Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
579/2001.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
PRESUNÇÕES LEGAIS
PRESUNÇÃO DE CULPA
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
CULPA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEFEITO DE CONSERVAÇÃO
PROPRIEDADE
Data do Acordão: 05/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL
Doutrina: - Adriano Vaz Serra, RLJ, Ano 104, em Anotação ao Ac do STJ de 20.03.1970, pág. 123.
- P. Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 428.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 492.º, N.ºS1 E 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28.04.1977, BMJ Nº 266, PÁG. 161.
Sumário :
I - O n.º 1 do art. 492.º do CC estabelece uma mera presunção de culpa e não um caso de responsabilidade objectiva do proprietário ou possuidor.
II - O n.º 2 do art. 492.º, do citado diploma, deve ser interpretado no sentido de que a pessoa nele referida responde em lugar do proprietário ou possuidor, quando não houver culpa deste: se a houver respondem ambos para com o lesado.
III - Não tendo a proprietária do espaço onde ocorreu o acidente (que consistiu na queda desamparada da autora de uma altura de cerca de 4 metros sobre um pontão flutuante de madeira de acostagem de barcos, por o tubo metálico do varandim ter cedido nos pontos de solda quando a autora e dois outros jovens se sentaram em cima – o varandim apresentava sinais de ferrugem nos pontos de ligação com a barra vertical onde estava soldada) qualquer actuação culposa na escolha da entidade, que assegurava a manutenção e conservação dos varandins implantados naquele espaço, nem tendo tido qualquer outra intervenção que por alguma forma tenha concorrido culposamente para o dano, não pode, à luz do preconizado entendimento sobre a aplicação do n.º 2 do citado art. 492.º do CC, ser responsabilizada pelo acidente.
Decisão Texto Integral:  

  Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 I- Relatório

 
AA , BB e CC intentaram no Tribunal Judicial de  Matosinhos acção com processo ordinário contra  DD SA , EE- Associação de Clubes , subsequentemente assistida pela  Companhia de Seguros FF SA , GGHH Ldª  pedindo que estas sejam solidariamente condenadas a pagar: – À 1ª Autora, a quantia de Esc.: 35.000.000$00, agora €174.579,26, sendo Esc.: 25.000.000$00 a título de danos físicos e Esc.: 10.000.000$00 a título de danos morais;
– A 2ª e ao 3º Autores, a quantia de Esc.: 4.830.000$00, agora €24.091,94, devido a prejuízos patrimoniais causados pelo acidente e que estes tiveram que suportar face ao dever de assistência que para com a 1ª Autora têm; e
– Aos 2ª e 3º Autores, a quantia de Esc.: 10.000.000$00, agora €49.879,79, sendo Esc.: 5.000.00$00 para cada um, a título de danos morais.
A acção foi também instaurada contra o Sport Clube do Porto e o Clube MM, relativamente aos quais a instância entretanto se extinguiu, por desistência do pedido (cfr. fls. 678).
Para fundamentar a sua pretensão, os Autores alegaram, em síntese, factos susceptíveis de implicar a responsabilidade civil das RR., decorrente do seguinte:
A 1ª A. sofreu um acidente quando se encontrava junto às instalações do GG.
Tal acidente ficou a dever-se ao facto de uma barra de metal – varandim – se ter partido por se encontrar deteriorada e consequentemente a 1ª Autora ter caído e sofrido danos.
Os RR. actuaram com grosseira violação dos deveres normais e gerais de diligência e cuidado que a cada um respectivamente competia.
Pedem indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
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A Ré DD contestou, defendendo-se por impugnação motivada e imputando a ocorrência do acidente exclusivamente à 1ª Autora.
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A Ré EE–Associação de Clubes, contestou, defendendo-se por impugnação motivada e imputando a ocorrência do acidente à actuação da 1ª Autora.
Veio ainda deduzir o incidente da intervenção acessória da Companhia de Seguros FF, S.A., com a qual havia celebrado contrato de seguro.
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O Réu GG contestou, arguindo a sua ilegitimidade, sustentando que não tem qualquer “jurisdição” na área onde ocorreu o acidente, recaindo sobre a Ré DD a responsabilidade pelas reparações das construções aí existentes. Impugnou a factualidade alegada na petição e invocou que o acidente ocorreu após a actividade que a 1ª Autora levou a cabo na contestante e que o varandim caiu porque a 1ª Autora se sentou nele com mais dois jovens, não tendo aguentado esse peso por se destinar exclusivamente a resguardo.
Veio ainda deduzir o incidente da intervenção acessória da Companhia de Seguros FF, S.A., com a qual havia sido celebrado contrato de seguro pela Ré EE.
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A Ré HH, devidamente citada, não contestou.
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Os Autores replicaram, pugnando pela improcedência das defesas apresentadas pelos Réus contestantes e concluindo como na petição.
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Foi admitida a requerida intervenção acessória da Companhia de Seguros FF, S.A., a qual constestou, essencialmente por adesão à contestação apresentada pela sua assistida (a Ré Marina).
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Os Autores replicaram, concluindo como na petição.
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Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva deduzida pelo Réu GG.
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Foi proferida decisão que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os Réus do pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio o A. interpor recurso de Apelação, para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão de fls. 844 a 860, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença da 1ª instância.

