Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Data do Acordão: | 07/05/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 276.º, N.º 1, ALÍNEA C) E 281.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 20-09-2016, PROCESSO N.º 1742/09; -DE 22-02-2018, PROCESSO N.º 473/14; -DE 08-03-2018, PROCESSO N.º 225/15, TODOS IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDAO DO SUPREMO TRIBUAL ADMINISTRATIVO: -06-07-2016, PROCESSO N.º 01439/15, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDAO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 239/13, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDAO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: -DE 21-02-2018, PROCESSO N.º 1805/15, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDAO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: -DE 08-03-2018, PROCESSO N.º 867/12 IN WWW.DGSI.PT, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 06-03-2018, PROCESSO N.º 349/14, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : |
1. A extinção da instância por deserção, ao abrigo do art. 281º, nº 1, do CPC, depende de dois pressupostos, um de natureza objetiva (demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário) e outro de natureza subjetiva (inércia imputável a negligência das partes). 2. Para que se verifique o primeiro requisito é necessário que o prosseguimento da instância dependa de impulso da parte decorrente de algum preceito legal, o que não se verifica quando, depois de ter findo o prazo de suspensão da instância fixado pelo juiz, com fundamento no propósito de as partes efetuarem transação nos autos, estas não comunicam a efetivação de qualquer transação. 3. O facto de, após o decurso do prazo fixado para a suspensão da instância, ter sido proferido despacho segundo o qual os autos ficariam a aguardar o que as partes “tivessem por conveniente, dando conta das negociações encetadas ou pedindo a marcação do julgamento, sem prejuízo do disposto no art. 281º do CPC”, não faz recair sobre as partes qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção. 4. Em tais circunstâncias, a situação de suspensão da instância considera-se finda depois de decorrido o prazo de suspensão fixado pelo juiz ou o da sua prorrogação, nos termos do art. 276º, nº 1, al. c), do CPC, devendo ser determinado oficiosamente os prosseguimento da ação. A.G. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I - Estamos no âmbito de uma ação proposta por AA, Ldª, contra BB, SA, com intervenção acessória, ao lado da R., de CC e de DD, Ldª. A ação deu entrada em juízo em 21-6-12 sob a forma de injunção. A reconvenção foi admitida por despacho de 29-11-12. Com data de 23-4-13 foi elaborado despacho saneador com base instrutória. Foi efetuada peritagem colegial e, após esclarecimentos por escrito dos peritos, por despacho de 29-4-15 foi designado o dia 30-9-15 para a audiência final. Por requerimento datado de 6-5-15, ambas as partes solicitaram, ao abrigo do disposto no art. 272º, nº 4, do CPC, a suspensão da instância pelo prazo de 30 dias, invocando que estavam em vias de acordo (fls. 504 v. e 505), o que foi deferido por despacho de 13-5-15 (fls. 508). Por requerimento datado de 11-6-15, ambas as partes solicitaram, ao abrigo da mesma disposição, nova suspensão da instância, agora pelo prazo de 45 dias, invocando que estavam em avançada via de acordo (fls. 512 v. e 513), o que foi deferido por despacho de 22-6-15, sendo mantida a suspensão da instância por mais 45 dias (fls. 518). Por requerimento datado de 28-9-15, ambas as partes solicitaram, ao abrigo do disposto no art. 272º, nº 4, do CPC, nova suspensão da instância, agora pelo prazo de 30 dias, uma vez que necessitavam desse prazo para “ultimar o acordo que já foi atingido”, pedindo ainda que fosse dado sem efeito o julgamento designado – cfr. fls. 529 a 532. Por despacho de 29-9-15, foi deferido o requerido e declarada suspensa a instância por mais 30 dias, dando-se sem efeito o julgamento que fora agendado (fls. 532). Em 4-12-15 (fls. 535) foi proferido o seguinte despacho de notificação das “partes para virem aos autos informar se chegaram a acordo sobre o objeto do litígio, razão de ser da aludida suspensão”. Apesar de devidamente notificadas por ofícios datados de 7-12-15 (fls. 536 e 537), as partes nada disseram. Em 11-1-16 (fls. 538) foi proferido o seguinte despacho: “Notificadas para vir aos autos esclarecer se chegaram a acordo sobre objeto do litígio, as partes nada disseram. ... Assim sendo, notifique as partes do presente despacho, ficando os autos a aguardar que as mesmas, à luz do princípio da colaboração processual, requeiram o que tiverem por conveniente, dando conta das negociações encetadas ou pedindo a marcação do julgamento, sem prejuízo do disposto no art. 281º do CPC”. Em 30-9-16, a A. informou nos autos que “… após a demora na prestação de informações de que muito se penitencia, a qual se deveu unicamente ao facto de a tentativa de negociações encetadas com a R. se ter prolongado no tempo até então, na sequência das mesmas, informar de que as partes não lograram alcançar o acordo esperado e, nessa sequência, requerer a V.Ex.ª se digna dar o prosseguimento processual dos presentes autos” (fls. 541 e 542). Depois de as partes terem sido notificadas para se pronunciarem sobre a aplicação do art. 281º, nº 1 do CPC, foi proferido despacho determinativo da extinção da instância, por deserção, quer relativamente à ação, quer à reconvenção. A A. apelou, mas a Relação confirmou a decisão. Foi interposto recurso de revista excecional que foi admitido e no qual se suscitam as seguintes questões: Não houve contra-alegações. Cumpre decidir.
