Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
| Relator: | SOUSA FONTE | ||
| Descritores: | RECURSO PENAL ADMISSIBILIDADE DE RECURSO SENTENÇA PROCESSO ABREVIADO ABSOLVIÇÃO ACORDÃO DA RELAÇÃO PENA DE PRISÃO CONSTITUCIONALIDADE REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | REJEITADO, POR NÃO SER ADMISSÍVEL, O RECURSO INTERPOSTO | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS / RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO. DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. | ||
| Doutrina: | - J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, (1997), 189. - Karl Larenz, Metodologia da Ciência Do Direito, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 369. - Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 350. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALS. D), E), 414.º, N.ºS 2 E 3, 420.º, N.º 1, AL. B), 432.º, N.º1, AL. B), 446.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º LOFPTC: - ARTIGO 80.º, N.º 1. | ||
| Referências Internacionais: | PROTOCOLO Nº 7 À CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS: - ARTIGO 2.º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 30/2001. -N.º 163/2015, DE 04.03.2015, P.º N.º 934/14 – 3.ª SECÇÃO, RATIFICANDO FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÃO SUMÁRIA, ASSENTE ESSENCIALMENTE NA DOUTRINA DO ACÓRDÃO NºS 49/2003, DE 29 DE JANEIRO E 682/2006, DE 13 DE DEZEMBRO. -Nº 245/2015, DE 29.04.2015, PROFERIDO NO P.º N.º 244/15 – 2.ª SECÇÃO. -N.º 398/2015, DE 17.08.2015, PROFERIDO NO P.º N.º 738/15 -1.ª SECÇÃO. -N.º 412/2015. (TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT ) | ||
| Sumário : | I - Nos termos do arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP é irrecorrível o acórdão da Relação que, julgando procedente o recurso interposto pelo MP, da sentença que havia absolvido o recorrente (em processo abreviado), o condenou em 2 anos de prisão efectiva. II - Não obstante o acórdão do TC 412/2015, que assenta num caso com os mesmos contornos do que está em apreciação, ter julgado inconstitucional a norma do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, ao estabelecer a irrecorribilidade de acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a 5 anos, por violação do direito ao recurso consagrado no art. 32.º da CRP, o que é certo é que, o acórdão do TC 163/2015, em caso idêntico, considerou que a referida norma não era atentatória do indicado preceito constitucional. III - Tendo o arguido tido a possibilidade plena de, no recurso interposto para o tribunal da Relação, fazer valer, perante a instância de recurso, as razões da sua defesa, ficaram asseguradas as garantias de defesa que constitucionalmente lhe são conferidas. IV - O CPP sempre recusou, desde a sua versão original (art. 400.º, n.º 1, al. d), do CPP), a possibilidade de as decisões do tribunal singular mesmo quando tenham posto termo à causa, chegarem, por via de recurso, de 2.º grau de recurso, ao STJ, excepto quando verificada a situação prevista no art. 446.º, do CPP, o que não se verifica no caso. V - Seguindo a prática jurisprudencial do STJ e do TC, no sentido de que é irrecorrível para o STJ o acórdão da Relação proferido em recurso de decisão do tribunal singular e de que tal não ofende o direito ao recurso ou ao duplo grau de jurisdição, tal como consagrados na CRP, rejeita-se o recurso, por não ser admissível (arts. 432.º, n.º 1, al. b), 400.º, n.º 1, al. e), 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP). | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório 1.1. No processo em epígrafe, da «Instância Local, Secção de Pequena Criminalidade, J2», da comarca do Porto, que correu perante o tribunal singular, sob a forma de processo abreviado, respondeu o arguido AA, nascido em .... na freguesia de ...., titular do BI nº ...., filho de .... e de ...., ...., residente na Rua ..., acusado que fora da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, alínea a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A, anexa ao mesmo diploma legal. Pela sentença de fls. 233 e segs., proferida em 12.12.2014, foi absolvido da prática do referido crime. 1.2. Inconformado, recorreu o Ministério Publico para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo acórdão de 08.07.2015, fls. 371 e segs., decidiu (transcrevemos): «a) alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, julgando-se provados os seguintes factos julgados não provados na sentença recorrida: • Nas circunstâncias de tempo e lugar atrás descritas, o arguido de imediato após se ter apercebido da presença dos agentes da PSP, a fim de evitar ser encontrado na sua posse, atirou para o chão uma embalagem contendo heroína, com o peso líquido de 5,295 g, produto estupefaciente que detinha. • O arguido AA agiu sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinha. • O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei. b) julgar provada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido … e, por via disso, o mesmo autor da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-A anexa a esse diploma legal e condená-lo na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão» (negrito da nossa autoria). 