Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO BELO MORGADO | ||
Descritores: | FALTAS JUSTIFICADAS | ||
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Data do Acordão: | 06/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | A expressão “dias consecutivos”, constante do art. 251.º, do Código do Trabalho, deve ser interpretada como correspondendo a dias seguidos de calendário, independentemente de serem dias úteis, dias de trabalho ou dias de descanso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista n.º 8957/23.7T8LSB.L2.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. 1. STEC – Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo Caixa Geral de Depósito intentou a ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo, nomeadamente, que esta seja condenada a cumprir o disposto no art. 251.º, do Código do Trabalho (CT), na interpretação segundo a qual o número de dias consecutivos em que o trabalhador pode faltar justificadamente, em caso de falecimento de parentes ou afins, exclui os dias de descanso intercorrentes (não sendo, assim, contados os dias em que o trabalhador não está obrigado a comparecer ao trabalho, como acontece nos seus dias de descanso semanal e dias feriados). 2. Na 1ª Instância, a ação foi julgada improcedente e, interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou essa decisão. 3. O A. interpôs recurso de revista excecional, tendo a R. contra-alegado. 4. Com fundamento no art. 672º, nº 1, a), do CPC1, a revista excecional foi admitida pela Formação dos três Juízes desta Secção Social a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º, relativamente à questão de saber se os dias de luto a que aludem os arts. 249.º, nº 2, alínea b), e 251.º do CT, devem ser contados de forma consecutiva, independentemente de tal cálculo abranger dias de trabalho, dias feriados ou dias de descanso, ou se, ao invés, como sustenta o recorrente, devem excluir-se os dias de descanso intercorrentes (ou seja, aqueles em que o trabalhador não está obrigado a comparecer ao trabalho, como é o caso dos dias de descanso semanal e dos dias feriados). 5. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, parecer a que as partes não responderam. Decidindo. II. 6. A doutrina encontra-se muito dividida relativamente à questão em apreço, como se evidencia na resenha das posições existentes nesta matéria, que se mostram exaustivamente elencadas no acórdão da Formação que admitiu a presente revista excecional, da seguinte forma: «I - No sentido da contagem seguida dos dias de luto, aí se incluindo os dias de descanso e os feriados: - ABÍLIO NETO, Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 5.ª Ed., EDIFORUM, Lisboa, 2019, p. 601. - PAULA QUINTAS e HÉLDER QUINTAS, «Manual do Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho», 8.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2020, páginas 107 e 108. - HÉLDER QUINTAS e PAULA QUINTAS, «Código do Trabalho – Anotado e Comentado», 6.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2021 – anotação ao artigo 251.º. - PEDRO FURTADO MARTINS, “Faltas por falecimento de cônjuge, parentes ou afins: uma leitura alternativa do regime legal”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, janeiro-dezembro 2022, ano LXII (XXXVI da 2.ª Série) N.ºs 1-4, 2022, págs. 137 a 174. - DAVID FALCÃO e SÉRGIO TENREIRO TOMÁS, «Lições de Direito do Trabalho», 11.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2023, págs. 237 a 238, Nota de Rodapé 337. - LUÍS MIGUEL MONTEIRO, em anotação ao artigo 251.º - NOTA III – em «Código do Trabalho Anotado», Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Machado Dray e Luís Gonçalves da Silva, 14.ª Edição, Almedina, 2025, páginas 709 e 710. II - No sentido da contagem seguida dos dias de luto, com exclusão dos dias de descanso e dos feriados [apenas dias de trabalho]: - JOÃO LEAL AMADO e JOÃO REIS, “Nótulas sobre as faltas justificadas por motivo de falecimento de parentes ou afins (artigo 227.º do Código do Trabalho)”, Revista QUESTÕES LABORAIS, Ano XIII, 2006, págs. 129 a134. - JOÃO LEAL AMADO e MILENA SILVA ROUXINOL, “Luto Parental, Faltas e Férias”, PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO - 2021, ano II, CEJ, Lisboa, 2021, págs. 135 a150. - JOÃO LEAL AMADO e MILENA SILVA ROUXINOL, “O problema do cômputo dos dias de falta justificada por morte de familiar – a propósito do Acórdão da Relação do Porto, de 13 de julho de 2022”, PRONTUÁRIO DE DIREITO DO TRABALHO - 2022, ano II, CEJ, Lisboa, 2023, págs. 271 a 281. - MENEZES LEITÃO, “Direito do Trabalho”, 8.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2023, pág. 345. - DIOGO VAZ MARECOS, «Código do Trabalho Comentado», 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2023, pág. 755. - MILENA SILVA ROUXINOL, texto denominado «As faltas ao trabalho», inserido na obra coletiva «Direito do Trabalho - Relação Individual», 2023, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, páginas 977 e seguintes, com particular incidência para as páginas 981 a 983. - MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA, em «Comentários ao regime de faltas por falecimento: o elemento teleológico, união de facto e economia comum, a problemática da contabilização e a sua aplicação no trabalho a tempo parcial», publicado em Revista Internacional de Direito do Trabalho, Ano III, dezembro de 2023, n.º 5, www.ridt.pt, páginas 331 e seguintes.» 7. Quanto a esta problemática, por unanimidade, foi há não muito tempo uniformizada jurisprudência pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.04.2023, Proc. nº 11379/21.0T8PRT.P1.S12, lendo-se no respetivo sumário: «A expressão “dias consecutivos”, constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal -AIMMAP e o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso.» Embora aí estivesse em causa a interpretação de uma cláusula de convenção coletiva de trabalho (epigrafada “Faltas por motivo de falecimento de parentes ou afins”), nota-se que a técnica de redação utilizada em tal cláusula é idêntica à do art. 251º, nºs 1 e 2, do CT, sendo o seu teor o seguinte: “1- Nos termos da alínea b) do número 2 da cláusula anterior, o trabalhador pode faltar justificadamente: a) Até cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1.º grau na linha reta (pais e filhos, por parentesco ou adoção plena, padrastos, enteados, sogros, genros e noras);b) Até dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou em 2.º grau da linha colateral (avós e bisavós por parentesco ou afinidade, netos e bisnetos por parentesco, afinidade ou adoção plena, irmãos consanguíneos ou por adoção plena e cunhados). 2- Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior ao falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador nos termos previstos na lei.” 8. Quanto aos fundamentos do sobredito Acórdão do Supremo, destaca-se a seguinte argumentação: «(…) O que está em discussão é a interpretação a fazer da expressão “dias consecutivos” constante de tal cláusula: se, apenas, como dias úteis, ou seja, fazendo a sua contagem em concordância com o conceito de “falta”, interpretando a expressão “dias consecutivos” por referência ao conceito de falta ínsito no artº 248.º do Código do Trabalho e, consequentemente, só se considerando, naqueles, os dias em que existe obrigação de trabalhar, como decidiu, com voto de vencido, a Relação, ou, então, como concluíram a 1ª instância e o referido voto de vencido, como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso. Repare-se que a redação da cláusula em questão é idêntica à do artº 251º, nºs 1 e 2, do CT: (…) Ora, e como se disse, se no domínio da interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho se deve atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, tendo em conta o sentido literal da norma, referindo-se a dias “consecutivos”, bem como a globalidade do diploma legal onde a cláusula se insere, àquela não poderá ser-lhe dado outro sentido que senão o de “dias seguidos”, precisamente, o significado literal de “dias consecutivos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”. Como adverte o voto de vencido na Relação, se de outro modo os interessados o tivessem querido, tê-lo-iam dito, como fizeram noutras normas do diploma em causa, onde até utilizaram a expressão “dias úteis consecutivos”. Basta, para o efeito, ter em atenção como são utilizadas, noutras cláusulas da CCT em causa, para diferentes situações, as expressões “dias úteis” (Cláusula 38.ª, n.º 3), “dias seguidos” (Cláusula 81.ª, n.º 2, alínea a)), “dias consecutivos” (Cláusula 82.ª) e “dias úteis consecutivos” (Cláusulas 72.ª, alínea d) e 73.ª, n.º 6) e, ainda, o que na Cláusula 68.ª se esclarece sobre o que são considerados dias úteis para efeitos de férias. É este apelo à globalidade das normas do CCT em questão que não pode deixar de se efetuar. Repare-se que na norma interpretanda, tal como acontece com o artº 251º do CT, a única coisa que se estabelece é o modo de contagem dos dias que o trabalhador pode faltar, não violando, assim, qualquer imperatividade do regime de faltas - cfr. artº 250º do mesmo diploma. Daí que, e salvo o muito e devido respeito, não se pode, como faz o acórdão recorrido, proceder a uma interpretação redutora da cláusula fazendo apelo ao conceito de “falta”, tal como definido no artº 248º do CT. Mas, além deste argumento há ainda um outro que nos parece relevante e, mais do que isso, também decisivo, e que consiste na circunstância deste diploma legal se aplicar a uma multiplicidade de relações laborais, nas quais se poderão integrar trabalhadores que exerçam a sua atividade laboral aos fins-de-semana, pelo que interpretar os dias de faltas “consecutivos” como sendo dias úteis determinaria, em nosso entender, uma franca discriminação entre trabalhadores no sentido de que os que gozassem o seu descanso aos fins-de-semana seriam beneficiados relativamente aos demais. Multiplicidade que também abrange aqueles que apenas trabalham alguns dos dias da semana, em relação aos quais também se verificaria essa injustificada desigualdade. A ser adotada a interpretação acolhida pelo acórdão recorrido de que estão em causa, na contagem dos dias de faltas por falecimento, os dias em que existe obrigação de trabalhar, chegar-se-ia a soluções absurdas, por isso mesmo inaceitáveis, e, principal e decisivamente, constituindo fator de discriminação injustificada dos trabalhadores. Basta pensar na situação em que o trabalhador apenas presta a sua atividade num dia da semana: teria direito a faltar, no caso da al. a), durante cinco semanas. O mesmo se passaria com aqueles que não prestam trabalho durante todos os dias considerados úteis- segunda a sexta-feira e no período temporal total, ou seja, trabalhadores que prestam trabalho com horário a tempo parcial, horário concentrado (de 2, 3 ou 4 dias de trabalho por semana) ou que apenas trabalham nos dias de folga ou descanso dos demais. Certamente que as partes outorgantes não desejaram tais situações de discriminação. E a interpretação que defendemos não deixa de respeitar a razão de ser deste tipo de norma: permitir ao trabalhador um certo período de tempo em que não tenha de se preocupar com as suas obrigações laborais, por forma a poder exercer os primeiros dias de luto sem aquelas preocupações, com maior disponibilidade para estar com os seus familiares próximos. (…)» 9. Não vemos razões que imponham abandonar a jurisprudência assim firmada, sendo certo que neste sentido ainda apontam duas linhas argumentativas adotadas no acórdão recorrido, no qual se escreve, a dado passo: “Trata-se de situações em que, justificadamente, se atendeu ao período de tempo globalmente julgado razoável para o trabalhador dispor por inteiro das suas forças físicas, psíquicas e emocionais para lidar com as consequências de acontecimentos importantes ou graves da sua vida pessoal, situados a montante, sendo certo que tais consequências não são maiores ou menores nos dias em que o trabalhador devesse comparecer ao trabalho ou nos dias que fossem de descanso semanal ou feriado. Acresce que, sendo esta a finalidade das normas citadas, mormente do art. 251.º em apreço, a interpretação tradicional segundo a qual a expressão “dias consecutivos” equivale a dias seguidos de calendário é a que se mostra conforme aos princípios constitucionais da igualdade e dignidade dos trabalhadores perante a lei. Com efeito, considerando os motivos que presidiram à fixação legal de determinados períodos de tempo, não só não se vislumbra justificação para diferenciação entre trabalhadores em função da intercorrência de dias de descanso ou feriados durante os mesmos, como também não se vislumbra justificação para diferenciação em função do número de dias que, dentro deles, o trabalhador esteja obrigado a comparecer ao trabalho, a ponto de na mesma empresa, por exemplo, um trabalhador de escritório a tempo integral poder faltar por óbito do cônjuge durante cerca de quatro semanas e uma trabalhadora de limpeza que trabalhe às Segundas, Quartas e Sextas poder faltar durante cerca de sete semanas.” E, por outro lado, no plano da coerência e harmonia do sistema jurídico-laboral: “Cabe, por último, evocar a situação do art. 91.º do Código do Trabalho, (…) [relativo a] faltas para prestação de provas de avaliação. (…) De acordo com esta norma, no caso de provas em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, o trabalhador-estudante pode faltar justificadamente em tantos dias imediatamente anteriores quantas as provas a prestar, aqui se incluindo os dias de descanso semanal e feriados. Assim, por exemplo, um trabalhador-estudante que tenha duas provas numa Quarta-Feira pode faltar justificadamente na Segunda-Feira e na Terça-Feira; mas se tiver duas provas numa Segunda-Feira, já não tem direito a qualquer falta justificada (no pressuposto de que trabalha de Segunda a Sexta-Feira e os Sábados e Domingos sãos os seus dias de descanso semanal). Esta norma explicita, como se vê, o que se afigura ser o sentido geral da expressão “dias consecutivos” no Código do Trabalho, mas como – convenhamos – nesta situação concreta a sua justeza e equilíbrio se podiam prestar a dúvidas, o legislador achou por bem dirimi-las de forma expressa, o mesmo não sucedendo nos restantes casos, por manifesta desnecessidade à luz duma sã interpretação assente nos elementos literal, histórico, teleológico, sistemático e atualista – e dizemos também atualista na medida em que o legislador tem introduzido alterações nas normas que se vêm referindo, designadamente aumentando significativamente alguns dos períodos de tempo previstos, o que leva a crer que parte do princípio que mantêm o sentido dado pelos demais elementos referidos, nos sobreditos termos.” 10. Por todo o conjunto de razões supra expostas, improcede, pois, o recurso. III. 11. Nestes termos, acorda-se, negando a revista, em confirmar o acórdão recorrido. Sem custas, por delas estar isento o recorrente [art. 4.º, n.º 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais]. Lisboa, 25.06.2025 Mário Belo Morgado, relator Julio Manuel Vieira Gomes José Eduardo Sapateiro _____________________________________________ 1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎ 2. Aresto publicado no Diário da República, no Boletim de Trabalho e Emprego e em www.dgsi.pt.↩︎ |