao segundo autor a cópia do título constitutivo do direito de superfície.

60. Informação, essa, que a primeira ré veio novamente a remeter aos autores em 31.03.2016 a solicitação do segundo autor.

61. Bem sabendo os autores que a segunda ré, e as restantes sociedades do grupo, disponibilizaram aos mesmos diferentes ferramentas, ao seu dispor, para que estes pudessem alcançar os melhores resultados comerciais e financeiros.

62. E que os autores, a partir de determinada altura, decidiram rejeitar.

63. O financiamento requerido pelos autores para o pagamento do preço do trespasse, apenas foi aprovado pelo Banco Comercial Português em 27.04.2007, ou seja, na data da formalização do contrato de trespasse.

64. O título constitutivo de direito de superfície teve por base uma proposta de redacção preparada pela primeira ré.

65. Essa proposta foi apresentada à entidade superficiária interessada e discutida entre ambas as partes, podendo a mesma propor a sua modificação

66. A segunda ré em momento algum recebeu da entidade superficiária originária, antes ou depois da outorga do título constitutivo de direito de superfície, qualquer discordância com o clausulado nem com os princípios subjacentes ao mesmo título constitutivo.

67. Ao invés, manifestou a D..., sociedade superficiária originária, não só a sua concordância, como a sua vontade de o subscrever, que dele dispôs como o entendeu e no seu exclusivo interesse, até o vender à sociedade autora em Abril de 2007.

68. Sem nunca terem questionado qualquer dos direitos que adquiriram, fosse a qualquer das rés, fosse à sociedade trespassante do seu estabelecimento comercial.

69. Bem sabem os autores que a alteração no prazo de pagamento que invocam no artigo 23.º da petição inicial se deveu ao acumular, ao longo dos meses, da dívida da primeira autora e decorrente do não pagamento de mercadorias que esta recebeu, vendeu no seu estabelecimento comercial, mas não pagou.

70. Contrariamente à asserção contida no Considerando H do contrato de trespasse – “A SODIBAIÃO vai celebrar com a sociedade I..., S.A. (anterior denominação social da Ré ITMP) um contrato de uso e insígnia "I...'" - certo é que a Sodibaião havia já firmado tal contrato, em 15 de Fevereiro de 2007.

71. Os três contratos supra referidos foram minutados pelos advogados contratados pelo Grupo O....

72. O clausulado do contrato de constituição de direito de superfície é semelhante a outros contratos firmados com outros aderentes superficiários em que a ré IMOALCANENA – ou outras sociedades pertencentes ao Grupo O... que a antecederam - assume a posição de Fundeira.

73. O mesmo se passando com o contrato de franchising.

74. O imóvel comercial, construído e implantado pela "D..., Lda", sobre o terreno propriedade da ré IMOALCANENA, tem um valor actual de €625.682,25 e o terreno tem um valor actual de €166.848,60.

75. O valor actual do direito de superfície é de €634.024,68, representando 80% do valor actual do imóvel.

76. A S... autorizou a construção daquele imóvel comercial.

77. A obra construída aumentou o valor do prédio, criando-lhe novas valências.

Não se julgaram provados os seguintes factos:

1. Só no dia 31 de Março de 2016 - altura em que findara já a fase dos articulados da acção arbitral em referência - o autor AA tomou conhecimento da existência de um outro contrato - "constituição de direito de superfície".

2.  Ambas as rés ocultaram aos demandantes a existência desse contrato.

3.  As margens de lucro do 2.º autor na actividade que desenvolveu em França fosse igual ou superior a 18%.

4. A sociedade franqueadora ITMP fixa e impõe aos seus franquiados - após avaliar através de perito por si indicado o estabelecimento comercial em causa - numa reunião que designa por "Comissão de Retoma", o "preço correcto" para a transacção pretendida de trespasse do estabelecimento.

5.  A Comissão de Retoma referida nos factos provados se limitou a confirmar o "preço oficial da retoma", bem como outros elementos contabilísticos pré-estabelecidos pela ITMP.

6. Cumprida essa formalidade, a ré ITMP prometeu aos autores e ao GG, que os contratos envolvidos na transacção - franchising e trespasse - seriam outorgados nas semanas seguintes, de modo a que o 2.º autor pudesse iniciar a exploração do ponto de venda em Janeiro de 2007.

7. Os Autores tivessem iniciado de facto a exploração da loja I... no dia 28TMP de Fevereiro de 2007.

8. Os autores desconheciam em absoluto os contornos do direito de superfície, cuja existência jamais lhes foi revelada nas reuniões havidas com a franquiadora e na Comissão de Retoma que esta controla.

9. Descobriram sim, bem mais tarde, que o mesmo direito teve a sua origem num contrato de constituição de direito de superfície outorgado no dia 11 de Setembro de 1998 entre a sociedade D..., Lda, e a sociedade S..., S.A.

10. A ré IMOALCANENA é inteiramente controlada pela ITMP.

11. A sociedade I..., S.A., controla totalmente através de participações directas ou indirectas no seu capital social - a ITMP PORTUGAL - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A.

12. Estas sociedades são totalmente controladas e administradas, através de participações directas ou indirectas no seu capital social, pela sociedade mãe, I....

13. Nunca ao autor haja sido transmitido a limitação temporal do direito de superfície.

14. O Grupo O... (através da demandada IMOALCANENA) elaborou e impôs uma cláusula que associa ambos os contratos (constituição de direito de superfície e franchising) com o objectivo de, em qualquer circunstância, ser titular de um poder absoluto que a legitima a - por "mero incumprimento" de franquiado, por mais insignificante que seja - resolver imediatamente o contrato de constituição de direito de superfície.

15. Os autores foram levados a assumir a obrigação de cumprir um contrato que não outorgaram; sob pena de "perderem" o direito de superfície que lhes permite explorar temporariamente o seu estabelecimento comercial.

16. Em 2016, o volume de negócios da sociedade autora ascendeu a mais de 4 milhões de euros.

17. O contrato de trespasse foi minutado e imposto pela ré ITMP Portugal quer ao trespassante GG quer aos autores trespassários, impossibilitando-os de discutirem os seus termos e condições.

18. Para o negócio ser aceite na Comissão de Retoma, este teria de referir aquele preço, e, como não podia deixar de ser, o clausulado do contrato de trespasse teria inexoravelmente de ser minutado pelo Grupo O....