1.3. Não concordando com este desfecho, o Arguido interpôs recurso daquele acórdão condenatório para o Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação encerrou com as seguintes conclusões que transcrevemos: «A. O Douto Acórdão sob recurso vai contra a interpretação do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, de 08-03-2012, prolatado no processo n.º 147/06.0GASJP.P1-A.S1-3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 77, de 18 de Abril de 2012; B. Porquanto “o Ministério Público recorrente não observou os ónus legais decorrentes do art.º 412.º, nos. 3, alínea b), e 4 do Código de Processo Penal” – (ver ponto 2.2, pág. 21 do Ac. RP); C. O recurso interposto pela Ex.ma Sra. Procuradora Adjunta da sentença da Secção de Pequena Criminalidade do Porto – J2 deveria ter sido rejeitado. D. Não pode menosprezar-se e, muito menos, olvidar que o arguido/recorrente já tem várias condenações em penas de prisão e uma delas é por tráfico de estupefacientes; E. Mas, se é inegável que a existência de condenações anteriores constitui um índice de exigências acrescidas de prevenção, também se aceita facilmente que a existência dessas condenações “não é impeditiva, a priori, da concessão da suspensão” (ainda, Figueiredo Dias, ob. cit., 344); F. Também não pode desvalorizar-se a circunstância de o arguido/recorrente ter reincidido na prática do crime em período de suspensão da execução de penas de prisão, deve ser de realçar o esforço de reinserção social que o arguido vem fazendo; G. Quando se indaga sobre a inserção social de um indivíduo, um dos fatores essenciais a ter em consideração é a existência de uma ocupação duradoira, profissional ou outra, ou, pelo menos, que tenha hábitos de trabalho, e o arguido/recorrente tem hábitos de trabalho e mostra empenho em manter-se laboralmente ocupado; H. O arguido/recorrente está sujeito a regime de prova, com acompanhamento por técnico de reinserção social, e a sua postura tem sido de “participação e colaboração, com diligências concretas direcionadas ao sucesso do seu plano de reinserção social”; I. Sem menosprezar a persistência dos fatores de risco de assunção de novos comportamentos anti-normativos, afigura-se-nos ser de estimular o esforço e a vontade revelados pelo arguido de trilhar novos caminhos; J. Deve privilegiar-se a socialização em liberdade e há razões para crer que é genuína a vontade de regeneração do arguido, pelo que – assim o cremos – a suspensão não fará com que se frustre a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha; K. Uma das dimensões de prevenção geral positiva é o restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens jurídicos fundamentais à vida coletiva e individual e é através da condenação penal, enquanto reafirmação efetiva da validade das normas violadas e, portanto, da importância dos bens jurídicos lesados, que essa mensagem de confiança é dada; L. Este juízo de prognose positivo sobre o futuro comportamento do arguido comporta um risco elevado (que, no entanto, pode ser mitigado com a sujeição a regime de prova a efetivar de acordo com o que vier a ser determinado pela DGRS, podendo aproveitar-se o plano que está em execução e, eventualmente, adaptá-lo à nova realidade); M. Cabe ao arguido demostrar que é merecedor desta nova oportunidade de reinserção em liberdade que lhe é concedida, na certeza de que não haverá complacência para novos comportamentos criminosos que assumam; N. Deveria ir neste sentido uma pena mais reduzida, mas sempre suspensa na sua execução, suspensão que seria acompanhada de regime de prova, mediante plano individual de reinserção social a elaborar e a fazer executar pelos serviços da DGRSP; O. No que concerne ao ponto 2.2 do Douto Ac. da RP, pág. 22, explicita-se na nota 9, que “nenhuma contradição existe entre estes três depoimentos, precisavam era de ser adequadamente focalizados no tempo e não o foram na sentença recorrida”; P. Da mesma forma que estes três depoimentos não foram focalizados no tempo pelo Douto Acórdão sob recurso, pois que tal exercício apenas seria possível com a repetição destes três depoimentos, questionando-os diretamente a fim de os focalizar no tempo; Q. Não entendemos, por isso, como se conseguiu agora pela mera audição destes depoimentos – num autêntico suplício digno de Tântalo, nos dizeres do Senhor Juiz Desembargador Relator – obter aquela focalização que permite uma outra decisão; R. O Douto Ac. da RP sob recurso ultrapassa os limites à reponderação de facto, já que a Relação fez um segundo/novo julgamento integral, em vez de um reexame necessariamente segmentado, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo; S. O Douto Ac. da RP sob recurso ao reapreciar, só poderia determinar alteração à matéria de facto assente se concluísse que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão; T. No fim de contas o Douto Ac. da RP sob recurso veio agora contrapor a sua versão dos factos à convicção da 1.