II – Decidindo: 1. Pese embora as circunstâncias do caso em que ambas as partes revelaram uma objetiva falta de resposta a solicitações que lhe foram feitas pelo tribunal de 1ª instância, depois de terem solicitado a suspensão da instância para consensualização do litígio e a prorrogação dessa suspensão, com repercussão na desmarcação de audiência final que estava agendada, a resolução do recurso passa, no essencial, pela interpretação e aplicação do preceituado no art. 281º, nº 1, do CPC. Nos termos desta norma, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de 6 meses. Defrontamo-nos, assim, com duas exigências cumulativas: uma de natureza objetiva (falta de impulso processual das partes, máxime do A., para o prosseguimento da instância) e outra de natureza subjetiva (inércia causada por negligência). Considerando exigência de ambos os requisitos, ater-nos-emos por ora ao primeiro, já que se o mesmo não se verificar, nem sequer existe interesse em apreciar a argumentação tecida pela A. em redor das causas da inércia ou do modo de comprovação da negligência. A este respeito basta-nos referir que se acaso aquele primeiro requisito se verificasse, haveria boas razões para qualificar como negligente (rectius, manifestamente negligente, pela inconsideração que isso importava relativamente a despachos judiciais) o comportamento de ambas as partes. 2. O primeiro pressuposto significa que apenas pode extrair-se o efeito extintivo da instância revelado pela deserção quando em algum ponto do seu percurso o processo estiver a aguardar o impulso processual por um período superior a 6 meses. É o que ocorre, por exemplo, nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes. Como resulta claro do art. 269º, nº 1, al. a), do CPC, a partir de então passa a recair sobre a parte o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como o revelam os arts. 276º, nº 1, al. a) e 351º. A não ser que a parte revele dificuldades na identificação daqueles ou na obtenção da necessária documentação dentro do referido prazo de 6 meses ou de outro prazo que resulte de alguma prorrogação, verificar-se-á uma situação de inércia imputável à parte, nos termos do nº 3, com efeitos na deserção da instância, como se decidiu nos Acs. do STJ de 20-9-16, 1742/09 e de STJ 22-2-18, 473/14, este subscrito por este mesmo coletivo, em www.dgsi.pt. Solução semelhante se ajusta aos casos de renúncia ao mandato conferido pelo autor. Sendo obrigatória a constituição de advogado, o mandato estende-se por mais 20 dias, mas, a partir de então, a instância fica suspensa e apenas se reinicia com a constituição de novo advogado, nos termos do art. 47º, nº 3, al. a) (STA 6-7-16, 01439/15, www.dgsi.pt). Solução que também se adapta à falta de comprovação do registo da ação, quando este constitua ónus do autor, como se decidiu em STJ 8-3-18, 225/15, www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que “tendo sido notificado às partes … o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da ação, não impende sobre o tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser exclusivo ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber … que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de 6 meses estabelecido no art. 281º, nº 1, do CPC, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de justificadamente alegar e provar que não foi possível fazê-lo sem culpa/negligência”). O caso sub judice é diferente.
3. O impulso básico do A. satisfez-se com a propositura da ação, do mesmo modo que, relativamente à reconvenção, o impulso necessário ocorreu com a sua dedução na contestação. A partir de então, não dependendo o prosseguimento da instância de qualquer impulso processual, a mesma deveria percorrer cada uma das fases legalmente previstas até à audiência final. É claro que a natureza pública do processo civil não afasta outras vicissitudes que podem ocorrer e que encontram previsão legal. Assim ocorre com as situações de suspensão da instância ou por acordo das partes (desde que não perturbe a audiência final já designada, nos termos do art. 272º do CPC) ou por via de decisão judicial quando seja encontrado motivo justificado, como aquele que esteve na base da suspensão. No caso, mesmo com prejuízo da audiência final que estava agendada, o Mº Juiz de 1ª instância deu crédito a um propósito revelado pelas partes e que se afigurava sério, o que redundou, primeiro, na determinação da suspensão da instância por esse motivo, depois, na prorrogação do prazo de suspensão pelo mesmo motivo e ainda, a final, noutra prorrogação do prazo com efeitos na desmarcação da audiência final, decisões que encontram cobertura legal no art. 272º, nº 1, in fine. Não podendo a suspensão, com os efeitos que se produziram, ser mera consequência da iniciativa das partes, nada obstava a que a mesma fosse declarada, ante a virtualidade de assim se conseguir uma resolução do litígio de forma consensual, em lugar de ser deixado para apreciação pelo tribunal. Em tais circunstância tinha o tribunal de fixar um prazo para a suspensão da instância ou para as subsequentes prorrogações, o que foi feito. Porém, decorrido esse prazo sem que tivesse sido comunicada a efetivação da aludida transação, o que se impunha, em face do art. 276º, nº 1, al. c), era que fosse declarada a situação de suspensão da instância, retomando os autos a sua normal tramitação. Em bom rigor, na ocasião em que foi proferido o despacho de 1ª instância que declarou a extinção da instância o único impulso de que o processo carecia traduzia-se na designação de data para a audiência final. Sem embargo da legitimidade das diligências que ainda assim foram feitas pelo tribunal no sentido de as partes clarificarem se a transação fora ou não alcançada, com o objetivo de evitar nova marcação da audiência final e o rol de efeitos que tal determina para a agenda do tribunal e dos terceiros convocados, não tendo as partes respondido a tal solicitação exigia-se que fosse determinado o prosseguimentos dos autos designadamente com remarcação da audiência final. Certo é que, malgrado a indisponibilidade que as partes revelaram para clarificarem o estado da situação, no momento em que o tribunal de 1ª instância notificou as partes para clarificarem se atingiram ou não o consenso, em termos objetivos, nenhum impulso recaía sobre as mesmas no que concerne à prossecução da instância, impondo-se às partes e também ao tribunal o prosseguimento da instância com designação de audiência final. Esta é, aliás, a jurisprudência que se colhe das Relações, de modo que se as partes dão notícia de que buscam uma solução consensual e pedem que se suspenda a instância por dois meses, não se justifica que a partir do fim desse prazo se inicie a contagem do prazo de 6 meses para a deserção. Em tais circunstâncias impõe-se que o juiz retome oficiosamente a marcha processual, ante o fracasso do acordo no fim do prazo solicitado, como se decidiu no Ac. da Rel. de Lisboa, de 27-4-17, 239/13, que serviu de fundamento à admissibilidade da revista ou no Ac. da Rel. de Coimbra de 6-3-18, 349/14. Assim ocorre também com a falta de indicação de objeto da perícia (Ac. da Rel. do Porto de 21-2-18, 1805/15) ou com a falta de suprimento de exceção dilatória (Ac. da Rel. de Évora de 8-3-18, 867/12), todos em www.dgsi.pt.
4. É verdade que, em despacho de 11-1-16, o Mº Juiz de 1ª instância determinou que os autos ficassem a aguardar que qualquer uma das partes requeresse o seu andamento, dando conta das negociações encetadas ou requerendo a marcação de julgamento, “sem prejuízo do disposto no art. 281º do CPC”. No entanto, de tal despacho não podem ser retirados os efeitos que as instâncias declararam já que, como se disse, a instância não se encontrava parada a aguardar qualquer impulso que fosse legalmente necessário, antes se encontrava numa situação de stand by à espera que porventura fosse comunicada nos autos eventual transação. A partir do momento em que terminou o prazo de suspensão que fora prorrogado, em termos objetivos a instância aguardava apenas que o Mº Juiz da 1ª instância convocasse as partes para a realização da audiência final. A alusão que naquele despacho foi feita ao previsto no art. 281º do CPC revelou-se sem conteúdo, uma vez que, repita-se, o prosseguimento da instância não estava dependente de qualquer impulso processual; pelo contrário, era a prorrogação da situação de suspensão da instância que estaria dependente de alguma informação da qual resultasse a séria convicção de que o litígio sempre iria terminar por acordo das partes. As normas de direito adjetivo devem potenciar uma interpretação uniforme que confira segurança a todos os intervenientes, o que conflitua com a previsão, por via de decisões avulsas, de efeitos que não são projetados por tais normas. No caso, ante a falta de sustentação e algum preceito de um ónus de impulsionar o prosseguimento da instância, deveria ter sido determinado o prosseguimento da instância, relegando eventualmente para outro plano a apreciação do cumprimento do dever de boa fé ou do dever de cooperação que, no mínimo, determinariam a inviabilidade de outras iniciativas das partes no sentido de nova suspensão da instância, no pressuposto de que o processo não constitui matéria que seja deixada à pura iniciativa das partes, obedecendo a regras de interesse público.
III – Face ao exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se a remessa dos autos à 1ª instância a fim de nele ser acionada a continuação da instância a partir do momento em que a mesma se encontrava aquando da sua suspensão. Custas da revista a cargo dos RR. Notifique. Lisboa, 5-7-18
Abrantes Geraldes
Tomé Gomes
Maria da Graça Trigo |