19. Nunca aos autores foi comunicada a existência de uma cláusula penal de montante tão exagerado, tão-pouco lhes tendo sido explicado quais as consequências jurídicas que poderiam advir da execução da mesma.

20. O teor não foi explicado, comunicado ou sequer comentado ao trespassário, designadamente quanto à existência e transmissão de um direito de superfície, sua vigência, obrigações do superficiário, causas e consequências da sua resolução.

21. O autor desconhecia em absoluto a natureza e alcance desse "direito de superfície", e muito menos os moldes em que o mesmo foi constituído e alienado a favor do anterior aderente - e muito menos ainda que se tratava de um direito meramente temporário.

22. O que a ITMP transmitira ao gerente da SODIBAIÃO - em data posterior à da outorga o contrato de franchising - foi tão-só a ideia de que "o terreno pertence ao Grupo e por isso os demandantes teriam de satisfazer-lhe determinada importância mensal (uma renda), como contrapartida pela utilização do terreno".

23. O gerente AA jamais viveu situação similar, na época em que exerceu a sua actividade empresarial em França, na qualidade de franquiado do Grupo O....

24. Caso estivesse a par das pesadas condicionantes insertas no contrato de constituição do direito de superfície que adquiriu via trespasse, jamais o autor teria outorgado este contrato, porque se aperceberia que o mesmo seria altamente lesivo dos seus interesses, na medida em destruiria por completo a sua sobrevivência a médio prazo.

25. Colocando-o ainda numa situação de dependência total perante as rés ITMP e IMOALCANENA.

26. Todo e qualquer serviço (electricidade, rádio, programas informáticos...) prestado por terceiros ao franquiado, não pode ser pago por este ao prestador de serviços, mas ao grupo O....

27. O qual por sua vez factura tais serviços ao franquiado nos moldes, montantes e sob as condições que bem lhe aprouver.

28. A partir do momento em que, como sucedeu com os autores, os franquiados vivenciam dificuldades financeiras, de imediato este lhes retira o tapete e mostra a sua total indiferença, impedindo-os de crescer, de criar e executar um modelo de negócio próprio, dinâmico, atractivo e funcionando de harmonia com o meio em que estão inseridos.

29. No tangente ao clausulado do contrato de direito de superfície, o mesmo passou completamente despercebido ao 2.º autor.

30. Tudo perante o silêncio cúmplice quer de representantes da ITMP, quer do grupo O..., quer da IMOALCANENA.

31. Nunca o autor recebeu um exemplar de tal contrato e nunca as rés lhe comunicaram a existência do mesmo.

32. O autor apenas se apercebeu do seu significado já na pendência da acção arbitral entretanto instaurada.

33. Só nesse momento o autor AA pôde aperceber-se que o alicerce ou base de todo o seu negócio assentava afinal num mero direito temporário, e que o substancial investimento que aplicara na sua empresa (cerca de €1.700.000,00...) se escoará inelutavelmente até ao ano de 2027 ou muito antes.

34. Quanto à outorga do contrato de trespasse o Grupo I..., representado em Portugal pela demandada ITMP, procurou atrasar a todo o custo a sua concretização.

35. Bem sabendo os representantes da ITMP que, quanto mais fosse protelada a concretização deste contrato, mais forte seria a pressão exercida sobre o 2.º demandante, obrigado que estava a iniciar a rapidamente a exploração do ponto de venda da ..., nos termos acordados com o aderente que o precedera.

36. A ITMP, ou quem a representa, não podia desconhecer que, a breve trecho, o 2.º demandante, já instalado em ... na companhia do seu agregado familiar (composto por 4 filhos menores) e sem qualquer possibilidade de abraçar outra profissão ou projecto comercial alternativo, seria

forçado, qual elo mais fraco, a iniciar imediatamente a exploração do seu ponto de venda.

37. No momento da celebração do contrato de trespasse, os autores não teriam (como não tiveram) já qualquer poder negocial na medida em que o 2.º autor, pouco tempo após ter assinado o contrato de franchising, já se havia comprometido junto do Banco BCP Millennium a contrair um empréstimo no montante de €1.410.000,00.

38. O franquiado/superficiário não tem qualquer possibilidade de negociar o clausulado que lhe é "apresentado" pelas rés - ou assina, ou perde a oportunidade de exercer a sua actividade de franquiado.

39. O mesmo se passando com o contrato de trespasse.

40. Uma vez assinado o contrato de franchising, - nos casos em que o imóvel onde se situa o "ponto de venda" é constituído em regime de direito de superfície, não tem o franquiado/aderente outra escolha que não seja firmar "de cruz" os demais sinalagmas impostos pelo Grupo, de modo a exercer o mais cedo possível a sua actividade de franquiado.

41. Quando à ré IMOALCANENA -- na altura, S... outorgou com a D... o contrato de constituição de direito de superfície em causa em nenhum momento informou ou explicou ao seu gerente de então - GG - o conteúdo, amplitude e implicações dos deveres que este então assumira, bem como das condições resolutivas e consequências jurídicas da sua extinção.

42. Em momento algum, seja com a ITMP, seja com o anterior aderente, o referido contrato de constituição de direito de superfície foi sequer exibido, nem o teor destas obrigações bem como de todo o contrato de foram minimamente comunicadas ou o seu conteúdo explicado aos autores, e muito menos as consequências que dele poderiam advir.

43. Os seus aderentes vêm-se privados da faculdade de interferir na modelação do clausulado dos contratos que são compelidos a assinar.

44. No momento da celebração do contrato de trespasse, os autores já não tinham - como aliás nunca tiveram - qualquer poder negocial.

45. É que, familiarizado com as práticas comerciais seguidas pelo Agrupamento O... em França, e confiando que a ITMP agira de boa-fé relativamente às previsões e informações transmitidas, os autores acabaram por subscrever "de cruz" e sem qualquer receio os referidos contratos de franchising e de trespasse.

46. Jamais tendo perpassado pela mente do sócio gerente da Sodibaião que este último contrato era afinal um presente envenenado, por esconder a existência de um contrato de constituição de direito de superfície.

47. A fase pré-contratual que conduziu à outorga, quer do contrato de trespasse quer do contrato de franchising, alimentou no gerente da autora a forte convicção de que seria apenas devido o pagamento de uma importância pecuniária mensal ao Agrupamento O..., pela exploração definitiva de uma unidade comercial em terreno desse Grupo.