Novamente inconformados os AA interpuseram para este Tribunal o presente recurso de revista.

 Os AA nas suas alegações de recurso formulam as seguintes conclusões:

 1 .A Autora AA caiu porque o varão (onde se havia sentado) cedeu.

2.         E cedeu pelos pontos de solda que se mostravam com sinais de ferrugem na parte que ligavam à barra vertical onde uniam.

3.         E tal fragilidade (ferrugem) estava encoberta por força de pintura exterior em bom estado.

4.         Da factualidade apurada não resulta que a Ré DD - S.A. tivesse logrado afastar a presunção de responsabilidade consignada no artigo 492° - 1 C. Civil.

5.         Permanecendo a culpa presumida da Ré DD, S.A porquanto esta Ré não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ela impendia.

6.         Havendo apenas mera concorrência de condições para a produção do dano entre a omissão de manutenção do varão por parte da Ré e da Autora AA por se haver sentado em varão (ou varandim) interiormente apodrecido por ferrugem mas aparentemente bem pintado e ostentando bom estado de conservação.

7.         Pelo que existe face aos factos provados, nexo de causalidade adequada entre o facto (a omissão de manutenção do varandim) e o dano (a queda da Autora AA).

8.         Tendo o, aliás douto acórdão recorrida, violado por erro de interpretação e

aplicação o preceituado nos artigos 483o- 1 e 492o-1 C. Civil.

Em Conformidade deverá conceder-se provimento ao recurso e consequentemente condenar-se a Ré DD., S.A. a pagar aos AA. os montantes indemnizatórios que este Supremo Tribunal fixará ao abrigo do artigo 715°-2 ex vi 726° do CPC, assim se fazendo JUSTIÇA.


 A recorrida apresentou contra-alegações e, depois de considerar não ser aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 492 do C Civil, conclui pela improcedência do recurso e pela manutenção do Acórdão recorrido.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

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Foram dados como provados os seguintes factos:

a) No dia 02 de Julho de 1998, terminado o ano escolar, a primeira autora, finalista do 11º ano do Ensino Secundário, deslocou-se, acompanhada de outras amigas, no âmbito de um acordo de ocupação dos tempos livres entre o GG e o II, a uma acção de actividade vélica, à Marina JJ, em ....
b) No final da manhã, desse mesmo dia, por volta das 13:15 horas, decidiram a primeira autora e as suas amigas tirar umas fotografias de grupo para recordação do momento, tendo-se reunido junto do varandim de protecção situado no Cais Norte fronteiro ao GG … de costas voltadas para os barcos.
c) Para que todas as amigas do grupo pudessem ficar na fotografia, umas ficaram à frente e outras por detrás destas a fim de apanharem um plano que proporcionasse um melhor enquadramento com as embarcações aí imobilizadas.
d) Fronteiro ao GG .., sobre o pontão flutuante, encontravam-se implantados varandins no Cais Norte, espaço este do domínio público sob a jurisdição da DD, S.A.
e) A EE tinha transferido a sua Responsabilidade Civil, “emergente dos danos causados por quaisquer materiais, utensílios e decorações interiores e exteriores, incluindo tabuletas e ou outros objectos de identificação ou publicidade existentes na Marina” para a ré Companhia de Seguros FF através da Apólice nº ..., conforme documento constante de fls. 87 a 97.
f) Dá-se como reproduzido o teor dos documentos de fls. 42 a 45 (contrato de concessão de publicidade) 87 a 97 (cópia da apólice e condições do seguro celebrado com a interveniente), 105 a 112 (cópia da escritura de constituição da EE), 123 a 132 (contrato de concessão para a construção e exploração de instalações de apoio à navegação de recreio) e 141 e 142 (protocolo entre a DD e a EE) e 143 a 145 (contrato nº 5/93, adicional ao contrato de concessão).
g) O tubo metálico do varandim de protecção cedeu nos pontos de solda e a primeira Autora caiu desamparada sobre o pontão flutuante de madeira, de acostagem dos barcos localizado junto ao paredão do Cais Norte e de uma altura de cerca de 4 metros.
h) Foram accionados, de imediato, os meios de socorros ao acidente.
i) Tendo sido, posteriormente, levada para o Hospital de S. João no Porto, onde deu entrada.
j) Imediatamente, foi levada para os cuidados intensivos, aí se diagnosticando tratar-se de traumatismo vertebromedular com fractura – luxação de D12/L1 e instalação de quadro neuromotor de paraplegia.
k) Mantida em vigilância, veio a ser operada de urgência na madrugada do dia 2 para 3 de Julho – abordagem posterior – para estabilização da lesão esquelética – osteossíntese da D12.
l) Tal operação demorou 4h e 30m.
m) A 1ª autora, finda a operação, voltou para os cuidados intensivos.
n) Mantendo-se, a partir de então, internada no referido Hospital, vindo a sofrer nova intervenção cirúrgica em 31 de Julho de 1998 – abordagem anterior – destinada à colocação de barras estabilizadoras.
o) Após a qual se manteve internada no Hospital de S. João cerca de 2 meses.
p) Durante este lapso de tempo, a 1ª autora passou a fazer a prevista e assistida recuperação médica.
q) Tendo tido alta em 7 de Setembro de 1998.
r) Regressada a casa, a Autora AA, locomovia-se apoiada em cadeira de rodas até cerca do Natal de 1998.
s) Iniciando o ano lectivo referente ao 12º ano no início do 2º período do ano 1998/99.
t) Sendo as deslocações para o estabelecimento de ensino feitas em cadeira de rodas e na absoluta dependência dos pais e terceiros.
u) Durante o 2º Período da actividade lectiva, a 1ª autora, fora do período de aulas, passou a fazer, com regularidade semanal, recuperação funcional no Hospital da Prelada e natação terapêutica nas instalações do Futebol Clube do Porto.
v) Durante o 2º e 3º períodos do ano lectivo de 1999, a 1ª autora era sempre transportada de automóvel pelos pais para todas e quaisquer deslocações, mormente, aulas, recuperação, compras, idas a festas de familiares e amigas.
w) No período das férias da Páscoa de 1999 a 1ª autora, por indicação médica, esteve hospedada no Hotel das Termas da Curia a fim de aí praticar natação- terapêutica em piscina coberta.
x) Tendo sido acompanhada por toda a família.
y) A Autora AA teve aproveitamento os exames do 12° ano de escolaridade e ingressou, após exames de aptidão, no Curso de Direito da Universidade Católica.
z) Em 6 de Setembro de 1999, a 1ª autora deu entrada no Hospital de S. João e foi novamente operada para retirar parte do material cirúrgico (barras estabilizadoras da coluna).
aa) Tendo ficado internada durante cerca de 1 mês.
bb) De seguida, a 1ª autora foi internada em Outubro de 1999, por um período de cerca de 2 meses, no Centro de Medicina Física e Reabilitação do Alcoitão sito à Rua de Conde Barão, Alcoitão, 2649-506 Alcabideche.
cc) Para aí encetar um período de tratamento de reabilitação – em regime de internamento – por uma equipa multidisciplinar coordenada por médico Fisiatra e com a colaboração de enfermeiros de reabilitação, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, técnicos de serviço social e psicológico.
dd) O internamento da Autora AA em Alcoitão teve por objectivo a reeducação funcional dos esfíncteres e da marcha dos membros inferiores.
ee) Durante todo este período a 1ª autora esteve permanentemente acompanhada pela mãe.
ff) Tendo tido alta em 23 de Dezembro de 1999.
gg) Passando a partir de então a suportar 3 sessões, de uma manhã cada, no Hospital da Prelada, de tratamento de reabilitação em regime de ambulatório, complementadas por electroterapia realizada no domicílio e em complemento do tratamento iniciado no Alcoitão, tendo para o efeito adquirido aparelhagem apropriada, acrescidas de 3 sessões semanais de natação terapêutica.
hh) O que importava um período de 5 horas de reabilitação diária.
ii) Durante o ano 2000 a Autora AA voltou ao Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão, por um período de 15 dias.
jj) Na sequência do contrato de concessão de publicidade celebrado em 30/06/93, entre a EE – Associação de Clubes e HH –NN, Lda., esta ultima assumiu a obrigação de colocar os varandins onde seriam posteriormente colocados os painéis publicitários e de fazer e custear a manutenção dos referidos varandins.
kk) A barra ou tubo metálico do varandim de protecção, apresentava sinais de ferrugem nos pontos de ligação com a barra vertical onde estava soldada, apesar de a pintura exterior se apresentar em bom estado.
ll) A Autora AA teve de adquirir um colete e palmilhas especiais para apoio auxiliar da marcha.
mm) Nos quais despendeu a quantia de cerca Esc. 200.000$00.
nn) A Autora AA necessitou de renovar o seu vestuário para torná-lo compatível com o colete que teve de usar.
oo) De vestuário a Autora AA despendeu cerca de 500.000$00.
pp) Um aparelho de estimulação eléctrica de que a Autora AA necessitou custou 120.000$00.
qq) A segunda A. deixou a Direcção do Centro de Saúde de … onde ocupava o cargo de Chefe de Serviço para ir, a seu pedido, para a A.R.S.
rr) A Autora AA ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 50%.
ss) A 1ª Autora, aquando do acidente, gozava de boa saúde.
tt) Tinha um excelente aspecto físico.
uu) Era esbelta e bem parecida.
vv) Tinha uma actividade física normal para uma jovem da sua idade, correndo, dançando, praticando desportos.
ww) Na altura do acidente a Autora AA tinha terminado o 11º ano de escolaridade.
xx) A Autora AA deixou de poder correr, dançar e praticar desportos.
yy) A 1ª Autora sofreu dores com as 3 intervenções cirúrgicas havidas.
zz) O 3º Autor passou a acompanhar mais de perto os irmãos mais novos da A AA enquanto esta se encontrava hospitalizada e a segunda Autora acompanhava a Autora AA.
aaa) O acidente aconteceu depois de terminadas as actividades desportivas e fora das instalações do GG.
bbb) A Autora acompanhada de outros dois jovens se sentou em cima do varandim e este cedeu pelos pontos de solda.
ccc) A 1ª Autora, e mais dois elementos pertencentes ao grupo que a acompanhava no dia do acidente, nomeadamente KK, monitor do GG e LL, monitor da equipa de competição do GG sentaram-se em cima da barra superior do varão que dá resguardo à Marina, com os pés apoiados na barra inferior, com excepção do KK, para tirar uma fotografia.
ddd) As soldaduras do varão cederam nas suas extremidades.
eee) Razão porque a 1ª Autora e os seus colegas caíram ao chão.
fff) A AA se sentou entre os dois outros elementos do grupo.
ggg) O referido varão não passa de uma barreira de protecção/separação entre a Marina propriamente dita e o cais.
hhh) A sua função é de sinalizar o termo do cais e de impedir que alguém inadvertidamente não se aperceba, nomeadamente de noite, da extremidade do cais e caia à água.
iii) O referido varão não tem base de sustentação suficiente para as pessoas se sentarem.
jjj) O contrato de concessão de publicidade junto aos autos foi celebrado pelo prazo de 30 meses.
kkk) O acidente ocorreu em frente ao GG, zona que dista cerca de 200 metros das instalações do Clube MM.
lll) O local do acidente encontra-se funcional e geograficamente bem separado das referidas instalações do Clube MM.
mmm) Aquele local não é utilizado pelo Clube MM na sua actividade social, nem no desenvolvimento das suas iniciativas.
nnn) E não costuma ser utilizado ou frequentado pelos sócios deste ou pelas pessoas que frequenta e usufruem das suas actividades.
ooo) Aquele espaço, porque fica defronte das instalações do GG, apenas é habitualmente utilizado por este e por seus sócios e outros frequentadores.
ppp) Como aconteceu com a 1ª Autora.
qqq) O acidente deu-se numa área seca.
rrr) É normal as pessoas encostarem-se ou apoiarem-se no varão, por servir de resguardo.
sss) O varandim (varão) tem o aspecto de uma balaustrada onde os utentes se podem apoiar a fim de desfrutarem das vistas.
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Apreciando:

Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões de recurso( art. 684 nº3 e 690 nº1 ambos do CPC) , o que vale por dizer que, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem só pode conhecer das questões suscitadas em tais conclusões.

 Já no recurso para a Relação os  AA recorrentes delimitaram o âmbito do recurso quando aí referiram que “ o inconformismo dos AA relativamente ao doutamente decidido em 1ª instância respeita apenas e tão só à questão controversa de exclusão de responsabilidade da Ré DD- Administração dos Portos DD”.( cfr. alegações  de recurso a fls. 802 a 805).
 Na presente revista e tendo em conta também as próprias  conclusões do recurso, a questão a apreciar prende-se fundamentalmente em saber se tendo a Ré DD  SA  jurisdição sob o espaço, onde ocorreu o acidente , ou seja, num varandim de protecção situado  no Cais Norte fronteiro ao GG … , espaço esse  de domínio público  e  sob a jurisdição daquela  Ré,  responde pelos danos que ocorrerem nesse espaço por força   do art. 492 nº1 do C. Civil.

  Significa, portanto, o âmbito do presente recurso de revista incide apenas sobre a responsabilidade da Ré DD e não sobre a responsabilidade das demais RR, que foram absolvidas do pedido, absolvição a que  os AA  incompreensivelmente não  reagiram,  estendendo, pelo menos, a elas também o âmbito do recurso, pelo que,  nesta parte, ou seja, em   relação às demais RR, a sentença da 1ª instância transitou em julgado.

 Vejamos, então:

 O acidente ocorreu com um varandim de protecção situado no Cais do Norte fronteiro ao Clube  Naval de ..., espaço este do domínio público sob jurisdição da DD  SA ( cfr. al. d) dos factos provados.
  Este facto, ou seja, o acidente ter ocorrido em espaço de domínio público sob jurisdição da Ré DD SA, per si, faz, com que se aplique no caso dos autos a presunção estabelecida no art. 492 nº1 do C. Civil?
  Cremos que não, porque aí se estabelece uma mera  presunção de culpa  e  não a responsabilidade objectiva do proprietário ou possuidor ( cfr. P. Lima e A. Varela in C. Civil  Anotado Vol. I  2ª ed. revista e actualizada pag. 428 e  Ac. do  STJ de 28.04.1977 in BMJ nº 266 pag. 161).
  E sendo assim, impõe-se, no caso dos autos, indagar, então, qual a entidade que tinha a tutela dos varandins e responsabilidade na sua conservação/ manutenção.
 E neste domínio vem provado:
 Na sequência do contrato de concessão de publicidade celebrado em 30/06/93 entre a EE- Associação de Clubes e HH – NN Ldª , esta última assumiu a obrigação de colocar os varandins onde seriam posteriormente colocados os painéis publicitários e de fazer custear a manutenção dos referidos varandins ( cfr, contrato de concessão de publicidade inserido a fls. 42 a 45)(jj) dos factos provados e cfr. respostas aos quesitos 37º a 39 da BI  e alínea D) dos factos assentes;
A EE tinha transferido a sua responsabilidade civil “ emergente dos danos causados por quaisquer materiais, utensílios e decorações interiores e exteriores , incluindo tabuletas e outros objectos de identificação ou publicidade existente na marina para a Ré  Companhia de  Seguros  FF através da Apólice nº ..., conforme documento de fls. 87 a 97 – e) dos factos provados;
O tubo metálico do varandim de protecção cedeu nos pontos de solda e a primeira Autora caiu desamparada sobre o pontão flutuante de madeira, de acostagem dos barcos localizado junto ao paredão do cais do Norte e de uma altura de cerca de 4 metros.- g) dos factos provados ;
 A barra ou tubo metálico do varandim de protecção, apresentava sinais de ferrugem  nos pontos de ligação com a barra vertical onde estava soldada , apesar de a pintura exterior se apresentar em bom estado-kk) dos factos provados.

 Resulta também em resultado da Inspecção Judicial feita ao local ( cfr. fls. 676):

 O acidente dos autos ocorreu em frente ao armazém do GG;
 Os varandins existentes à data do acidente foram substituídos pela EE . Associação de Clubes, por pilares em aço inox ligados entre si por cabos de aço;
 A substituição dos varandins ocorreu após e devido ao incêndio dos “ pipe line “ da “ Petrogal”.

  Resulta da factualidade provada que os varandins que originaram o acidente foram implantados pela Ré Marina EE – Associação de Clubes na sequência do aludido contrato de concessão de publicidade que celebrou com a Ré HH ( cfr.  doc.junto a fls . 42 a 45, respostas aos quesitos 37º a 39º e alínea D) dos factos assentes.
 Isto para dizer que não obstante o acidente ter ocorrido num espaço sob a jurisdição da  DD, o certo é,  conforme o que vem provado,  a responsabilidade da conservação e manutenção dos varandins implantados não era da Ré DD.

 E sendo assim, há, desde logo, que atentar no estatuído no o nº2 do art. 492 do C. Civil, segundo o qual “ a pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeitos de conservação”.
   Efectivamente, por força do contrato de concessão para construção e exploração de instalações de apoio à navegação de recreio ( fls. 123 a 132) , do protocolo entre a DD e a EE  ( fls. 141 e 142 )  e o contrato Adicional nº 5/93 ( fls. 143 a 145 ) a Ré , EE - Associação de Clubes,  surge, aqui, como  a entidade que na altura do acidente tinha a tutela dos varandins que implantou no espaço onde ocorreu o acidente,  na sequência do aludido contrato de publicidade que havia firmado com a também Ré HH -  NN Ldª.( cfr. ainda a cláusula 5ª nº 5 do referido contrato de concessão de publicidade que prevê expressamente a cargo da concessionária a manutenção dos varandins).
 E sendo assim, no caso em apreço, a responsabilidade do acidente em apreço,  encontrar- se –ia , antes, na previsão do nº2 do art. 492 do C. Civil e não  no nº1 do citado normativo , como pugnam os recorrentes na presente revista.
Este nº2 do art. 492 deve ser, no entanto, interpretado conforme preconiza o Prof. Adriano Vaz Serra in RLJ, Ano 104 pag. 123 em Anotação ao Ac do STJ de 20.03.1970, que  acolhemos “ no sentido de que a pessoa nela referida responde em lugar do proprietário ou possuidor , quando não houver culpa deste: se a houver , respondem ambos para com o lesado”.
 “Seria inadmissível que, pelo simples facto de o proprietário ou possuidor ter encarregado por negócio jurídico outra pessoa da conservação do edifício ou obra, aquele se liberasse, apesar de ter culposamente confiado a conservação a pessoa sem a devida idoneidade ou de ter praticado algum outro acto culposo concorrente para a produção do dano”.
 “Parece, portanto, que o proprietário ou possuidor só se exonera quando tiver agido sem culpa na escolha da pessoa encarregada da conservação e quando não tiver por outra forma concorrido culposamente para a produção do dano”.
 No caso em apreço, já se viu, que não foi a Ré DD, mas, antes, a concessionária EE - Associação de Clubes, que firmou o contrato com a entidade responsável pela manutenção e conservação dos varandins implantados , sendo certo também que não vem  provada  qualquer factualidade donde se possa inferir que a Ré DD tenha tido alguma  actuação culposa na escolha dessa entidade, que assegurava a manutenção dos varandins ou,  tenha tido qualquer outra intervenção que por alguma forma tenha concorrido culposamente para a produção do dano.
 Significa, assim, que a R DD também não poder ser responsabilizada nos termos do citado normativo, porquanto não vem provada qualquer factualidade donde se possa inferir ter havido da parte da Ré um comportamento culposo na produção do dano aqui em causa. 
     Improcedem, assim, as conclusões dos recorrentes.

 Em conclusão:

1- O  nº1 do art. 492 do C. Civil estabelece uma mera presunção de culpa e não um caso de  responsabilidade objectiva do proprietário ou possuidor;
2-  O nº2 do art.492 do citado diploma deve ser interpretado no sentido de que a pessoa nela referida responde em lugar do proprietário ou possuidor, quando não houver culpa deste : se a houver respondem ambos para com o lesado.
3- Não tendo a proprietária do espaço onde ocorreu o acidente ( que consistiu na queda desamparada da autora de uma altura de cerca de 4 metros sobre um pontão flutuante de madeira   de  acostagem de barcos,  por o tubo metálico do varandim ter cedido nos pontos de solda quando a autora e dois outros jovens se sentaram em cima  - o varandim   apresentava sinais de ferrugem nos pontos de ligação com a barra vertical onde estava soldada )  qualquer actuação culposa na escolha da entidade, que assegurava a manutenção e conservação dos varandins implantados naquele espaço, nem tendo tido qualquer outra intervenção que por alguma forma tenha concorrido culposamente para o dano,  não pode, à luz do preconizado entendimento sobre a aplicação do nº2 do citado art. 492 do C. Civil,   ser responsabilizada pelo acidente.  

 III- Decisão:

 Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.
 Custas pelos recorrentes.
 
Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Maio de 2012

Tavares de Paiva (Relator)
Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria