Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | RICARDO COSTA | ||
| Descritores: | AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO DOMÍNIO PÚBLICO DIREITO DE PROPRIEDADE CAMINHO PÚBLICO PRESUNÇÃO REGISTO PREDIAL NULIDADES | ||
| Data do Acordão: | 05/14/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | REVISTAS IMPROCEDENTES. | ||
| Sumário : | I. O exercício do poder-dever funcional previsto no art. 662º, 1, pode ser objecto de sindicação em revista se, exercido dentro dos poderes de reapreciação da matéria de facto, houver motivo para ser censurado por não uso ou uso deficiente ou patológico (error in procedendo) ou ilegal (error in judicando relativo à identificação, interpretação e aplicação de normas de direito probatório material); no demais, rege o princípio da irrecorribilidade ditado pelo art. 662º, 4, do CPC, que se confirma nos arts. 682º, 1 e 2, e 674º, 3, do CPC, actuando em absoluto na decisão enformada pelas regras do jogo da livre apreciação da prova sem valor “tarifado” ou “vinculado”. II. Não é uso ilegal para este efeito o «erro na apreciação das provas» e na «fixação dos factos materiais da causa», uma vez que escapa ao recurso de revista – 1.ª parte do art. 674º, 3, do CPC –, a não ser nas duas hipóteses previstas na 2.ª parte do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova. III. Sendo qualificável documento como “autêntico”, nos termos dos arts. 363º, 2, e 369º do CCiv., a respectiva força probatória é determinada pelas regras do art. 371º, 1, do CCiv: (i) plena, quanto aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e aos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade; (ii) relativa e sujeita à livre apreciação do julgador, quanto aos factos que correspondem a «juízos pessoais» dessa entidade. Daqui decorre que o documento autêntico apenas faz prova plena dos factos praticados e perpecionados pelo documentador, mas já não faz prova plena da veracidade ou validade do conteúdo das declarações emitidas pelo declarante ou outorgante, pois estas caem na livre apreciação e convicção do julgador (art. 371º, 1, 1.ª parte, a contrariis, CCiv.) – como é o caso de declaração de “director regional” de Ministério governamental, inserida em procedimento a cargo de “instituto público” (autoridade pública) quanto a facto que corresponde a vistoria técnica que não foi feita por si nem foi por si percepcionado directamente. IV. A juridicidade de bem-“caminho público” por intermédio de “afectação” factual e efectiva pelo uso público, tendo em conta o Assento n.º 7/89, interpretado restritivamente, implica que, uma vez não observada afectação tácita por força da prática de actos administrativos implícitos (para consagração de um destino público através de acção material), se verifique cumulativamente: uso directo e imediato pelo público; imemorialidade do uso; utilidade pública consistente na satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância. V. A presunção registal do art. 7º do CRPredial não estende a sua eficácia à identificação (composição e dimensões/área), limites e confrontações do prédio objecto do registo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 215/18.5T8MCN.P1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, ... Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. AA e BB, cônjuges, instauraram acção declarativa sob a forma de processo comum contra Município de Marco de Canaveses (doravante, também Município), Junta de Freguesia de Marco (doravante, também Junta de Freguesia), CC, e Incertos, representados pelo Ministério Público (devidamente citado nos termos do art. 223º, 1, do CPC), pedindo a procedência da acção e: a) Os 1.º, 2.º e 4.º Réus condenados a reconhecer que o primeiro caminho descrito na petição inicial tem natureza privada, sendo propriedade privada e plena dos aqui Autores, devendo aqueles abster-se de praticar qualquer acto que afecte este direito; b) Todos os Réus condenados a reconhecer que o segundo caminho descrito na petição inicial tem natureza privada, sendo propriedade privada e plena dos aqui Autores, devendo aqueles abster-se de praticar qualquer acto que afecte este direito. Em síntese alegaram que, sendo proprietários de dois prédios rústicos que concretamente identificaram na petição inicial, têm vindo a ser praticados actos que colocam em causa essa natureza privada no leito de um caminho aí existente, construído pelos Autores e que aos mesmos pertence – identificado como “caminho entre a Quinta da P1 e B1” (“primeiro caminho”); o mesmo sucedendo, isto é, a divergência dos Réus quanto a natureza privada de um outro caminho – identificado pelos mesmos como “caminho situado entre a B1 e B2” (“segundo caminho”). Os Autores invocam que nenhum desses caminhos é público, porque não foi planeado, nem executado, nem tão pouco custeado pelos 1.º e 2.º Réus, nem estes adquiriram por qualquer modo que seja, derivada ou originariamente, a porção de terreno em causa aos seus proprietários, aqui Autores. 2. O Réu Município do Marco de Canaveses deduziu Contestação, impugnando os factos alegados na petição inicial, pugnando pela improcedência da presente ação e pela absolvição dos pedidos contra si formulados pelos Autores. Igualmente a Ré CC apresentou Contestação, pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos contra si formulados pelos Autores. Subsidiariamente e em caso de procedência da acção contra a referida Ré, no caso de reconhecimento de que o caminho identificado nos arts. 31º a 39º da PI integra propriedade privada dos Autores, não sendo público, a Ré deduziu Reconvenção, pedindo que se declare que: a) O prédio da Ré identificado como sendo o prédio rústico denominado “P...”, sito no lugar de ..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. rústico ..55 e registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..40, beneficia de um direito de servidão de passagem a pé e por qualquer meio mecânico, que onera e incide sobre o prédio dos Autores identificado; b) Condenar-se os Autores a tal verem reconhecido e a não turbar, dificultar ou impedir o exercício da servidão, nos termos e com a extensão melhor expressos na contestação e reconvenção. 3. Os Autores apresentaram Réplica, concluindo como na petição inicial e requerendo que seja julgada inadmissível a reconvenção, ou, não sendo caso disso, que a mesma seja julgada improcedente, absolvendo-se os reconvintes dos pedidos nela formulados. 4. Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial (art. 590º, 2, b), 3 e 4, CPC), destinado a “suprirem as imprecisões (…) na exposição e concretização da matéria de facto alegada no respetivo articulado (…), ficando tal resposta sujeita às regras gerais sobre contraditoriedade e prova, atento o n.º 5 do mesmo preceito”. Os Autores apresentaram aperfeiçoamento da petição inicial; os Réus Município do Marco de Canavezes e CC apresentaram Resposta, concluindo como na Contestação. 5. Foi proferido despacho saneador, com fixação do valor da causa (€ 37.500,01), tendo sido admitida a reconvenção deduzida pela Ré CC, identificado o objecto do presente litígio1 e enunciados os temas de prova. 6. Realizada audiência final de discussão e julgamento e feita inspecção judicial ao local pertinente, o Juiz do Juízo Local Cível de Marco de Canavezes proferiu sentença com o seguinte seguinte dispositivo: “(…) decido julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolver todos os Réus dos pedidos formulados, através da presente ação, pelos Autores, AA e BB.” Mais ficou prejudicada a apreciação dos pedidos reconvencionais deduzidos a título subsidiário. 7. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que conduziu a ser proferido acórdão no qual (i) se indeferiram as nulidades arguidas, e, em sede de reapreciação da matéria de facto, (ii) se considerou provado o facto constante da al. b) dos factos não provados com nova redacção (facto provado 7-A.), rejeitou-se o aditamento pedido pelos Apelantes, aditou-se o facto provado 7-B) e modificou-se parcialmente a al. a) dos factos não provados – quanto ao “primeiro caminho” – e rejeitou-se a alteração do facto não provado hh) e do facto provado 30. – quanto ao “segundo caminho”; quanto ao mérito – “dominialidade dos caminhos” –, julgou parcialmente procedente a apelação, “revogando-se a sentença na parte em que julgou improcedente o primeiro pedido formulado pelos autos, e em consequência condenam-se os Réus a reconhecer que o primeiro caminho descrito na petição inicial, tem natureza privada e pertence aos aqui autores” e, no demais, confirmou-se a sentença nessa parte (se bem que com diferente fundamentação). 8. Inconformados, apresentaram recurso de revista para o STJ: — os Autores, visando a revogação do segmento da decisão que julgou improcedente o pedido de declaração e reivindicação de propriedade do segundo caminho; — o Réu Município do Marco de Canavezes, visando a manutenção da sentença proferida em 1.ª instância quanto ao segmento da decisão que a revogou quanto à natureza jurídica do primeiro caminho. Os Autores e a Ré CC apresentaram contra-alegações. A Senhora Juíza Desembargadora do TRP proferiu despacho de admissão de ambas as revistas. ∗ Colhidos os vistos nos termos legais, sendo regular a instância recursiva, cumpre apreciar e decidir. II) APRECIAÇÃO DOS RECURSOS E FUNDAMENTOS 1. Objecto do recurso 1. A revista dos Autores finaliza as suas alegações com Conclusões que nos balizam as seguintes questões recursivas: — nulidade processual do acórdão recorrido por violação do dever de colaboração previsto no art. 590º do CPC; — nulidade da decisão do acórdão recorrido por aplicação do art. 615º, 1, c), do CPC; — reconhecimento do direito de propriedade do “segundo caminho” (denominado como “caminho entre a B1 e B2”) a favor dos Autores, sem impedimento da “dupla conformidade decisória” prevista no art. 671º, 3, do CPC em face da fundamentação das instâncias. 2. A revista do Réu Município do Marco de Canavezes finaliza as suas alegações com Conclusões que delimitam as seguintes questões recursivas: — nulidades por aplicação do art. 615º, 1, c) e d), do CPC; — sindicação dos arts. 662º, 1, e 674º, 3, 2.ª parte, do CPC; — rejeição do direito de propriedade do “primeiro caminho” (denominado como “caminho entre a Quinta da P1 e B1”) a favor dos Autores. 2. Factualidade Após a reapreciação feita na 2.ª instância, ficou estabilizada a seguinte matéria de facto: 2.1. Factos provados 1) Os Autores AA e BB são casados no regime da comunhão de adquiridos. 2) O prédio rústico denominado Quinta da P1, composto por cultura, oliveiras, pinhal, mato, pastagem, ramada em forcado, carvalhos, eucaliptal e dependências agrícolas, situado em P1, encontra-se desse modo descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho do Marco de Canaveses sob o número ..........01, da freguesia ..., constando a área de 272590 m2 e confrontação, a norte, com DD, a nascente, com o limite da freguesia com ..., a poente e sul com EE e FF, descrição onde se mostra registada a titularidade do direito de propriedade a favor dos Autores AA e BB, no estado de casados entre si, pela inscrição AP. 5 de 03.03.1993, por compra, e inscrito na matriz sob o art. .... 3) O prédio rústico denominado B1, composto por mato, situado em ..., encontra-se desse modo descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho do Marco de Canaveses sob o número ..........10, da freguesia ..., constando a área de 20000 m2 e confrontação, a norte, com GG, a nascente, com terras da ..., a poente, com terras das Quintas deP2 e P1, a sul, com Quinta da ..., descrição onde se mostra registada a titularidade do direito de propriedade a favor dos Autores AA e BB, no estado de casados entre si, pela inscrição AP. 5 de 03.03.1993, por compra, e inscrito na matriz sob o art. .... 4) No dia 11 de fevereiro de 1993, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, através de escritura pública de “Compra e Venda”, celebrada no Cartório Notarial do Licenciado OO, declararam vender à Autora BB, casada no regime de comunhão de adquiridos com AA, além do mais, os prédios rústicos identificados em 2) e 3). 5) No dia 7 de março de 1997, PP, como procurador de QQ, RR, SS, TT, através de escritura pública de “Compra e Venda”, celebrada no Cartório Notarial do Licenciado UU, notário no Cartório Notarial de ... e ali escriturado sob o número ...-B, declarou vender à Autora BB, casada no regime de comunhão de adquiridos com AA, “o prédio rústico, denominado B2, terreno a mato, com a área de quatro mil metros quadrados, sito no lugar de ..., a confrontar do nascente com terra da ..., bem como do poente, e dos demais lados com herdeiros de VV, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 2.856$00. 6) O prédio rústico denominado B2, composto por terreno e mato, situado em ..., encontra-se desse modo descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho do Marco de Canaveses sob o número ..........11, da freguesia de ..., constando a área de 2800 m2 e confrontação, a norte, com WW, a sul, com herdeiros de VV, a nascente e poente, com terras de ..., descrição onde se mostra registada a titularidade do direito de propriedade a favor dos Autores AA e BB, no estado de casados entre si, pela inscrição AP. 10 de 10.04.1997, por compra, e inscrito na matriz sob o art. .... 7) Foi construído, em 1993, pelos Autores, um caminho de terra batida, subsidiado, incluído e integrado num projeto de financiamento de reestruturação de vinhas, projeto que o Autor apresentou ao Instituto da Vinha e do Vinho, cofinanciado pelo IFADAP. 7-A) Esse caminho foi construído nos prédios indicados nos pontos 2) e 3). (Facto considerado como provado e modificado pela Relação.) 7-B) Esse caminho foi aberto com cerca de 320 metros de comprimento (Facto aditado pela Relação.) 8) O descrito caminho facilitou o acesso às vinhas aos Autores. 9) O valor da execução do caminho foi pago pelos Autores e comparticipado pelo supra referido projeto. 10) Os Autores não colocaram no referido caminho qualquer portão em nenhum dos extremos do mesmo. 11) A passagem de pessoas através do referido caminho não prejudicava os Autores. 12) No descrito caminho passam pessoas dos aglomerados urbanos vizinhos e de outros não vizinhos, em número não concretamente determinado, as quais circulam a pé e em veículos e motociclos. 13) Os Autores colocaram uma rede metálica presa em postes de madeira, que após substituíram por ferro, o que fizeram em data concretamente não concretamente determinada. 14) No seu início, não sendo colocada vedação em parte do prédio da “B1”, que confina com o mesmo caminho, estando a mato e em diferença de altura relativamente ao caminho descrito em 7). 15) O Autor AA foi alvo de um processo de contraordenação por parte do 1.º Réu, Município de Marco de Canaveses, por ter procedido “à vedação da sua propriedade, face à via pública, com hastes metálicas, na extensão de cerca de duzentos e oitenta metros por altura médica de cerca de um metro e cinquenta centímetros, sem que para o efeito se tivesse munido de qualquer Licença ou Comunicação Prévia, sito na Rua P1, da Freguesia do Marco, desta Cidade”. 16) O Autor apresentou defesa no referido processo de contraordenação, aguardando decisão. 17) O caminho descrito em 7) não foi planeado, executado ou custeado pelo 1.º Réu, Município de Marco de Canaveses ou 2.ª Ré, Junta de Freguesia de Marco. 18) Os Autores toleraram que pessoas que vivem ou trabalham nos arredores passem pelo referido caminho descrito em 7). 19) O caminho descrito em 7) surge denominado no local como “rua P1” – com o esclarecimento de que tal denominação se encontra em placa toponímica existente no local, colocada pela 2.ª Ré, Junta de Freguesia do Marco. 20) O caminho descrito em 7) está referido e identificado em “Edital” publicado pela Câmara Municipal do Marco de Canaveses em 29.09.1999, mencionando: “Toponímia da Freguesia ...”: “Urbanização da P2 (…) Rua P1, Inicia na Avenida ... e termina na partilha com a freguesia de ... (...)”, sem que relativamente ao mesmo tivesse ocorrido qualquer oposição ou pronúncia, por parte dos Autores. 21) O caminho descrito em 7) está incluído e referido na Postura de Trânsito da respetiva freguesia, da qual resulta a respetiva sinalização de trânsito na “rua P1”, com sinais “STOP”. 22) No local, existe sinal “STOP”. 23) O caminho descrito em 7) inicia-se na Avenida ..., atualmente designada “rua ...”, e segue, em continuidade física, pela rua ..., pavimentada atualmente com paralelos, terminando numa rotunda com saída para outros arruamentos. 24) O caminho descrito em 7) é usado pelas populações locais, com frequência permanente, de forma totalmente livre e espontânea, sem qualquer oposição ou constrangimento, fosse de que natureza fosse. 