48. Que se limitou a receber a "renda" mensal e, apercebendo-se deste modo que o gerente da Sodibaião laborava em erro, convencido que celebrara um contrato de arrendamento tendo por objecto o terreno, nem por isso deixou de esclarecer o aqui autor.

49. Caso a sociedade autora seja despojada do seu imóvel, bem como do seu estabelecimento comercial, devendo ainda satisfazer imediatamente à ré ITMP uma indemnização no valor deste, a SODIBAIÃO não terá qualquer outra alternativa que não seja apresentar-se à insolvência.

50. E o seu gerente, em virtude da qualidade de "fiador absoluto", respondendo pessoalmente por todas as dívidas da sociedade, perderá todo o seu património, resvalando para uma situação de insolvência pessoal.

51. O terreno em que está implantada a construção mencionada nos factos provados valia, à data da outorga do contrato de constituição de direito de superfície (Setembro de 1998), treze milhões, duzentos e noventa e seis mil escudos, equivalente a € 66.320,10.

Analisando.

1.Da nulidade do Acórdão.

Insurge-se a Recorrente contra o Acórdão impugnado, uma vez que na sua tese o mesmo é nulo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615º, nº 1, al. c) e 674º, nº1, al. c) do CPCivil, uma vez que os fundamentos jurídicos invocados estão em manifesta desconformidade com a sua decisão.

Dispõe o artigo 615º, nº1, alínea c) do CPCivil que o Acórdão é nulo, quando, além do mais, os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

A Recorrente no que tange à invocada contradição entre a fundamentação e a decisão, limita-se a invocá-la de uma maneira genérica, sem concretizar especificamente onde reside a apontada contradição, a qual se não antolha. resolução da parte da fundeira, tratando-se antes de argumentário impugnativo da decisão de direito tomada no Aresto em equação.

Soçobra, pois, a irregularidade imputada.

2.Da nulidade das cláusulas contratuais sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície e a cláusula quinta do contrato de trespasse por violação do disposto no artigo 280.º do Código Civil e/ou nulidade das cláusulas sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição de direito de superfície e a cláusula quinta do contrato de trespasse declaradas nulas, por configurarem cláusulas contratuais gerais proibidas, contrárias à boa fé, nos termos das disposições consignadas nos artigos 12.º, 15.º, 19.º/c) e f) do DL. 446/85, de 25 de Outubro.

Neste particular a Recorrente ataca o Aresto produzido, uma vez que na sua tese no caso sub judice, é unânime que o direito de superfície foi extinto através do exercício do direito de resolução contratualmente previsto (ao abrigo da cláusula 8ª, nº1 (por remissão da alínea g) da cláusula 6ª) e 3 do contrato de constituição de direito de superfície), sendo que  a possibilidade de as partes afastarem, através de convenção em contrário, o direito à indemnização apenas existe quando o direito de superfície se extingue pelo decurso do prazo e não através das demais formas de extinção previstas no artigo 1536º do CCivil, sendo o nº 2 da cláusula nona do contrato de constituição de direito de superfície nulo por contrário à lei, nos termos do artigo 280º do CCivil; acrescenta ainda que aceitando a argumentação expendida no acórdão recorrida, conclui-se que bastaria introduzir uma qualquer cláusula “intuitu personae”, interligar contratos de diferentes tipos ou fazer subordinar a validade do direito de resolução contratual à realização de uma notificação admonitória à parte incumpridora para poder livremente furtar-se ao cumprimento daquelas normas imperativas e esta ausência de justificação torna a cláusula especialmente iníqua, mas, além disso, configura a violação de uma regra fundamental do nosso ordenamento jurídico, prevista inclusivamente no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, sendo de concluir que face aos factos provados, e às regras do ónus da prova nesta matéria resultantes do artigo 1.º, n.º 3, do decreto-lei n.º 446/85, as cláusulas 6.ª, 8.ª e 9.ª, do contrato de constituição do direito de superfície, e a cláusula 5.ª, do contrato de trespasse, são cláusulas pré-elaboradas pelas Rés com vista à sua inclusão em contratos singulares a celebrar com os franquiados da ITMP, verificando-se a sua nulidade.

Façamos apelo então às mencionadas cláusulas extractando o seu teor:

Do Contrato de Constituição de Direito de Superfície

«CLÁUSULA SEXTA

(Obrigações da SUPERFICIÁRIA)

Atendendo, além do mais, a presente constituição de direito de superfície é celebrada "intuitu personae", a SUPERFICIÁRIA obriga-se:

(…)

b) A não trespassar, ceder, transmitir ou por outra qualquer forma alienar o seu direito de superficiária, temporária ou definitivamente, excepto se o mesmo vier a ser transmitido a favor de uma sociedade de locação financeira imobiliária, em garantia pelo financiamento da construção da unidade comercial já referida, a explorar sob a insígnia “I..." e desde que prévia e expressamente autorizada pela FUNDEIRA;

c) A não trespassar, ceder, transmitir ou por outra qualquer forma alienar a área comercial construída e/ou a  construir no  imóvel identificado no  número um da cláusula primeira, temporária ou definitivamente; 

d) A não permitir a exploração, total ou parcial, daquela área comercial por qualquer outra pessoa ou entidade;       

(…)

g) A manter em vigor e cumprir escrupulosamente e pontualmente o  Contrato a  que- FUNDEIRA e  SUPERFICIÁRIA  convencionaram designar de Adesão entre os mesmos celebrado a quatro de Abril de mil novecentos e noventa e cinco;

(…)

CLÁUSULA OITAVA

(Condições Resolutívas)

Um - As partes outorgantes no presente contrato, mutuamente acordam e aceitam qualificar todas as obrigações mencionadas nas cláusulas terceira, sexta, sétima e oitava supra como condições resolutivas.                                

Dois - O não cumprimento, indistintamente, de qualquer uma dessas obrigações, até oito dias após a notificação feita pela aqui FUNDEIRA, por carta registada, à aqui SUPERFICIÁRIA, para que esta cumpra com o que se obrigou, constitui fundamento suficiente para resolução imediata do contrato de constituição do" direito de superfície.

Três - A resolução ou o mero incumprimento do estipulado aos Contratos de Adesão e de Uso e Insígnia outorgado pela SUPERFICIÁRIA acarretam, igualmente a resoluçáo imediata do presente contrato de constituição do direito de superfície;           

Quatro -A tolerância por parte da FUNDEIRA, relativamente a todo e qualquer incumprimento, pela SUPERFICIÁRIA, das obrigações referidas no precedente número um da presente cláusula, não poderá em caso algum, ser considerada como modificação ou extinção dessas obrigações, ou entendida como direito adquirido por parte da SUPERFICIÁRIA não importando em caso algum, caducidade do direito da FUNDEIRA à resolução do contrato.          

CLÁUSULA NONA   

(Extinção do direito de superfície)

Um - Extinguindo-se o direito de superfície constituído, por resolução, decurso do prazo ou por qualquer outro motivo, a aqui FUNDEIRA tem o direito de fazer sua a obra construída sobre o solo do imóvel em causa, e bem assim de todas as coisas que sobre o mesmo permanecerem à data da denúncia, resolução ou expirado o prazo de vigência deste contrato.     

Dois - Pelo facto de adquirir a propriedade nos termos fixados em um desta cláusula, a aqui FUNDEIRA não terá de contrapor qualquer indemnização à aqui SUPERFICIÀRIA.

Três - A transferência da propriedade das construções feitas pela SUPERFICIÁRIA, e demais bens que permaneçam sobre a sua propriedade para a esfera jurídica da FUNDEIRA, far-se-á por envio de uma carta registada com aviso de recepção, desta à primeira, com pelo menos oito dias de antecedência sobre a data da respectiva denúncia, resolução, decurso do prazo ou outra.

Quatro - Para efeitos da presente cláusula, e após recepção da carta referida no precedente número três da presente cláusula, a SUPERFIClÁRIA obriga-se a não colocar entraves à entrada de representantes da FUNDEIRA no imóvel onde se situa o seu estabelecimento comercial, por forma a que se proceda à realização de um inventário físico do mesmo, que será assinado por ambas as

partes contratantes, sob pena de responder por perdas e danos.».

Cláusula quinta do contrato de trespasse

«(Obrigações da Supercombadão)

A Segunda Outorgante obriga-se com a outorga do presente contrato de trespasse

1.a continuar com a exploração e a assumir a responsabilidade directa do Estabelecimento;

2.a não trespassar, ceder, transmitir, sublocar, ou por outra forma qualquer forma alienar o Estabelecimento, temporária ou definitivamente sem autorização do grupo «O...»;

3.a não permitir a exploração, total ou parcial, do mesmo Estabelecimento por qualquer outra pessoa ou entidade, a menos que o faça de acordo com o grupo «O...»;

4.a manter o Estabelecimento sob a insígnia «E...», não podendo substituí-la por outra qualquer insígnia ou nome comercial, sem prévia e expressa autorização do grupo «O...»;

5. A S..., reconhece e aceita que o não cumprimento, indistintamente, de qualquer uma das obrigações acima acordadas, até 10 (dez) dias após a intimação feita, por carta registada, para que esta cumpra com o que se obrigou, faz incorrer de imediato a S... na obrigação de indemnizar o Grupo «O...», através da scociedade franqueadora, I..., S.A, a título de cláusula penal, no montante do valor do Estabelecimento, à data da verificação do incumprimento contratual, a determinar de acordo com os termos específicos para o efeito, preceituados nas condições particulares do Contrato de Uso de Insígnia celebrado/a celebrar com a dita sociedade franqueadora.».

Com deflui do Acórdão em crise, respaldando-se no sentenciado em primeira instância.

«[a] S..., S.A., incorporada por fusão, em 29.12.2000, ria sociedade ré Imoalcanena - Sociedade Imobiliária, S.A., por escritura pública datada de 11 de Setembro de 1998, constituiu um direito de superfície sobre o prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...61 a favor da D..., Lda, para nele esta construir uma área comercial sob a insígnia I....

Fê-lo mediante um preço e pelo período de 30 anos.

Tal acordo é subsumível ao direito de superfície tal como definido no artigo 1524.º do Código Civil, assumindo a S..., S.A., hoje a ré, Imoalcanena -Sociedade Imobiliária, S.A., a qualidade de fundeira e a D..., Lda., hoje a sociedade autora, a qualidade de superficiária.

Ao referido acordo é aplicável o regime legal do direito de superfície em tudo quanto não se encontre especialmente convencionado.

Por outro lado, o contrato de trespasse de estabelecimento é aquele por via do qual uma pessoa transmite a outra, em regra mediante um preço, determinado estabelecimento, integrante de instalações, utensílios e outros elementos corpóreos ou incorpóreos.

E assim ocorreu com o acordo celebrado, em 27.04.2007, entre a D..., Lda., e a autora Sodibaião - Supermercados, Lda., uma vez que que, através de tal contrato, a primeira transmitiu à segunda o estabelecimento de supermercado, com posto de combustíveis, em funcionamento no prédio propriedade, à data, daquela sociedade S... e hoje da primeira ré (cfr. ponto 10.º dos factos provados), tendo, ainda e por escritura datada de 27.04.2007, a primeira vendido à segunda o citado direito de superfície (cfr. ponto 11.º dos factos provados).

Tal como se refere na contestação apresentada pelas rés: “A complexidade da  economia moderna e das consequentes relações contratuais, exige, por vezes, uma multiplicidade de contratos que, embora autónomos, agregam a mesma finalidade, de tal modo que a resolução de um deles não pode deixar de ter consequências em todo o acervo contratual (cross default)”.

 (…)

No caso em apreço, os factos apurados, concretamente o conteúdo dos contratos neles vertidos, tomam evidente que o conjunto contratual composto pelo contrato de adesão, contrato de insígnia (franquia), contrato de superfície e o contrato de trespasse, constitui uma união de contratos, intuitus personae, em que cada um é fundamento e consequência dos restantes e não pode subsistir autonomamente.

O contrato de insígnia (franquia) só é celebrado após a adesão do segundo autor aos princípios orientadores do agrupamento "O..." constantes do contrato de adesão, como resulta dos considerandos "G" e "H" do contrato de insígnia (cfr. pontos 3.º a 8.º dos factos provados).

Já o contrato de constituição do direito de superfície está alicerçado nos contratos de adesão e de insígnia, como resulta dos n.ºs 2 e 3 da cláusula primeira deste último contrato.

E o mencionado contrato de trespasse da unidade comercial I... a favor da primeira autora só foi possível, porque ambos os autores subscreveram o contrato de insígnia, tendo o trespasse ficado condicionado a esse contrato, como resulta do considerando H do contrato de insígnia e dos n.ºs 1 a 3 da cláusula quinta do contrato de trespasse.

Consequentemente, o contrato de compra e venda do direito de superfície, celebrado entre a D..., Lda, e a primeira autora, é o resultado do contrato de trespasse e só foi possível, porque a primeira ré o autorizou.

É no quadro desta qualificação jurídica do acervo contratual em causa que deve ser apreciada a pretensão dos autores quando reclamam que as cláusulas sexta (alíneas b), c), d), e) e g)), oitava e nona do contrato de constituição do direito de superfície, bem como a cláusula quinta do contrato de trespasse, devem ser declaradas nulas por entenderem que as mesmas violam o disposto no art.º 280.º do CC.

Isto porque entendem que tais cláusulas são abusivas e frontalmente contrárias à boa-fé, aos bons costumes e ao fim social e económico dos respectivos direitos, sendo injustas, desequilibradas, ilegais e fortemente lesivas dos interesses dos autores.

(…)

Ora, o acervo contratual em causa, designadamente o contrato de constituição do direito de superfície e o contrato de trespasse, foram celebrados entre as respectivas partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art.º 405.º, n.º 1, do CC), que fixaram livremente, em face dos direitos disponíveis, o conteúdo dos respectivos contratos.

E no quadro da interligação existente entre todos os contratos, é natural e lógico que os mesmos tivessem previsto a necessidade de interligar, quanto à sua vigência, eficácia e cumprimento, os contratos de constituição do direito de superfície e o contrato de trespasse com o contrato de insígnia, celebrado entre a superficiária e a aqui segunda ré.

Tudo na lógica de agrupamento de sociedades, com múltiplos interesses comuns, impondo um quadro contratual globalmente considerado, na defesa dos interesses do conjunto de todos os franquiados do agrupamento "O...".

E nesta lógica, entende-se que nenhuma das cláusulas invocadas pelos autores é leonina ou contrária à boa-fé.

O que está em causa em cada uma das alíneas b), c), d), e) e g), da cláusula sexta do contrato de constituição do direito de superfície é a necessidade de garantir que ao prédio objecto do direito de superfície constituído não é dado outro uso pela superficiária, que não seja a exploração de uma unidade comercial sob a insígnia I..., excepto em caso de acordo entre fundeira e superficiária.

E tal mostra-se justificado pelo facto de o título constitutivo de direito de superfície ter sido celebrado intuitos personae, como expressamente dele consta.

Para a fundeira é essencial garantir que ao prédio não será conferida utilização diferente daquela que acordou e que esteve subjacente à sua vontade de constituir o direito de superfície sobre o prédio e a favor da superficiária.

E estas razões justificam, também, quer a necessidade de manter válidos e eficazes os contratos entre si celebrados e respeitantes à insígnia, quer ainda as condições resolutivas convencionadas na cláusula oitava do mesmo título constitutivo de direito de superfície.

De resto, é o próprio regime legal, no seu art.º 1536.º, n.º 2, do CC, a prever a possibilidade de as partes convencionarem a verificação de qualquer condição resolutiva.

Por outro lado, as condições resolutivas convencionadas não operam automaticamente, mas apenas depois de a fundeira ter realizado a necessária notificação admonitória à superficiária incumpridora (cfr. n.º 2 da cláusula oitava do contrato de constituição do direito de superfície).

Acresce que as convencionadas consequências da extinção do direito de superfície respeitam o princípio geral decorrente do art.º 1538.º do CC.

Uma vez que o direito de superfície foi constituído intuitu personae, é normal que a fundeira pretenda que a superficiária o cumpra integralmente e nos termos convencionados.

E os termos e condições contratadas mostram-se adequados aos interesses de cada uma das partes nele, outorgantes.

O incumprimento do título constitutivo de direito de superfície pela superficiária, a única que verdadeira e efectivamente o poderá incumprir, tem de lhe acarretar consequências que a afastem desse incumprimento.

E essas consequências assentam no interesse quer da sociedade fundeira quer no interesse comum a todas as sociedades que constituem o agrupamento "O...".

Deste modo, entende-se, com todo o respeito pela posição contrária, que as referidas alíneas da cláusula sexta e as cláusulas oitava e nona do mencionado título constitutivo do direito de superfície não são contrárias à lei, observando, antes, o princípio da boa-fé, os bons costumes e a ordem pública.

As referidas cláusulas, no quadro negocial em que se inserem e na lógia da interligação existente, apresentam-se como equilibradas e justas, em face dos interesses em presença e que visam salvaguardar.

Por outro lado, as partes outorgantes no contrato de trespasse vincularam-se a respeitar as cláusulas respeitantes à insígnia que aceitaram incluir na cláusula quinta do contrato de trespasse, respeitantes à obrigação de não trespassar, ou por outra forma jurídica alienar, o estabelecimento comercial I... objecto do mesmo contrato de trespasse a terceiros ao grupo "O...".

Sendo esta uma condição necessária à formalização do negócio, pois que as sociedades outorgantes (trespassária e trespassante) operam comercialmente sob a insígnia I..., mostrando-se essencial para o agrupamento de distribuição que integram que, ocorrendo nova transmissão do mesmo estabelecimento comercial, tal suceda dentro da própria insígnia e não para qualquer concorrente desta.

Trata-se de uma condição inerente à qualidade de franqueadas da insígnia I..., que trespassante e trespassária tinham na data da formalização do contrato de trespasse.

Esta condição insere-se no conjunto de disposições do contrato de insígnia que visam assegurar a coesão, solidariedade e progresso do agrupamento "O...", podendo ser havida como cláusula penal estipulada a favor do agrupamento "O..." e não apenas da segunda ré.

Deste modo, essa cláusula não é abusiva, atendo aos fins que visa alcançar e que a justificam.

Também não se mostra excessiva ou desproporcionada de molde a acarretar a sua nulidade, sendo certo que a sua redução não se mostra peticionada.