ª Instância, colhida na imediação e na oralidade (princípios estes que o Tribunal Superior não tem à sua disponibilidade) e abalar esta convicção; U. Ora, se atentarmos na fundamentação dos factos provados e dos factos não provados que consta da sentença e para a qual remetemos (dado a forma exaustiva e pormenorizada do modo que conduziu a Senhora Juiz na 1.ª Instância a considerar não provados aqueles factos), não se vislumbra que o Tribunal recorrido, na sua livre convicção, não tenha tido dúvidas mais que razoáveis quanto à prática do crime pelo arguido; V. Pelo contrário, resulta da fundamentação, suficientemente objetivada, que os elementos referidos conjugados com as normas da experiência comum, não permitiram ao Tribunal concluir que o arguido tenha cometido os factos de que fora acusado; W. Existe a dúvida, conjugada com as normas da experiência comum, de o auto de apreensão relativo aos produtos estupefacientes junto aos autos, não se encontrar assinado pelo arguido e não constar do mesmo a recusa do arguido em o assinar, não havendo justificação válida para tal omissão; X. E sobre isto, o Douto Ac. da RP sob recurso é totalmente omisso; Y. Facto que é do seu conhecimento oficioso, pois estamos perante a utilização de meios de prova proibidos por lei; Z. No caso em concreto, se o auto de apreensão relativo aos produtos estupefacientes junto aos autos, não se encontrar assinado pelo arguido e não constar do mesmo a recusa do arguido em o assinar, não havendo justificação válida para tal omissão, haverá sempre a incerteza se aquela droga era efetivamente a alegadamente apreendida ao arguido». 1.4. O Senhor Desembargador relator recebeu o recurso pelo despacho de fls. 423, «tendo presente o ACT 412/2015 conforme o qual o TC decidiu julgar inconstitucional a norma do art 400-1-e do CPP (resultante da revisão do CPP pela Lei 20/2013) que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente, face à absolvição ocorrida em I instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a 5 anos». 1.5. O Senhor Procurador-geral Adjunto respondeu, fls. 426 e segs., concluindo que: «a) O texto do douto acórdão recorrido não enferma de qualquer vício suscetível de afetar a validade da decisão condenatória proferida; b) No reexame da prova oral a que procedeu, o tribunal a quo observou escrupulosamente o estatuído no artigo 412°, nº 6, do C. P. Penal, sem ofensa da jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 3/2012, de 8 de Março de 2012; c) A dosimetria da pena mostra-se adequada, justa e razoável, tendo em conta a moldura penal abstrata aplicável e as demais circunstâncias a considerar, enunciadas no acórdão sob recurso, e bem assim os critérios legais definidos nos artigos 40° e 71°, do C. Penal; d) Não é possível formular um juízo de prognose social favorável ao arguido que possa justificar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada; e) Deverá, pois, o recurso ser julgado não provido e confirmado o acórdão impugnado». 1.6. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da não admissibilidade do recurso, por força do disposto no artº 400º, nº 1, al. e) e 432º, nº 1, al. b), ambos do CPP, argumentando que, se «é certo que o Sr. Juiz Desembargador Relator admitiu o recurso interposto … invocando o Ac. do TC nº 412/2015, de 29.09.2015», a verdade é que «a norma…, contida na al. e), do nº 1, do art. 400º, do CPP, na redação introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21.02, não foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral, sendo certo que o MP no Tribunal Constitucional interpôs recurso do citado Acórdão para o Plenário, pelo que, pelo menos, foi prolatado um outro Acórdão, do mesmo Tribunal Constitucional, que decidiu em oposição ao aqui invocado». Por isso, concluiu, «[mantendo-se] em vigor o teor do normativo contido no art. 400º, nº 1, al. e) do CPP, que estabelece a não recorribilidade de acórdãos, proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos» e tendo o Arguido sido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, «o recurso deve ser liminarmente rejeitado, por inadmissibilidade», pois que a «decisão que [o] admitiu não vincula o tribunal superior – art. 414º, nº 3, do CPP». Mas se assim não for entendido, continua, a) deve o recurso ser rejeitado quanto «à matéria de facto que o recorrente pretende rediscutir, bem assim quanto à extemporânea e inútil pretensão de rejeição do recurso interposto pelo MP na 1ª instância»; b) deve ser-lhe negado provimento «no que concerne às questões da medida da pena aplicada e da suspensão da sua execução». 1.7. Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Arguido nada disse.