25) A 2.ª Ré Junta de Freguesia do Marco procedeu ao arranjo e à reparação do piso em terra batida, bem como na vegetação adjacente do caminho referido em 7). 26) Os Autores AA e BB, por escritura de “Doação”, declararam doar a WW “o prédio urbano composto por parcela de terreno, para construção urbana, com a área de mil e duzentos metros quadrados, sito no lugar de ..., freguesia de ..., a confrontar de norte com caminho público, poente com caminho, nascente com ... e de sul com os doadores publico, a desanexar do descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, pela ficha ..., de onze de Abril de mil novecentos e noventa e sete, freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., e do inscrito na matriz sob o artigo ... rústico – do qual não foi feito qualquer outro destaque nos últimos dez anos – omisso na matriz mas com declaração apresentada para sua inscrição no dia cinco de Agosto, último” – com o esclarecimento de que tal escritura foi celebrada a 14 de setembro de 1998. 27) WW construiu na parcela de terreno indicada em 26) prédio urbano. 28) Entre o prédio identificado em 27) e o prédio rústico denominado B1, acima descrito, existe um caminho em terra e rocha desnuda. 29) Os Autores têm feito, nesse caminho, melhorias para a manutenção do mesmo. 30) O caminho descrito sob o ponto 28) desemboca, por fim, na rua ... e na rua ..., em Marco de Canaveses, que dão acesso direto à EN .... 31) WW instalou a porta principal de acesso à sua casa virada para o caminho referido em 28). 32) WW colocou a caixa de correio na rua ..., perpendicular ao caminho descrito em 28). 33) A referida rua ... tem postes públicos de iluminação, um dos quais ladeia a casa de WW. 34) O caminho descrito em 28) não tem iluminação pública. 35) Apenas uma porção do caminho descrito em 28), desde a rua ... até ao limite da casa de habitação de WW está pavimentada. 36) A rua ... sofreu tal melhoramento pela Junta de Freguesia. 37) WW pediu aos trabalhadores que levavam a cabo a operação de pavimentação da rua ... que estendessem a pavimentação à porção de caminho que está em frente à entrada principal da sua casa, no que estes prontamente acederam. 38) O prédio rústico denominado P..., composto por terra culta e inculta, situado em ..., encontra-se desse modo descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho do Marco de Canaveses sob o número ..........18, da freguesia de ..., constando confrontação, a nascente, com caminho de ferro, a poente, com XX, a norte, com YY e outros, e a sul, com ... de ..., descrição onde apenas se mostra registada a titularidade do direito de propriedade a favor de ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE e FFF, pela inscrição AP. 1 de 26.06.1983, por aquisição em inventário por morte. 39) A 3.ª Ré, CC passa pelo caminho referido em 28). 40) A 3.ª Ré, CC está emigrada em ..., permanecendo na sua residência aquando no gozo de férias e algumas semanas no ano. 41) A 3.ª Ré, CC sempre utilizou o caminho referido em 28) a pé, de carro de bois, trator e até com veículos ligeiros de carga, para cultivo e limpeza de matos, abate de árvores, para retirar lenha, e para passear ou verificar o seu imóvel. 42) A mencionada passagem da 3.ª Ré, CC nunca foi perturbada ou impedida por quem quer que fosse. 43) A 3.ª Ré acedia em qualquer dia e a qualquer hora, com a convicção de exercer o direito próprio de passagem e de não lesar direitos de terceiros. 44) Os Autores mandaram colocar um portão no topo do caminho referido em 28), a seguir à casa de habitação de WW. 45) O Autor entregou a chave do referido portão, pessoalmente, a GGG, que a aceitou. 46) O Autor enviou à 3.ª Ré, CC, e a HHH, missivas, dando conta da colocação daquele mesmo portão e da vontade de lhes entregar essa mesma chave para que pudessem, querendo, continuar a utilizar a caminho em causa. 47) HHH não levantou a carta registada enviada. 48) A 3.ª Ré, CC nunca quis aceitar a chave do referido portão, nem mesmo quando a mesma foi para o efeito depositada em escritório de um advogado no Marco de Canaveses, tendo esta, pelo contrário, reagido por escrito enviando carta na qual alega a publicidade do referido caminho. 49) Porém, desde a instalação do referido portão, o mesmo foi sempre alvo de estroncamento e, por diversas vezes, foi a fechadura do mesmo danificada. 50) Em agosto de 2017, o referido portão chegou mesmo a ser arrancado do referido local tendo desparecido, desconhecendo, os Autores, o paradeiro do mesmo. 51) Contra o Autor AA foi movido pelo 1.º Réu, Município do Marco de Canaveses, processo de contraordenação por “Colocação de um Portão em ferro, num caminho de servidão, face à via pública, sem que para o efeito se tivesse munido de qualquer Licença ou Comunicação Prévia, sita na Rua ..., da Freguesia do Marco, desta Cidade”. 52) O Autor exerceu o seu direito de defesa no aludido processo de contraordenação, aguardando decisão. 53) Além da 3.ª Ré, CC, algumas pessoas de identidade concretamente não determinada passam no caminho descrito em 28) quando lhes apraz, sem pedir autorização e, por isso, se têm vindo a opor. 54) Os Autores executaram obras em parte do leito do caminho, para lá do local onde o portão esteve colocado. 55) O caminho descrito sob o ponto 28) aparece na carta militar de 1978. 56) Não existe qualquer fontenário nas proximidades do caminho, o qual, a existir, não tem hoje em dia qualquer função ou utilidade. 57) Os Autores já não estão dispostos a tolerar que as pessoas continuem a passar no caminho descrito sob o ponto 28). 2.2. Factos não provados a) O caminho descrito em 7) foi construído com cerca de 2,5 m. de largura. (Facto modificado pela Relação.) b) (Eliminado pela Relação.) c) O caminho descrito em 7) confronta com terrenos da P1, na sua parte inicial, para depois, na direção da rua ..., atravessar os terrenos da B1. d) Em finais de 2016 e início de 2017, os Autores fizeram investimentos na plantação de parcelas de vinha de um lado e de outro desse caminho, tanto em terrenos do prédio da “P1”, como em terrenos do prédio da “B1”, fazendo-o em patamares de cerca de 3 metros de largura e separados entre eles por taludes. e) Com o descrito em 10), os Autores pretenderam integrar-se na comunidade rural. f) O caminho descrito em 7) tem vindo a ser utilizado como atalho, incluindo aos fins de semana e feriados. g) No caminho descrito em 7), passam praticantes de motocrosse, fazendo corridas, sobretudo aos fins de semana e feriados. h) Os praticantes de motocrosse invadiram os patamares cultivados da “P1” e da “B1”, danificando plantação de árvores de diferentes espécies folhosas. i) A atuação descrita em 13) foi realizada pelos Autores nos seus prédios. j) Os praticantes de motocrosse, frequentadores do caminho, passaram a utilizar a nova área de vinha como pista de provas, danificando taludes e patamares (recentemente construídos e, por isso, com as terras ainda não consolidadas em pleno inverno), prejudicando os objetivos do investimento feito na plantação porque vulnerabilizando seriamente a resistência dos taludes à ação erosiva das águas das chuvas, ficando, assim, os mesmos expostos a derrocadas. k) O descrito em 15) ocorreu em 2017, mercê da renovação da vedação pelo Autor. l) O 1.º Réu Município do Marco da Canaveses nunca se tinha preocupado com a colocação da rede assente em postes de madeira nos mesmos precisos lugares em momento anterior ao descrito em 15). m) As pessoas referidas em 18) não carecem de passar pelo caminho referido em 7). n) As pessoas referidas em 18) dispõem de vias de circulação alternativas pavimentadas pela autarquia com pisos de qualidade superior. o) As pessoas referidas em 18) usam o caminho descrito em 7) como um “atalho” para atravessar de modo mais curto e mais rapidamente os percursos que utilizam para chegarem a suas casas e aos seus empregos. p) A utilização do caminho descrito em 7) ocorre desde tempos imemoriais. q) O prédio urbano referido em 27) foi construído com a área coberta de 160 m2 e descoberta de 1040 m2. r) O caminho descrito em 28), ao longo de toda a sua extensão, atravessa os prédios dos Autores e de outros, embora no seu início – junto à rua ... – só o faça através dos prédios dos Autores. s) Na parte inicial em cerca de 70 metros, o caminho referido em 28) tem, de um lado, o prédio denominado B1 e, do outro, a B2, mas nos seus restantes cerca de 130 metros, o mesmo atravessa a B2 que está, assim, de um e outro lado do mesmo caminho. t) A partir deste último extremo, o caminho interna-se pelos eucaliptais fora. u) A pavimentação referida em 35) a 37) ocorreu há cerca de ano e meio. v) Apenas 3 pessoas passam pelo caminho referido em 28) para mais rápida e comodamente chegarem aos seus prédios. w) Outras pessoas aproveitam o caminho referido em 28) para subtraírem lenha no eucaliptal ou para fazerem motocrosse. x) Os Autores AA e BB nunca se opuseram ao descrito em 39). y) Sobretudo aos fins de semana e feriados, os Autores verificaram que praticantes de motocrosse utilizavam os taludes das suas vinhas, implantadas entre finais de 2016 e princípios de 2017, como “pista de provas”. z) O descrito em y) enfraqueceu a sustentabilidade face à erosão das águas das chuvas e ameaçou, com isso, a derrocada dos taludes. aa) O leito da porção de caminho que confronta com a entrada principal da casa de WW é apenas usado por tolerância dos Autores, por cerca de uma pessoa em média, por dia. bb) Só mesmo os praticantes de motocrosse o utilizam e, ainda, os que se dedicam à subtração de lenha que não lhes pertence. cc) A 3.ª Ré CC e as outras duas pessoas que ali têm eucaliptais e pinhais não usam o caminho referido em 28), porque os seus prédios estão abandonados, que aquelas não exploram. dd) A 3.ª Ré CC utilizou o caminho referido em 28) para a plantação de árvores. ee) O leito do caminho descrito em 28) coincide com os limites dos prédios dos Autores. ff) O caminho descrito em 28) apenas é transitável na parte onde os Autores executaram obras. gg) Os Autores deslocaram o traçado do caminho referido em 28), alargando-o e regularizando-lhe o leito. hh) Antes do momento temporal descrito em 55), o caminho descrito em 28) não aparece. ii) O caminho descrito em 28) tem a largura média de 5 metros e cerca de 800 metros de comprimento. 3. Fundamentação 3.1. Nulidades do acórdão recorrido 3.1.1. Os Autores Recorrentes começam por arguir a nulidade do acórdão recorrido, com fundamento na omissão da prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento em relação a factos essenciais para a procedência da acção, uma vez que, segundo alegam, a Relação veio a julgar improcedente o segundo pedido com fundamento na falta de alegação de factos tendentes à aquisição da posse do alegado caminho privado. Concluíram: “I – Se correspondesse à realidade do processo que os aqui recorrentes não tinham alegado que o caminho em causa lhes pertencia, nem o modo como o tinham adquirido, então ou a petição teria sido inepta – o que não foi – ou então o Tribunal de primeira instância e, concomitantemente, o Tribunal a quo da Relação perante a alegada insuficiência material de factos para a procedência da ação teria tido por obrigação convidar ao aperfeiçoamento dos mesmos. II – Não o tendo feito, não pode sem permitir tal aperfeiçoamento declarar a improcedência do pedido baseado na ausência de tais factos por violação do dever contido no 590º do CPC.” Em rigor, movemo-nos no domínio do disposto pelo art. 195º, 1, do CPC – nulidades processuais secundárias, atípicas ou inominadas –, relativa à alegada omissão de um acto ou formalidade prescrita pela lei, com influência no exame ou decisão da causa. A questão invocada não respeita directamente ao conteúdo do acórdão recorrido, mas antes à omissão, a montante e em sede de 1.ª instância, de prolação do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial nos termos do art. 590º, 2, b), 4 e 5, do CPC. De tal forma que o tribunal recorrido não poderia negar procedência à acção tendo como fundamento a ausência de demonstração dos factos essenciais de que o “segundo caminho” fosse propriedade dos Autores. A eventual omissão de tal acto consubstancia, por isso, uma nulidade processual sem que se ordenasse esse aperfeiçamento conducente à integração dos factos em falta. Porém, em rigor, estamos perante uma situação que deve ser absorvida no regime das nulidades decisórias do art. 615º, 1, do CPC, uma vez que, materialmente, vêm os Recorrentes arguir uma decisão surpresa por parte do acórdão recorrido, que não poderia ser proferido como foi no seu conteúdo sem que fosse realizado o convite para suprimento das insuficiências e/ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada quanto à aquisição da propriedade do “segundo caminho” reinvindicado pelos Autores, ficando depois sujeitos tais factos objecto de «esclarecimento, aditamento ou correção» ao princípio do contraditório. De tal forma que a nulidade invocada deve ser aqui absorvida e consumida como nulidade de decisão ou julgamento, enquanto “excesso de pronúncia” pela falta do despacho próprio e contraditório subsequente na tramitação processual inerente à aquisição dos factos alegados para a decisão e sua repercussão no acórdão recorrido por ofensa ao princípio da proibição de decisões surpresa, sem, no caso, a prolação do despacho processualmente pertinente e pronúncia das partes, de acordo com o art. 3º, 3, do CPC, sancionada nos termos do art. 615º, 1, d), 2ª parte, CPC, como ilícita ou pronúncia indevida sobre questão sobre a qual, sem convite e audição das partes, não se poderia pronunciar. Nesta configuração, entende-se que aqui pode e deve ser conhecida e apreciada essa nulidade com competência funcional própria pelo tribunal de recurso, como vício autónomo e próprio à luz do catálogo do art. 615º, 1, do CPC, ao invés (e independentemente) de ser reclamada no tribunal recorrido, onde a alegada nulidade teria sido cometida, como deveria ser se apenas fosse vista como nulidade processual.2 Conhecendo e apreciando. Perscrutado o acórdão recorrido, verifica-se que, no que toca ao aludido “segundo caminho”, se demarca a seguinte fundamentação conclusiva: “(…) na presente ação declarativa de apreciação positiva, incumbia aos [autores] demonstrar a titularidade do caminho em causa como privado e ainda que o mesmo lhes pertence. Ora, não tendo o autor comprovado essa aquisição, seja por via originária alegando os elementos da usucapião, ou por via derivada, através da celebração de um qualquer negócio jurídico aquisitivo, não ficaram no entender da Relação provados factos suficientes que demonstrem a posse sobre o alegado “caminho privado” ou a respetiva propriedade. A presunção derivada do registo não abarca os limites e confrontações dos prédios, pelo que ficou por provar o elemento constitutivo da ação que era a natureza privada – do autor ou de outrem – do identificado caminho.” Do excerto transcrito resulta exuberantemente que a improcedência do pedido aqui em causa decorreu da falta de prova da aquisição do caminho por parte dos Autores, em aplicação do princípio geral relativo ao ónus de alegação e prova do art. 342º, 1, do CCiv., e não de uma pretensa deficiência do articulado inicial susceptível de correcção e suprimento. Seja como for, consultados os autos, regista-se que o tribunal de 1.