Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | VIRGÍLIO OLIVEIRA | ||
Descritores: | MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA ESCUTAS TELEFÓNICAS AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO DOCUMENTAÇÃO DE DECLARAÇÕES ORAIS RECURSO PENAL MATÉRIA DE FACTO TRANSCRIÇÃO DAS DECLARAÇÕES | ||
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Nº do Documento: | SJ200210230012093 | ||
Data do Acordão: | 10/23/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1ª SEC. VARA MISTA COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 12/01 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
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Sumário : | I - O preceito do art. 188.º, n.º 1, do CPP visa regular o controlo judicial sobre o desenvolvimento das escutas telefónicas autorizadas, procedimento judicial esse que, inserindo-se na obtenção da prova, visa ainda tutelar o perigo de ultrapassagem da danosidade permitida constitucional e legalmente. II - É essa a doutrina que emana dos acórdãos do TC n.ºs 407/97, de 21-05-1997, DR, II Série, 18-07-1997 e 347/01, de 10-07-2001, DR, II Série, 09-11-2001. III - A documentação na acta, a que se refere o art. 363.º do CPP, é a própria gravação das declarações prestadas oralmente. A transcrição é coisa diversa e vem regulada no art. 412.º, n.º 4 do referido diploma, para a hipótese de recurso em matéria de facto. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - No Tribunal Judicial de Coimbra foram julgados perante o Tribunal Colectivo os arguidos JM, AMM, MM, APM, JM, AM, MAMS, CMR, IMFM, JM, MAMF, MAC, LANQM, PJTP, BMLSD, JCRC. O Ministério Público imputava, aos nove primeiros, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado - art.s 21º e 24º, al. j) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro; aos quatro seguintes, um crime de tráfico de estupefacientes - art. 21º do referido DL; aos restantes, um crime de consumo de estupefacientes - art. 40º do mesmo diploma; e, ainda, ao arguido AM, um crime de detenção ilegal de arma - art. 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Julho. 2. - Decidiu o tribunal colectivo: 2.1.- Declarar a extinção do procedimento criminal no respeitante aos arguidos PJTP, BMLSD e JCRC, com o arquivamento do processo quanto a eles; 2.2.- Julgar a acusação não provada e improcedente quanto aos arguidos LANQM, MAC e MAMF e, como tal, absolvidos; 2.3.- Julgar a acusação não provada e improcedente quanto ao arguido AM, no referente ao crime de detenção ilegal de arma de defesa - art. 6º da Lei nº 22/97, de 22/7; 2.4.- Condenar os arguidos AM, CMR e IMFM, pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes (art. 21º nº1 e 24º, al. j) do DL nº 15/93), nas penas, cada um, de 3 (três) anos de prisão, suspensas na sua execução por um período de 4 anos, suspensão essa condicionada ao cumprimento dos deveres que o Instituto de Reinserção Social venha a fixar. 2.5.- Condenar o arguido MM, pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes (artºs 21º, nº1 e 24º, al. j) do DL nº 15/93), na pena de 6 (seis) anos de prisão; 2.6.- Condenar os arguidos APM e JM (filho), pela prática, como reincidentes, do mesmo crime de tráfico agravado de estupefacientes, na pena, cada um, de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2.7.- Condenar a arguida MAMF, pela prática, como reincidente, do mesmo crime de tráfico agravado de estupefacientes, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2.8.- Condenar o arguido AM, pela prática, também como reincidente, do mesmo crime de tráfico agravado de estupefacientes, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2.9.- Condenar o arguido JM, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro), na pena de 9 (nove) anos de prisão; 2.10.- Condenar o arguido JM (pai), pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes (art.s 21º e 24º, al. j) do DL nº 15/93), na pena de 10 (dez) anos de prisão. 3.- Posteriormente à leitura do acórdão os arguidos AMM e MM vieram nos termos do disposto no art.118º do CPP arguir irregularidade processual por a prova produzida em audiência não ter sido documentada nas respectivas actas, como o deveria ter sido de harmonia com o disposto no art. 363º do CPP, irregularidade essa que determinaria a invalidade da sentença, e, em consequência, deveria ser ordenada a transcrição em acta da documentação da prova, para efeitos de interposição de recurso da decisão quanto à matéria de facto e de direito, com emissão a final de nova sentença. Sobre esse requerimento recaiu despacho a decidir que a sentença proferida era válida e isenta de nulidades art.s 374º e 379º CPP - e que para efeitos de recurso devia o requerente proceder à transcrição - art. 412º, nº 4 do CPP, sendo, pois, indeferido o requerimento. 4.- Recorreram os arguidos JM, AMM, MM, JM, APM, JM, MAMS, recursos que foram julgados pelo Tribunal da Relação. 4.1.- Este tribunal identificou as questões a resolver pela seguinte forma: A)- As provas a ter em conta para a formação da convicção do tribunal - art. 355º do CPP; B)- A nulidade das provas por ilegalidade - art.s 125º, 126º, 187º a 189º do CPP; C)- A transcrição da prova gravada em audiência; D)- A valoração da prova e a fundamentação da sentença - art. 374º, nº 2 do CPP. 4.2.- Por fim decidiu negar provimento aos recursos interpostos, mantendo a decisão recorrida. 5.- Inconformados, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos AMM e MM, utilizando a mesma motivação; em separado, o arguido JM; utilizando a mesma motivação JM, APM e JM (filho) e, por fim, a arguida MAMS, recursar esses que foram admitidos. 5.1.- As conclusões dos recursos interpostos pelos arguidos AMM e MM: a) O Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 188º e 189º do CPP ao condenar os arguidos, ora recorrentes, pela prática de um crime de tráfico agravado de estupefacientes, o primeiro na pena de 8 anos e 6 meses de prisão e o segundo na pena de 6 anos de prisão. b) Foram essenciais para formar a convicção do colectivo e juízes relativamente aos factos da acusação os seguintes meios de prova: - Depoimentos prestados pelas testemunhas PP e AC, elementos da PSP. - Depoimento prestado pela inspectora de Judiciária HR, que foi a titular do processo. - Escutas telefónicas, designadamente as mencionadas na Acusação com referência a cada um dos factos. - Declarações prestadas pelo arguido LM, e pelos agentes da PSP que procederam à sua vigilância e detenção. - Documentos juntos ao processo. c) Com efeito, os arguidos condenados nestes autos, foram-no quase na sua totalidade em virtude das conversas que resultaram das escutas telefónicas, já que, os outros meios de prova não podiam, nem podem sustentar qualquer condenação, designadamente dos ora recorrentes. d) Como ficou claramente demonstrado na Audiência de Julgamento, por resultar inequivocamente, quer dos próprios autos, quer do depoimento da testemunha HR, Inspectora da P.J., titular do processo e encarregue das escutas telefónicas e do seu tratamento posterior, as escutas telefónicas efectuadas não obedeceram ao disposto no art. 188º do CPP. e) Uma vez que, após a sua gravação não foram levadas ao conhecimento do Sr. Juiz imediatamente, como dispõe o nº 1 daquele normativo, f) Na verdade, ocorreram escutas telefónicas que só foram levadas ao conhecimento do Senhor Juiz, 3 meses após a sua gravação, como sejam, a título meramente exemplificativo, g) Conversas efectuadas em Setembro de 99 e objecto de escuta telefónica, foram levadas ao conhecimento do Juiz em Janeiro de 2000. h) O referido lapso de tempo - 3 meses - não ficou a dever-se, conforme referiu a testemunha HR, a nenhuma circunstância especial, designadamente, a constante do nº 2 do art. 188, mas tão só, porque no dizer da testemunha, era tecnicamente e humanamente impossível dado tratar-se de 90 cassetes, gravadas durante o período de 6 meses. i) Referiu ainda aquela testemunha (cassete 1 da 2ª data de julgamento) que durante o período em que decorreram as escutas telefónicas - 6 meses -, terá ido por 3 ou 4 vezes, levar ao conhecimento do Senhor Juiz, as cassetes. j) O que claramente demonstra que todas elas ou a grande parte delas foram levadas ao conhecimento do Senhor Juiz muito tempo depois de serem gravadas, meses depois de serem gravadas, o que notoriamente viola o disposto na Lei (art. 188º, nº 1) ao dizer: (...) "é imediatamente levado ao conhecimento do Juiz (...) k) Nesta conformidade, Venerandos Juízes Conselheiros, o Tribunal a quo, não podia nem devia ter valorado este meio de prova, dado que o mesmo, é nulo, e em consequência devia ter-se pronunciado pela absolvição dos arguidos, já que, l) Em concreto nada se apurou, não foram presenciadas transacções de estupefacientes, nem qualquer prova concreta de tráfico. m) Razão pela qual, requerem a V. Exa se digne considerar e declarar a nulidade das escutas telefónicas, como meio de prova, absolvendo em consequência os arguidos do crime de que vêm acusados ou reenviar o processo para novo Julgamento. 5.2.- As conclusões do recurso do arguido JM: 1º Ao considerar válidas as provas valoradas em sede de audiência de discussão e julgamento e ao não anular essas mesmas provas, o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra violou o disposto no art. 188º do CPP.2º Nomeadamente ao considerar válidas as escutas levadas a cabo no âmbito do inquérito, quando as mesmas deveriam ter sido declaradas nulas por não terem sido imediatamente entregues ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal de Coimbra.3º Por outro lado, havendo gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, é obrigatória a transcrição dos mesmos depoimentos quer em sede de acta de audiência de discussão e julgamento, quer no próprio acórdão.4º Pelo que ao considerar como válida a não transcrição dos referidos depoimentos o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra violou o disposto no art. 363º do Código de Processo Penal.5º Por outro lado, as escutas telefónicas deveriam ter sido apreciadas em sede de audiência de discussão e julgamento para que pudessem ser valoradas.6º O certo é que o não foram.7º E nem mesmo o facto de o auto contendo a transcrição das gravações se encontrar junto aos autos, pode desobrigar o Tribunal a levar a cabo a audição das gravações em sede de audiência de discussão e julgamento.8º Pelo que, sendo nulas todas as provas valoradas quer pelo Tribunal da Relação quer pela Vara Mista de Coimbra, não há base para sustentar a acusação contra o arguido, devendo o mesmo ser absolvido.5.3.- As conclusões dos recursos dos arguidos, JM, APM e JM (filho) 1ª.- Por inobservância dos art.s 188º e 189º do C.P.Penal e da previsão do nº 8 do art. 32º da Constituição da República, as transcrições de gravações de comunicações telefónicas interceptadas pela Polícia Judiciária patentes nos autos ( e que fundamentam ou/ e são mesmo referidas nos factos considerados como provados pela Decisão da 1ª Instância sob os nºs 10, 12, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 44) não podem relevar como meios de prova. 2ª.- A sua ilegalidade e nulidade é aliás insanável - nos termos do nº 3 do art. 118º do C.P. Penal. 3ª.- Ao considerar improcedente a arguição a tal propósito deduzida pelos recorrentes, a 1ª Instância e o Acórdão ora em causa fizeram interpretação errónea de todos aqueles preceitos e conflituam com a doutrina do citado Acórdão nº 407/97 do Tribunal Constitucional. 4ª.- Nessa base, sempre a Decisão da 1ª Instância teria tido que ser revogada. 5ª.- Acresce porém que os factos considerados aí provados sob os nºs 2, 3, 10, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 37, 63, 69, 105, 106, 107 e 110 o foram apenas por inaceitável indução da 'leitura' preconceituosa que foi feita das mesmas transcrições. 6ª.- Aliás, a 1ª Instância não consignou qualquer fundamento para os factos que arrolou como provados sob os nºs 105, 106, 107 e 110 (que não passam de conclusões judiciais carecidas de premissas válidas). 7ª.- Finalmente, e de todo o modo, a matéria de facto considerada provada pelo Colectivo da 1ª Instâncias sob os nºs 2, 3, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 37, 63 e 69 e 105, 106, 107 e 110 não pode alicerçar-se - senão 'virtualmente' - a qualificação dos recorrentes como traficantes (já que não apura qualquer das exigíveis circunstâncias em que teriam ocorrido as pretensas transacções de estupefacientes pressupostas). 8ª.- Assim sendo, a Decisão da 1ª Instância e o Acórdão ora sob recurso incorrem também na insuficiência prevista na al. a) do nº 2 do art. 410º do C.P.Penal. 9ª.- Nestes termos, e nos mais que forem doutamente supridos, o Acórdão da Relação recorrido deve ser revogado - e os arguidos recorrentes absolvidos. 5.4.- As conclusões do recurso da arguida MAMS: 1ª) Os factos dados como provados em relação à recorrente resultam de escutas telefónicas realizadas nos autos. 2ª) É manifesto que estas intercepções telefónicas não podem relevar como meios de prova. 3ª) Uma vez que após a sua gravação, não foram levadas ao conhecimento do Sr. Juiz imediatamente, como dispõe o art. 188º nº 1 do CPP. 4ª) Paralelamente, in casu, este incorrecto procedimento não se ficou a dever a nenhuma circunstância especial, designadamente a constante do nº 2 desse normativo. 5ª) Esta ilegalidade/nulidade é insanável nos termos do nº 3 do art. 118º do CPP. 6ª) Da matéria de facto considerada provada em relação à recorrente não resulta que esta tenha praticado um qualquer acto de tráfico. 7ª) Existe uma total omissão no que tange a locais, quantidades, sujeitos intervenientes, montantes envolvidos, lapsos temporais em que terão ocorrido as supostas transacções e produtos estupefacientes. 8ª) O Tribunal olvidou o suporte factico atinente ao espaço, tempo e outras circunstâncias susceptíveis de individualizar os factos. 9ª) Desta forma a decisão sob recurso incorre também na insuficiência prevista na al. a) do nº 2 do art.410º do CPP. NORMAS VIOLADAS Art. 21. nº 1 e 24º al. j) do DL 15/93 de 22 de Janeiro; art. 118º nº 3, 119º, 126º nº 1, 187º, 188º, 189º, 410º, nº 2 al. a) todos do CPP; art. 32º nº 6 e 34º nº 4 da CRP.6.- Respondendo a todos os recursos, o Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação, concluiu: I - O termo "imediatamente" contido no nº 1, do art. 188º, do CPP, terá de ser interpretada no sentido de nele se exigir a maior brevidade na apresentação ao Juiz do resultado das escutas; aceitando-se, nessa conformidade, como correcta a interpretação que daquela expressão é feita no douto Acórdão impugnado de que: "imediatamente", significa a próxima diligência. II. - Inexiste, assim, nos autos qualquer vício processual pelo facto de ter havido algum intervalo de tempo entre a feitura das gravações e respectiva apresentação ao Mmº Juiz de Instrução. III. - Porém, se tal não sucedesse, o vício porventura configurado seria não qualquer nulidade e menos ainda insanável, mas antes mera irregularidade processual que há muito se mostraria sanada pela sua não arguição oportuna. IV. - Só há lugar à transcrição da prova gravada em audiência em caso de recurso abrangendo a matéria de facto e impugnando-a o recorrente fora do âmbito do nº 2 do art. 410º do CPP. V. - O art. 355º, nº 1, do CPP não impõe que os documentos constantes do processo tenham de ser lidos ou expressamente examinados em audiência. A sua existência no processo, livremente apreciáveis, pelas partes, satisfaz aquela exigência legal. VI. - A factualidade considerada provada no douto Acórdão da 1ª Instância, confirmado nesta Relação, integra em plena suficiência os crimes por que foram condenados os arguidos. E as penas aplicadas aos recorrentes mostram-se justas e equilibradas. VII. - Nestes termos não merecendo o douto Acórdão recorrido qualquer ponta de censura, se, como pensamos, for integralmente confirmado, será feita boa e sã justiça. 7.- No Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto opôs-se às alegações escritas requeridas por alguns dos arguidos. Com os vistos legais, realizada a audiência de julgamento quanto a todos os requerentes, cumpre decidir. 8.- É a seguinte a matéria de facto provada, não provada e respectiva fundamentação, que vem da 1ª instância, sem reparo pelo Tribunal da Relação: a) factos provados 1. Os nove primeiros arguidos - JM (pai), AMM, MM, APM, JM (filho), AM, MAMS, CMR, IMFM - todos de etnia cigana, pertencem à chamada família dos ..., a qual se encontra desde há anos radicada num acampamento situado junto à Estação ..., no denominado Campo ...., nesta cidade e comarca de Coimbra. 2. Todos estes arguidos, alguns deles beneficiários do rendimento mínimo garantido, vivem quase exclusivamente dos proventos que auferem com a venda de produtos estupefacientes, designadamente heroína. 3. Tal actividade é, desde há pelo menos cinco anos, a principal fonte de rendimentos de todos os membros da família, tendo alguns deles sido já julgados, condenados e cumprido penas de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. A equipa do IRS no Estabelecimento Prisional de Coimbra tem desenvolvido esforços desde há anos, designadamente através de um conjunto de actividades que ficou conhecido pelos técnicos como o "projecto de desenvolvimento integrado dos manos do bolão". No âmbito destas iniciativas, os técnicos fizeram candidatar vários elementos da família ao rendimento mínimo, o próprio IRS subsidiou, pelo menos, um dos elementos, com cem mil escudos sob pretexto de aquisição de matérias primas para venda ambulante, ofereceram um programa de escolaridade e de vacinação das crianças. Estes elementos de socialidade, no entanto, foram todos eles controlados pelo líder do clã, que concedia ou não autorização para a enfermeira dar as vacinas, e definia quais as crianças que iriam frequentar a escolaridade, não tendo sido revelados, pelo menos ao nível dos adultos, quaisquer elementos de integração. Sempre o clã agiu em conjunto, os filhos cumprindo as ordens do líder, por si ou através das mulheres e crianças, mesmo os detidos habitam a mesma camarata e fazem, na prisão, vida em conjunto, todos perspectivando, em liberdade, o regresso ao acampamento para viverem em conjunto. O IRS apresentou relatórios sociais de vários membros de família, todos eles exactamente iguais em termos de perspectiva de futuro, e apenas logrou contacto individual, ao nível das mulheres, com a AS, de quem prestou informação individualizada referente a um período em que o seu marido esteve preso e ela em liberdade, tendo a sua vida autónoma acabado e igualmente o cumprimento das obrigações estipuladas pelo IRS - quanto, ao marido, foi concedida uma saída precária, que só se interrompeu por nova detenção. 4. Os arguidos AM, APM, JM (filho) e MAMS, por sentença proferida no Processo Comum nº 28/96, da 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra, foram condenados pela prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, nas 'penas de oito anos de prisão, o AM, e seis anos de prisão os restantes'. 5. O arguido JM (pai), conhecido como "....", é o patriarca da família, mantendo sobre os restantes membros a autoridade que, no sistema de valores próprio das comunidades ciganas, é atribuído ao mais velho do grupo. 6. É ele que divide tarefas, arbitra conflitos, e decide em última instância o que cada membro da família deve ou não fazer. 7. Os arguidos AMM, MM, APM e JM (filho) são filhos do JM (pai). 8. As arguidas CMR, IMFM e MAMS são as companheiras dos arguidos AMM, MM e APM, respectivamente. 9. O arguido AM é filho do AMM e da CMR, neto do JM (pai). 10. Todos estes arguidos viveram, durante os últimos anos, no referido acampamento da Estação ..., à excepção do APM e da sua companheira, MA, que, a partir de certa altura, foram residir para a zona de Santo Tirso, onde passaram a desenvolver a assinalada actividade de tráfico de estupefacientes. 11. Esta alteração de residência do arguido AP deveu-se ao facto de este, estando a cumprir pena de prisão, ter aproveitado uma saída precária que lhe foi concedida para se por em fuga. 12. A actividade de tráfico do AP desenvolve-se a partir daí autonomamente, em relação ao seu pai, mas aquele ia mantendo sempre este informado sobre a sua actividade, designadamente a quem comprava droga, a que preço, e como decorriam as vendas. 13. Os arguidos AM, MM e respectivas companheiras, CR e IF, alternavam a sua permanência no acampamento da Estação ... com, a permanência em acampamentos instalados provisoriamente em locais situados nos arredores de Coimbra. 14. Durante o segundo semestre de 1999, foram acompanhadas as sucessivas alterações destes acampamentos provisórios, tendo a presença destes arguidos sido detectada, primeiro, na Estrada do Campo, junto à ponte de Santo Varão, depois, em Condeixa, na estrada para Taveiro, junto ao largo da feira, mais tarde, ainda em Condeixa, junto ao cemitério. 15. A utilização destes acampamentos temporários tinha como objectivo retirar do acampamento da Estação ... o intenso movimento de consumidores de estupefacientes que diariamente contactavam com os arguidos para adquirirem droga, e que, por não serem da raça cigana, e estarem já referendados como toxicodependentes, poderiam despertar suspeitas. 16. Assim, a venda de droga era quase sempre efectuada fora do acampamento da Estação ..., nos acampamentos móveis, ou em outros locais combinados com os consumidores, mediante contacto telefónico prévio. 17. Regra geral o produto estupefaciente, já devidamente embalado em doses individuais, era guardado e transportado pelas mulheres, sendo estas que normalmente recebiam os consumidores que corriam aos acampamentos móveis, e lhes entregavam as doses solicitadas. 18. Os homens, sempre presentes, controlavam as transacções, vigiando as redondezas. 19. O arguido JM (pai), por regra, não vendia a droga directamente aos consumidores. Disso se encarregavam os seus filhos e noras. 20. Mas era ele que, normalmente, negociava a aquisição da droga aos fornecedores. 21. Um dos principais fornecedores era o arguido JM, o qual vendeu produtos estupefacientes aos ..., por variadas vezes. 22. Em 21/9/99, pelas 21 horas, o arguido JM (pai) telefona ao JM, a quem trata por "...", e diz-lhe que precisa de 50 contos de heroína. 23. Em 28/9/99, pelas 19.30 horas, o JM (pai) faz novo telefonema ao JM, e pede-lhe que vá levar 200 contos de heroína (pantalones) ao barracão de Condeixa estão os arguidos AM e MM a vender. 24. Em 22/10/99, o arguido JM (pai) está em S. Tirso, de visita ao arguido AP, e é contactado telefonicamente pelo seu filho AM, que lhe diz que tem apenas 5 contos de heroína para vender, e que precisa de mais. O JM (pai) mando o AM contactar o JM. 25. Logo de seguida, o AM telefona ao JM, e pede para lhe levar 200 contos de heroína ao acampamento da Estação ..., respondendo este que pelas 3 horas lhe traz a droga. 26. Em 4/11/99, o JM (pai) contacta o JM por telefone e reclama da qualidade da última droga fornecida, dizendo-lhe que a mesma não presta, e que quando lhe levar mais não quer da mesma. 27. Em 8/11/99, pelas 21.30 horas, o JM (pai) liga para o telemóvel do JM, e pede-lhe para lhe ir levar droga a sua casa ainda essa noite. Este, porém, diz que ainda está em Lisboa, e que lá irá no dia seguinte, de manhã. 28. Em 15/11/99, pelas 21 horas, o JM (pai) chama o JM, pelo telefone, e pede que lhe leve 200 contos de heroína (camisas) no dia seguinte. 29. Em 24/11/99, pelas 19.20 horas, o arguido MM contacta o JM pelo telefone, e este diz-lhe que vem de Lisboa, em viagem. O MM diz que não tem droga para vender, e o JM diz que já lha leva, e que às 10 horas (da noite) está no acampamento da Estação.... 30. Nesse mesmo dia, pelas 23 horas, o arguido JM viajava acompanhado da arguida MAMF, com quem é casado segundo o ritual da etnia cigana, entre a Figueira da Foz e Coimbra, fazendo-se transportar no veículo automóvel da marca Opel Monterey, matrícula EI, o qual lhe pertence, embora esteja registado em nome de seu filho, JMFM. 31. O arguido JM tinha ido nesse mesmo dia a Lisboa, onde havia adquirido grande quantidade de droga, e dirigia-se para o acampamento da Estação ..., acompanhado da MAF, onde havia combinado entregar parte dessa droga. A MAF acompanhou-o, pelo menos desde a Figueira até Coimbra, e sabia que ele ia entregar droga ao JM. 32. A determinada altura do percurso, junto da rotunda da Cidreira, área desta comarca de Coimbra, os arguidos foram interceptados por agentes da Polícia Judiciária. 33. Os agentes da polícia passaram então busca ao veículo, tendo encontrado, debaixo do assento dianteiro do lado direito, um saco de plástico contendo no seu interior seis embalagens com um produto castanhado, com o peso bruto de 628,290 gramas, o qual sujeito a análise laboratorial, revelou tratar-se de heroína, substância incluída na Tabela I-A anexa ao Dec-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro. 35. E apreenderam ainda, no interior do veículo e na posse do arguido JM, os seguintes bens e valores: 1 anel em metal amarelo, c/bandeira nacional e francesa 1 anel em metal branco, com sete pedras brancas 1 pulseira em metal amarelo c/ medalha redonda c/ cavalo numa face 1 fio em metal amarelo c/medalha ponteada tipo trevo 1 pulseira em metal amarelo, grossa, c/ libra e chapa de identificação c/ nomes gravados (... ... e .... ...) 1 pulseira em metal amarelo c/ figa 1 pulseira em metal amarelo c/ berloque em bola c/ brilhantes 1 berloque em bola em metal amarelo e pedras brancas 1 anel em, amarelo c/ duas pedras brancas e vermelha 1 anel em metal amarelo c/ seis pequenas pedras brancas 1 anel em metal amarelo c/ uma pedra vermelha 1 anel em metal amarelo, tipo solitário, c/ pedra branca 3 anéis em metal amarelo c/ uma pedra branca cada um 1 anel em metal amarelo c/ motivo entrançado c/ pequenas pedras brancas 1 aliança em metal amarelo c/ seis pedras brancas (falta uma) 1 aliança em metal amarelo c/ dizeres na parte interior " ... 10/08/67" 1 cordão em metal amarelo c/ malha batida 2 argolas em metal amarelo 1 telemóvel SAMSUNG prateado 176.000.000$00 em dinheiro 36. O dinheiro provinha da venda de produtos estupefacientes, e o veículo automóvel, e os restantes objectos haviam sido adquiridos com rendimentos provenientes da venda de droga. 37. O arguido JM (pai) adquiriu ainda grande quantidade de heroína a outros fornecedores que não foi possível identificar. 38. Em 17/11/99, estabelece contacto telefónico com um indivíduo que se identifica como ...., a quem se propõe comprar 500 contos de heroína. 39. Em 27/11/99, o JM (pai) fala com o arguido AP, seu filho, que se encontra em S.Tirso, e este põe-no em contacto com um seu fornecedor de droga, não identificado, a quem aquele encomenda 200 contos de heroína. É o próprio AP que vem a Coimbra trazer a droga ao pai. 40. Em 31/12/99, o JM (pai) volta a falar pelo telefone com o AP, que está junto de outro dos seus fornecedores de droga, a quem chama Dente de Ouro. 41. O Dente de Ouro diz ao JM (pai) que tem droga que lhe pode dispensar, pelo que este diz que lhe compra 400 contos de heroína (pantalones), e vai de imediato buscá-la. 42. Em 16/1/99, o JM (pai) liga para o telefone de um indivíduo de nome N, cuja identidade completa não foi possível apurar, e pergunta-lhe se tem heroína (calças pretas) que lhe possa arranjar. 43. O N diz-lhe que de momento não tem, mas que vai falar com um senhor e depois lhe diz alguma coisa. 44. Em 18/1/99, o JM (pai) volta a falar ao telefone com o N, e este diz-lhe que já arranjou droga. O JM diz-lhe que quer 500 contos de heroína, e o N diz que só lhe arranja 300 contos. O JM (pai) diz que vai buscar no dia seguinte. 63. A determinada altura os arguidos APM e MA passaram a residir S.Tirso, onde vendiam produtos estupefacientes, sobretudo heroína, aos toxicodependentes daquela zona. 69. Em finais do ano de 1999, o arguido JM (filho) juntou-se ao arguido APM, seu irmão, passando a residir com este em Guidões, e a vender heroína também na zona de S. Tirso. 70. Para o efeito, fazia-se deslocar no seu veículo TOYOTA CELICA vermelho, matrícula ... 76. A arguida MAC reside no Bairro da ..., nesta cidade. 79. O arguido LM reside em Lourosa, Oliveira do Hospital, e desloca-se frequentemente a Coimbra para adquirir droga, que consome. 80. Em 20/6/99, o LM dirigiu-se ao Bairro do ..., nesta cidade, local referendado como onde já anteriormente tinha adquirido produtos estupefacientes, fazendo-se transportar no seu veículo automóvel da marca Mitsubishi, matrícula EM. 81. Ali encontrou MC, o "...", indivíduo de etnia cigana que já conhecia e sabia relacionado com tráfico de droga. 82. Perguntou-lhe se sabia onde poderia comprar heroína, tendo-lhe o MC respondido que talvez houvesse no acampamento da Estação ..., e dispôs-se a acompanhá-lo ali, uma vez que não sendo o LM conhecido dos ...., jamais ali seria recebido. 83. O LM deslocou-se então no seu veículo até ao acampamento da Estação ..., acompanhado do MC, e ali chegados, este saiu do automóvel e entrou no acampamento, onde contactou alguns dos arguidos, e lhes disse que o LM pretendia comprar heroína. 84. Daí a pouco, saíram do acampamento vários indivíduos de etnia cigana, e dirigiram-se ao veículo do LM. 85. Dois desses indivíduos destacaram-se do grupo e entabularam negociações com o LM. 86. Este comprou-lhes então 3 embalagens de heroína pelo preço de 75.000$00. 87. Esta negociação foi presenciada por uma brigada da P.S.P. de Coimbra, que mantinha vigilância ao acampamento, e que seguiu o veículo do LM quando este abandonou o local. 88. Quando seguia na Rua do Padrão, junto à rotunda da Casa do Sal, o veículo do arguido LM foi interceptado pelos agentes da P.S.P., que ordenaram que o mesmo parasse. 89. Este não obedeceu, e tentou pôr-se em fuga, não tendo porém conseguido, dado ter embatido numa viatura da polícia que se encontrava na sua retaguarda. 90. Os agentes da P.S.P. passaram então busca ao veículo, tendo encontrado, sobre os tapetes da parte dianteira, as três embalagens que o arguido havia comprado pouco antes, as quais continham um produto acastanhado, com o peso bruto de 13,933 gramas, o qual, sujeito a análise laboratorial, revelou tratar-se de heroína. 91. Nas buscas realizadas pela Polícia Judiciária no presente inquérito, foram apreendidos os seguintes bens e objectos: 92. Pertencente ao arguido JM (pai): . um veículo automóvel da marca Ford Transit azul, matrícula EH, examinado a fls. 963. 93. Pertencente ao arguido AMM: . 1 telemóvel Panasonic de cor prateada . 294.5000$00 em dinheiro . um veículo Automóvel da marca Rover 820 SI castanho, matrícula OA. 94. Pertencentes ao arguido AM: . 43.000$00 em dinheiro . um veículo automóvel da marca Fiat Uno cinzento, matrícula UC, examinado a fls. 966 . 1 rádio "SEAT" e . 1 leitor "GRUNDIG", examinados a fls. 947 95. Pertencentes ao arguido MM: . um veículo automóvel da marca Rover 416 GTI vermelho, matrícula XT. >. um veículo automóvel da marca NISSAN SUNNY 1.4 SLX cinzento, matrícula UG. 96. Pertencentes ao arguido JM (filho) . 1 telemóvel "Samsung" c/ bateria . 1 telemóvel "Alcatel" . 1 pulseira em metal amarelo . 1 fio em metal amarelo c/ crucifixo e medalha de N. S. de Fátima . 1 veículo automóvel da marca TOYOTA CEUCA vermelho, matrícula SB. . 1 aparelhagem monobloco "AIWA" . 1 equalizador "PIONNER" . Videogravador VHS "SONNY" . 1 bloco c/ duas colunas de som s/ referência . 1 serviço de café de 27 peças 97. Pertencentes ao arguido APM: . 125.000$00 em dinheiro . 1 anel em ouro amarelo c/ moeda de libra engastada . 1 anel em ouro amarelo . 1 anel em ouro amarelo . 1 pedra preta . 1 fio em ouro amarelo de malha tipo 3+1 c/ osso em forma de corno c/ extremidades em ouro amarelo . 1 anel em ouro amarelo c/ iniciais L B gravadas . 70.000$00 em dinheiro (ver fls. 976/7 - guia depósito a fls. . um veículo da marca MAZDA RC-7 cinzento, matrícula GM, examinado a fls. 972 98. Pertencente à arguida MAMS: . 1 par de argolas em metal amarelo . 1 fio em metal amarelo c/ figa . 1 pulseira em metal amarelo c/ medalha em forma de anjo . 1 pulseira em metal amarelo, grossa . 1 anel em metal amarelo c/ pedra branca e outra preta 99. Pertencentes à arguida MAC: . 1 telemóvel "Telit" c/ cartão "Óptimos" . 133.500$00 em dinheiro . 1 anel em metal amarelo c/ pedra cor de rosa e insígnias da U.C. . espingarda pressão de ar s/ marca, examinada a fls. 940 . 1 telemóvel "Sagen" c/ cartão "Telecel" . 1 máquina fotográfica "Polaroid" 100. À excepção dos bens pertencentes à MAC e ao LM, todo o dinheiro apreendido provinha da venda de produtos estupefacientes, e os veículos automóveis e os restantes objectos apreendidos haviam sido adquiridos pelos arguidos com rendimentos provenientes também da venda de droga. 101. Na busca realizada na residência do arguido AM, mais concretamente no quarto onde este dorme, foi encontrada uma pistola semi-automática de calibre 6,35 Browning (25 ACP), marca TANFOGLIO GIUSEPPE, modelo GT 28, sem número de série visível, com as demais características que constam do relatório de exame de fls. 1711, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 102. Trata-se de uma pistola transformada pois que originariamente de calibre 8 mm, e destinada unicamente a deflagrar munições de gás lacrimogéneo ou de alarme, foi posteriormente adaptada a disparar munições com projéctil. 103. Tal arma cuja proveniência não foi possível apurar, não se encontra registada nem manifestada, sendo de legalização impossível atentas as suas características. 104. O arguido AM estava consciente que não lhe era permitido a aquisição e detenção da referida arma naquelas circunstâncias, e que tal constituía crime. 105. Todos os arguidos tinham perfeito conhecimento da natureza estupefaciente dos produtos que vendiam e compravam. 106. E sabiam que, por terem efeitos nefastos sobre a saúde e o bem estar de quem os consome, não podiam vender, distribuir, ceder ou por qualquer título proporcionar a outrem, transportar ou deter tais substâncias estupefacientes, sem para tal estarem autorizados. 107. Agiram assim, os arguidos, livre e voluntariamente, conscientes da ilicitude das suas condutas. 108. Os arguidos AM, APM, JM (filho) e MAMS, haviam já sido condenados, por sentença, transitada em julgado, proferida no Processo Comum nº 28/96, da 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra, pela prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, nas penas de oito anos de prisão, o AM, e seis anos de prisão os restantes. 109. Todos eles cumpriram, ao menos parcialmente, as penas de prisão em que foram condenados. 110. As condenações anteriores e o tempo de reclusão sofrida não foram no entanto suficientes para afastar os arguidos da prática de crimes da mesma natureza. 1. O arguido LM há já muitos anos que não reside em Coimbra cidade na qual residiu durante cerca de dez anos, numa casa propriedade de seus Pais, enquanto frequentou o colégio de S. Teotónio. 2. O que deixou de fazer quando foi chamado para cumprir o serviço militar obrigatório ou tropa, o que sucedeu durante o ano de 1990 e se prolongou por cerca de um ano e teve lugar em Lisboa, na Polícia Militar, sem quaisquer percalços ou acidentes de percurso. 3. Terminado o cumprimento do serviço militar, o arguido decidiu-se a deixar de estudar, para fixar a sua residência em Lourosa (lugar e freguesia), Oliveira do Hospital, a fim de se dedicar à actividade empresarial. 4. Seu avô, AM Jr. e seu Pai, CQPM - ambos já falecidos, este prematuramente, aos 57 anos - eram pessoas muito respeitadas e empresários de sucesso, tendo constituído várias empresas, do ramo da venda de materiais de construção, construção civil de obras públicas, acessórios de automóveis e estação de serviço, empresas estas como a Armar, Revecom, Pacocal e AM Jr., Lda, todas. - à excepção da primeira - sediadas em Oliveira do Hospital. 5. Um seu irmão germano, de nome J, mais velho que o arguido, ficara em Coimbra a auxiliar na gestão da Armar. O arguido recebia um vencimento a título de colaborar com seu avô e pai na gestão da Pacocal (comércio de peças de pneus, lubrificantes, combustíveis, peças de automóveis, etc). Estamos em finais de 1991, inícios de 1992. 6. Uma vez em Oliveira do Hospital, o arguido perdeu a quase totalidade dos seus contactos, vale por dizer, dos respectivos amigos, em Coimbra, pois deslocava-se a esta cidade com raridade. 7. E grande parte dos tais amigos que fizera durante a sua estada em Coimbra, partiram para as suas vidas. 8. O arguido praticamente só se deslocava a Coimbra para adquirir estupefacientes, uma vez que é consumidor destas substâncias desde a juventude, consumindo inicialmente apenas haxixe. 9. Acabando por passar para a heroína cerca dos 18 anos de idade. 10. O momento referido nos autos e atinente às actividades delitivas do arguido era, justamente, um sábado (ao fim da noite), o dia no qual vinha a Coimbra. 11. Parte dos acontecimentos ocorreu já na madrugada de domingo. 12. Tencionava o arguido adquirir heroína para seu consumo e, posteriormente deslocar-se para casa de seu irmão e aí pernoitar, tanto mais que no dia seguinte teria de estar presente, em Coimbra, numa festa de família. 13. Sua sobrinha e afilhada, filha do seu já assinalado irmão J, ia fazer a primeira comunhão. 