2. Tudo visto, cumpre decidir. Como vimos, a Senhora Procuradora-geral Adjunta do Supremo Tribunal de Justiça suscita a questão prévia da inadmissibilidade do recurso interposto pelo Arguido do acórdão condenatório do Tribunal da Relação. Será, pois, esta a primeira questão a apreciar e a decidir, prévia que é em relação às que foram colocadas pelo Arguido que justamente pressupõem o conhecimento do objecto do recurso. Vejamos, pois. 3. Da admissibilidade do recurso interposto. 3.1. Os factos que estão na origem deste processo foram praticados em 14 de Março de 2014 (cfr. Auto de notícia de fls. 3 e nº 1 dos “Factos julgados provados»). O processo foi, naturalmente, iniciado depois dessa data (foi autuado, como «inquérito», em 18.03.2014 e, como «processo abreviado», em 09.05.2014). Em matéria de (in)admissibilidade de recursos penais para o Supremo Tribunal de Justiça não se coloca, pois, no caso sub judice, qualquer problema de aplicação da lei no tempo, com disciplina no artº 5º do CPP, porquanto vigorava então, mais concretamente desde o dia 23 de Março de 2013, como vigora hoje, no que para aqui interessa, a versão deste Código resultante das alterações nele introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro (cfr. o seu artº 4º). Pois bem. Nos termos do artº 432º, nº 1, alínea b), do CPP, «recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: … b) de decisões que não sejam irrecorríveis, proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º». Para a solução da questão prévia em epígrafe, rege a norma da alínea e) do nº 1 deste artigo cujo teor, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 20/2013, é o seguinte: «Não é admissível recurso: … e) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos». No caso dos autos, como vimos, o Tribunal da Relação do Porto, julgando procedente o recurso interposto pelo Ministério Público da sentença que havia absolvido o Recorrente, condenou-o em 2 anos de prisão (efectiva). A irrecorribilidade deste acórdão está, assim, inquestionavelmente fixada, de forma directa e num sentido literal que não admite outra interpretação, no referido preceito. Face ao comando do artº 9º do CCivil não é possível, por isso, atribuir ao texto daquele preceito outro sentido, outro significado, que não seja o que … nele está escrito. O elemento gramatical não tem, não pode ter, pensamos nós, outro significado, sendo certo que «a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação», o que quer dizer «que o texto funciona também como limite da busca do espírito»[1]. Porém, o Senhor Desembargador relator, «tendo presente» que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 412/2015, de 29 de Setembro último, decidiu [por maioria, acrescente-se] «julgar inconstitucional a norma do artigo 400º, nº 1, alínea e), do CPP, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei nº 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32º da constituição)», admitiu o recurso interposto pelo Arguido. Ora, a Senhora Procuradora-geral Adjunta informa, no seu parecer, que o Ministério Público do Tribunal Constitucional interpôs recuso desse acórdão para o plenário do Tribunal, o que, atendendo ao disposto nos nºs 1 e 6 do artº 79º-D da Lei nº 22/82, de 15 de Novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, daqui por diante “LOFPTC”), supõe a prolação de decisões anteriores divergentes quanto à conformidade constitucional da referida norma e que aquela decisão de inconstitucionalidade ainda não transitou em julgado. De facto, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 245/2015, de 29.04.2015, proferido no Pº nº 244/15-2ª Secção sobre reclamação de decisão sumária que confirmou, seguindo, como refere, jurisprudência anterior no sentido da não inconstitucionalidade de normas que não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão condenatória proferida em recurso de decisão absolutória da primeira instância, decidiu (sem voto de vencido) não ser inconstitucional o conjunto normativo em causa – arts. 432º, nº 1, alínea c) e 400º, nº 1, alínea e), esta já na redacção que lhe foi dada pela Lei 20/2013 – enquanto não amite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido, em recurso, pela relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução da pena de prisão decretada pela primeira instância. E sublinhou, na senda daquela jurisprudência anterior, a «suficiência do acórdão da relação, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição, constitucionalmente exigido em matéria penal, já que o arguido tem a possibilidade de, perante tal instância de recurso, fazer valer as suas razões de defesa». E o Acórdão nº 398/2015, de 17.08.2015, proferido no Pº nº 738/15-1ª Secção, invocando «jurisprudência constante deste Tribunal Constitucional», também confirmou (sem voto de vencido) decisão sumária que julgou não inconstitucional a interpretação do mesmo conjunto normativo «no sentido da irrecorribilidade da decisão condenatória do Tribunal da Relação que aplique pena de prisão efectiva não superior a 5 anos, assim agravando a medida da pena de prisão efectiva aplicada pelo tribunal de primeira instância». Contrapor-se-á que o objecto da decisão do Tribunal da Relação do Porto aqui em recurso não coincide com o das decisões apreciadas nos dois Acórdãos acabados de referir, pois o que está em causa no processo sub judice não é nem a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e sua substituição por pena de prisão efectiva nem a agravação de pena de prisão efectiva. O que o acórdão impugnado decidiu foi alterar a decisão da 1ª Instância sobre matéria de facto e, em consequência dessa alteração, revogar a decisão que absolveu o Arguido e, julgando-o autor do crime por que fora acusado, condená-lo em 2 anos de prisão efectiva. Ou seja, tal como na hipótese sobre que assentou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 412/2015, invocado pelo Senhor Desembargador relator, o acórdão do Tribunal da Relação condenou «inovatoriamente» o Arguido na pena de 2 anos de prisão efectiva. Certo que assim é. Só que, sobre num caso com os mesmos contornos do nosso – arguido absolvido na 1ª Instância e condenado em prisão efectiva pelo tribunal da relação –, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 163/2015, de 04.03.2015; Pº nº 934/14-3ª Secção, ratificando fundamentação de decisão sumária, assente essencialmente na doutrina do Acórdão nºs 49/2003, de 29 de Janeiro e 682/2006, de 13 de Dezembro, também concluiu (ainda sem voto de vencido) que «não viola o nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa a interpretação do artigo 400º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei nº 20/2013, de 21 de fevereiro, no sentido da irrecorribilidade, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido em recurso, pelo Tribunal da Relação, que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, ainda que a decisão da 1ª Instância seja absolutória». Seja como for, mesmo que aquele acórdão tivesse transitado em julgado, a decisão aí proferida, além de não pacífica, apenas faz caso julgado no processo onde foi proferida, como estatui o nº 1 do artº 80º da LOFPTC. E nós continuamos a pensar, como aquele Acórdão nº 245/2015, que, no caso, tendo o Arguido tido a possibilidade plena, o direito de, no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, fazer valer, perante a instância de recurso, as razões da sua defesa – se as usou e como as usou é questão que só a ele diz respeito (e, de facto, se não respondeu à motivação do recurso, já respondeu ao parecer do Ministério Público do Tribunal da Relação) – ficaram asseguradas as garantias de defesa que constitucionalmente lhe são conferidas. Note-se, é bom sublinhar, que o que está aqui em causa é um acórdão de um tribunal da relação proferido em recurso interposto de uma sentença de um tribunal singular. E acentuar que o CPP sempre recusou, desde a sua versão original [artº 400º, nº 1, alínea d): «não é admissível recurso … d) de acórdãos das relações em recursos de decisões proferidas em primeira instância], a possibilidade de as decisões do tribunal singular, mesmo quando tenham posto termo à causa, chegarem, por via de recurso, de 2º grau de recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça, excepto quando verificada a situação prevista no artº 446º – o que não é o caso. E cremos que nunca foi posta em causa a conformidade constitucional dessa norma. Aliás, citando Figueiredo Dias, diz a fundamentação do Acórdão nº 412/2015 que «o Código conviveu quase sempre, nomeadamente até 2007, com a possibilidade de uma condenação em pena de prisão efectiva ditada pela primeira vez pela Relação ficar imune à garantia de recurso, sendo que, confrontado com o problema do passado o Tribunal Constitucional não divisou aí qualquer inconstitucionalidade». É verdade que só com a Lei Constitucional nº 1/97, de 20/11, em vigor no 15º dia posterior à sua publicação no Diário da República (cfr. o seu artº 198º) é que a CRP passou a incluir expressamente, nas garantias de defesa, o direito ao recurso. Mas também é verdade que o próprio Tribunal Constitucional entende que o segmento aditado ao artº 32º, nº 1 – «incluindo o recurso» – «apenas explicita o que a [sua] jurisprudência já entendia compreendido nas “garantias de defesa em processo penal”»[2]. E que Portugal estava vinculado, desde 1 de Novembro de 1998, ao comando do artº 2º do Protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamenta que justamente preceitua que o direito de qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação pode ser objecto de excepções, uma das quais é exactamente a de o interessado ter sido declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição. Acresce que, sem pretendermos, naturalmente, criticar ou mesmo comentar a solução a que chegou o referido Acórdão dissidente do Tribunal Constitucional, não podemos deixar de destacar a seguinte passagem do voto de vencido nele aposto: «Se, na verdade, o estado actual do direito infraconstitucional leva a supor que o recurso para uma segunda instância não salvaguarda todas as garantias de defesa do arguido em processo penal, que, por causa desse deficit da regulação de direito ordinário, pode vir a ser «surpreendido» por uma condenação por tribunal superior que reverte anterior absolvição e face à qual não teve hipótese de se defender, o problema de constitucionalidade existe e é grave. Contudo, tal problema tem como objecto, não a norma que consagra a irrecorribilidade das decisões de segunda instância, mas o conjunto de normas que, alterando um sistema antes presumivelmente harmonioso, diminuíram as possibilidades de defesa do arguido no recurso da decisão de primeira instância. Se o estado actual do direito infraconstitucional tornou ineficaz, para uma integral garantia dos direitos fundamentais consagrados, não apenas no artigo 32.º, mas também no artigo 20.º da CRP, a existência do duplo grau de jurisdição, o problema reside, evidentemente, na modelação dada pela legislação ordinária à forma como esse duplo grau se processa e não em qualquer outro lado. Pensar que o aniquilamento das garantias dadas por esse duplo grau, tornado pelo legislador ordinário não significativo ou irrelevante, se resolve pela conclusão segundo a qual a Constituição portuguesa imporá a existência de um terceiro grau – para substituir o segundo, que já não serve – não é apenas um erro de perspectiva. É um verdadeiro “non sequitur” lógico, que tem a consequência, a meu ver grave, de sacrificar inteiramente um valor que a jurisprudência constitucional portuguesa sempre sublinhou – o da necessária salvaguarda da racionalidade do sistema de justiça» (sublinhado nosso). Continuamos, por isso, a seguir, nesta matéria, a prática jurisprudencial tanto do Supremo Tribunal de Justiça como do Tribunal Constitucional, no sentido de que é irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da relação proferido em recurso de decisão do tribunal singular e de que o identificado conjunto normativo assim entendido não ofende o direito ao recurso ou ao duplo grau de jurisdição, tal como consagrados na Constituição. 3.2. Por outro lado, a decisão do Senhor Desembargador relator que admitiu o recurso não vincula o Supremo Tribunal de Justiça – artº 414º, nº 3, do CPP. 4. A conclusão a que acabamos de chegar sobre a procedência da questão prévia suscitada pela Senhora Procuradora-geral Adjunta prejudica o conhecimento do objecto do recurso.
5. Dispositivo Nestes termos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 432º, nº 1, alínea b), 400º, nº 1, alínea e), 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b), do CPP, rejeitar, por não ser admissível, o recurso interposto pelo arguido AA do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.07.2015, constante de fls. 371 e segs. Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s (arts. 513º, nº 1, do CPP, 8º, nº 9, do RCP e Tabela III a ele anexa). O Recorrente pagará ainda a importância de 3 (três) UC’s, por força do disposto no artº 420º, nº 3, do CPP. Lisboa, Processado e revisto pelo Relator
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