ª instância, após Réplica, proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo dos n.os 2, b), 3 e 4 do art. 590º do CPC, nos termos do qual foram os Autores convidados a suprirem imprecisões factuais, que o Tribunal identificou nos seguintes termos (com sublinhado nosso): “(…) no caso dos autos e nesta fase processual, os autores, em termos de ónus de alegação, não podem apenas recorrer à denominada presunção registral, na medida em que esta, como vimos, não estende a sua eficácia, digamos assim, às dimensões, confrontações, áreas e configuração do imóvel registado, sendo pois necessário alegar de forma concretizada os factos a partir dos quais, a final, se possa retirar o efeito jurídico que é aqui pretendido, ou seja, o reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre as concretas faixas de terreno que se traduzem nos ditos caminhos relativamente aos quais aqueles alegam tratar-se de propriedade privada. Ou seja, têm os autores de alegar os factos concretos atinentes à aquisição derivada e/ou originária (posse traduzida em usucapião) do direito de propriedade sobre os identificados imóveis, incluindo as faixas de terreno nas quais estarão alegadamente implantados os indicados caminhos. Dito ainda de outro modo, não podem limitar a sua alegação à denominada presunção registral, dadas as limitações supra apontadas. Tal justifica um convite ao aperfeiçoamento do articulado da petição inicial, visando precisamente a concretização dessa alegação genérica e conclusiva no que toca ao facto de os autores serem titulares do direito de propriedade sobre os sobreditos imóveis e caminhos alegadamente nele implantados.” (cfr. supra, ponto 4. do Relatório). Na sequência deste despacho, claro e explicativo, vieram os Autores apresentar petição inicial aperfeiçoada, alegando os factos atinentes à aquisição do direito de propriedade sobre os prédios rústicos, pertinentes para a localização e situação dos caminhos em discussão nos autos, factualidade essa que foi, de resto, dada como provada. É certo que, na sequência do convite ao aperfeiçoamento, no que respeita ao “segundo caminho”, os Autores se limitaram a alegar os factos tendentes à aquisição da propriedade dos dois prédios rústicos por onde passa a referida faixa de terreno, nada alegando, por conseguinte, quanto à aquisição derivada ou originária, designadamente alegando elementos da usucapião, desse mesmo caminho. Sucede que, perante esta insuficiência factual, não era exigível ao Tribunal que renovasse o convite de aperfeiçoamento anteriormente feito, sendo que, de acordo com o princípio da autorresponsabilidade das partes, a negligência ou inépcia das partes deve redundar inevitavelmente em prejuízo delas, não podendo ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz numa espécie de “segunda oportunidade”3. Mais: não era sequer exigível ao Tribunal a adopção de conduta proactiva no sentido de levar a parte a alegar factos essenciais à procedência da causa, pois que, quando se trate de omissão de tais factos, não deve haver lugar a despacho de aperfeiçoamento4. Em suma: nem poderia o tribunal aqui recorrido ordenar o que já havia sido feito, nem, por consequência, peca o acórdão recorrido por concluir como concluiu para a sua decisão, pois esta não consubstancia qualquer surpresa por não haver qualquer omissão que pudesse influenciar essa decisão. Improcede, pois, qualquer nulidade por excesso de pronúncia nesta perspectiva, falecendo as correspondentes Conclusões I. e II. da revista dos Autores. 3.1.2. Os Autores alegam ainda a nulidade fundada em oposição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que o acórdão recorrido teria incorrido em contradição quando decidiu a questão de direito em sentido oposto ao resultante da matéria de facto provada. Dispõe o artigo 615º, 1, al. c), do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão – isto é, se surpreenda uma fundamentação que aponta num sentido (oposto ou diverso) que contradiz formalmente o resultado final plasmado no segmento decisório – ou ocorra alguma ambiguidade – por ter motivação ou posição que se presta a interepretações diferentes – ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – por ter um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa ao fio condutor do raciocíonio seguido até ao resultado decisório. Ora. O que os Recorrentes invocam é a valoração incorrecta da matéria de facto provada aquando da sua subsunção ao direito aplicável, traduzida numa alegada contradição entre os factos provados e os fundamentos de direito para alcançar a conclusão de que a faixa de terreno correspondente ao “segundo caminho” não lhes pertence e que os factos provados não permitem asseverar a respectiva natureza pública do caminho. Assim sendo, tal configura eventual “erro de julgamento”, que não se integra nem se reconduz à nulidade invocada, susceptível de integrar a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC5 – improcede, pois, a Conclusão VII. da revista. 3.1.3. Por seu turno, o outro Recorrente, Município de Marco de Canavezes, veio arguir nulidade com base também na mesma alínea c) do art. 615º, 1, do CPC, focando-se na contradição, ininteligibilidade e ambiguidade, considerando os fundamentos jurídicos invocados no acórdão para afastar a natureza privada do “segundo caminho” e os que invoca a propósito da (não) dominialidade do “primeiro caminho”. Alega, para tanto, que o acórdão acolhe o entendimento firmado na primeira instância relativamente ao “segundo caminho”, quando aí se refere: “A presunção derivada do registo não abarca os limites e confrontações dos prédios, pelo que ficou por provar o elemento constitutivo da ação que era a natureza privada – do autor ou de outrem – do identificado caminho.” O que, na perspetiva do Recorrente, “é manifestamente contraditório com o que o próprio Acórdão recorrido invocou a respeito do “primeiro caminho” aqui em causa”. Porém. Vista a argumentação expendida no acórdão recorrido para fundamentar a natureza privada do “primeiro caminho”, em contraposição com a justificação apresentada para afastar a prova da titularidade privada do “segundo caminho”, logo se vê que nenhuma razão assiste ao Recorrente. No que respeita ao “primeiro caminho”, o acórdão recorrido chega à conclusão alcançada de que se trata de um caminho da propriedade dos Autores, socorrendo-se de dois factos essenciais: o de o caminho ter sido comprovadamente construído pelos Autores e de o mesmo se situar nos prédios de que são proprietários. Diferentemente, quanto ao “segundo caminho”, o acórdão recorrido considerou não ter sido feita a prova da aquisição da posse ou da propriedade do caminho, que se situa numa faixa de terreno adjacente aos prédios dos Autores (e não já no interior dos prédios de que os Autores são proprietários) e, por outro lado, rejeita a natureza pública de tal domínio de acordo com os mesmos critérios para afectação que utiliza para o “primeiro caminho”. Compreende-se, assim, como lógica, coerente, plausível e alcançável que a fundamentação num e noutro caso tenha percorrido raciocínio diverso e que a presunção do registo predial, funcionando no caso do “primeiro caminho”, que se mostra construído no prédio dos Autores, não se aplique ao “segundo caminho”, que se mostra implantado, não no prédio dos Autores, mas em terreno adjacente. E, ademais, compreende-se como lógica e coerente a aplicação dos critérios de dominialidade por afectação pelo uso do público em ambos os caminhos. De resto, o acórdão recorrido fundamenta, de forma cuidada e estrututurada, quer a alteração da matéria de facto, quer a aplicação do direito, não subsistindo qualquer contradição de fundamentos ou ambiguidade-inintegibilidade invocadas. Não se verifica, assim, a nulidade apontada, soçobrando, também para o art. 615º, 1, c), do CPC, as Conclusões 65. a 67. da revista do Recorrente Município. 3.1.4. O Réu e Recorrente Município de Marco de Canavezes atacou ainda o acórdão recorrido por estar ferido por “omissão de pronúncia”, na medida em que do seu texto não consta qualquer referência às questões levantadas nas contra-alegações apresentadas ao recurso de apelação. Não tem razão, vista a censura que a falta de exercício do dever de pronúncia – art. 608º, 2, do CPC – traduz na al. d) do art. 615º, 1, do CPC. Na verdade, tratando-se de um recurso de apelação, o tribunal “ad quem” apenas tem que se pronunciar sobre as questões suscitadas pelo recorrente, delimitadas estas pelas respetivas conclusões, nos termos dos arts. 635º, 2 a 4, e 639º, 1 e 2, do CPC. E tais questões, sendo objecto de reapreciação, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes cingindo-se às pretensões deduzidas em sede recursiva em face do objecto do processo (delimitado pelo pedido e causa de pedir) – o que naturalmente abrange as argumentações do recorrido apresentadas nas contra-alegações tendentes a afastar a bondade do recurso apresentado nas questões delimitadas pelo recorrente. De todo o modo. É certo que, compulsados os autos, o requerimento e as contra-alegações do Recorrido Apelado foram apresentadas em prazo (art. 638º, 1, 5 e 7, CPC) – 22/5/2023 –, mas em momento posterior ao da prolação do despacho de admissão do recurso em 1.ª instância – 18/5/2023. É certo que não consta do Relatório do acórdão recorrido qualquer referência a tal peça recursiva, como se fez para as contra-alegações da outra Ré. O também certo é que o acórdão recorrido delimitou as questões a dirimir em função das conclusões dos Autores Apelantes, a saber: “- nulidade da sentença; - modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação; - ocorrência de erro de julgamento quanto à questão da dominialidade dos caminhos”. E não tinha que julgar qualquer outra. Só o teria que fazer se, em contra-alegações, o Recorrido tivesse requerido a ampliação do objecto do recurso, enquanto parte vencedora, prevenindo a necessidade de apreciação de outras questões-fundamentos nos segmentos em que, vencedor em 1.ª instância, poderia sair a perder no recurso (como veio a acontecer em parte), de acordo com o art. 636º, 1, do CPC (em especial os fundamentos invocados para sustentar a sua defesa como Réu e que tivessem sido resolvidos a seu desfavor) – «fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação»6. Porém, vistas essas contra-alegações, não consta tal ampliação recursiva com que o Recorrente pretende atacar por omissão de pronúncia o acórdão recorrido – basta-se o então Apelado em rebater as questões enunciadas pelos Autores Recorrentes e pugnar pelo acerto, factual e na subsunção jurídica, da sentença de 1.ª instância recorrida no que respeita à discussão da propriedade sobre as “faixas”-caminhos discutidos nos atuos. E – já agora – nem sequer o Recorrente alega agora em revista qual ou quais as questões que foram deixadas de fora do objecto recursivo e não podiam deixar de ser apreciadas. Por outro lado, a “omissão de pronúncia” não visa censurar a falta de referência a peças constantes da instância recursiva pelas decisões atingidas, antes visa pôr a nu a falta de apreciação de “questões” submetidas pelas partes. Assim sendo, não se pode de todo concluir pela existência de uma omissão de pronúncia conducente ao vício da nulidade prevista no art. 615º, 1, d), do CPC – falecem, pois, as respectivas Conclusões 1. a 3. 3.1.5. O mesmo Recorrente Município deixou ainda um derradeiro vício para ser apreciado nas susa Conclusões: as als. c) e d), esta enquanto “excesso de pronúncia”, do art. 615º, 1, do CPC. Em causa a falta de fundamentação factual para imputar aos actos do Município e da Junta de Freguesia uma “apropriação não consentida” e, uma vez não tolerada pela ordem jurídica, violadora do art. 1305º do CCiv. No entanto, tal conclusão resulta da análise dos factos tidos por relevantes pelo acórdão recorrido e trata-se de uma conclusão jurídica à luz da liberdade oficiosa de enquadramento e julgamento proporcionada pelo art. 5º, 3, do CPC quanto à qualificação jurídica que se julgue adequada. Pode ser uma apreciação indevida e errada quanto à subsunção dos factos ao regime jurídico aplicável e, constituir, na perspectiva do Recorrente, uma fundamentação que merece critíca de julgamento, mas não é de todo susceptível de nela se ver causa de ferimento da decisão final por oposição entre os fundamentos e a decisão e de pronúncia excessiva. Caem por terra as respectivas Conclusões 77. a 81. 3.2. Sindicação do art. 662º do CPC (revista do Réu Município) 3.2.1. O Recorrente Município de Marco de Canavezes insurge-se contra a alteração da decisão da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação, invocando a violação do art. 662º, 1, do CPC, a propósito dos pontos 7-A) e 7-B) aditados à matéria de facto provada e das alíneas a) e b) dos factos não provados. Apresentou as seguintes Conclusões: “4. (…) o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto dada como provada essencialmente alegando existir erro de julgamento, por considerar que existia nos autos um documento com força probatória plena, que atestava a construção do “primeiro caminho” em prédios propriedade dos Autores, muito embora tenha referido que a prova testemunhal corroborava acessoriamente tal conclusão. 5. A alteração da matéria de facto feita pela Relação fundou-se, assim, numa alegada declaração do Diretor Regional da Agricultura no sentido de que teria sido construído o “primeiro caminho” em prédios propriedade dos Autores, que considerou ter “a natureza de documento autêntico, nos termos do art. 369º do C.Civil, cuja força probatória material e modo de ilisão se encontram regulados nos arts. 371º e 372º do mesmo código.” 6. Sucede que tal declaração não só não existe, na medida em que refere que foi efetuada vistoria aos prédios rústicos “(…) concluindo-se pela sua regular/irregular execução” – ou seja, nada atesta; 7. Como também é fundada num parecer técnico praticamente ininteligível, conforme se verifica da certidão junta (fls. 20 do documento junto pelos Autores em 15.06.2021, ref citius 7173241), que em lado algum atesta que se refere ao caminho em causa nos presentes autos. 8. Ou seja, não só não identifica o prédio ou o caminho ao qual se está a referir, como não certifica sequer que os trabalhos foram regularmente executados… e tal tanto é assim, que nem os Autores deram importância a tal (suposta) declaração no decurso do processo, e nas alegações produzidas, em que nem sequer a referem. 9. Pelo que se impõe que o Supremo Tribunal possa sindicar a alteração da matéria de facto em causa, determinada pelo Tribunal da Relação com base num documento que considera fazer prova plena, o que não sucede, e reverter a alteração da matéria de facto fixada em 1ª Instância, o que se impõe. 10. Na verdade, esse “primeiro caminho” é identificado pelos Autores na petição inicial como “caminho entre a Quinta P1 e a B1” mas que corresponde, verdadeiramente, à denominada e identificada Rua P1. 11. No âmbito deste “primeiro caminho”, a sentença da primeira instância, no que para já importa ao presente recurso, julgou provado o seguinte facto: “7) Foi construído, em 1993, pelos Autores, um caminho de terra batida, subsidiado, incluído e integrado num projeto de financiamento de reestruturação de vinhas, projeto que o Autor apresentou ao Instituto da Vinha e do Vinho, cofinanciado pelo IFADAP. 12. E julgou não provado, entre o mais, o seguinte: “a) O caminho descrito em 7) foi construído com cerca de 2,5 m. de largura e 394 m. de comprimento; b) O caminho descrito em 7) foi construído nos prédios indicados nos pontos 2) a 4)”. 13.Esta conjugação de factos provados e não provados, constituiu a base nuclear da sentença da primeira instância no que diz respeito à improcedência da ação, relativamente ao referido “primeiro caminho”, ao que naturalmente acresceu tudo o mais que veio a ser considerado na decisão em causa. 14. O Acórdão agora recorrido, em consequência da reapreciação da matéria de facto que efetuou, veio a julgar provado o facto constante da alínea b) dos factos não provados pela primeira instância, o qual passou a ter a seguinte redação: “7-A – Esse caminho foi construído nos prédios indicados nos pontos 2) e 3)”. 15. E também aditou aos factos provados o seguinte facto: “7-B – Esse caminho foi aberto com cerca de 320 metros de comprimento”. 16. Tendo ainda alterado a redação da alínea a) dos factos não provados, a qual passou a ser a seguinte: “a) O caminho descrito em 7) foi construído com cerca de 2,5 m de largura”. 17. Tendo sido também suprimida, em conformidade, a alínea b) dos factos não provados pela primeira instância. 18. A convicção formada pelo Acórdão recorrido a este respeito, assenta, reitera-se, na seguinte apreciação (vide p. 41 do Acórdão recorrido): “E a nosso ver, as razões da ocorrência de tal erro prendem-se com o facto de não ter sido devidamente avaliado o meio de prova documental constituído pelo processo de financiamento que correu termo junto do Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (a seguir IFADAP) que foi depois complementado com os testemunhos das pessoas que tiveram intervenção direta nesse processo”. 19. Para depois, na sequência do texto, o Acórdão recorrido considerar decisiva a documentação do processo do IFADAP para a alteração da matéria de facto que veio a determinar (vide, concretamente, p. 41 a 45), tendo mesmo concluído que (vide p. 45): “Decorre assim do teor destes documentos que, no âmbito do projeto do IFADAP, os Autores procederam à abertura de um “novo” caminho nos seus terrenos, terrenos esses onde implantaram vinhas, beneficiando do financiamento ao investimento feito por aquele Fundo”. 20. Sucede que, na perspetiva do aqui Recorrente, o Acórdão recorrido incorre em erro manifesto de julgamento quanto à apreciação e valoração da prova documental em causa, mais concretamente da força probatória de um determinado meio de prova. 21. É que não está em causa na ação a abertura de um caminho; o que está em causa é aquele caminho em concreto. 22. Ora, salvo melhor opinião, quanto àquele caminho em concreto, a documentação do IFADAP invocada pelo Acórdão recorrido, efetivamente, nada comprova. 23. Aliás, tal documentação, refere e diz respeito à abertura de “320 m de novos caminhos” (no plural), como aliás é citado na p. 43 do Acórdão recorrido; no processo do IFADAP, não está em causa um caminho, estão em causa vários caminhos. 24. O que, em boa verdade, é o que também resulta da sentença da primeira instância quando esta, na súmula relativa à inspeção judicial ao local que foi realizada, refere (vide p. 20 da mesma): “São também percetíveis na mencionada «fotografia n.º 1» as circunstâncias descritas em 13) e 14), assim como a existência de caminhos entre as vinhas que partem ou desembocam no aludido traçado do caminho, no sentido descrito em 8), evidenciando o interesse dos Autores na existência e na manutenção do aludido caminho”. 25. Por outro lado e no essencial, verifica-se que da documentação do IFADAP não consta qualquer implantação de qualquer caminho. 26. Pelo que não é possível considerar-se, como faz o Acórdão recorrido, que tal prova documental se refere ao “primeiro caminho” que está em causa na ação; muito menos é possível concluir, como faz o Acórdão recorrido, que tal prova documental demonstra que o “primeiro caminho” foi aberto “nos seus terrenos” (p. 44 do Acórdão recorrido, referindo-se aos Autores). 27. Por outro lado, o Acórdão recorrido também suporta a sua mesma convicção na reapreciação dos depoimentos das testemunhas III, JJJ, KKK e LLL (p. 45 a 47 do Acórdão recorrido), mas apenas valorizando tais depoimentos de forma complementar ao documento acima referido e invocado pelo Acórdão recorrido. 28. Ou seja, o meio de prova essencial e nuclear em que o Tribunal da Relação se baseia para alterar a matéria de facto é, inequivocamente, o referido documento do IFADAP. 29. Invocando, no entanto, acessoriamente, determinados depoimentos testemunhais que, pelo que consta do Acórdão recorrido, repete-se, são meramente complementares da prova documental e não têm a virtualidade, por si só, de alterar a resposta à matéria de facto. 30. Pelo que, caindo por terra a força probatória plena do documento em que a Relação se baseia para alterar a resposta à matéria de facto, deve anular-se tal alteração efetuada. 31. Sem prescindir disso, sempre se dirá que tais depoimentos são, além do mais, manifestamente vagos e inconsistentes para o que aqui está em causa, conforme ficou referido nas presentes alegações, sendo também contraditórios entre si. 32. Ou seja, o que resulta dos depoimentos das testemunhas invocadas pelo Acórdão recorrido são discrepâncias patentes, as quais, em sede de apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, “não se lograram ultrapassar sem margem para dúvidas” (p. 22 de sentença da primeira instância). 33. Mas para além disso, nada resulta de tais depoimentos quanto à situação e referência concreta ao “primeiro caminho” que está em causa. 34. E, no essencial, nada resulta de tais depoimentos no sentido de comprovarem que o “primeiro caminho” está implantado em terrenos que são propriedade dos Autores, o que foi decido pelo Tribunal de 1ª Instância, em melhores condições de apreciação da prova para formar a sua livre convicção. 35. No quadro probatório acabado de considerar, é forçoso concluir que não ocorreu qualquer erro de julgamento manifesto por parte do tribunal de primeira instância. 36. E que não se verifica, de todo, uma circunstância em que se imponha decisão diversa da primeira instância no que diz à matéria de facto em causa (conforme dispõe o artigo 662º, n.º 1, do CPC). 37. Ora, como acima se invocou e detalhou, nem a prova documental, nem a prova testemunhal consideradas pelo Acórdão recorrido para promover a alteração da matéria de facto, justificam ou fundamentam decisão diversa da primeira instância, muito menos a impõem. 38. Pelo que ocorre violação do disposto da referida norma do artigo 662º, n.º 1, do CPC. 39. O que se entende ser verdade, desde logo, para o novo facto provado sob o número 7-A, mas também para o novo facto provado sob o número 7-B, sendo neste caso ainda patente que nada sustenta ou permite, muito menos impõe a conclusão dos 320 metros de comprimento relativamente ao “primeiro caminho”, atenta até a circunstância de tal conclusão ser contraditória com a dos próprios Autores, que no artigo 5º da petição inicial invocam, concretamente para este “primeiro caminho”, 394 metros de comprimento. 40.Alegação esta que, por sua vez, também é contraditória com a conclusão inequívoca que o Acórdão recorrido entende ser de tirar da referida documentação do IFADAP. 41.Não existe, na prova documental e testemunhal considerada e invocada pelo Acórdão recorrido, nada que imponha decisão diversa quanto à matéria de facto concluída pela sentença da primeira instância, reitera-se que o Acórdão recorrido, na alteração que promoveu de tal matéria de facto, violou o disposto no artigo 662º, n.º 1, do CPC e, bem assim, o princípio da livre apreciação da prova.” Conclui o Recorrente que a decisão da 2.ª instância, ao alterar os factos nos termos em que o fez, violou o direito probatório material, concretamente ao atribuir força probatória plena a um documento que a não tem e ao extrair, daí, erradamente, a prova de factos que o aludido meio probatório não suporta. Ou seja, invoca a 2.ª parte do art. 674º, 3, e do art. 682º, 2, do CPC para ter ganho de causa nesta sede. Quid juris? 3.2.2. Aproximando-nos do texto do acórdão recorrido, temos que, no âmbito da reapreciação da decisão sobre a impugnação da matéria de facto, o mesmo dá como provado o facto agora descrito em 7-A) (que antes havia sido dado como não provado na alínea b) dos factos não provados, que se elimina em coerência), com a seguinte redacção (modificada): “7-A) Esse caminho foi construído nos prédios indicados nos pontos 2) e 3).” O acórdão recorrido fundamenta esta alteração da matéria de facto nos seguintes termos: “Mostram-se juntos aos autos, documentos referentes ao processo de investimento que correu junto do IFADAP (Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas), no “Programa Operacional de Reestruturação da Vinha” com o nº ...........3 a que os recorrentes se candidataram para restruturação da vinha, naqueles dois prédios rústicos, candidatura que foi aprovada, tendo aquele instituto financiado parcialmente a obra, com fundos públicos. Isto posto, com relevância para a questão a decidir, resulta daquela documentação, o seguinte: Na memória descritiva, junta àquele processo, consta que os proponentes se propuseram fazer o seguinte: “(…) Irá igualmente fazer um caminho (palavra impercetível, mas que poderá ser “novo”) de acesso à vinha com a distância de 320 metros”. Por sua vez, no parecer Técnico junto a fls. 262 do processo em papel, pode ler-se o seguinte: (…) A plantação será efetuada no prédio rústico “quinta P1 (art. 95º, com a área de 27.3750 ha) ocupando a área de 2.5875 ha)” (…) Para a presente reestruturação são necessários trabalhos de proteção do solo contra a erosão em 2.5875 ha, drenagem de 1.000 ha e abrir 320 m de novos caminhos.” No documento de fls. 260, assinado pelo diretor regional da Agricultura/chefe da zona agrária, datado de 21.09.1993, certifica-se a realização dos trabalhos, podendo ler-se no ponto 1.2, o seguinte. Preparação do terreno (inclui ações de acompanhamento): “(…) Efetuaram a abertura de caminho novo na distância de 320 metros (…)” (sublinhados nossos). Também na autorização de pagamento (documento de fls. 252) existe a indicação da verba “caminhos – novos” – e a importância comparticipada a esse título. Da documentação do IFADAP junta aos autos, não é feita qualquer menção a eventual “reconstrução” dalgum caminho existente no local, referindo-se sempre à abertura dum “caminho novo”. Em lado algum da documentação do IFADAP se faz menção a qualquer “reconstrução” de caminho, mas sim à construção de um a “caminho novo”. Da mesma forma, nenhuma referência é feita naquela documentação, no sentido que o projeto integrasse a execução de quaisquer trabalhos a serem realizados noutro local, que não os prédios dos autores, indicados no projeto. Do exposto resulta que, o que foi previsto e efetuado, foi a abertura de um novo caminho novo naqueles prédios dos autores. O adjetivo “novo” usado no processo de financiamento apenas poderá significar a criação de um caminho que antes inexistia. Daí a novidade do mesmo. Isto posto, a execução do caminho mostra-se devidamente certificada pelo diretor regional da Agricultura/chefe da zona agrária, que atesta, no documento a que fizemos referência, que no prédio dos autores foi aberto um caminho novo, com 320 metros de comprimento. Se dúvidas houvesse quanto ao facto de ter sido levado a cabo pelos autores a abertura dum caminho, ainda por mera referência à prova documental, temos junta aos autos a fatura nº 881, emitida em 29.4.1993, pela sociedade F..., Lda, em nome da apelante mulher que descreve da seguinte forma os serviços que executou para aquela: “2,5 hectares de mobilização de terras para vinha e abertura de caminho”. (sublinhado nosso). Decorre assim do teor destes documentos que, no âmbito do projeto do IFADAP, os autores procederam à abertura de um “novo” caminho nos seus terrenos, terrenos esses onde implantaram vinhas, beneficiando do financiamento ao investimento feito por aquele Fundo. Esta convicção sai ainda reforçada se conjugarmos estes documentos com os depoimentos das pessoas que acompanharam a execução daquele projeto e que estiveram no terreno dos autores a executá-lo. Assim, a testemunha III, engenheiro agrário relatou que foi contratado pelos autores para preparar a candidatura daqueles em 1992, ao aludido projeto, tendo na altura feito uma vistoria do local. Foi perentório a afirmar que se não fossem caminhos novos, não era sequer financiado pelo IFADAP, porque na altura, apenas aprovava projetos com caminhos novos, reforçando, que não havia lá nada, senão o projeto não era aprovado. Também a testemunha JJJ, engenheiro e técnico florestal, que criou a firma “F..., Lda” (que emitiu a supra mencionada fatura) relatou que foi contactado pelos autores, que já tinham o projeto aprovado pelo IFADAP, para que o executasse nos seus terrenos. Disse também, fazendo apelo à sua experiência na matéria, que é habitual neste tipo de projetos a construção ou a reconstrução de caminhos. Isto porque tratam-se de caminhos que visam beneficiar as propriedades e o que se está a fazer, que no caso era implementação de vinhas. No caso concreto, já não se recordava bem do projeto porque era uma área mais pequena do que as com que habitualmente trabalhava, mas assegurou que cumpriram integralmente o projeto e que o mesmo contemplava um caminho. É um caminho que serve para fazer o transporte das uvas, das máquinas, das pessoas que trabalham nas vinhas. Afirmou que executaram exatamente o que estava no projeto. Ora, como tivemos já ocasião de referir, a sua firma descreveu na fatura dos serviços prestados o seguinte: “abertura de caminho”. Uma coisa é abrir um caminho, outra é reconstruir um caminho previamente existente. Relatou apenas se lembrar, ao longo da sua larga experiência profissional, ter feito apenas no âmbito da execução de um projeto na área florestal, um caminho que serviu para “desencravar” uma aldeia, num baldio na Serra ... e que esse sim, serviu interesses públicos da população. De resto, referiu ter de ser feito sempre caminhos em benefício da propriedade e do que ali se está a fazer, implementar. Por sua vez, o trabalhador que procedeu á abertura do terreno, KKK relatou que no local, nos terrenos do Sr. Dr. (referindo-se ao Autor), o solo era mato, árvores e videiras antigas enroladas em arvores. Referiu que foi lá em 93/94 “abrir um caminho e fazer lá uma vinha”, explicando que foi a primeira vinha que o autor lá fez. Que tinha, 5/6 metros de largura e que levou um “buldózer”, tendo procedido à abertura do caminho, negando que existisse qualquer caminho anteriormente naquele local. Também a testemunha LLL declarou ter trabalhado naqueles prédios em 1993. Demonstrou ter conhecimento daquelas propriedades dos autores, por ter voltado a trabalhar naqueles terrenos, pelo menos mais 5 ou 6 vezes, sendo a última em 2016. Referindo-se à primeira intervenção, foi perentório em afirmar que o terreno era contínuo e não havia nenhum caminho ali. O leito era mata e vinha. Não circulava lá nada, porque não existia caminho. Que o caminho beneficiou a propriedade, a exploração dos terrenos e das vinhas. Quanto à expressão “agora cabe um carro”, não nos parece poder ser interpretada no sentido preconizado pelo tribunal a quo, porque a testemunha não estava a comparar a largura do caminho com a largura de qualquer outro caminho ali existente, que perentoriamente negou existir ao longo de todo o seu depoimento. Tratam-se de depoimentos diretos, contemporâneos à construção do caminho, na data alegada pelos autores, que se mostram corroborados pela documentação junta aos autos emitida por um Instituto Público do Estado. Com efeito, conjugando estes depoimentos com a documentação do IFADAP; que fala em abertura de “um novo caminho” e bem assim a fatura dos trabalhos executados que fala em “abertura de caminho” e não em reconstrução de qualquer caminho pré-existente no local, temos de concluir que efetivamente o caminho foi aberto “de novo”, naqueles terrenos propriedade dos autores. Não existe, como dissemos, naquela documentação qualquer menção à existência de um caminho anterior, ou à “reconstrução” de um caminho e muito menos que o projeto incidisse (ainda que parcialmente) sobre alguma área do domínio que não fosse da propriedade dos autores, sendo que o projeto e a construção do caminho foi devidamente validado por um organismo público. O que ficou dito, mostra-se igualmente conforme com as regras da experiência, no sentido que os investimentos são feitos, como dizem os apelantes, à partida, em bens pertencentes ao investidor, sendo que ficou ainda perfeitamente demonstrada a necessidade de abertura daquele caminho nos terrenos dos autores, para servir a exploração das vinhas que os autores então implantaram nos seus terrenos. Usando as palavas de MMM, “é certo que as máximas da experiência, não podem oferecer uma certeza absoluta mas não deixam de conceder um valor cognitivo de probabilidade mais racional, porque decorrem daquilo que ordinariamente acontece e é apreensível pelo homem de cultura média”. Isto mostra-se ainda coerente, com o facto que foi julgado provado, nº 18, no sentido que os Autores toleraram que pessoas que vivem ou trabalham nos arredores passem pelo referido caminho descrito em 7). Finalmente entendemos não ser igualmente despiciente a conformidade do ora exposto, com a leitura que os recorrentes fizeram das confrontações dos prédios que os autores adquiriram em 1993, denominado Quinta da P1 e do prédio rústico denominado B1, descritos nos pontos 2 e 3 da matéria de facto. Isto porque, como afirmam, dizem, se prédio dado como provado em 3 (confronta com terras a P2 e da P1), que é, por sua vez o prédio cuja descrição e propriedade foi dada como provada em 3, então, só pode concluir -se que, entre o ponto 2 e 3, não havia nada porque ambos confrontam a poente um com o outro. É que o prédio registado em nome dos apelantes descrito em 3 não confina com qualquer caminho, mas com o prédio também registado em nome dos apelantes pelo havendo uma continuidade física entre os dois prédios que sustenta e impõem mesmo a conclusão que a ter nascido ali um caminho novo o mesmo (que as testemunhas situam no limite de um desses prédios) só se pode concluir que o caminho em causa foi contruído e implantado na propriedade privada destes. Finalmente cumpre referir, que não se mostra feita contraprova, suscetível de abalar a convicção formada, no sentido que, antes daquela data, em que os autores abriram aquele caminho – 1993 – existisse um caminho público nesse local usado pelas populações locais, sendo que os factos mencionados nos factos provados 19 e ss (toponímia do local e existência de um sinal de trânsito e processo contraordenacional aberto aos autores), são todos eles atos posteriores à abertura do terreno pelos autores.” Assim. O aditamento do facto provado 7-A) resultou da valoração de prova documental junta aos autos, designadamente referente ao processo de investimento que correu junto do IFADAP, conjugada com a prova testemunhal relativa aos que acompanharam a execução do projecto e que estiveram no terreno a executá-lo. Foi feita uma análise crítica e racional, à luz das regras da experiência comum, perante meios de prova sujeitos a força probatória plena parcial, nos limites consagrados pelos arts. 369º, 1, e 371º, 1, do CPC (como veremos a seguir), e à livre apreciação do julgador e sem valor “tarifado” ou “vinculado”, agora nos termos legitimados pelos arts. 376º, 1, e 396º do CPC. O exercício do poder-dever funcional previsto no art. 662º, 1, pode ser objecto de sindicação em revista se, exercido dentro dos poderes de reapreciação da matéria de facto, houver motivo para ser censurado por não uso ou uso deficiente ou patológico (error in procedendo) ou ilegal (error in judicando relativo à identificação, interpretação e aplicação de normas de direito probatório material); no demais, rege o princípio da irrecorribilidade ditado pelo art. 662º, 4, do CPC, que se confirma nos arts. 682º, 1 e 2, e 674º, 3, do CPC7. Não é uso ilegal para este efeito o «erro na apreciação das provas» e na «fixação dos factos materiais da causa», uma vez que escapa ao recurso de revista – 1.ª parte do art. 674º, 3, do CPC –, a não ser nas duas hipóteses previstas na 2.ª parte do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova. In casu, no que concerne ao facto descrito em 7-A), o alegado erro de julgamento em sede factual cometido pela Relação escapa aos poderes cognitivos do STJ no domínio da matéria de facto, estando vedado modificar ou sancionar a decisão fixada pela Relação. 3.2.3. Ainda em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação procedeu ao aditamento do seguinte facto: “7-B) Esse caminho foi aberto com cerca de 320 metros de comprimento”. Tal implicou a alteração consequente do anterior facto dado como não provado em a) da sentença da 1.ª instância, que passou a ter a seguinte redação: “a) O caminho descrito em 7) foi construído com cerca de 2,5 m. de largura”. Para tanto, o acórdão recorrido apresenta a seguinte motivação: “(…) tendo em consideração o documento que supra analisamos, junto ao processo do IFADAP, consta a declaração do diretor regional da Agricultura/chefe da zona agrária, datado de 21.09.1993, sendo que nesse documento, o mesmo certifica que “efetuaram a abertura de caminho novo na distância de 320 metros”. Tal documento tem a natureza de documento autêntico, nos termos do art. 369º do C.Civil, cuja força probatória material e modo de ilisão se encontram regulados nos arts. 371º e 372º do mesmo código. Desta forma, impõe-se a prova parcial do facto constante na alínea a) dos factos não provados, nessa parte. Tal facto tinha a seguinte redação: a) O caminho descrito em 7) foi construído com cerca de 2,5 m. de largura e 394 m.de comprimento. Com vimos daquela documentação, em particular do Parecer Técnico de fls. 262 que prevê a abertura de “320 metros de novos caminhos” e o documento de fls. 260, assinado pelo diretor regional da Agricultura/chefe da zona agrária, datado de 21.09.1993, o qual certifica que efetuaram a “abertura de caminho novo na distância de 320 metros” impõe a prova parcial deste facto quanto ao comprimento do caminho aberto pelos autores.” Percorrida a motivação do acórdão recorrido no que respeita a esta concreta factualidade, vemos que, à semelhança do que sucedeu no âmbito da prova do facto 7-A, o acórdão recorrido respaldou-se na documentação do IFADAP, em especial no documento de fls. 260, assinado pelo Director Regional da Agricultura, e no Parecer Técnico do Instituto da Vinha e do Vinho, de fls. 262 – consultados para este efeito recursivo. Resulta ainda que não se deixa, igualmente neste ponto, de se fazer uma apreciação conjugada da prova documental junta aos autos, isto é, não atribui exclusiva relevância ao documento de fls. 260, muito embora se qualifique este como um documento autêntico e se aluda à disciplina legal prevista nos arts. 371º e 372º do CC. É justamente contra esta qualificação que o Recorrente se insurge, por considerar que ao referido documento não pode ser atribuída força probatória plena e que não existe qualquer elemento probatório que imponha decisão diversa da que foi proferida pela primeira instância a este propósito (onde fora dado como não provado, em função do concretamente alegado pelos Autores, que o caminho foi construído com cerca 2,5m de largura e 394m de comprimento). Impõe-se, pois, em primeiro lugar, solucionar a seguinte questão: qual a força probatória do documento de fls. 260, assinado pelo Director Regional da Agricultura? De acordo com o preceituado no art. 363º, 1, do CCiv., «Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.». Prevê-se depois no seu n.º 2 que «Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou por outro oficial público provido de fé pública; todos os outros são particulares.”. Por sua vez, determina-se: i. no art. 369º, 1 e 2, do CCiv., que «O documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar. / Considera-se, porém, exarado por autoridade ou oficial público competente o documento lavrado por quem exerça publicamente as respectivas funções, a não ser que os intervenientes ou beneficiários conhecessem, no momento da sua feitura, a falsa qualidade da autoridade ou oficial público, a sua incompetência ou a irregularidade da sua investidura.»; ii. no art. 370º, 1 e 2, do CCiv., que «Presume-se que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço. / Por seu turno, o art. 371º, 1, do CCiv. prescreve: «Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade pública ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoas do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.» Conforme referido no acórdão recorrido, o documento em análise constitui declaração subscrita pelo Director Regional da Agricultura/Chefe da Zona Agrária e certifica o teor da vistoria técnica feita ao local, onde se faz constar que “efectuaram a abertura de caminho novo na distância de 320 metros”. No caso, trata-se de declaração subscrita no âmbito de um processo do (entretanto extinto) IFADAP, que constituía à data instituto-“pessoa colectiva de direito público” nos termos do Estatuto aprovado pelo DL 344/77, de 19 de Agosto (entretanto revogado pelo DL 414/93, de 23 de Dezembro); mais especificamente, trata-se de declaração subscrita pelo Director Regional de Agricultura/Chefe da Zona Agrária, que se integrava à data enquanto titular de direcção regional nos “serviços desconcentrados” do Ministério da Agricultura (v. arts. 3º, 2 e 3, do DL 94/93, de 2 de Abril), que versa sobre matérias que se incluem no âmbito das suas competências-atribuições (v. art. 2º e 4º, 2, deste último diploma); trata-se de declaração exarada de acordo com as «formalidades legais», o que não se questiona nos autos, integrada pelo campo “certificação de trabalhos” (“Arranque de vinha”, “Preparação do terreno” e “Plantação”) e pela emissão de declaração final de que “foi efectuada a vistoria aos prédios rústicos objecto de reestruturação, conforme relatório de acompanhamento dos trabalhos acima”. “Autoridade pública” será toda a pessoa colectiva que seja titular em nome próprio de poderes (nomeadamente de autoridade) e deveres públicos, no intuito de assegurar a prossecução necessária de interesses públicos8, abrangendo todos aqueles (órgãos e pessoas singulares) que nela se integrem ou a representem e exercem as suas funções e competências em referência às atribuições e serviços de administração pública. Devemos considerar “autoridade pública” tanto o instituto de direito público IFADAP – enquanto pessoa colectiva público de tipo institucional9 –, como – mais especificamente para a qualificação do documento subscrito – o representante máximo da Direcção Regional da Agricultura, uma vez funcionalmente competente para a emissão desta declaração no âmbito das suas atribuições desconcentradas. A Direcção Regional da Agricultura é serviço de “Administração Local do Estado” (enquanto Periférica) integrado em ministério pertencente ao Governo, órgão principal (arts. 182º e 199º, d), da CRP) da Administração Central do Estado10. Logo, a declaração subscrita pelo Director Regional, uma vez presumida a sua “autenticidade” (força probatória formal: arts. 370º, 1 e 2, 372º (elisão com base na “falsidade”), CCiv.; 446º, 1, CPC), configura-se como um documento autêntico na medida em que (a) é exarado de acordo com as prescrições legais de carácter formal («formalidades legais») e (b) provém de uma «autoridade pública nos limites da sua competência»11 – arts. 363º, 2, e 369º do CCiv.12. A força probatória do documento autêntico é determinada pelas regras do art. 371º, 1, do CCiv.: — plena, quanto aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e aos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade (como ocorridos na sua presença ou de que se certificou ou podia certificar-se13); — relativa e sujeita à livre apreciação do julgador, quanto aos factos que correspondem a «juízos pessoais» dessa entidade. Logo, do preceito legal resulta que “o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (…), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora”14. Daqui decorre que o documento autêntico apenas faz prova plena da materialidade dos factos praticados e perpecionados pelo documentador, mas já não faz prova plena da veracidade ou validade do conteúdo das declarações emitidas pelo declarante ou outorgante – referem-se estas a factos sujeitos à regra do jogo da livre apreciação e convicção do julgador (art. 371º, 1, 1.ª parte, a contrariis)15. No caso da declaração sob escrutínio, o conteúdo pertinente e colocado em causa apenas se limita a certificar o que consta dos pareceres anteriormente atestados pelo técnico que vistoriou o local e representou o Instituto da Vinha e do Vinho, nada permitindo, pois, concluir que a vistoria também foi feita in loco por tal director ou que tal facto foi por este percecionado directamente16. Ou seja, não se tratam de factos directamente praticados ou percepcionados (como ocorridos na sua presença ou de que se certificou ou podia certificar-se17) pela autoridade pública correspondente ao director regional e suas atribuições. Necessário se torna distinguir entre os factos referidos na declaração que correspondem à outorga de um documento-atestado, isto é, à emissão da própria declaração, com aquela forma e com aquele contéudo – prova plena; e os factos referidos que não correspondam a uma prática da autoridade ou a uma observação ou percepção factual directa do director regional (quem emite e assina a declaração) – prova relativa. Assim, entendemos que o referido documento não tem idoneidade para fazer prova plena do facto relativo à dimensão do caminho novo, pois não está submetido à regra do art. 371º, 1, 1.ª parte, do CCiv. Por outro lado, não existe disposição expressa legal que exija determinada espécie de prova para o concreto facto em litígio. Assim sendo. Tudo conjugado, não estava o acórdão recorrido impedido de valorar tal documento à luz do princípio da livre apreciação da prova em termos dos documentos disponíveis nos autos. De resto, não se vê que o não tenha feito precisamente ao abrigo desse princípio, dado que, em nenhum momento e de forma expressa, atribui força probatória plena à declaração atestada pelo Director Regional de Agricultura, limitando-se, nesta parte, a invocar genericamente o regime legal que decorre dos arts. 371º e 372º do CCiv., para, depois, indicar um outro documento, o parecer técnico junto a fls. 262, do qual consta outra referência expressa aos “320 metros” de caminho, procurando, assim, reforçar a convicção probatória por si firmada quanto à demonstração deste facto. A motivação apresentada, nesta parte, pelo tribunal recorrido e o reforço probatório procurado obter mediante a análise de dois documentos diferentes é, quanto a nós, sinal bastante de que o acórdão recorrido efectuou a valoração da prova num cenário de prova não vinculada e ao abrigo do princípio da livre apreciação. Nestas circunstâncias, está o STJ impedido em revista de efectuar qualquer reapreciação sobre eventual erro na livre apreciação das provas, nos termos dos arts. 682º, 1 e 2, 674º, 3, 1.ª parte, e 662º, 4, do CPC. Ainda que assim não se entendesse e se considerasse que a alusão ao regime previsto nos arts. 371º e 372º do CCiv. pelo tribunal recorrido é sinónimo de que foi atribuída uma força probatória ao documento em análise que o mesmo não detém, sempre chegaríamos a um resultado idêntico. Com efeito, a consequência decorrente do afastamento da tese da força probatória plena do aludido do documento é, forçosamente, a de considerar que o mesmo sempre seria susceptível de ser apreciado livremente pelo tribunal recorrido conjuntamente com a demais prova produzida nos autos – foi o que aconteceu, acabando por se concatenar esta prova documental com o doc. de fls. 262 como forma de validar a convicção firmada de que o caminho aberto teria 320 metros de comprimento, sem basear tal prova exclusivamente no documento de fls. 260. A tudo quanto se expôs, acresce a circunstância de o facto dado como provado em 7-B) não se assumir como essencial ou fundamental para, por si, alterar o desfecho da causa, na medida em que a não prova deste facto não conduziria a decisão diversa relativamente à questão essencial respeitante à dominialidade do caminho sob escrutínio. Neste conspecto, ainda que se considerasse ser de relevar um eventual erro de direito probatório material por parte do tribunal a quo, sempre se afiguraria inútil devolver o processo à instância recorrida para reapreciar a valoração da prova nesta parte – nos termos da aplicação do princípio geral desentranhado do art. 130º do CPC. Em suma: improcedem as Conclusões respectivas a que aludimos, supra, 4. a 41., 82. e 83. 3.3. Direito de propriedade sobre os “caminhos” vs. dominialidade pública 3.3.1. O Recorrente Município contesta a qualificação da natureza privada do “primeiro caminho” (descrito no facto provado 7)), invocando erro na subsunção jurídica dos factos ao direito aplicável por parte do tribunal recorrido e a improcedência do peticionado pelos Autores por resultar demonstrada a dominialidade pública do identificado caminho. Com relevo para esta questão, encontram-se provados os seguintes factos (sublinhado nosso): “2) O prédio rústico denominado Quinta da P1, composto por cultura, oliveiras, pinhal, mato, pastagem, ramada em forcado, carvalhos, eucaliptal e dependências agrícolas, situado em P1, encontra-se desse modo descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho do Marco de Canaveses sob o número ..........01, da freguesia ..., constando a área de 272590 m2 e confrontação, a norte, com DD, a nascente, com o limite da freguesia com ..., a poente e sul com EE e FF, descrição onde se mostra registada a titularidade do direito de propriedade a favor dos Autores AA e BB, no estado de casados entre si, pela inscrição AP. 5 de 03.03.1993, por compra, e inscrito na matriz sob o art. .... 3) O prédio rústico denominado B1, composto por mato, situado em ..., encontra-se desse modo descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho do Marco de Canaveses sob o número ..........10, da freguesia ..., constando a área de 20000 m2 e confrontação, a norte, com GG, a nascente, com terras da ..., a poente, com terras das Quintas de P2 e P1, a sul, com Quinta da ..., descrição onde se mostra registada a titularidade do direito de propriedade a favor dos Autores AA e BB, no estado de casados entre si, pela inscrição AP. 5 de 03.03.1993, por compra, e inscrito na matriz sob o art. .... 4) No dia 11 de fevereiro de 1993, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, através de escritura pública de “Compra e Venda”, celebrada no Cartório Notarial do Licenciado OO, declararam vender à Autora BB, casada no regime de comunhão de adquiridos com AA, além do mais, os prédios rústicos identificados em 2) e 3). 7) Foi construído, em 1993, pelos Autores, um caminho de terra batida, subsidiado, incluído e integrado num projeto de financiamento de reestruturação de vinhas, projeto que o Autor apresentou ao Instituto da Vinha e do Vinho, cofinanciado pelo IFADAP. 7-A) Esse caminho foi construído nos prédios indicados nos pontos 2) e 3). 7-B) Esse caminho foi aberto com cerca de 320 metros de comprimento (facto ora aditado) 8) O descrito caminho facilitou o acesso às vinhas aos Autores. 9) O valor da execução do caminho foi pago pelos Autores e comparticipado pelo supra referido projeto. 10) Os Autores não colocaram no referido caminho qualquer portão em nenhum dos extremos do mesmo. 11) A passagem de pessoas através do referido caminho não prejudicava os Autores. 12) No descrito caminho passam pessoas dos aglomerados urbanos vizinhos e de outros não vizinhos, em número não concretamente determinado, as quais circulam a pé e em veículos e motociclos. 13) Os Autores colocaram uma rede metálica presa em postes de madeira, que após substituíram por ferro, o que fizeram em data concretamente não concretamente determinada. 14) No seu início, não sendo colocada vedação em parte do prédio da “B1”, que confina com o mesmo caminho, estando a mato e em diferença de altura relativamente ao caminho descrito em 7). 15) O Autor AA foi alvo de um processo de contraordenação por parte do 1.º Réu, Município de Marco de Canaveses, por ter procedido “à vedação da sua propriedade, face à via pública, com hastes metálicas, na extensão de cerca de duzentos e oitenta metros por altura média de cerca de um metro e cinquenta centímetros, sem que para o efeito se tivesse munido de qualquer Licença ou Comunicação Prévia, sito na Rua da P1, da Freguesia do Marco, desta Cidade”. 16) O Autor apresentou defesa no referido processo de contraordenação, aguardando decisão. 17) O caminho descrito em 7) não foi planeado, executado ou custeado pelo 1.º Réu, Município de Marco de Canaveses ou 2.ª Ré, Junta de Freguesia de Marco. 18) Os Autores toleraram que pessoas que vivem ou trabalham nos arredores passem pelo referido caminho descrito em 7). 19) O caminho descrito em 7) surge denominado no local como “rua daP1” – com o esclarecimento de que tal denominação se encontra em placa toponímica existente no local, colocada pela 2.ª Ré, Junta de Freguesia do Marco. 20) O caminho descrito em 7) está referido e identificado em “Edital” publicado pela Câmara Municipal do Marco de Canaveses em 29.09.1999, mencionando: “Toponímia da Freguesia ...”: “Urbanização da P2 (…) Rua da P1, Inicia na Avenida ... e termina na partilha com a freguesia de ... (...)”, sem que relativamente ao mesmo tivesse ocorrido qualquer oposição ou pronúncia, por parte dos Autores. 21) O caminho descrito em 7) está incluído e referido na Postura de Trânsito da respetiva freguesia, da qual resulta a respetiva sinalização de trânsito na “rua da P1”, com sinais “STOP”. 22) No local, existe sinal “STOP”. 23) O caminho descrito em 7) inicia-se na Avenida ..., atualmente designada “rua ...”, e segue, em continuidade física, pela rua ..., pavimentada atualmente com paralelos, terminando numa rotunda com saída para outros arruamentos. 24) O caminho descrito em 7) é usado pelas populações locais, com frequência permanente, de forma totalmente livre e espontânea, sem qualquer oposição ou constrangimento, fosse de que natureza fosse. 25) A 2.ª Ré Junta de Freguesia do Marco procedeu ao arranjo e à reparação do piso em terra batida, bem como na vegetação adjacente do caminho referido em 7).” Atenta a factualidade assim dada como provada, o acórdão recorrido concluiu que os Autores lograram provar que o caminho em causa “foi por eles construído e foi construído nos prédios de que são proprietários. Com efeito, lograram provar (para tanto contribuiu de forma relevante o processo de financiamento do IFADAP), que o aludido caminho foi construído por eles, que o custearam, tendo beneficiado de um subsídio atribuído por aquele organismo público quando implantaram a vinha nos prédios rústicos denominados “Quinta da ...” e no prédio Rustico denominado “B1”, tendo então aberto “um caminho novo”, destinado a facilitar a exploração das vinhas então implantadas naqueles terrenos (veio permitir a passagem de tratores agrícolas, necessários à descarga de materiais (adubos, uvas, etc) e a circulação dos trabalhadores.” Já no que respeita à comprovada utilização do caminho por terceiros e à invocada afectação ou utilidade públicas, o acórdão recorrido concluiu do seguinte modo: “Os autores não sentiram necessidade de vedar aquele caminho, tolerando que pessoas ocasionalmente por aí passassem. Como explicou o autor ouvido em declarações de parte, a sua “tolerância” relativamente à passagem de pessoas devia-se a pretender usufruir de uma “coexistência pacífica” com a população local e que essa situação só se alterou, com a passagem de “motoqueiros” por aquelas vias, que ademais punham em causa a segurança das pessoas. O proprietário goza de modo pleno os seus poderes (artigo 1305º do C.Civil). Dessa forma, no caso em apreço, tinham os Autores plena liberdade para vedarem ou não o aludido caminho, para tolerar ou não a passagem de pessoas em geral ou dar-lhe o destino que bem entenderem. A natureza privada do aludido caminho não é abalada pelo facto de terem passado a circular pelo mesmo pessoas “estranhas” aos autores. Na verdade provou-se que tal ocorre por tolerância daqueles (…). Também a natureza privada do aludido caminho, que decorre da prova daqueles factos, com origem na abertura do caminho pelos autores que remonta ao ano de 1993, não é abalada pelos atos de natureza pública que as rés demonstraram ter realizado no mesmo. Provou-se que o aludido caminho encontra-se referido e identificado no “Edital” publicado pela Câmara Municipal do Marco de Canaveses em 29.09.1999, mencionando: “Toponímia da Freguesia ...”: “Urbanização da P2 (…) Rua da P1, Inicia na Avenida ... e termina na partilha com a freguesia de ... (...)”, surgindo atualmente denominado no local como “rua da P1”, em placa toponímica existente no local, colocada pela 2.ª Ré, Junta de Freguesia do Marco. O caminho encontra-se ainda atualmente incluído e referido na Postura de Trânsito da respetiva freguesia, da qual resulta a respetiva sinalização de trânsito na “rua da P1”, com sinais “STOP”, existindo no local sinal “STOP”. (…) (…) também se provou que a 2.ª Ré Junta de Freguesia do Marco procedeu ao arranjo e à reparação do piso em terra batida, bem como na vegetação adjacente do aludido caminho. Aqueles atos consubstanciam atos de afetação pública e exercício da jurisdição administrativa sobre a coisa. Estes atos, porém, não são suscetíveis de preencherem os requisitos cumulativos caracterizadores da dominialidade pública de um caminho, a que supra fizemos referência: a) o uso direto e imediato do mesmo pelo público; b) a imemorialidade desse uso; c) e a afetação a utilidade pública. A afetação pública não se mostra consentida pelos proprietários, trata-se outrossim de uma “apropriação” não consentida por aqueles, que através desta ação, pretendem que aquelas entidades públicas reconheçam a natureza privada do aludido caminho.” Posto isto. A pretensão jurídica dos Autores consiste em ver reconhecida a propriedade privada do “caminho entre a Quinta da P1 e B1”, cabendo-lhes, pois, o ónus da prova dos factos constitutivos desse mesmo direito, de acordo com o já aludido art. 342º, 1, do CCiv. De acordo com o art. 1311.º do CCiv., «o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence», sendo que este direito se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei (art. 1316º do CCiv.). Ora, a prova do direito de propriedade é, além do mais, feita através de factos que demonstrem a aquisição originária do domínio por parte de quem se arroga e quer ver declarado tal direito ou de qualquer dos seus anteriores titulares ou antepossuidores, nos termos gerais do direito substantivo, não sofrendo reservas que a causa de pedir nas ações de reivindicação pode confinar-se ao facto base da presunção legal, donde, ao titular do registo, porque beneficiário de uma presunção, apenas basta invocá-la, sendo desnecessária a prova do facto presumido. No caso, é inequívoco que os Autores lograram demonstrar o facto jurídico de que deriva a aquisição originária do direito real sobre o identificado caminho – provaram que o construíram a expensas suas e que o fizeram dentro dos prédios de que são proprietários, beneficiando, assim, aquela faixa de terreno da presunção decorrente do registo predial (art. 7º do CRPredial). Ao dispor que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, o art. 7º desse CRPredial estabelece uma presunção juris tantum, ilidível mediante prova em contrário (art. 350º, 2, CCiv.) ou mesmo pela demonstração de factos incompatíveis com a presunção. Resta, pois, saber, se o Réu, ora Recorrente, provou o facto impeditivo do reconhecimento da propriedade privada do caminho, designadadamente demonstrando a integração da referida faixa de terreno no domínio público. ∗ Para isso temos que verificar os pressupostos de aquisição relativos à dominialidade pública, isto é, quanto estamos perante coisa pública por via da aquisição do respectivo carácter dominial e correspondente estatuto jurídico. Em função da doutrina jusadminstrativa autorizada18, “existem bens cuja dominialidade se impõe ao legislador, bastando a consagração legal para que sejam declarados dominiais, enquanto outros só mediante actos de classificação ou afectação adquirem carácter público. (…) A atribuição do carácter dominial depende de um, ou vários, dos seguintes requisitos: a) existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria do domínio público; b) declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe; c) afectação dessa coisa à utilidade pública. Porém, “[n]ão é forçoso que “concorram estes três requisitos: um só pode bastar, é frequente verificar-se a existência de dois, algumas vezes existem os três. Na verdade: — há bens cuja dominialidade depende apenas da genérica disposição da lei, completada, ou não, por meras operações de delimitação da parte sobre a qual se exercerão os direitos dominiais (ar atmosférico, águas marítimas...); — há coisas que entram no domínio depois de se verificar, por lei ou acto administrativo, possuírem o atributo típico da classe genericamente considerada dominial (classificação de uma via férrea como de interesse público, de uma água como mineromedicinal, de um museu como nacional, etc); — finalmente, quanto a outras coisas pertencentes a uma categoria que a lei considera do domínio público, a integração em cada caso concreto depende de um acto especial de afectação, isto é, de aplicação do imóvel ao fim de utilidade pública justificativo da dominialidade (abertura ao público do uso de uma estrada ou de uma linha telegráfica). A afectação não é incompatível com a classificação: muitas vezes à classificação segue-se, completadas as obras necessárias, a afectação ao uso público, por acto administrativo ou por mero facto, dos bens classificados.” Por isso, “a distinção a fazer é, pois, entre coisas que dispensam classificação e afectação administrativa para se poderem considerar dominiais, coisas que carecem apenas de classificação para o efeito e coisas que exigem afectação”. Por isso, ademais, há que distinguir entre classificação – “o acto pelo qual se declara que uma certa e determinada coisa reúne os caracteres próprios de dada classe legal de bens dominiais” – e afectação de bens dominiais – “o acto ou prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública”, sendo que “a afectação pode resultar de um acto administrativo (decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração) ou traduzir-se num mero facto (a inauguração) ou numa prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público”, pelo que “não há afectação, propriamente dita, mesmo tácita, senão onde se exerça a jurisdição administrativa e portanto se possa provar o destino ao uso público com consentimento do Poder”.19 Numa outra perspectiva, doutrina mais recente (e dialogante com a anterior)20 define a classificação (em rigor, qualificação) como “o momento da assunção do estatuto da dominialidade pela coisa quanto se conciliarem duas condições cumulativas: por um lado, a existência de uma abertura legal a reclamar uma concretização administrativa (no sentido de que não resultam já da lei quais as coisas concretamente submetidas ao estatuto da dominialidade); por outro lado, a desnecessidade de um posterior acto de afectação” – sendo essa concretização operada através de “acto administrativo declarativo”, com o “seu carácter eminentemente recognitivo de uma situação jurídica que não constituiu, modifica ou extingue, mas já decorre da lei”, ou acto administrativo “constitutivo” se os efeitos decorrem da lei e do acto de classificação, imprescindível para a assunção do estatuto da dominialidade. Por seu turno, a afectação surge como “o acto administrativo que coloca a coisa (pública) a desempenhar a função que justificou a sua sujeição pelo legislador a um regime específico de direito público (o regime jurídico-administrativo da dominialidade pública); nessa medida, a afectação modifica sempre o estatuto jurídico da coisa, assumindo-se, nesta acepção, como um “acto de criação das coisas públicas” (Kreationsakt der öffentlichen Sachen)”. Aqui defende-se a existência da “afectação tácita”, na qual “existe sempre um acto administrativo, havendo necessidade de recorrer à figura do acto administrativo implícito, enquanto acção material que contém em si uma estatuição. É evidente que o comportamento (material) concludente há-de revestir especiais características que funcionarão como índices: por um lado, o comportamento, além de (tendencialmente) inequívoco, será positivo, não bastando uma simples atitude passiva da Administração; além disso, esse comportamento, praticado no exercício da função administrativa, tem que estar enquadrado no âmbito das atribuições da pessoa colectiva pública que o adopta.” Assim, a afectação “cria uma «vinculação real» da coisa relativamente à função (pública) que ela exerce, a «adesão da coisa a uma finalidade de carácter público e, por conseguinte, exprime a «imperatividade da sujeição do bem a um destino público». (…) A afectação assume-se, pois, como um acto que afirma em concreto, uma prioridade de um aproveitamento ou utilização da coisa relativamente a outros possíveis, em funções de critérios de mérito e oportunidade. Por outras palavras, a afectação pela entidade administrativa pressupõe que a coisa possua utilidades diversificadas e que, perante a previsão legal de um tipo (aberto) de bens como sujeitos ao domínio público em que a mesma se revela susceptível de ser incluída, se conclua que pertence à entidade administrativa decidir acerca do melhor destino daquela coisa para a prossecução do interesse público”. Depois, relacionando a figura da “afectação” com a figura do “imemorial” (que faz emergir “uma presunção (ilidível) da legitimidade do exercício de um direito, a partir da manutenção de uma certa situação duarnte um vasto lapso temporal”), perante a questão de saber se, na ausência de um acto administrativo de afectação (expresso ou implícito), a integração de um bem no domínio público pode bastar-se com a prova de um uso imemorial ou posse imemorial, os quais permitiriam concluir pela publicidade dos bens em causa, considera que, “nas situações de ausência de qualquer actuação positiva da Administração (designadamente de actos de administração e gestão do bem era causa), a figura do imemorial assume relevância, já que não podemos entender aqui que nos encontramos perante um acto administrativo de afectação, nem mesmo na forma de acto implícito. Nesta última situação, e em coerência com a delineação da figura do imemorial, os bens apenas beneficiarão de uma presunção (iuris tantum) de dominialidade”. Esta conclusão está em linha com o antes sustentado pela doutrina: “para que um caminho outrora particular se converta em público é necessário que pelo abandono do proprietário este deixe prescrever os seus direitos e que o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público pratiquem actos ou factos que representem, através da conservação, reparação, regulamentação do trânsito, etc., a intenção ou o animus sem o qual não há posse jurídica. A aquisição da propriedade por usucapião, ligada a actos administrativos que manifestem a intenção de destinar a coisa ao uso público, é que poderão suprir a falta de afectação expressa e conferir carácter dominial a tais caminhos. (…) é indispensável, para o reconhecimento da dominialidade pública dum caminho, provar-se que foi produzido ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público e que por ela é administrado, constituindo o uso público directo e imediato, quando imemorial, mera presunção dessa dominialidade, ilidível por prova em contrário”21. ∗ A jurisprudência do STJ, através do Assento n.º 7/89, de 19 de Abril22, pronunciou-se sobre a dominialidade para os bens-“caminhos públicos” que se encontrem em tal situação de “imemorialidade” Decidiu: “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”. Segundo este aresto de uniformização, “quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente. É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso directo e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito público. Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção.” Logo, “distintamente do que sucede com o instituto do imemorial (em geral), na formulação resultante do mencionado Assento, parece não estarmos diante de uma simples presunção, mas uma afirmação do carácter dominial dos bens (caminhos públicos) que se encontrem em tal situação”23 – ou seja, uso do público em prescrição imemorial, que está para além da simples presunção da imemorialidade. Em boa verdade, com este Assento, pôs-se termo à divergência sobre se, para conferir a dominialidade de um caminho, no contexto de afectação necessária para a coisa ficar submetida ao estatuto da dominialidade pública, bastaria o uso directo e imediato do público (critério do uso) ou se era necessário que o caminho tivesse sido construído, apropriado ou conservado por entidade pública (critério da construção e manutenção). A tese firmada neste acórdão adoptou, assim, a primeira solução (critério do uso), pelo que, provado o uso imemorial pelo público, é de afirmar o carácter dominial dos “caminhos públicos” que se encontrem em tal situação de uso. Contudo, como foi enfatizado no recente Ac. do STJ de 11/5/202324, a jurisprudência do STJ posterior ao referido assento tem vindo a fazer uma interpretação restritiva do entendimento aí firmado, no sentido de a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afectação a utilidade pública, ou seja, que o mesmo satisfaça interesses colectivos de certo grau ou relevância, tendo em conta, nomeadamente, que, se assim não for, o art. 1383º do CCiv. («Abolição dos atravessadoruros») fica sem aplicação e todos os atravessadouros de uso imemorial teriam de qualificar-se como “caminhos públicos”25. Isto é, para uma conjugação suplementar do critério do uso público com o critério da utilidade pública. Assim sendo, a qualificação de um caminho como público pode basear-se no seu uso directo e imediato pelo público, desde tempos imemoriais, visando a afectação à utilidade pública (desde que sem afectação administrativa tácita), e sem prejuízo de o poder ser por força de ser propriedade de entidade de direito público e estar afecto à utilidade pública – como sintetizou o Ac. do STJ de 22/6/202126. Para este efeito: i. o conceito de tempo imemorial deve ser entendido como um período tempo tão antigo que o seu início se perdeu na memória dos vivos – acolhendo o Ac. do STJ de 14/2/201227; ii. a afectação à utilidade pública deverá consistir no facto de o uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância – sufragando, por ex., o Ac. do STJ de 21/1/201428. Foram estes requisitos caracterizadores (e cumulativos) da dominialidade pública aqueles que, sem censura, foram adoptados pelo acórdão recorrido, tendo em vista a discussão de uma afectação factual e efectiva pelo uso pelo público (fora da classificação legal e impositiva, desde logo, do art. 84º da CRP); complementando: “O referido uso direto e imediato do caminho pelo público envolve, como é natural, a sua utilidade pública, ou seja, a sua afetação a utilidade pública, isto é, que a sua utilização tenha por objetivo a satisfação de interesses coletivos. Por sua vez, o conceito de “tempo imemorial”, deve ser entendido como “um período de tempo cujo início é tão antigo que as pessoas já não o recordam, por ter desaparecido da memória dos homens” ou, de outro modo, “é o facto de, em consequência da sua antiguidade, ter sido perdida pelos homens a recordação da sua origem, a ponto de os vivos não conseguirem já, pelo recurso à sua própria memória ou aos factos que lhes foram sendo narrados por antecessores, ter conhecimento do momento ou período em que determinados costumes, tradições, ou práticas repetidas continuadas, tiveram início” [citações retiradas do ac. do STJ de 13/01/2004 (…)]”. ∗ Aplicando ao caso. Temos como provado que: i. o caminho descrito no facto provado 7) foi construído pelos Autores nos prédios rústicos identificados nos factos provados 2), 3) e 4), tendo em vista facilitar o acesso às vinhas plantadas nesses prédios rústicos (“Quinta da P1” e “B1”); ii. não foi colocada qualquer portão nos extremos do caminho; iii. no descrito caminho passam pessoas dos aglomerados urbanos vizinhos e de outros não vizinhos, em número não concretamente determinado, circulando a pé e em veículos e motociclos, passagem que é tolerada pelos Autores; iv. actualmente o caminho surge denominado no local como “rua da P1”, denominação que se encontra em placa toponímica existente no local, colocada pela Junta de Freguesia do Marco; v. o caminho está identificado em “Edital” publicado pela Câmara Municipal do Marco de Canavezes em 29/9/1999, sem que tivesse existido oposição ou pronúncia por parte dos autores; vi. o caminho está incluído e referido na Postura de Trânsito da respectiva freguesia, da qual resulta a respectiva sinalização de trânsito na rua da P1, existindo no local um sinal “STOP”; vii. a Junta de Freguesia do Marco procedeu ao arranjo e à reparação do piso em terra batida, bem como (a eliminação: subentende-se) de vegetação adjacente ao aludido caminho; viii. os Autores colocaram vedação no caminho; e, em consequência, ix. contra o autor AA foi instaurado processo de contra-ordenação pelo Município por ter vedado a propriedade (onde se integra o descrito caminho), em face da via pública, com hastes metálicas, em relação ao qual aquele exerceu o respectivo direito de defesa. Não se provou que o caminho é propriedade de pessoa colectiva/entidade de direito público, pois não se demonstrou ter existido qualquer acto, administrativo ou outro, aquisitivo ou translativo da propriedade privada para o domínio público. Tanto mais que, como ficou provado, o caminho “não foi planeado, executado ou custeado” pelo Réu e aqui Recorrente Município ou pela Junta de Freguesia – cfr. facto provado 17). Não há qualquer acto administrativo, declarativo ou constitutivo, em ordem a esse reconhecimento dominial, classificando-o como “coisa pública”. Posto isto, resta aferir se resultou provado o (i) uso directo e imediato pelo público, (ii) desde tempos imemoriais e (iii) visando a satisfação de interesses colectivos relevantes, como meio de afectação factual e efectivo ao domínio público. E, antes disso, se temos acto ou actos administrativos relevadores de afectação tácita. Ora. Comecemos pela segunda das últimas duas hipóteses. Pese embora alguma da factualidade indicada, designadamente a que se reporta aos actos materiais de conservação e melhoramento e aposição de sinal de trânsito no local por parte das entidades públicas locais-autárquicas, possa indiciar a ocorrência de actos de administração por força de intervenção pública sobre o caminho, certo é que a mesma não é suficiente para considerar preenchida a concludência necessária para vermos neles uma afectação tácita através de actos administrativos implícitos (através de acção material), que conduzissem à conclusão de estarmos perante actos de aproveitamento e exploração da coisa com propósito manifesto de a consagrar ao destino público. Isto é, estamos, ao invés, perante e somente actos de colocação do caminho ao serviço do uso pelo público, mas sem o reconhecimento subjacente a tal actuação da sua natureza pública. Ainda acresce que a posição dos Autores relativamente ao referido caminho, em particular a circunstância de ter resultado provado que a passagem de outras pessoas pelo caminho se dava com a tolerância dos Autores, pois não os prejudicava quanto à utilização da sua propriedade, e o facto de os mesmos terem actuado em sentido contrário a um reconhecimento da dominialidade pública do caminho – vejam-se os factos provados 13), 15), 16) e 18) –, não permite concluir pela tese do Recorrente de que o caminho particular passou a integrar o domínio público por via da prática dos apontados actos e operações incidentes sobre a coisa-“caminho”. Se assim é, é como se estivéssemos perante uma ausência de actuação positiva da Administração – ou melhor, estamos perante uma actuação positiva juridicamente irrelevante para afectação dominial. Logo, resta-nos a restante situação de afectação factual e efectiva à finalidade pública, de acordo com os respectivos pressupostos para aquisição de dominialidade pela consequente juridicidade da afectação29: desde logo o uso directo e imediato do mesmo pelo público, a imemoralidade desse uso e, sobretudo, a satisfação, por via da utilização do referido caminho, de um interesse colectivo relevante. O uso pela população local resulta dos factos provados 11), 12) e 13), sendo tolerado tal uso pelos Autores, de acordo com os factos provados 11) e 18), e aceite pela comunidade, de acordo com o facto provado 24). No entanto. Por um lado. Ficou como não provado que “a utilização do caminho descrito em 7) ocorre desde tempos imemoriais” (facto não provado p)); o facto provado 7) é também inequívoco quanto à construção do caminho em 1993, o que não será consentâneo com a “imemoralidade”. Por outro lado. Não resulta da materialidade apurada a utilidade pública desse uso em face do interesse colectivo relevante. Note-se que, mais especificamente, a relevância do interesse colectivo do caminho deve resultar manifesta da factualidade apurada, havendo que ter em conta, por um lado, o número normal de utilizadores, que tem que ser uma generalidade de pessoas (uma percentagem elevada dos membros de uma povoação) e, por outro lado, a importância que o fim visado tem para estas pessoas à luz dos seus costumes colectivos – neste sentido, os Acs. do STJ de 13/3/200830 e de 18/9/201431)32. Não vemos que tais requisitos resultem do quadro factual apurado nos autos, nomeadamente quando nos confrontamos com os factos provados 12), 18) e 24), assim como da relevância da materialidade constante dos factos não provados f), g), h) e j). Por fim. Note-se a força argumentativa da materialidade, em conjunto, dos factos provados 7), 7-A), 8), 9), 10), 13), 17) e 23): “Foi construído, em 1993, pelos Autores, um caminho de terra batida, subsidiado, incluído e integrado num projeto de financiamento de reestruturação de vinhas, projeto que o Autor apresentou ao Instituto da Vinha e do Vinho, cofinanciado pelo IFADAP. Esse caminho foi construído nos prédios indicados nos pontos 2) e 3). O descrito caminho facilitou o acesso às vinhas aos Autores. O valor da execução do caminho foi pago pelos Autores e comparticipado pelo supra referido projeto. Os Autores não colocaram no referido caminho qualquer portão em nenhum dos extremos do mesmo. Os Autores colocaram uma rede metálica presa em postes de madeira, que após substituíram por ferro, o que fizeram em data concretamente não concretamente determinada. O caminho descrito em 7) não foi planeado, executado ou custeado pelo 1.º Réu, Município de Marco de Canaveses ou 2.ª Ré, Junta de Freguesia de Marco. O caminho descrito em 7) inicia-se na Avenida ..., atualmente designada “rua ...”, e segue, em continuidade física, pela rua ..., pavimentada atualmente com paralelos, terminando numa rotunda com saída para outros arruamentos”. E, neste contexto global de factos, sufrague-se a posição mais razoável de inconciliabilidade de princípio com o domínio público quando e se o caminho se encontra constituído fora de uma situação de “imemorialidade” em propriedade privada: “nunca esteve em causa admitir (…) que uma estrada construída por um particular, num terreno da sua propriedade, em ligação com as estradas públicas e aberta ao trânsito público passasse a integrar ipso facto e ex vi legis o domínio público da pessoa colectiva pública territorial respectiva”33. Conclui-se, pois, no mesmo sentido do acórdão recorrido – “resulta demonstrada não só a natureza privada do aludido caminho, como o direito de propriedade que sobre o mesmo incide pertencer aos autores”; “funcionando a presunção registal quanto a ela, sendo que decorre do art. 7º que ‘O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define’”. E tal conclusão implica que nenhum juízo de desconformidade em face dos arts. 62º e 268º da CRP possa ser assacado ao acórdão recorrido. Consequentemente, há que ser mantido, falecendo as Conclusões pertinentes da revista deste Recorrente – a saber: 42. a 64., 68. a 76., 82. e 83. 3.3.2. Por seu turno, e por último, os Autores Recorrentes invocam erro de julgamento quanto ao juízo de dominialidade do “segundo caminho” (descrito no facto provado 28)), “fazendo uma errada subsunção do direito aos factos e, consequentemente, violando, claramente, o direito de propriedade dos AA.”. No que respeita a este “segundo caminho”, o acórdão recorrido, afastando em primeiro lugar a conclusão de que o mesmo teria natureza dominial pública de acordo com os critérios sindicado para o “primeiro caminho” (natureza que foi afirmada na sentença da primeira instância), considerou não resultar da matéria de facto provada que os Autores tenham adquirido a posse do referido caminho ou a respectiva propriedade, acrescentando que “a presunção derivada do registo não abarca os limites e confrontações dos prédios, pelo que ficou por provar o elemento constitutivo da ação que era a natureza privada – do autor ou de outrem – do identificado caminho.” Importa, pois, aferir se a matéria de facto concretamente provada permite concluir pela demonstração da propriedade privada do caminho, sendo certo que o ónus de alegação e prova dos elementos constitutivos da pretensão formulada recaía sobre os Autores. A factualidade relevante resulta essencialmente dos seguintes factos dados como provados (sublinhados nossos): “5) No dia 7 de março de 1997, PP, como procurador de QQ, RR, SS, TT, através de escritura pública de “Compra e Venda”, celebrada no Cartório Notarial do Licenciado UU, notário no Cartório Notarial de ... e ali escriturado sob o número ...-B, declarou vender à Autora BB, casada no regime de comunhão de adquiridos com AA, “o prédio rústico, denominado B2, terreno a mato, com a área de quatro mil metros quadrados, sito no lugar de ..., a confrontar do nascente com terra da ..., bem como do poente, e dos demais lados com herdeiros de VV, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 2.856$00. 6) O prédio rústico denominado B2, composto por terreno e mato, situado em ..., encontra-se desse modo descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho do Marco de Canaveses sob o número ..........11, da freguesia de ..., constando a área de 2800 m2 e confrontação, a norte, com WW, a sul, com herdeiros de VV, a nascente e poente, com terras de ..., descrição onde se mostra registada a titularidade do direito de propriedade a favor dos Autores AA e BB, no estado de casados entre si, pela inscrição AP. 10 de 10.04.1997, por compra, e inscrito na matriz sob o art. .... 26) Os Autores AA e BB, por escritura de “Doação”, declararam doar a WW “o prédio urbano composto por parcela de terreno, para construção urbana, com a área de mil e duzentos metros quadrados, sito no lugar de ..., freguesia de ..., a confrontar de norte com caminho público, poente com caminho, nascente com ... e de sul com os doadores publico, a desanexar do descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, pela ficha ..., de onze de Abril de mil novecentos e noventa e sete, freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., e do inscrito na matriz sob o artigo ... rústico – do qual não foi feito qualquer outro destaque nos últimos dez anos – omisso na matriz mas com declaração apresentada para sua inscrição no dia cinco de Agosto, último” – com o esclarecimento de que tal escritura foi celebrada a 14 de setembro de 1998. 27) WW construiu na parcela de terreno indicada em 26) prédio urbano. 28) Entre o prédio identificado em 27) e o prédio rústico denominado B1, acima descrito, existe um caminho em terra e rocha desnuda. 29) Os Autores têm feito, nesse caminho, melhorias para a manutenção do mesmo. 30) O caminho descrito sob o ponto 28) desemboca, por fim, na rua ... e na rua ..., em Marco de Canaveses, que dão acesso direto à EN .... 31) WW instalou a porta principal de acesso à sua casa virada para o caminho referido em 28). 32) WW colocou a caixa de correio na rua ..., perpendicular ao caminho descrito em 28). 34) O caminho descrito em 28) não tem iluminação pública. 35) Apenas uma porção do caminho descrito em 28), desde a rua ... até ao limite da casa de habitação de WW está pavimentada. 37) WW pediu aos trabalhadores que levavam a cabo a operação de pavimentação da rua ... que estendessem a pavimentação à porção de caminho que está em frente à entrada principal da sua casa, no que estes prontamente acederam. 39) A 3.ª Ré, CC passa pelo caminho referido em 28). 41) A 3.ª Ré, CC sempre utilizou o caminho referido em 28) a pé, de carro de bois, trator e até com veículos ligeiros de carga, para cultivo e limpeza de matos, abate de árvores, para retirar lenha, e para passear ou verificar o seu imóvel. 42) A mencionada passagem da 3.ª Ré, CC nunca foi perturbada ou impedida por quem quer que fosse. 43) A 3.ª Ré acedia em qualquer dia e a qualquer hora, com a convicção de exercer o direito próprio de passagem e de não lesar direitos de terceiros. 44) Os Autores mandaram colocar um portão no topo do caminho referido em 28), a seguir à casa de habitação de WW. 45) O Autor entregou a chave do referido portão, pessoalmente, a GGG, que a aceitou. 46) O Autor enviou à 3.ª Ré, CC, e a HHH, missivas, dando conta da colocação daquele mesmo portão e da vontade de lhes entregar essa mesma chave para que pudessem, querendo, continuar a utilizar a caminho em causa. 47) HHH não levantou a carta registada enviada. 48) A 3.ª Ré, CC nunca quis aceitar a chave do referido portão, nem mesmo quando a mesma foi para o efeito depositada em escritório de um advogado no Marco de Canaveses, tendo esta, pelo contrário, reagido por escrito enviando carta na qual alega a publicidade do referido caminho. 53) Além da 3.ª Ré, CC, algumas pessoas de identidade concretamente não determinada passam no caminho descrito em 28) quando lhes apraz, sem pedir autorização e, por isso, se têm vindo a opor. 54) Os Autores executaram obras em parte do leito do caminho, para lá do local onde o portão esteve colocado. 55) O caminho descrito sob o ponto 28) aparece na carta militar de 1978. 56) Não existe qualquer fontenário nas proximidades do caminho, o qual, a existir, não tem hoje em dia qualquer função ou utilidade. 57) Os Autores já não estão dispostos a tolerar que as pessoas continuem a passar no caminho descrito sob o ponto 28).” Perante isto, os Autores não logram demonstrar a aquisição do caminho em causa, seja por via originária alegando os elementos da usucapião, ou por via derivada, através da celebração de um qualquer negócio jurídico aquisitivo. A premissa de que os Recorrentes partem para alcançar a conclusão de que a faixa de terreno correspondente ao “segundo caminho” lhes pertence sustenta-se na prova da propriedade de dois prédios rústicos – v. factos provados 3) e 4), por um lado, e 26) –, sendo depois alienado a terceiro por doação uma parcela destacada de um deles, onde foi construído prédio urbano (facto provado 27)) –, que são adjacentes (esses prédios rústicos e esse prédio urbano) ao caminho sob litígio – identificado no facto provado 28) –, e no facto de os mesmos terem feito melhorias nesse caminho para a respectiva manutenção, obras no seu leito e colocado um portão no topo do caminho – factos provados 29), 44) e 54). Ora, tal factualidade é, por si só, manifestamente insuficiente para demonstrar a aquisição da propriedade do caminho em causa, sendo certo que, como se refere acertadamente no acórdão recorrido, a presunção registal do art. 7º do CRPredial, relativa à propriedade dos prédios rústicos adjacentes à aludida faixa de terreno, não estende a sua eficácia à identificação (composição e dimensões/área), limites e confrontações do prédio objecto do registo34; antes se limita ao direito inscrito e à pessoa do seu titular. Por outro lado, os apontados actos materiais levados a cabo pelos Autores no caminho são, no contexto global da factualidade apurada, nomeadamente tendo em conta a utilização do mesmo caminho por terceiros sem oposição ou impedimento (cfr. factos provados 39), 41), 42), 43) e 53), insusceptíveis de conduzirem ao efeito jurídico pretendido pelos Autores. Por último, contrariamente ao pretendido pelos Autores Recorrentes, a (primeira) argumentação e conclusão obtida pelo tribunal recorrido de que os factos provados não permitem concluir pela natureza pública do caminho – de acordo com a improcedência dos requisitos de dominialidade por afectação a utilidade pública, nos termos dos requisitos antes enunciados35, o que aqui se sufraga e acolhe –, não permite, por si só e forçosamente, sustentar a prova do facto contrário, essencial à procedência da acção, isto é, de que o caminho é, afinal, propriedade privada dos recorrentes. Deste modo, a solução jurídica vertida no acórdão recorrido não merece censura, improcedendo, assim, as Conclusões III. a VI. e IX. da revista dos Autores. III. DECISÃO Em conformidade, julgam-se improcedentes ambas as revistas interpostas, mantendo-se o acórdão recorrido. Custas nesta instância de cada uma das revistas a cargo dos respectivos Recorrentes, sem prejuízo da isenção legal prevista para as “entidades públicas” (art. 4º, 1, g), e 6, RCP) no caso do Recorrente Município. STJ/Lisboa, 14/5/2024 Ricardo Costa (Relator) Maria Amélia Ribeiro Luís Espírito Santo SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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1. A saber: “Na perspetiva da pretensão formulada pelos Autores, importa decidir do reconhecimento do direito de propriedade sobre as faixas de terreno nas quais alegadamente se encontram implantados os caminhos melhor identificados na petição inicial e, sendo declarado que tal propriedade é titulada pelos Autores, e já na perspetiva do pedido reconvencional formulado pela Ré CC, do reconhecimento e exercício de um direito de servidão de passagem em benefício do prédio pertencente à referida Ré sobre o prédio dos Autores e da criação de obstáculos por parte dos Autores ao exercício de tal direito.”↩︎ 2. Para a configuração das “decisões-surpresa” (violação do princípio do contraditório e da proibição da indefesa) como nulidade por “excesso de pronúncia”, que surge como situação típica da agressão ao contraditório com influência na decisão final, v. com dominante adesão no STJ, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Decisão-surpresa; nulidade da decisão”, Comentário ao Ac. da Relação de Évora de 10/4/2014 (processo n.º 500/12.0TBABF-KE1), com data de 10/5/2014 https://blogippc.blogspot.com/2014/05/decisao-surpresa-nulidade-da-decisao.html; “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”, com data de 22/9/2020: https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html; “Por que se teima em qualificar a decisão-surpresa como uma nulidade processual”, com data de 12/10/2021: https://blogippc.blogspot.com/2021/10/por-que-se-teima-em-qualificar-decisao.html; “Artigo 3º”, CPC Online, Art. 1.º a 129.º, Blog do IPPC, https://blogippc.blogspot.com/2024/02/cpc-online-19.html), versão de 2024/02, págs. 6-7; convergente: ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 627º, págs. 26 e ss (com jurisprudência e expressa menção à omissão do despacho de aperfeiçoamento perante articulados irregulares ou deficientes a págs. 29-30). Muito elucidativos: Acs. do STJ de 16/12/2020, processo n.º 656/14, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO (com afinidades com o presente caso), 16/12/2021, processo n.º 4269/15, Rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO, 5/7/2022, processo n.º 1258/19, Rel. RICARDO COSTA, 19/3/2004, processo n.º 18/22, Rel. LUÍS CORREIA DE MENDONÇA (mas sem optar pela nulidade decisória do art. 615º, 1, d), do CPC; v. Declaração de Voto do aqui Relator), e de 10/4/2024, processo n.º 363/11, Rel. RICARDO COSTA (numa perspectiva ampla do “contraditório influenciador”).↩︎ 3. V. MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, colab.: Antunes Varela, rev.: Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, pág. 376, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “O procedimento em 1ª instância”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pág. 304.↩︎ 4. V. Ac. do STJ de 7/6/2022, processo n.º 3786/16, Rel. MANUEL CAPELO, in www.dgsi.pt (“O poder de convidar ao aperfeiçoamento dos articulados, para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590 nº 4 do CPC), tem de ser entendido em rigorosos limites e isto porque esta invitação pode apenas ter lugar quando existam insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito, mas que permitam que este conhecimento e decisão (com o convite, se aceite) sejam realizados de forma mais eficaz. Não deve assim convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, como antes apontámos, o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido (…).”).↩︎ 5. V. ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 615º, pág. 738.↩︎ 6. Por todos, ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 636º, págs. 123-124.↩︎ 7. Por todos, v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, “Artigo 662º”, pág. 177, “Artigo 674º, pág. 232, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022. Recentemente no STJ, v. Acs. de 17/1/2023, processo n.º 3123/18, Rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO, e 30/4/2024, processo n.º 1466/20, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.↩︎ 8. V. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de direito administrativo, Vol. I, 3.ª ed., colaboração de Luís Fábrica/Carla Amado Gomes, Jorge Pereira da Silva, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 753 e ss.↩︎ 9. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 756, 759.↩︎ 10. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 756 (Estado como pessoa colectiva pública, “de população e território”), 226-227, 243 e ss, 313 e ss, 319 e ss.↩︎ 11. Requisitos sublinhados por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 362º”, Código Civil anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 321.↩︎ 12. Neste sentido, v. Ac. do TCA Norte de 5/6/2015, processo n.º 01843/06, Rel. HELENA RIBEIRO, in www.dgsi.pt.↩︎ 13. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, “Artigo 530º”, Código de Processo Civil anotado, Volume III, Artigos 487.º a 549.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 364, 366-367, VAZ SERRA, “Provas (Direito probatório material)”, BMJ n.º 111, 1961, págs. 131, 134-136, 138.↩︎ 14. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 371º”, Código Civil Anotado, Vol. I cit., pág. 327.↩︎ 15. V. por todos ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 520-522.↩︎ 16. V., em sentido análogo para a “caderneta predial, extraída da respectiva inscrição matricial”, o Ac. do STJ de 20/2/2020, processo n.º 14/15, Rel. ROSA RIBEIRO, in www.stj.ptww.dgsi.pt.↩︎ 17. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, “Artigo 530º”, Código de Processo Civil anotado, Volume III, Artigos 487.º a 549.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 364, 366-367, VAZ SERRA, “Provas (Direito probatório material)”, BMJ n.º 111, 1961, págs. 131, 134-136, 137, 138.↩︎ 18. Referimo-nos a MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed. (5.ª reimp.), revista e actualizada: Diogo Freitas do Amaral, Almedina, Coimbra, 1994, págs. 921-922, commumente utilizada e seguida nesta matéria.↩︎ 19. Seguimos ainda MARCELLO CAETANO, ob. cit., págs. 922-923. Convergente: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, Caminhos públicos e atravessadouros, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1990, pág. 38.↩︎ 20. ANA RAQUEL MONIZ, O domínio público – O critério e o regime jurídico da dominialidade, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 127 e ss, 137 e ss, 150-152, 153-155.↩︎ 21. Ainda MARCELLO CAETANO, ob. cit., pág. 924, com sublinhado nosso.↩︎ 22. Publicado in DR, I Série, n.º 126, de 2/6/1989, págs. 2162 e ss.↩︎ 23. ANA RAQUEL MONIZ, ob. cit., pág. 151, sublinhado nosso. V. ainda ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, ob. cit., págs. 66-67.↩︎ 24. Processo n.º 7129/18, Rel. OLIVEIRA ABREU, in www.dgsi.pt.↩︎ 25. Neste sentido, v. Acs. do STJ de 13/7/2010, processo n.º 135/2002, 19/5/2011, processo n.º 3378/08, 29/9/2011, processo n.º 302/08, 14/2/2012, processo n.º 295/04, 21/1/2014, processo n.º 6662/09, e de 7/2/2017, processo n.º 1758/10, todos publicados integralmente in www.dgsi.pt; ainda os Acs. do STJ de 11/7/2006, processo n.º 1756/06, 27/2/2010, processo n.º 130/06, 20/9/2011, processo n.º 1372/03, 28/6/2012, processo n.º 140/06, 29/11/2012, processo n.º 1800/06, e de 21/4/2016, processo n.º 319/10, inéditos mas com Sumários in www.stj.pt.↩︎ 26. Processo n.º 56/17, Rel. JORGE ARCANJO, in www.dgsi.pt.↩︎ 27. Processo n.º 295/04, Rel. AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt.↩︎ 28. Processo n.º 6662/09, Rel. MOREIRA ALVES, in www.dgsi.pt.↩︎ 29. Marcando-se assim o momento em que o ingresso da coisa no estatuto jurídico do domínio público se verifica: JOSÉ PEDRO FERNANDES, “Domínio público”, Dicionário jurídico da Administração Pública, Volume IV, Lisboa, 1991, pág. 185.↩︎ 30. Processo n.º 084542, Rel. SEBASTIÃO PÓVOAS, in www.dgsi.pt.↩︎ 31. Processo n.º 44/1999.E2.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, in www.dgsi.pt.↩︎ 32. Não basta, pois, dar como provado que há pessoas das “populações locais” que usam o caminho (facto provado 24)), pois, como se sustentou no Ac. do STJ de 6/10/2011, processo n.º 282/05, Rel. ORLANDO AFONSO, “o uso público não se determina pela utilização que cada pessoa (ou que um universo de pessoas) isoladamente possa fazer do caminho com vista à satisfação de interesses pessoais mas por uma utilização comum da generalidade dos respetivos utilizadores e para satisfação de interesses públicos.” Ou no Ac. do STJ de 18/10/2018, processo n.º 1334/11, Rel. HÉLDER ALMEIDA, nos termos do qual “a existência de um acesso aberto a pessoas determinadas ou a um círculo determinado de pessoas é insuficiente para se falar de ‘utilização pública’, sendo mister a sua utilização por uma generalidade de pessoas” (ponto V. do Sumário). Ou ainda, antes, no Ac. do STJ de 13/1/2004, processo n.º 03A3433, Rel. SILVA SALAZAR, que evidencia que “o uso público relevante para o efeito é precisamente o que pressupõe uma finalidade comum desse uso. Isto é, se cada pessoa, isoladamente considerada, utiliza o caminho ou terreno apenas com vista a um fim exclusivamente pessoal ou egoístico, distinto do dos demais utilizadores do mesmo caminho ou terreno, para satisfação apenas do seu próprio interesse sem atenção aos interesses dos demais, não é a soma de todas as utilizações e finalidades pessoais que faz surgir o interesse público necessário para integrar aquele uso público relevante. Por muitas que sejam as pessoas que utilizem um determinado caminho ou terreno, só se poderá sustentar a relevância desse uso por todos para conduzir à classificação de caminho ou terreno público se o fim visado pela utilização for comum à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilidades individuais”.↩︎ 33. Neste sentido, inequívoco, ANA RAQUEL MONIZ, ob. cit., nt. 129 – pág. 151. O que é diferente de termos caminhos na “imemoralidade” a atravessar propriedades privadas: v. o Ac. do STJ de 28/5/2013, processo n.º 3425/03, Rel. SALAZAR CASANOVA, in www.dgsi.pt.↩︎ 34. Assim se sustentou no Ac. do STJ de 17/11/2020, processo n.º 571/13, Rel. ACÁCIO DAS NEVES, in www.dgsi.pt; v. J. SEABRA LOPES, Direito dos registos e do notariado, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 414.↩︎ 35. A saber, transcrevendo-se a motivação essencial: “O referido uso direto e imediato do caminho pelo público envolve, como é natural, a sua utilidade pública, ou seja, a sua afetação a utilidade pública, isto é, que a sua utilização tenha por objetivo a satisfação de interesses coletivos. No caso em apreço, tal não ficou demonstrado, uma vez que se provou que para além da 3.ª Ré, CC, algumas pessoas de identidade concretamente não determinada passam no aludido caminho sem pedir autorização. A própria Ré, no artigo 35 da contestação, reconhece que este caminho “foi perdendo importância para as populações, por terem surgido alternativas mais comodas, seja pela quase generalidade dos transportes motorizados”. Igualmente se provou que não existe qualquer fontenário nas proximidades do caminho, o qual, a existir, não tem hoje em dia qualquer função ou utilidade. Por sua vez, o conceito de “tempo imemorial”, deve ser entendido como “um período de tempo cujo início é tão antigo que as pessoas já não o recordam, por ter desaparecido da memória dos homens” ou, de outro modo, “é o facto de, em consequência da sua antiguidade, ter sido perdida pelos homens a recordação da sua origem, a ponto de os vivos não conseguirem já, pelo recurso à sua própria memória ou aos factos que lhes foram sendo narrados por antecessores, ter conhecimento do momento ou período em que determinados costumes, tradições, ou práticas repetidas continuadas, tiveram início”. Ora, mesmo que tal passagem ocorra desde a data em que é conhecida a existência de tal caminho, concordamos com os apelantes quando afirmam que matéria dada como provada quanto a este pressuposto da dominialidade é manifestamente insuficiente para ter permitido a decisão de que se trataria de um caminho de interesse coletivo e que, consequentemente, o leito do mesmo não é privado, mas público por esse mesmo motivo. Não existem também sinais de afetação do mesmo ao domínio público e não se comprova a satisfação pública desde tempos imemoriais.”↩︎ |