14. Deslocou-se num jeep pertencente a AM Jr., Lda e como tal, registado empresa de construção civil, empresa que trazia obras empreitadas sobretudo na zona de Oliveira do Hospital e norte do País. 15. Chegado a Coimbra, o arguido dirigiu-se ao Bairro do Ingote, onde era hábito adquirir a heroína na Rua, na esperança de encontrar alguém que lhe pudesse vender a referida substância. 16. Uma vez que em tal Bairro é praticamente permanente a presença na Rua de pessoas facilmente identificáveis como passadores, pela forma como se vestem e algumas delas já conhecidas em anteriores transacções. 17. Ao chegar ao dito Bairro, verificou haver muita confusão - e, de igual, muita polícia - pois tinha lugar uma festa, tendo tido oportunidade de avistar um seu velho conhecido, o M (ou ....). 19. O qual, perante as faladas circunstâncias e porque também andava à procura do assinalado "material", para compra, o dissuadiu de proceder a qualquer aquisição naquele local. 20. E lhe sugeriu uma deslocação à Estação ..., para aí verificarem se lhes era possível proceder à compra de heroína. 21. Chegados às proximidades da Estação ..., o M sugeriu que parassem, o que o contestante fez. 22. Escolhido um sítio escuro onde o jeep não fosse facilmente visível, o M saiu do carro e pouco após regressou. 23. Já o M se encontrava no interior do dito veículo, quando se aproximaram deste uns indivíduos, interpelando-o através da janela, sobre se pretenda adquirir alguma coisa. 24. Ao que o arguido, verificando pelo aspecto de tais pessoas "estar com a sua gente", respondeu afirmativamente e adquirindo-lhes na ordem dos 70 contos. 26. Ultimada a transacção, abandonou o local, perdendo de vista as pessoas com quem acabara de negociar. 27. Porque o M lhe tivesse pedido para o levar de volta ao Ingote, inverteu o sentido de marcha e ao preparar-se para contornar a rotunda que conduz ao Monte Formoso, circulando normalmente, junto aos semáforos que precedem a dita rotunda, foi abordado pela PSP e detido, com perseguição de veículo não identificado como pertencente à Polícia, e com disparos de tiros, um dos quais o atingiu. 36. Na subsequente segunda-feira, foi presente ao Senhor Juiz de Instrução Criminal. 37. O arguido não se dedica, nem dedicou nunca, ao tráfico de estupefacientes, e dispõe de meios para pagar toda a droga que consome, sem necessidade de repartir o respectivo custo com quem quer que seja. 39. A actividade empresarial da sua família produz-lhe créditos suficientes para lhe permitir a aquisição do estupefaciente. 40. Para além das partilhas a que procedeu com sua mãe e os dois irmãos após o passamento de seu saudoso Pai. 41. Em regra, faz apenas uma aquisição por semana e, na verdade, ao fim de semana. 42. Ao tempo dos factos consumia 3 a 4 gramas de heroína por dia, pelo que se encontrava em estado físico e psíquico desesperado. 43. Apesar de andar em tratamento com o distinto médico psiquiatra Dr. AB, com vista à desintoxicação. 44. O que lhe acarretou diversos internamentos, todos com inêxito, numa clínica em Pombal. 45. De há cerca de seis meses a esta parte, as coisas melhoraram substancialmente, pois o arguido passou a frequentar a consulta do Senhor Dr. LP, distinto médico psiquiatra com consultório em Lisboa. 46. Tendo-se verificado um retrocesso notabilíssimo quanto ao consumo da heroína, o qual já abandonou. 47. O arguido é uma pessoa generalizadamente estimada pelas pessoas do respectivo convívio, gozando de bom ambiente social na cidade de Oliveira do Hospital. 49. O arguido vive maritalmente com a Dra. SMCA, licenciada em gestão, a trabalhar em Oliveira do Hospital, onde os dois habitam o mesmo apartamento que o pai do arguido lhe deixou. b) factos não provados Não resultaram provados mais quaisquer factos atinentes à causa. Designadamente, não se provaram os seguintes factos: A arguida MAF dirigiu-se com o JM a Lisboa, para que ambos adquirissem droga que, posteriormente, venderiam, ambos, ao JM e a outras pessoas. A arguida MAF estava na posse da droga e dos objectos apreendidos ao JM. O arguido JM, que conduzia o veículo, tentou num primeiro momento pôr-se em fuga, mas embateu num veículo que se tinha imobilizado à sua frente, pelo que tal não conseguiu. Em 1999, BMD conheceu o arguido MM, a quem começou a comprar regularmente heroína. Através do MM, o BM conheceu os arguidos AM e AM a quem, por vezes também comprou heroína. O MM, por vezes, quando recebia uma nova remessa de heroína, pedia ao BM que a experimentasse a fim de saber se era de boa qualidade. Assim, em 15/9/99, o M telefonou ao BM, tendo-lhe pedido para experimentar um bocado de heroína que havia acabado de comprar, e dizer-lhe se a mesma era de boa qualidade. Combinam então encontrar-se junto ao Café ...., na estrada para a Figueira de Foz. E de facto, cerca das 23 horas, o arguido M encontrou-se com o BM no parque de estacionamento do dito café, tendo-lhe então entregue uma quantidade não apurada de heroína, que este fumou. PJP, também conhecido por "....", consome produtos estupefacientes desde os 14 anos de idade. Em data não apurada do ano de 1999, conheceu o AMM, a quem passou a comprar heroína, para seu consumo. Assim, durante o ano de 1999, o PP comprou por várias vezes heroína ao DM, sempre entre dez e quinze mil escudos, de cada vez. Para o efeito, o PP telefonava sempre previamente ao AM, e combinava encontrar-se com ele, normalmente junto ao hotel ..., nesta cidade de Coimbra. O arguido JCSM é também consumidor de produtos estupefacientes desde a idade dos 15 anos, e fuma heroína desde há cerca de 1 ano. Nos finais do Verão de 1999, o arguido conheceu os arguidos AM e MM por intermédio do arguido PJP. Assim, passou a adquirir heroína para seu consumo aos arguidos AM, o que fez por várias vezes, a maior parte das quais na companhia do PJP. O arguido JCRC é consumidor de produtos estupefacientes desde os 16 anos de idade. Em Setembro de 1999, em dia que não sabe precisar, junto à Estação ..., travou conhecimento com o arguido AM, a quem comprou um "panfleto" - de heroína pelo preço de 5.000$00. Nessa altura o AM deu ao JC o número do seu telemóvel, para que este lhe telefonasse sempre que precisasse de comprar droga. Assim, posteriormente, e por várias vezes, o JC comprou "panfletos" de heroína ao AM, em locais em que previamente combinavam encontrar-se, através de contacto telefónico. PJGO é consumidor de produtos estupefacientes desde há cerca de seis anos. No início do ano de 1999, conheceu o arguido APM em Guidões. S. Tirso, e começou a adquirir-lhe heroína diariamente, para seu consumo. Assim, por várias vezes, durante o ano de 1999, o PJ comprou ao arguido APM e à arguida MAMS, sua mulher, panfletos de heroína, que consumia. O PJ encontrava-se com aqueles arguidos em Guidões, mais ou menos de dois em dois dias, e comprava-lhes de cada vez dois gramas de heroína, pelo preço de 14.000$00. Num dos encontros, o arguido AP fazia-se transportar num Opel City de cor verde conduzido pelo arguido AMM, tendo dessa vez sido este arguido que lhe entregou a dose de heroína. JMOA é consumidor de heroína desde há cerca de 17 anos. Em finais do ano de 1999, em data que não concretamente apurada, o JM encontrava-se no Centro Comercial "...", na localidade da Trofa, local habitualmente frequentado por toxicodependentes, quando ali apareceu o arguido JM (filho). Este disse que tinha droga para vender, e distribuiu pelos consumidores que ali se estavam um papel com o número do seu telemóvel. A partir dessa altura, durante cerca de dois meses, e até aos primeiros dias de Dezembro de 1999, o JM passou a comprar heroína para seu consumo ao JM (filho). Para o efeito, o JM deslocava-se diariamente ao cruzamento de Guidões, S. Tirso, onde encontrava o JM (filho), e ali lhe comprava, de cada vez, 0,5 grama de heroína, pelo preço de 3.000$00. A arguida MAC desde já alguns anos que se dedica à venda de produtos estupefacientes, o que normalmente faz na área da sua residência (Bairro ... e Bairro ). Em 23/9/99, cerca das 20.00 horas, a arguida MA telefona ao arguido JM (pai), a quem pede para lhe arranjar heroína. O JM (pai) diz-lhe que ainda não tem mas está para receber. Então a MA pede para lhe arranjar 60 contos de heroína. Pelo menos por duas vezes, uma delas pouco antes de ter sido detida, em Janeiro do corrente ano, a arguida MA entregou heroína a FACR embalada em pequenos pacotes, para que este a vendesse na zona do Bota Abaixo, nesta cidade. O arguido LM vende parte da droga que adquire a toxicodependentes que conhece na área da sua residência. Não foi possível apurar, em concreto, quais os arguidos da família M que negociaram a droga para vender ao arguido LM, nem quais os dois que lha foram entregar ao veículo. Não foi possível apurar se os bens pertencentes à MAC e apreendidos, foram adquiridos com dinheiro proveniente da venda de droga. A mãe do arguido LM também residente em Oliveira do Hospital, emprestou-lhe um jeep da propriedade de AM Jr., Lda e como tal registado - empresa de construção civil e em cujo jeep os encarregados de obras se deslocavam, pois tal empresa trazia obras empreitadas sobretudo na zona de Oliveira do Hospital e norte do País - uma vez que o automóvel de que o arguido era proprietário, um pequeno e já velho Renault 5, estava na oficina. O arguido não conhecia a Estação ..., pois nunca lá se houvera anteriormente deslocado, mormente para aquisição de estupefacientes. O M informou não havia conseguido obter droga para o arguido. O arguido não conhecia os indivíduos que se aproximaram do veículo propondo-se vender-lhe droga. Apesar de inicialmente ter pretendido adquirir uma quantidade menor, acabando por ser convencido pelos dealers em questão a levar aquela porção (15 gramas, distribuídas por três pacotes) pois, afirmavam, se comprasse um pouco mais far-lhe-iam um preço mais em conta. O arguido verifica ser ultrapassado por um carro vermelho, numa correria desenfreada, até se perguntou a si próprio se o condutor respectivo não estaria, este sim, drogado ou embriagado que estilo "Chicago, anos 20 se atravessou à sua frente, no intuito de impedir que prosseguisse a respectiva marcha. De imediato, deu conta de que tal viatura saíram quatro indivíduos que lhe fizeram pensar estar em Hill Street e assustando-se, por admitir tratar-se de malfeitores que pretendessem assaltá-lo, engatou a marcha a trás, para intentar a fuga a qual, todavia se revelou impossível, pois também já estava trancado pela parte traseira do carro, por um outro veículo, de cuja aproximação se não dera conta e no qual, de imediato, embateu na parte dianteira, com aquela traseira do veículo por si conduzido. Eis senão quando começa um tiroteio que faria corar de vergonha, pela sua violência e velocidade, os mais empedernidos marines em Saigão, tendo sido baleado na ilharga esquerda, bala esta que entrou pela parte da frente e saiu pela de trás. Posto isto, ficou prostrado, no jeep, cheio de dores, verificando então estar a lidar com polícias (P.S.P.). que, a pedido do arguido, o conduziram aos HUC (Urgências), onde foi tratado estando capaz de jurar que a ocorrência não ficou registada em tal estabelecimento. Posto o tratamento, foi conduzido à 2ª Esquadra da P.S.P., onde pediu com veemência lhe fosse administrado um analgésico, pois estava cheio de dores, não só do ferimento, como da própria ressaca. Porém, deparou-se com a mais obstinada recusa. O arguido não sabia, mas certo, certo, é que o contrário é que seria absolutamente de estranhar. O arguido tem muito gosto pela respectiva actividade profissional, à qual dedica grande parte do seu tempo, entrando nas instalações da firma cerca das oito da manhã, interrompendo às 13 para o almoço, pegando de novo lá para as 14,30 e regressando a casa nunca antes das 19h20. c) fundamentação O colectivo fixou os factos atrás vertidos como provados por virtude de análise e ponderação do conjunto da prova produzida em audiência. Designada e fundamentalmente, sem que se pretenda a maior exaustão, e sem se poder assegurar que apenas estes elementos probatórios formaram a convicção do colectivo e juízes, foram essenciais os seguintes meios de prova, para a fixação dos aí mencionados pontos da acusação e da contestação: 1- pontos 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 63, 69, 70, 76: Depoimentos prestados pelas testemunhas PP e AC, elementos da PSP que conhecem a cidade por virtude da sua profissão, designadamente que conhecem todos os elementos da família M, com todos eles lidando, por razões atinentes à sua profissão, mas com cordialidade. Depoimento prestado pela Inspectora da Judiciária HR, que foi a titular do processo, pelo que, e sem prejuízo de intervenções pontuais de outra natureza, teve pessoalmente intervenção, coordenou e / ou foi informada de dezenas de acções de vigilância ao acampamento da família e a lugares onde alguns dos seus membros se deslocaram, ficando a conhecer ao pormenor todos os seus meios de vida, os seus hábitos mais frequentes, e as pessoas com quem e porquê se relacionavam. 2- pontos 10, 12, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44: Escutas telefónicas, designadamente as mencionadas na acusação com referência a cada um dos factos. 3- pontos 79 a 90: Declarações prestadas pelo arguido LM e pelos agentes da PSP que procederam à sua vigilância e detenção. 4- pontos 4,11, 30, 34, 35, 90, 100, 101, 102, 103, 104, 108: Documentos juntos ao processo. 5- factos referentes à contestação do arguido LM: Declarações prestadas pelo próprio, e depoimentos das testemunhas que indicou em sua defesa. 9.- Sobre o requerimento ditado para a acta de audiência de julgamento em 1ª instância pelo Exmº Advogado da arguida AC que, depois, os Exmºs mandatários presentes subscreveram em relação aos arguidos que representavam, a propósito das escutas telefónicas, decidiu-se no acórdão final do tribunal judicial de Coimbra: Em causa está o requerimento apresentado pela arguida AC, em audiência de julgamento. Refere o seu defensor, e resumidamente, que 31 cassetes provenientes de escuta telefónicas foram entregues à Sra.Juiz de instrução que no mesmo dia, 7 de Janeiro, ordenou, sem ter tido a possibilidade de as ouvir a todas, a transcrição, e ainda que a respeitante à arguida havia sido gravada 106 dias antes desta apresentação à magistrada, pelo que não foi cumprida a estatuição do art. 188º nº 1 do código de processo penal, que refere dever a mesma ser entregue "imediatamente". Tal requerimento foi, posteriormente, subscrito pelos restantes advogados, no que aos respectivos arguidos respeita. O Ministério Público responde que não está inviabilizado o controlo jurisdicional das escutas, que tal nulidade, a existir, estaria sanada, por ter ocorrido em fase de inquérito, e que a arguida requerente não prova a falta de audição das cassetes pela juiz de instrução. Estamos perante uma situação ocorrida durante a fase de inquérito. Não obstante, e visto tratar-se de uma arguição de nulidade que pode ser entendida como relativa a proibições de prova, e de harmonia com o disposto no nº 3 do art. 118º do código de processo penal, entendeu o colectivo ser tempestiva a sua alegação. Em causa, com o requerimento em apreço, estão duas questões: - quando foram os autos a que alude o nº 1 do art. 188º apresentados à juiz de instrução, e terá ela ouvido as cassetes para poder proferir decisão no sentido da sua transcrição. Analisado o teor do requerimento, dele se extrai que, pelo menos uma cassete, levou mais de 100 dias a ser apresentada à Magistrada - o que dificilmente se compaginaria com o advérbio "imediatamente" - e que, a mesma juiz, demorou menos de 24 horas, desde que recebeu cerca de 30 cassetes de 90 minutos cada, até que decidiu da sua transcrição - o que permite concluir que as não ouviu na íntegra, pelo simples conhecimento das mais elementares leis da física. Porém, o certo é que a consulta do processo não permite concluir, nem mesmo pelos termos e autos que o recorrente expressamente, citou, nem que foi essa a demora com a qual as fitas magnéticas foram sujeitas ao controlo jurisdicional, nem que foi aquele o lapso de tempo que a Magistrada levou para ouvir o seu conteúdo. Muito diferentemente, e apenas por exemplo, consta do processo que a 29 de Dezembro, foi ordenada a destruição de uma cassete, o que contraria a construção temporal que o requerente faz. Assim, a validação das escutas e as decisões no sentido de algumas cassetes serem transcritas e outras destruídas, impõe a convicção de que as formalidades legais apontadas no art. 188º do código de processo penal foram observadas. Acresce que estas disposições pretendem, além do mais, o controlo do juiz, não uma sobrecarga de trabalho sobre ele ou sobre o seu staff de apoio, constituído, as mais das vezes, por elementos materiais e humanos que nem estão integralmente sob a dependência do Magistrado, nem ultrapassam os níveis mínimos de exigência correspondente à natureza e à relevância, em termos de garantia dos direitos humanos, destas funções. Creio que só mesmo nesta linha se entendem certas decisões de Tribunais Superiores, designadamente a que, recentemente, entendeu que "por razões de eficiência e dos necessários meios técnicos e humanos disponíveis, as operações materiais de intercepção e gravação ocorrerão normalmente a cargo da polícia judiciária", que "o procedimento mais correcto (...) vai no sentido, de não haver transcrições que não sejam ordenadas pelo magistrado judicial ainda que (...) sob sugestão do órgão de polícia criminal", e ainda que quaisquer nulidade decorrente de situações desta natureza "é sanável sujeita ao regime de arguição a que se referem os artigos 120º e 121º". Não há, portanto, e neste caso, lugar à nulidade daquele meio de obtenção de prova, que nunca escapou ao controlo jurisdicional, e que foi validamente tido como correcto até à audiência de julgamento, por todos quanto a tramitaram o processo ou nele tiveram intervenção. 10.- O Tribunal da Relação, analisando em recurso esse problema jurídico, considerou e decidiu: Questão fulcral nestes recursos é a alegada nulidade das provas por ilegalidade, entendendo-se terem sido violados os art.s 125º, 126º, 187º a 189º do Código Processo Penal. E a questão prende-se com as escutas telefónicas e a valoração dada pela decisão, como elemento objectivo para a formação da convicção do Tribunal. Ninguém põe em crise a legalidade da produção desta prova que entendem obedecer ao normatizado nos art.s 187º e ss do Código Processo Penal. refere-se a censura ao cumprimento da obrigação contida no art. 188º/1 do Código Processo Penal e da interpretação dada ao "imediatamente" que ali se escreveu. O Professor Costa Andrade (Sobre as Proibições de Prova em Processo - Penal, 272 e ss) partiu de pressupostos gerais, como base de estudo desta questão; daí que, se conclui, ab initio: - haverá sempre que distinguir os momentos de consideração: - o da proibição de produção e o da proibição da valoração; - só há limites à valoração de provas quando estas assentam num modo não permitido de produção; - as escutas telefónicas são intrinsecamente portadoras de uma danosidade social que obriga a uma osmose entre o direito constitucional e o direito penal; É destes pressupostos gerais que terá de se partir para a interpretação do regime legal das escutas telefónicas. A expressão codificada do regime jurídico processual penal das escutas telefónicas (art.s 187º e ss) faz depender esta prova de pressupostos materiais e de pressupostos formais. São pressupostos materiais: a catalogação dos crimes sobre os quais pode ser produzida a prova - art. 187-1 al.a) a e) -2 al.a) a g); um juízo fundado de que a conversação possa incidir sobre o objecto de crime - art. 187º -3. São pressupostos formais: a autorização do juiz - art. 187º -1; a elaboração de auto de intercepção e gravação - 188º -1; a apresentação do auto e fitas gravadas imediatamente ao juiz - art. 187º -1; a transcrição em auto - art. 188º -3; a junção aos autos e/ ou a destruição - art. 188º -3. Vem entendendo a jurisprudência - Acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Agosto de 1996, Colectânea de Jurisprudência XXI, 4, 155) que a expressão imediatamente deve ser entendida no sentido de no tempo mais rápido possível; efectivamente contendo tal expressão um conteúdo de medição de tempo, a obrigação resultante terá de ficar pelo elemento essencial do conceito que, se ligará a uma ideia de espaço, já que o homem só consegue medir o tempo através do espaço; nestes termos o imediato é o que está precedente ou subsequente sem outro de premeio; significa isto que o que a lei exige com o imediatamente é que entre o que a lei exige com o imediatamente é que entre o lavrar do auto e a junção das fitas gravadas não se siga qualquer ouro acto que não seja o da apresentação desse auto e das fitas gravadas ao juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações. O tempo de apresentação, maior ou menor, servirá para avaliar da diligência dos intervenientes para a realização dos actos processuais, mas não interfere directamente na validade formal do acto. Desta forma o acto não deixa de ser de imediato mesmo que demore um tempo considerado longo, desde que entre o acto que o precede e que se lhe segue outro não existe. Ora, a rebeldia resultante da motivação está no facto de a apresentação ao juiz ter demorado três meses; como se vê isto não significa que tal apresentação não tenha sido de imediato, pois que entre os actos que o precedem são a recolha dos dados por gravação, a elaboração do auto. A diligência e incúria na realização dos autos não determina a nulidade, atento ao disposto no art. 189º do Código Processo Penal. As irregularidades daí consequentes caem na previsão dos art.s 121º e 123º do Código Processo Penal e ficaram por tal sanadas, por não terem sido arguidas tempestivamente, atento ao disposto no art. 311º do Código Processo Penal. Não procedem os recursos também nesta parte. 11.- Também o mesmo Tribunal da Relação formulou o seguinte juízo quanto à "não transcrição da prova gravada em audiência": Entende-se ainda haver nulidade resultante da não transcrição da prova gravada em audiência. Não se vê onde reside o fundamento legal desta censura. A exigência desta transcrição surge no art. 412º -4 do Código Processo Penal em sede de recurso da matéria de facto, quando se ponha em causa, no recurso, a prova produzida em audiência de julgamento. Não é o caso dos autos. Não têm, também aqui, qualquer fundamento, os recursos. 12.- Como se deixou relatado, em audiência de julgamento, o Exmº Advogado da arguida MAC suscitou a questão da validade da escuta telefónica a que se refere a conversação constante do art. 78º da acusação pública, que teria ocorrido em 23/9/99 com a conduta gravação, mas cuja cassete só foi levada ao conhecimento do Juiz de Instrução no dia 7/1/00, ou seja 106 dias após a gravação e juntamente com mais 31 cassetes contendo gravações de outras escutas telefónicas. Relativamente a essa questão, os outros Exmºs Advogados dos demais arguidos não suscitaram qualquer censura devidamente individualizada a propósito das escutas, limitando-se a dizer que subscreviam o requerimento em relação aos arguidos que representavam, tendo pelo Exmº Mandatário dos arguidos "JM, AM e AM" sido acrescentado que sobre o tema se havia pronunciado o Tribunal Constitucional pelo seu acórdão nº 407/97, II Série do Diário da República de 18/10/97. Portanto, em concreto, está apenas em causa a questão da escuta telefónica com o âmbito que lhe traçou a arguida MAC. Acontece, porém, que essa arguida MAC foi absolvida e, por consequência, não foi recorrente para a Relação e também o não é para este Supremo Tribunal de Justiça. 13.- Nos recursos que interpuseram para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, todos os recorrentes insistem na invalidade das escutas telefónicas, mas não fornecem concretização autónoma relativamente à questão levantada pela MAC. 13.1.- O art. 78º da acusação tinha a seguinte redacção: "Em 23/9/99, cerca das 20 horas, a arguida MAC telefona ao arguido JM (pai) a quem pede para lhe arranjar heroína, O JM (pai) diz-lhe que ainda não tem mas está para receber. Então a MAC pede para lhe arranjar 60 contos de heroína ( vide conversa gravada na cassete 14 B, volta 28), transcrita a folhas 96 do apenso 2º. 13.2.- À arguição de nulidade da arguida AC respondeu o Exmº Magistrado do Ministério Público na 1ª instância, por escrito, como lhe havia sido autorizada pelo tribunal. Esse Magistrado pronunciou-se, como é evidente, no quadro traçado por aquela arguida, ou seja se a gravação da conversa do dia 23/9/99 teria sido ouvida pelo Juiz e se, no caso, se verificava o requisito da operação "imediata" da cassete ao mesmo magistrado judicial. Refere o Ministério Público que não se verifica qualquer vício na autorização, intercepção e transcrição das escutas e que nem tal fora invocado, "embora - diz - em nosso entender não fosse necessário, uma vez que a haver tal, estaríamos perante uma nulidade insanável que recaia sobre este meio de obtenção de prova, cujo conhecimento é oficioso - v. art. 119º do CPP". Acrescenta " (...) O que invoca o ilustre advogado é que esse meio de prova é nulo uma vez que as gravações não foram de imediato presentes ao ... JIC. Ou seja, a haver nulidade, esta traduzir-se-ia apenas na apresentação tardia da gravação. A finalidade do art. 188º do CPP é evitar que uma intercepção e a sua gravação, sejam subtraídas ao controlo judicial. No caso dos autos, verifica-se tal situação? Entendemos que não". 13.3.- No acórdão da 1ª instância a questão é abordada por referência ao requerimento da aludida MA, uma vez que só ela concretizara a discordância com as escutas telefónicas. Isolam-se as duas questões suscitadas por essa arguida: "quando foram os autos a que alude o nº 1 do art. 188º apresentados à juiz de instrução, e terá ela ouvido as cassetes para poder proferir decisão no sentido da sua transcrição". Continua o acórdão: "Auditado o teor do requerimento, dele se extrai que, pelo menos uma cassete, levou mais de 100 dias a ser apresentada à Magistrada - o que dificilmente se compaginaria com o advérbio "imediatamente" - e que, a mesma juiz, demorou menos de 24 horas, desde que recebeu cerca de 30 cassetes de 90 minutos cada, até que decidiu da sua transcrição - o que fez concluir que as não ouviu na íntegra (...). Porém, o certo é que a consulta do processo não permite concluir, nem pelos termos e autos que o requerente expressou e citou, nem que foi essa a demora com a qual as fitas magnéticas foram sujeitas ao controlo jurisdicional, nem que foi aquele o lapso de tempo que a Magistrada levou para ouvir o seu conteúdo". Ainda do mesmo acórdão: "Estamos perante uma situação ocorrida durante a fase de inquérito. Não obstante, e visto tratar-se de uma arguição de nulidade que pode ser entendida como relativa a proibições de prova, e de harmonia com o disposto no nº 3 do art. 118º do Código de Processo Penal, entendeu o colectivo ser tempestiva a sua arguição." A concluir, lê-se no mesmo acórdão: " Não há, portanto, e neste caso, lugar à nulidade daquele meio de obtenção de prova, que nunca escapou ao controle jurisdicional, e que foi validamente tido como correcto até à audiência de julgamento, por todos quanto(a) tramitaram o processo ou nele tiveram intervenção". 13.4.- O Tribunal da Relação, analisando a mesma questão, diz que "Ninguém põe em crise a legalidade da produção desta prova (das escutas) que entendem obedecer ao preceito nos art.s 187º e ss do Código Processo Penal. Negou-se a censura ao cumprimento da obrigação contida no art. 188º, nº 1 do Código Processo Penal e da interpretação dada ao "imediatamente" que ali se escreveu". Acrescenta: "Vem entendendo a jurisprudência - Acórdão da Relação de Lisboa de 16/Agosto/1996, CJ, XXI, 4, 155 - que a expressão imediatamente deve ser entendida no sentido de no tempo mais rápido possível; efectivamente contendo tal expressão um conteúdo de medição do tempo, a obrigação resultante terá de ficar pelo elemento essencial do conceito, que se ligará com uma ideia de espaço, já que o homem só consegue medir o tempo através do espaço; nestes termos o imediato e o que está precedente ou subsequente sem outro de permeio, significa isto que o que a lei exige como imediatamente é que entre o lavrado auto e a junção das fitas gravadas não se siga qualquer outro acto que não seja o da apresentação desse auto e das fitas gravadas ao juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações. O tempo de apresentação, maior ou menor, servirá para avaliar da diligência dos intervenientes para a realização dos actos processuais, mas não interfere directamente na validade formal do acto. Desta forma, o acto não deixa de ser de imediato mesmo que demore um tempo considerado longo, desde que o acto que o precede e que se lhe segue outro não existe. Ora, a rebeldia resultante da motivação está no facto de a apresentação ao juiz ter demorado três meses; como se vê isto não significa que tal apresentação não tenha sido de imediato, pois que entre os actos que o precedem são a recolha dos dados por gravação, a elaboração do auto. A diligência e ... na realização dos autos não determina a nulidade, atento o disposto no art. 189º do Código Processo Penal. As irregularidades daí consequentes caem na precisão dos art.s 121º e 123º do CPPenal e ficaram por tal sanadas, por não terem sido seguidas tempestivamente, atento ao disposto no art. 311º do Código de Processo Penal". 14.- Não é, salvo o devido respeito, de subscrever a doutrina enunciada pela Relação a propósito do vocábulo "imediatamente". E deve frisar-se que a Relação não põe em causa a matéria de facto auditada pela 1ª instância a propósito da questão, instância essa que não aceita os pressupostos de facto de que partiu a mencionada arguida-requerente A. No acórdão da Relação, parte-se do requerimento e motivações que o fizeram seu, como hipótese, para se concluir que, mesmo que assim fosse, o "imediatamente" estaria cumprido. E não se subscreve a doutrina do acórdão a propósito desse segmento legal porque não respeita nem a letra nem o espírito do preceito. O art. 188º, nº 1 do CPP (redacção anterior ao Dec-Lei nº 320-C /2000, de 15 de Dezembro, estatuía: "Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações". Não se trata do mero encadeamento de actos com incidência meramente processual, por forma que se tenha como válido um procedimento em que as fitas gravadas e auto se tenham por apresentados imediatamente, "mesmo que demore um tempo considerado longo". A "imediação" de que trata o artigo nada tem que ver com a conexão temporal entre existir ou não existir acto subsequente entre as gravações e auto e a apresentação do juiz. Não se percebe qual seria acto intermédio que prestaria o "imediatamente". O que o preceito em causa visa regular é o controlo judicial sobre o desenvolvimento das escutas telefónicas autorizadas, procedimento judicial esse que, inserindo-se ainda na obtenção da prova, visa ainda tutelar o perigo da ultrapassagem da danosidade permitida constitucional e legalmente. É essa a doutrina que emana dos acórdãos do Tribunal Constitucional nº 407/97, de 21 de Maio de 1997, DR. II Série, 18/7/1997 e nº 347/01, de 10 de Julho de 2001, DR, II Série, 9 de Novembro de 2001. Lê-se no primeiro daqueles acórdãos: " (...) Trata-se aqui de precisar o conteúdo constitucional viável do trecho do art. 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, onde surge a expressão "imediatamente". Ora, partindo do pressuposto consubstanciado na proibição de ingerência nas telecomunicações, resultante do nº 4 do art. 34º da lei fundamental, a possibilidade de ocorrer diversamente (de existir ingerência nas telecomunicações), no quadro de uma prisão legal atinente ao processo criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18º nº 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente. Nesta ordem de ideias, a mediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como meio que melhor garante que uma medida constar específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional. O actuar desta imediação, potenciadora de um efectivo controlo judicial das escutas telefónicas, ocorrerá em diversos planos, sendo um deles o que pressupõe uma busca de sentido prático para a obrigação de levar "imediatamente" ao juiz o auto de intercepção e "fitas gravadas ou elementos análogos", de que fala a lei. (...) Assim sendo, "imediatamente" não poderá, desde logo, reportar-se, apenas ao momento em que as transcrições se mostrem feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasava. Em qualquer dos casos, "imediatamente", no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma "imediatamente" poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo na existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo (...)". Concorda-se com essa interpretação do preceito legal em causa, especialmente tendo em vista os comandos constitucionais. No entanto, a questão tem uma correspondente de facto e uma componente de direito. O Supremo Tribunal de Justiça, como decorre do art. 432º, d), do CPPenal, não conhece de matéria de facto. O conhecimento dessa matéria pertence à primeira instância e à Relação. Ora, nenhum desses tribunais aceita os pressupostos de facto de que partiu o requerimento da arguida A, seja no que diz respeito à conversação e respectiva gravação, seja no que diz respeito à audição das cassetes. Por outro lado, os recorrentes, para lá do que afirmara aquela arguida no seu requerimento, nada de concreto adiantaram sobre os dados de facto pertinentes às escutas, limitando-se a mera discussão doutrinal e abstracta e as decisões dos tribunais judiciais não têm esse desiderato como seu objectivo, mas sim a resolução concreta dos litígios, para o que lhe devem ser fornecidos os necessários elementos de facto. 15.- Refere o recorrente JM que "tendo havido gravação da audiência é obrigatória a transcrição de todos os depoimentos nela prestados, transcrição essa que deve ser feita no próprio acórdão quer em acta de audiência,pelo que ao não ser ordenada a transcrição teria sido violado o disposto no art. 355º do CPP. Ora o art. 355º referido estatui no seu nº 1 que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação do serviço do tribunal, quais provas que não tiverem sido examinadas ou produzidas em audiência. Não se vê o que é que este preceito legal tem a ver com a censura formulada pelo recorrente. Parece haver em tal censura uma errada interpretação do art. 363º do CPP, quando refere que "as declarações prestadas ... em audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios ...". A documentação na acta a que se refere o citado art. 363º é a própria gravação das declarações prestadas ... A transcrição é coisa diversa e vem regulada no art. 412º, nº 4 CPP para a hipótese de recurso em matéria de facto, como se salienta no acórdão da Relação. Também este arguido refere que as cassetes deviam ter sido escutadas em audiência e não foram. Nada obrigava à audição das cassetes, existindo nos autos a respectiva transcrição. Se o arguido pretendia a audição das cassetes para as convencionar com a exactidão das transcrições devia tê-lo requerido, como lhe era permitido pelo nº 5 do art. 188º do CPP. Se não existissem as cassetes, então sim, sairia violado o disposto no art. 355º do CPP, por ausência do contraditório possível em relação à peticionada (que o não foi) comparação entre as gravações e as transcrições. 15.- Os recorrentes JM, APM e JM (filho), para além da questão das escutas telefónicas, dizem que determinados factos provados " o foram por inaceitável indução da leitura preconceituosa que foi feita das mesmas transcrições" e que " a matéria de facto considerada provada pelo colectivo da 1ª instância sob os nºs 2, 3, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 37, 63 e 69 e 105, 106, 107 e 110 não pode alicerçar - seus "..."- a qualificação dos recorrentes como traficantes, "pelo que o acórdão teria recorrido também" na insuficiência prevista na alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP". Relativamente a tais censuras dir-se-à, quanto à primeira que este Supremo Tribunal de Justiça não conhece de matéria de facto e que a que foi dada como demonstrada não fere os poderes que o art. 127º do CPP atribui ao tribunal do facto. Quanto à segunda questão ela não comporta o vício invocado, mas a proceder, erro de julgamento. Ora, olhando que os factos, nenhuma dessas consequências se mostra fundamentada. 16.- A recorrente MA também invoca o vício do art. 410º, nº 2, a) CPP, mas sem razão. É Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o conhecimento dos vícios do art. 410º do CPP não é matéria que possa fundamentar recurso para aquele tribunal, em relação aos recursos interpostos do Tribunal Colectivo, julgando a Relação ... a não ser que o Supremo, oficiosamente, se tenha de ocupar de tal matéria, o que não é o caso, visto não haver insuficiência da matéria de facto para uma decisão correcta. 17.- Pelo exposto, julgando improcedentes os recursos, mantém a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes com taxas de justiça de seus UC, fixando os 5 UR os honorários aos Exmºs Defensores Oficiosos que intervieram na audiência de julgamento no Supremo Tribunal, a adiantar pelos cofres. Lisboa, 23 de Outubro de 2002 Virgílio Oliveira (Relator) Lourenço Martins Flores Ribeiro Pires Salpico |