Esta cláusula não confere a qualquer das rés o direito de fazer seu, em qualquer circunstância, o estabelecimento objecto do contrato e trespasse, estando unicamente em causa a possibilidade de, em caso de trespasse do estabelecimento comercial I... pelos autores para uma entidade terceira ao agrupamento "O...", este poder reclamar uma indemnização da sociedade autora, face aos naturais prejuízos daí advenientes para aquele.

Pelo exposto, entende-se, também e com todo o respeito pela posição contrária, que a referida cláusula quinta do contrato de trespasse não é contrária à lei, observando, antes, o princípio da boa-fé, os bons costumes e a ordem pública.

A referida cláusula, no quadro negocial em que se insere, apresenta-se como equilibrada e justa, em face dos interesses em presença e que visa salvaguardar».

Começamos por deixar consignado que tendo em atenção o acervo conclusivo apresentado pela Recorrente, o qual se limita a repetir o seu desagrado em relação à decisão das instâncias, nada fazendo acrescer de inovatório e/ou aduzindo qualquer outro argumentário coadjuvante que pudesse conduzir a outro desfecho, não se pode deixar de acompanhar o raciocínio jurisdicional expendido e supra extractado.

Efectivamente, como decorre das cláusulas contratuais cuja nulidade é suscitada, nos termos do artigo 280º do CCivil, e que supra se deixaram transcritas, quer o contrato de direito de superfície, quer o contrato de trespasse, de destinaram a assegurar, dentro do espírito contratual havido entre as partes – o tal intuito personae, aqui questionado pela Recorrente, sem qualquer razão - a necessidade de garantir que ao prédio objecto do direito de superfície constituído não seria dado outro uso pela superficiária, que não fosse a exploração de uma unidade comercial sob a insígnia I..., excepto em caso de acordo entre fundeira e superficiária e na defesa dos interesses do conjunto de todos os franquiados do agrupamento "O...".

A autonomia privada não quer dizer que as partes possam a seu belo prazer, ao abrigo da liberdade de estipulação decorrente do disposto no artigo 405º, nº1 do CCivil, fazer todas e quaisquer estipulações, estipulando aquele normativo que as mesmas deverão ser feitas dentro dos limites da Lei, havendo que, caso a caso, aferir as circunstâncias concretas em que se desenvolveu o conteúdo negocial e por isso, analisando a materialidade assente, nada resulta que nos faça  sequer por em causa, que todo o envolvimento negocial não tenha sido objecto de conversações entre as partes e/ou que  a Recorrente tivesse sido obrigada a  subscrever os contratos sem os ler, ou sem ter sido devidamente elucidada  do seu conteúdo e alcance,  sendo certo que, de outra banda, qualquer das cláusulas que aqui se pretendem por em causa não se mostram  consubstanciadoras de negócios cujos objectos sejam física ou legalmente impossíveis, contrários à Lei ou indetermináveis, nem tão pouco contrários à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes que possa postular a nulidade aludida no artigo 280º do CCivil, cfr Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito civil, 7ª Edição, 497/505.

Arvora ainda a Recorrente a nulidade de tais cláusulas ao abrigo do disposto no DL 446/85, de 25 de Outubro, por se tratarem de cláusulas contratuais gerais apostas em contratos de adesão.

Como decorre do artigo 1º, nº1 do apontado diploma «As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.», acrescenta o seu nº2 que «O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.».

Tais cláusulas apresentam-se com um conteúdo pré-elaborado, imbuído de rigidez, sem qualquer possibilidade de alteração, as quais são utilizadas por pessoas indeterminadas: é apresentado um contrato “standart” pelo proponente ao destinatário, contendo todas as cláusulas já pré-definidas por aquele, limitando-se este a dar o seu consentimento, sem que tenha a possibilidade de as discutir, cfr  Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, 75 (“Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão”).

A tónica transversal a este tipo de contratos e/ou de contratos individualizados com cláusulas pré-elaboradas sem discussão prévia neles inseridas é que os mesmos estão sujeitos à disciplina da LCCG e por isso sujeitas a todos os deveres de comunicação e informação decorrentes do dispostos nos artigos 4º a 6º, bem como ao controlo e fiscalização do seu conteúdo, cfr Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Grais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 26/36; Ana Filipa Morais Antunes, Comentário À Lei Das Cláusulas Contratuais Gerais, 11/25.

Contudo, a tese da Recorrente falece na medida em que da matéria dada como provada, para além de não se ter dado por liquido que os contratos havidos entres as partes sejam contratos de adesão, nem tão pouco demonstrado ficou que as  claúsulas neles inseridas tivessem sido previamente elaboradas, sem qualquer tipo de negociação entre as partes interessadas, nem tão pouco que, mesmo que algumas cláusulas tivessem sido apresentadas pré-feitas, o que se equaciona apenas por mera hipótese de racíocinio, as mesmas não houvessem sido comunicadas e objecto da informação necessária e devida à Recorrente, por forma a serem inquinadas com alguma invalidade.

Aliás, porque o facto de o contraente que propõe contratos cujas cláusulas são predispostas por si, consentir na negociação de algumas, não exclui que se trate de contrato de adesão: o que importa é saber se o aderente pode negociar as que lhe aprouver, pois se, desde logo, a sua margem de negociação está balizada, condicionada, pelo predisponente, estamos perante um quadro impositivo em que a as cláusulas individuais só são contempladas pela opção do predisponente. Além disso, sempre importará considerar o contrato como um todo, atendendo ao quadro negocial padronizado, onde certamente existem cláusulas mais importantes e outras não tanto, para saber quais as que consentem negociação individual.

A celebração de qualquer contrato pressupõe o conhecimento pelos contraentes das posições recíprocas, o que decorre da imposição do princípio geral da boa fé no contexto negocial, que o legislador assinala como dever logo na fase pré-contratual e que se, culposamente infringido, acarreta responsabilidade civil como decorre do artigo 227º do CCivil e quanto mais complexo foi o conteúdo contratual e a teia de interesse antagónicos mas harmonizáveis nele implicados for, mais intensos são os deveres de informação, lealdade e ponderação recíproca de interesses como postulados indissociáveis da actuação de boa fé.

Ora, como já se disse e repetiu, no caso sujeito, em que os contratos envolvidos, de constituição de direito de superfície e de trespasse, bem como o de insígnia, para além de não serem contratos comuns, foram amplamente negociados entre as partes, cfr factualidade constante dos pontos 44. a 58, pelo que não procedem as conclusões da Autora, aqui Recorrente, no que toca à pretensão de declaração da invalidade das cláusulas, por desconhecimento, falta de informação, ambiguidade, ou por serem absolutamente e/ou relativamente proibidas, nos termos dos artigos 18º e 19º da LCCG, aplicáveis ex vi do seu artigo 17º (remetendo-se aqui para a factualidade dada por não provada).

3. Interpretação dos artigos 1536º e 1538º do CCivil e 62º da CRPortuguesa e eventual nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, artigo 615º, nº1, alínea d) do CPCivil.

A última questão que nos é suscitada nesta impugnação, a verdadeira vexata quaestio recursória, sendo esta a temática que constituiu o cerne da admissibilidade da Revista como excepcional, consiste em determinar a bondade da improcedência do pedido formulado com base no facto de a indemnização devida à superficiária poder ser afastada por vontade das partes, nos termos do artigo 1538°, n.°2, do CCivil, questionando a Recorrente a razão de ser da aplicação da norma indicada, para além do seu teor literal, porquanto aquele normativo prevê e regula unicamente os termos em que se processa a extinção do direito de superfície pelo decurso do prazo - e não por verificação de qualquer outro caso de extinção, solução que foi aplicada ao caso dos autos , sendo que na espécie a extinção do direito ocorreu não pelo decurso do seu prazo, que teria lugar em 2027, mas por verificação da condição resolutiva prevista na cláusula 8ª, n°l  e 3 do seu título constitutivo (por remissão da alínea g) da cláusula 6ª).

Esta temática foi objecto de impugnação, além do mais, através da arguição de nulidade por parte da Recorrente por omissão de pronuncia por banda do segundo grau no que tange a estas questões, as quais enunciou nas alíneas n) e o), das suas alegações do seguinte modo n) aceitando a argumentação expendida no acórdão recorrida, conclui-se quebastará introduzir uma qualquer cláusula “intuitu personae”, interligar contratos de diferentes tipos ou fazer subordinar a validade do direito de resolução contratual à realização de uma notificação admonitória à parte incumpridora - para poder livremente furtar-se ao cumprimento de normas imperativas (ut, art.s 280º e 994º do código civil) o) a famosa cláusula nona do contrato de constituição de direito de superfície estabelece a possibilidade de extinção do direito de superfície não só pelo decurso do prazo, mas também através do exercício de um verdadeiro direito de resolução da parte da fundeira.

Contudo, sem qualquer razão no que tange ao apontado vício, pois o Acórdão recorrido pronunciou-se expressamente sobre a inexistência de qualquer nulidade da cláusula invocada, aí se lendo a dado passo, o seguinte:

«[O]ra, voltando à decisão recorrida, aí correctamente aquilatou-se correctamente que ”(…) no quadro da interligação existente entre todos os contratos, é natural e lógico que os mesmos tivessem previsto a necessidade de interligar, quanto à sua vigência, eficácia e cumprimento, os contratos de constituição do direito de superfície e o contrato de trespasse com o contrato de insígnia, celebrado entre a superficiária e a aqui segunda ré. Tudo na lógica de agrupamento de sociedades, com múltiplos interesses comuns, impondo um quadro contratual globalmente considerado, na defesa dos interesses do conjunto de todos os franquiados do agrupamento "O...". E nesta lógica, entende-se que nenhuma das cláusulas invocadas pelos autores é leonina ou contrária à boa-fé.

No que respeita ao contrato de constituição do direito de superfície dir-se-á ainda que conforme o acordado esse direito foi constituído por 30 anos, ou seja, temporário, comprometendo-se a D... a pagar, a título de preço, à fundeira uma prestação anual então fixada e actualizável anualmente. Tal contrato foi celebrado, atendendo à qualidade de Aderente do superficiário ao grupo “O...”, com a finalidade de este constituir no imóvel (terreno) uma área comercial sob a Insígnia I... e, consequentemente, a superficiária comprometeu-se a não trespassar o estabelecimento comercial a construir no imóvel, nem ceder o direito de superfície, sem o consentimento da fundeira, e dada a dependência do contrato de insígnia ou franquia, mais se estabeleceu que: “A resolução ou o mero incumprimento do estipulado nos contratos de adesão e de uso e insígnia outorgado pela aqui superficiária acarretam, igualmente, a resolução imediata do presente contrato de constituição do direito de superfície”, pelo que finalmente se estabeleceu que: “Extinguindo-se o direito de superfície constituído, por resolução, decurso do prazo ou por qualquer outro motivo, a aqui fundeira tem o direito de fazer sua a obra construída sobre o solo do imóvel em causa, bem assim de todas as coisas que sobre o mesmo permanecerem à data da denúncia, resolução ou expirado o prazo de vigência deste contrato” e “Pelo facto de adquirir a propriedade nos termos fixados em um desta cláusula, a aqui fundeira não terá de contrapor qualquer indemnização à aqui superficiária”.

Ora, a aquisição da propriedade pela fundeira da obra construída pela superficiária é a consequência natural da extinção do direito de superfície, e é o que preceitua o n.º1 do

art.º 1538.º do C.Civil, sendo que a indemnização devida à superficiária, como decorre do n.º2 do referido preceito legal, só existe se não houver “estipulação em contrário”, mas “in casu” houve e resultou da livre estipulação das partes.

Como correctamente se apurou em 1.ª instância, re4lativamente à cláusula 6.ª do contrato de constituição do direito de superfície “O que está em causa (…) é a necessidade de garantir que ao prédio objecto do direito de superfície constituído não é dado outro uso pela superficiária, que não seja a exploração de uma unidade comercial sob a insígnia I..., excepto em caso de acordo entre fundeira e superficiária. E tal mostra-se justificado pelo facto de o título constitutivo de direito de superfície ter sido celebrado intuitus personae, como expressamente dele consta. Para a fundeira é essencial garantir que ao prédio não será conferida utilização diferente daquela que acordou e que esteve subjacente à sua vontade de constituir o direito de superfície sobre o prédio e a favor da superficiária”.

Relativamente às condições resolutivas convencionadas, elas têm a sua justificação naquelas mesmas razões e na necessidade de manter válidos e eficazes os contratos entre si celebrados e respeitantes à insígnia. Aliás a própria lei, cfr. n.º2 (parte final) do art.º 1536.º do C.Civil, prevê a possibilidade de estipulação de condição resolutiva como causa de extinção do direito de superfície, como sucedeu “in casu” cuja verificação e operacionalidade, como resulta do convencionado não é sequer automática, pois apenas opera depois de a fundeira ter realizado uma notificação admonitória à superficiária em incumprimento. Logo, a extinção do direito de superfície convencionado, não opera automaticamente, nem indiscriminadamente, mas uma vez que foi constituído “intuiu personae”, tem subjacente o interesse da fundeira em que a superficiária o cumpra integralmente e nos termos convencionados, e está sujeito à verificação da condição resolutiva, também nos termos convencionados.

E como também bem foi apurado em 1.ª instância “os termos e condições contratadas mostram-se adequados aos interesses de cada uma das partes neles outorgantes. O incumprimento do título constitutivo de direito de superfície pela superficiária, a única que verdadeira e efectivamente o poderá incumprir, tem de lhe acarretar consequências que a afastem desse incumprimento. E essas consequências assentam no interesse quer da sociedade fundeira quer no interesse comum a todas as sociedades que constituem o agrupamento "O...".

Logo e em conclusão não se vislumbra que as cláusulas contratuais em apreço violem o princípio da boa-fé, sejam ofensivas dos bons costumes e da ordem pública, ou seja, do fim económico e social do direito de superfície, assim como se apresentam, face ao quadro negocial onde se inserem, equilibradas, proporcionais e justas, em face dos interesses em presença e que visam salvaguardar.

Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, as ditas cláusulas contratuais insertas no supra referido complexo contratual, fundado na autonomia da vontade ou a liberdade negocial das partes contratantes, não se vislumbram inquinadas do vício da nulidade.

Improcedem as respectivas conclusões da apelante.».

Falece pois o acervo conclusivo quanto à existência de nulidade do Acórdão nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d) do CPCivil, por omissão de pronuncia, quanto a este particular.

Quanto ao (des)acerto do mérito, sempre se diz.

O artigo 1536º do CCivil nas várias alíneas do seu nº1, especifica múltiplas causas de extinção do direito de superfície, adiantando o seu nº2 que no titulo constitutivo  poderá  prever-se a extinção de tal direito em virtude da verificação de qualquer condição resolutiva, podendo desta feita as partes assentar contratualmente, de harmonia com o preceituado no artigo 270º do mesmo diploma, num acontecimento futuro com efeitos resolutivos do negócio engendrado, cfr Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª Edição, 443/446.

A lei civil admite o ressarcimento pela extinção do direito de superfície devido ao decurso do prazo no artigo 1538º e mesmo neste caso excepcionando a existência de estipulação em contrário, não antevendo qualquer indemnização para os demais casos de extinção,   ressalvando-se, claro está, qualquer negociação ex adverso, que in casu nem sequer ocorreu, antes pelo contrário, pois estipulada ficou  na cláusula 9ª do contrato de constituição de direito de superfície a exclusão de qualquer indemnização.

Não se diga que a resolução acordada equivale a uma expropriação, já que os factores expropriativos são decorrentes de critérios de utilidade pública, de um modo geral incertos e inopinados mas dependentes de um acto da autoridade pública e por motivo de utilidade pública, enquanto uma condição resolutiva prevista num negócio jurídico, para além de ter sido tomada em conta e discutida entre as partes, assume foros de probabilidade, constituindo a possibilidade de fazer cessar o contrato na sequência da verificação de um facto futuro, mediante uma declaração unilateral e receptícia dirigida à contraparte, sempre dependente da vontade negocial; as situações não são comparáveis, nem podem ser comparadas, não tendo qualquer aplicação o disposto no artigo 62º da CRPortuguesa.   

O direito de propriedade não goza de uma protecção constitucional em termos absolutos, apenas estando instituído o direito de não se ser privado do direito de propriedade de uma forma arbitrária e de ser indemnizado no caso de ocorrer uma desapropriação forçada por acto da autoridade pública, prevendo a Constituição, além do mais,  figuras deste jaez, tais como a requisição e a expropriação por utilidade pública, expropriação de solos urbanos para efeitos urbanísticos e nacionalização de empresas e meios de produção, cfr artigos 62º supra citado, 56º e 83º da Lei Fundamental, cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, 329/336.

Prescreve o nº1 do artigo 1538º que «Sendo o direito de superfície constituído por certo tempo, o proprietário do solo, logo que expire o prazo, adquire a propriedade da obra ou das árvores.», o que significa que a extinção do direito de superfície conduz inexoravelmente à aquisição, pelo fundeiro, proprietário do solo, do direito de propriedade da obra eventualmente edificada pelo superficiário.

A doutrina tem vindo a admitir a aplicação analógica do preceituado no artigo 1538º, nº1 do CCivil a todos os casos de extinção do direito de superfície, desde que sejam observadas as especificações do preceituado no artigo 10º, nº1 do CCivil, isto é, a existência de lacuna, a semelhança na situação factual, aquisição pelo fundeiro do direito de propriedade sobre o implante, cfr Comentário Ao Código Civil, Direito Das Coisas, Universidade Católica, 685/688.

Como aí igualmente se refere, a norma em equação não tem um sentido absoluto e injuntivo, podendo ser afastada por vontade das partes, aplicando-se apenas na sua integralidade caso nada tenha sido previsto, daí que não ocorra qualquer nulidade da cláusula contratual resolutiva, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição, 609.

Na esteira de todas estas observações, podemos concluir que tendo as partes estabelecido ao abrigo do principio da autonomia da vontade e liberdade negocial que lhes assistia, os termos e as consequências da extinção do contrato de constituição de direito de superfície, prevendo-se aí, expressamente, a ausência do ressarcimento do superficiário, sendo tal cláusula perfeitamente licita face ao disposto nos artigos 1536º, nº2 e 1538º, nº2 do CCivil, não sendo caso de aplicação do disposto no artigo 809º do mesmo diploma, nem consubstanciando a extinção do direito de superfície a equivalência a um acto expropriativo e/ou de espoliação ilegal ou indevida, soçobram as conclusões da Recorrente, quanto a este ponto.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de Setembro de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

José Rainho

Graça Amaral

Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC)