Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
646/20.0T8AMT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
CONHECIMENTO DE MÉRITO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
INADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
O acórdão da Relação que, ainda que se envolva na solução substantiva a dar ao litígio, determine o prosseguimento dos autos, com a sua remessa à 1ª instância, para apreciação da matéria de facto controvertida, não conhece do mérito da causa, pelo que não é susceptível de recurso de revista nos termos do artigo 671º, nº 1, do CPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

1. Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AIG Europe, S.A. – Sucursal em Portugal, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe, com juros de mora, a quantia global de € 34.510,55, acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

Na formulação de síntese efectuada na sentença, a autora alegou os seguintes factos:

1 - A autora “Allianz, S.A.”, é uma sociedade que tem por objecto a actividade seguradora.

2 - No exercício da sua actividade, celebrou um contrato de seguro com AA, titulado pela apólice n.º ...12, pelo qual a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-QR-.. foi transferida para a autora, com a cobertura de danos próprios sendo que, o capital seguro à data do acidente, de € 48.011.95 euros com uma franquia de € 900 euros.

3 - No dia 22 de Maio de 2017, pelas 00h10m, na ..., no sentido C.../L..., ocorreu um acidente de viação que consistiu num embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-QR-.. e o ligeiro de passageiros de matrícula .... JXM, conduzido por BB, acidente que se ficou a dever à conduta deste.

4 - Em consequência do embate, o “...” sofreu estragos cuja reparação orçava em € 40.683,79 euros.

5 - Os salvados valiam € 12.690 euros e o ... tinha um valor comercial, à data do acidente, de € 50.106,95 pelo que, como o custo da reparação, acrescido do valor dos salvados, ultrapassava o valor comercial do “...” estava-se, perante uma perda total.

6 - A autora indemnizou o proprietário do “...” através do pagamento da quantia € 34.421,95 euros, correspondente ao valor do capital seguro de € 48.011,95 euros deduzido do valor dos salvados de € 12.690 euros e da franquia de € 900, valor este pago em 31 de Outubro de 2017 (cfr. Doc. 5 junto à petição inicial).

2. Citada a ré, AIG Europe, S.A. – Sucursal em Portugal, a mesma contestou, preconizando a sua absolvição do pedido com base na excepção peremptória do pagamento, na medida em que o proprietário do veículo ..-QR-.., segurado da autora, AA reclamou directamente junto da ré o pagamento da indemnização pelos prejuízos sofridos com o sinistro, tendo a ré indemnizado o lesado, pagando-lhe em 26.07.2018, por transferência bancária a quantia de € 20.216 euros (cfr. Doc. 9 junto à contestação).

Pede ainda a intervenção provocada acessória do segurado da autora, AA.

3. Admitida a intervenção deste, veio o mesmo defender, em síntese, que os € 20.216,00 que a ré lhe pagou no dia 30.07.2018, foram para compensar quer os € 900,00 da franquia que não recebera da autora, quer o valor da privação de uso, quer ainda os juros de mora em que a mesma incorreu.

4. Tentada a conciliação das partes (sem êxito), foi proferido saneador-sentença no qual se julgou a presente ação improcedente, por não provada, e se absolveu a ré do pedido.

Mais precisamente, o Tribunal de 1.ª instância entendeu que “a 'sub-rogação' (…) não tem, no caso concreto, qualquer aplicação, desde logo por a autora ter cumprido uma obrigação própria e depois, porque a ré ao ter pago ao lesado, extinguiu qualquer direito que ao chamado pudesse assistir sobre si, seja ela pela sub-rogação, seja ele pelo direito de regresso”.

Acrescentou ainda que “restaria à autora exercer os seus direitos com base numa situação de enriquecimento sem causa, para obter a restituição de indemnização que pagou ao seu segurado, mas é claro que (…) não opera, no caso, o instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que a ré não se enriqueceu, nem a causa de pedir foi moldada nesse instituto”.

5. Inconformada com esta sentença, dela recorre a autora, pugnando pela procedência da acção.

As conclusões do recurso de apelação são as seguintes:

1. Nos presentes autos foi alegado o contrato de seguro e as coberturas e capitais aplicáveis (vide artigo 2.º da petição inicial), o pagamento efetuado ao abrigo do contrato de seguro em causa (vide artigo 15.º da petição inicial), foi identificado o terceiro responsável pelo sinistro (vide artigos 3.º a 10.º e 18.º a 20.º), bem como foi identificado o regime legal que prevê tal sub-rogação (vide artigo 21.º), aí se sustentando a pretensão deduzida.

2. A Recorrente alegou a factualidade essencial e suficiente para suportar a existência do direito invocado, pelo que não pode aceitar a decisão de mérito que, sem produção de prova, absolve a Recorrida do pedido.

3. Considerando que a Recorrente pagou uma indemnização contratualmente devida – o que não é posto em causa nos autos - ficou automaticamente sub-rogada no montante pago, nos termos do disposto no artigo 136.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.

4. Sem prejuízo do supra exposto, resulta da contestação apresentada pelo interveniente acessório/segurado da Recorrente que o mesmo recebeu o pagamento da Recorrente - vide artigos 16.º e 17.º da contestação - no seguimento desse pagamento instou a Recorrente a junto da sua congénere AIG auxiliar o Interveniente a ver ressarcido o remanescente dos danos por si sofridos - vide artigo 18.º da contestação - sendo que, a partir do pagamento pela Recorrente, o Interveniente apenas solicitou à Recorrida a quantia referente aos danos não indemnizados, concretamente, a franquia contratual aplicada pela Recorrente e o dano por privação de uso - vide artigos 22.º a 25.º da contestação do interveniente.

5. O Interveniente acessório na sua contestação, aceitou como verdadeira, entre o mais, a matéria de facto vertida nos artigos 15.º e 20.º da petição inicial, ou seja, que a Recorrente efetuou o pagamento em causa nos autos e que tem direito a ser ressarcida pela Recorrida.

6. Assim, da matéria de facto alegada pelo interveniente acessório, em conjunto com a matéria de facto já alegada pela Recorrente na sua petição inicial, resulta cristalino que o mesmo quis transmitir à autora o crédito que o mesmo seria titular e de que era devedora a Recorrida, pelo que, encontra-se alegada nos autos a matéria de facto suficiente para que a ação proposta seja considerada procedente.

7. Isto posto, a decisão que seja proferida sem antes o juiz ter cumprido um dos deveres inerentes ao dever de cooperação implica a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.°, n.° 1, al. d), 666.°, n.° 1, e 685.° do Código de Processo Civil) e/ou por omissão de ato devido nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º do Código de Processo Civil, porque o tribunal não pode apreciar a causa (e menos ainda indeferir ou considerar improcedente um pedido) sem antes ter cumprido esse dever.

8. Destarte, deve a sentença ser declarada nula e, consequentemente, ser ordenado o Tribunal a quo a cumprir com o seu dever de prevenção.

9. Subsidiariamente, sempre se dirá que, caso se considere que existe uma falta de alegação dos factos essenciais da causa de pedir, tal circunstância sempre terá como consequência a ineptidão da petição inicial, com a consequente absolvição da instância, e não uma absolvição do pedido.

10. Acresce que, a Recorrida, companhia de seguros, à data do (alegado) pagamento ao Interveniente Acessório, tinha conhecimento de que havia sido efetuado um pagamento ao Interveniente pela Recorrente a título de perda total, e já havia confessado a sua responsabilidade em ressarcir a Recorrente pelo valor pago a título de perda total (ainda que com divergência quanto ao valor a ser pago), o que se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º n.º 2 do Código Civil.

11. Destarte, quando a Recorrida, com conhecimento do pagamento efetuado e já tendo confessado a sua responsabilidade perante a Recorrente, efetua um pagamento ao Interveniente Acessório, alegadamente também a título de perda total, pagou a quem já não tinha na sua esfera jurídica tal direito.

12. Por fim, sempre se dirá que não foi dado como provado que o pagamento alegadamente efetuado pela Recorrida ao Interveniente Acessório extingue a sua responsabilidade derivada do contrato de seguro, até porque resulta do artigo 27.º da contestação do Interveniente Acessório que o pagamento efetuado pela Recorrida limitava-se ao pagamento da franquia contratual de Eur. 900,00, dos danos de privação de uso e juros de mora.

13. Por tudo o exposto, é forçoso concluir que a Recorrente encontra-se sub-rogada nos direitos do seu segurado quanto ao montante por si pago, direitos esses que jamais serão extintos através do pagamento ao credor primitivo.

14. Considerando tudo o supra exposto, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 236.º, 405.º, 406.º, 762.º do Código Civil, sendo certo que, interpretando devidamente as normas jurídicas supra referidas, impõe-se que os autos prossigam, sendo a ação proposta, a final, considerada integralmente procedente”.

É, em suma, o que pede”.

6. A ré e o interveniente responderam, pugnando pela confirmação do julgado.

7. Apreciado o recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu um Acórdão com o seguinte dispositivo:

Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e determina-se o regular prosseguimento dos autos”.

8. Entendendo que o Acórdão deve ser revogado, vem a ré, por sua vez, interpor recurso para este Supremo Tribunal, “nos termos do disposto no n.º 1 do art. 671º, do n.º 1 do art. 675º e do n.º 1 do art. 676º, todos do CPC”.

A terminar, formula as seguintes conclusões:

“1. A ratio da sub-rogação legal é a de compensar o sacrifício que o terceiro chamou a si com o cumprimento da obrigação alheia.

2. A apelada não cumpriu perante o seu segurado uma obrigação alheia, mas sim própria, que lhe adveio do contrato de seguro por si celebrado.

3. Pelo que, a configuração conceptual da sub-rogação no contrato de seguro aproxima-se mais da figura do direito do regresso do que da sub-rogação legal, com as consequências daí advenientes quanto aos seus pressupostos e efeitos.

4. Apelada e interveniente celebraram contrato de seguro automóvel com um conjunto de coberturas adicionais, não obrigatórias, nomeadamente a cobertura por danos próprios.

5. E foi esta cobertura que foi acionada pelo interveniente junto da apelada, e que esta pagou.

6. Pelo contrário, os danos reclamados pelo interveniente junto da apelada –e que esta pagou – respeitaram a danos de privação de uso.

7. Pelo que, nunca existiria qualquer sub-rogação legal.

8. Tão pouco se verificou qualquer sub-rogação voluntária, uma vez que não houve qualquer manifestação expressa da vontade nesse sentido, quer do credor quer do devedor.

9. Face ao exposto, é evidente que não se encontram verificados os pressupostos de aplicação do instituto da sub-rogação.

10. Razão pela qual deverá a decisão do Tribunal da Relação ser revogada e substituída por outra que confirme o entendimento do Tribunal a quo.

11. No mais, a apelante procedeu ao pagamento devido a quem de Direito, isto é, ao titular do direito à indemnização por factos ilícitos, que reclamou o ressarcimento dos prejuízos diretamente junto desta.

12. E fê-lo em momento prévio tanto ao da presente ação, como ao do pagamento alegadamente efetuado pela apelada.

13. Considerou o Tribunal da Relação que o cumprimento pela autora/apelada não extinguiu a obrigação, sendo precisamente esse cumprimento que legitima o exercício do direito de sub-rogação.

14. Sucede que, o Tribunal da Relação labora em erro, porquanto o cumprimento relevante para analisar se a obrigação está ou não extinta é o da ré, ora apelante, e não o da autora, ora apelante.

15. Demonstrado que está o cumprimento da obrigação da apelada, deverá considerar-se a obrigação de indemnização extinta, pelo pagamento.

16. Também por este motivo, deverá a decisão do Tribunal da Relação ser revogada e substituída por outra que confirme o entendimento do Tribunal a quo.

17. Por tudo, é forçoso concluir que a apelada se limitou a cumprir uma obrigação própria e, em qualquer caso, tendo a apelante procedido ao pagamento do valor devido ao verdadeiro credor da obrigação - o interveniente/ lesado -, qualquer direito de crédito que pudesse assistir sobre apelante encontrava-se já extinto.

18. Sem prescindir, caso a decisão do Tribunal da Relação não seja revertida, no que não se concede, mas se admite por mera cautela de patrocínio, a apelante dá por reproduzido tudo o alegado na sua contestação quanto à incorreção dos valores peticionados pela autora/apelada”.

8. A autora / ora recorrida respondeu à alegação.

Alega, por sua vez, que a revista não deve ser admitida porque “é manifesto que a decisão recorrida não conheceu do mérito da causa nem pôs termo ao processo” e que “perante a manifesta falta de fundamento de revista, devem as alegações de recurso serem julgadas improcedentes, por infundamentadas”.

Subsidiariamente, sustenta a improcedência do recurso, no essencial, porque:

- “a Recorrente é titular de um direito de sub-rogação”;

- “o pagamento da privação de uso ao Interveniente pela ora Recorrente, a ter existido, jamais seria susceptível de extinguir o direito do mesmo à reparação do seu veículo, direito esse transmitido à Recorrida através de sub-rogação legal”.

9. O Exmo. Senhor Desembargador Relator proferiu um despacho com o seguinte teor:

Diversamente do sustentado pela A. (refª ...54), entendemos que o recurso de revista interposto pela Ré é admissível, por, além do mais, este Tribunal se ter envolvido na solução substantiva a dar a este litígio, recusando a absolvição do pedido decretada na sentença recorrida.

Como tal, por a Ré para tanto ter legitimidade, estar em tempo e tratar-se de decisão objetivamente impugnável por esta via, admite-se o recurso de revista interposto, o qual subirá imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo – artigos 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, al. a), 674.º, n.º1, 676.º, n.º1 e 679.º, do CPC”.

10. A Ré / ora recorrente veio, na sequência de notificação para o efeito, responder à alegação de inadmissibilidade da revista.


*

II. ADMISSIBILIDADE DA REVISTA


A autora / recorrida sustenta, na contra-alegação a inadmissibilidade do recurso por falta dos pressupostos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

Não estando este Supremo Tribunal vinculado pela decisão de admissibilidade do recurso proferida na Relação (artigo 641º, nº 5, do CPC), importa conhecer da questão.

O saneador sentença proferido em 1ª instância, entendendo, em síntese, que «a ‘sub-rogação’ a que se reportam os mencionados preceitos, não tem, no caso concreto, qualquer aplicação, desde logo por a autora ter cumprido uma obrigação própria e depois, porque a ré ao ter pago ao lesado, extinguiu qualquer direito que ao chamado pudesse assistir sobre si, seja ela pela sub-rogação, seja ele pelo direito de regresso», julgou a acção improcedente absolvendo a Ré do pedido.

Por seu turno a Relação, entendendo ser «manifesto que estes factos são suscetíveis de fundamentar o direito de sub-rogação pela mesma invocado», mas que faltava «assinalar-lhe os limites, mas essa é matéria que está fora do âmbito deste recurso», revogou o saneador sentença determinando «o regular prosseguimento dos autos».

Ocorre que a Relação, embora, como se exarou no despacho de admissão do recurso proferido na Relação, se tenha «envolvido na solução substantiva a dar a este litígio», afirmando a verificação dos pressupostos da invocada sub-rogação, reconheceu também que a causa não fornecia ainda todos os elementos necessários para assinalar os limites dessa sub-rogação e, consequentemente decidir sobre o pedido formulado.

Ora nessa situação não pode considerar-se que a Relação tenha conhecido do mérito da causa; que se tenha envolvido efectivamente na resolução material do litígio julgando procedente ou improcedente, no todo ou em parte, o pedido. Tendo embora, e utilizando a expressão do artigo 683º, nº 1, do CPC, ‘definido o direito aplicável’, a Relação não se pronunciou quanto ao bem ou mal fundado da pretensão da Autora ou da excepção invocada pela Ré, afirmando antes a necessidade de os autos prosseguirem a sua regular tramitação, ou seja, do apuramento dos factos controvertidos em ordem a constituírem base factual suficiente para decidir sobre o mérito da causa.

No sentido de que não conhece do mérito da causa «o acórdão da Relação que determine o prosseguimento dos autos, com a sua remessa para a 1ª instância, para apreciação da matéria de facto controvertida» se pronuncia ABRANTES GERALDES (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pg. 351).

Concluindo-se que o acórdão recorrido não conhece do mérito da causa ele não é susceptível de recurso de revista nos termos do artigo 671º, nº 1, do CPC.

III. DECISÃO

Termos em que se não conhece do recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 19JAN2023


Rijo Ferreira (Relator)

Cura Mariano

Catarina Serra (com declaração de voto vencida junta)



***

Declaração de voto de vencida




1. Voto vencida porque entendo, tal como entendi enquanto relatora do primitivo projecto de decisão (que não fez vencimento), que o recurso é admissível, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

Penso que, ao declarar a sub-rogação, o Tribunal recorrido apreciou de uma questão de mérito ou decidiu o mérito parcial da acção e apreciou de uma questão de mérito ou decidiu o mérito – salienta-se – de uma forma que o Tribunal de 1.ª instância não se poderá desviar.


2. A pergunta fundamental a responder para decidir da admissibilidade do presente recurso de revista é a de saber se a decisão do Tribunal recorrido sobre a questão da sub-rogação pressupõe o reconhecimento do crédito peticionado.

Só se a decisão tiver envolvido o reconhecimento do crédito peticionado (de montante, em parte, já determinado) poderá a decisão valer como decisão de mérito e o recurso de revista ser admissível nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

Ora, analisando o Acórdão recorrido, concluo que estão assentes a ocorrência do acidente imputável ao segurado da ré e a imputação a ele dos danos, pelo menos em parte, visados com o pagamento efectuado pela autora ao lesado / seu segurado, o que quer dizer que a decisão envolveu o reconhecimento do crédito.

Com particular interesse, destaco os factos seguintes (sublinhados meus):

1 - Como resulta dos articulados, no dia 22 de Maio de 2017, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula ..-QR-.. segurado na autora e o veículo de matrícula .... JXM seguro na ré.

2 - A culpa na produção do acidente é imputável, exclusivamente, ao condutor do AA, como autora e ré reconhecem.

3 - Em consequência do acidente, verificaram-se vários danos no veículo segurado na autora, o ..., que determinaram a sua “perda total”, razão porque a autora pagou ao respectivo proprietário e seu segurado, o chamado BB, a indemnização de € 34.510,55 euros, uma vez que o contrato de seguro, para além das coberturas inerentes ao seguro obrigatório, cobria, também, danos próprios sofridos pelo ....

Além disso, consta, inter alia, da fundamentação do Acórdão recorrido (sublinhados meus):

(…) é manifesto que estes factos são suscetíveis de fundamentar o direito de sub-rogação pela mesma invocado. Falta só assinalar-lhe os limites”.

3. Face ao exposto, entendo, em conclusão, que, não obstante não existirem elementos suficientes para que o Tribunal recorrido decidisse sobre todo o mérito da acção, designadamente apreciando a “incorreção dos valores peticionados pela autora” (única razão pela qual, a meu ver, não foi proferida a decisão sobre a procedência da acção e se decidiu que o processo seguisse os seus termos), foi reconhecido o direito, por sub-rogação legal, na esfera jurídica da autora.

Não posso, pois, concordar com o tratamento da “revogação” da sentença que consta do dispositivo do Acórdão recorrido como se fosse uma mera “remessa para a 1.ª instância, para apreciação da matéria de facto controvertida”, ou seja, uma decisão de anulação para ampliação da matéria de facto (cfr. artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC), no que toca à existência da sub-rogação / ao reconhecimento do crédito peticionado.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023

Catarina Serra