Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM FURTO QUALIFICADO FURTO PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 01/13/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: |
§1. – RELATÓRIO. §1.(a). – ANTECEDENTES PROCESSUAIS. O arguido, AA, foi submetido a julgamento, no Tribunal da Comarca …, mediante imputação deduzida em requerimento de acusação pública, pela prática, em autoria material, de três (3) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e); um (1) crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º nºs 1 e 2 al. c) e 204º nº 1 al. b); dois (2) crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203º nº 1; e um (1) crime de furto simples na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º nºs 1 e 2 als. a), b) e c) e 203º nº 1, todos do Código Penal (CP), tendo o tribunal ditado o veredicto que a seguir queda transcrito (sic): “1. Alterar a qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido AA vem acusado quanto ao episódio descrito no ponto I./ 2., de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203º nº 1, e um crime de furto simples na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º nºs 1 e 2 als. a), b) e c) e 203º nº 1, todos do Código Penal, para um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 1 al. f), ambos do Código Penal. 2. Condenar arguido AA como autor material, em concurso real, pela prática: 2.1. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e), ambos do Código Penal, na pena parcelar de dois anos e oito meses de prisão (episódio descrito no ponto I./ 1.), absolvendo-o do remanescente (imputada reincidência); 2.2. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 1 al. f) do Código Penal, objeto da alteração da qualificação jurídica, na pena parcelar de um ano e dez meses de prisão (episódio descrito no ponto I./2.), absolvendo-o do remanescente (imputada reincidência); 2.3. de um crime de furto simples na forma tentada, p. e p. pelos arts. arts. 22º nºs 1 e 2 als. a) e b), 23º nºs 1 e 2 e 203º nºs 1 e 2, todos do Código Penal, na pena parcelar de seis meses de prisão (episódio descrito no ponto I./ 3), absolvendo-o do remanescente (imputada reincidência e circunstância qualificadora a que alude o art. 204º nº 1 al. b) do Código Penal); 2.4. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e), ambos do Código Penal, na pena parcelar de dois anos e oito meses de prisão (episódio descrito no ponto I./ 4), absolvendo-o do remanescente (imputada reincidência); 2.5. de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º nº 1 e 204º nº 1 al. f) do Código Penal, na pena parcelar de um ano e oito meses de prisão (episódio descrito no ponto I./ 5), absolvendo-o do remanescente (imputada reincidência e circunstância qualificadora a que alude o art. 204º nº 2 al. e) do Código Penal). 3. Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 2.1. a 2.5., na pena única de cinco anos e dez meses de prisão.” Dissentindo do veredicto, alça, o arguido, petição de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a motivação, com que alentou a pretensão recursiva, no epítome conclusivo que a seguir queda extractado. §1.(b). – QUADRO CONCLUSIVO. §1.(b).1. – DO RECORRENTE. “1. Foi o recorrente condenado, em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, na pena única de prisão de cinco anos e dez meses pela prática em autoria material de quatro crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al. e) ambos do CP, e um crime de um crime de furto simples na forma tentada p. e p. pelos arts. 22º n.º 1 e 2 als. a) e b) e 203º n.º 1 e 2 todos do CP; 2. Sendo certo que não se impugna a verificação das circunstâncias que ditaram a efetividade da pena de prisão, a verdade é que, sempre salvo melhor opinião, o tribunal recorrido não ponderou - suficientemente - o arrependimento sincero e genuíno do arguido. 3. Não tomou em linha de conta o valor diminuto dos objectos furtados (cerca de € 1.000,00 na globalidade dos diversos furtos) tendo sido a maioria destes recuperados; 4. Aliás, o tribunal recorrido não ponderou o conteúdo do relatório social respeitante ao actual comprometimento com as normas da sociedade e consciencializando-se do desvalor da sua conduta aquando a prática dos ilícitos criminais. 5. Mais, após o cumprimento da anterior pena de prisão a que foi condenado, procurou ajuda para por termo à sua dependência das substâncias psicotrópicas, sujeitando-se inclusive a internamento em clinica especializada, encontrando atualmente abstinente. 6. A pena de prisão anteriormente aplicada cumpriu com os seus objectivos - reintegração social - e que a aplicabilidade de nova pena de prisão efetiva mostra-se danosa quer no seu futuro profissional (com propostas para iniciar trabalho como ……) quer no seu futuro pessoal e familiar. 7. Destarte e porquanto, privilegia o legislador a aplicabilidade de penas não privativas da liberdade em desfavor da pena de prisão; 8. Mostram-se em concreto preenchidos os necessários pressupostos para que a pena de prisão aplicada ao recorrente seja revogada e substituída por uma pena de quatro anos de prisão por se mostrar adequada à satisfação das necessidades de prevenção geral e especial que o caso exige, mas suspensa na sua execução; 9. Por violação do disposto nas normas conjugadas dos arts. 50º e 42º, a contrario, ambos do Código Penal, deverá a decisão recorrida ser revogada e por essa via, suspensa tal aplicabilidade da pena de prisão, (…) deverá a decisão recorrida – no segmento que condena o arguido em cúmulo jurídico na pena de prisão efetiva de cinco anos e dez meses – ser revogada e substituída por uma pena de quatro anos de prisão, no molde a que essa mesma pena seja suspensa na sua execução por igual período de tempo (…).” §1.(b).2. – DO RECORRIDO. “1. O acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios. 2. A pena aplicada ao arguido não excede a culpa daquele, sendo justa e adequada, respeitando as exigências de prevenção geral e especial, não enfermando a sua fixação de qualquer violação ao disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do C. Penal. 3. O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, não violou qualquer disposição legal, optou pela aplicação ao arguido/recorrente de pena de prisão que se mostra adequada, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. §1.(b).3. – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Por Acórdão de 4 de Junho de 2020, proferido pelo Tribunal Colectivo no Juízo Central Cível e Criminal ….. – Juiz ….. do Tribunal Judicial da Comarca …., Tribunal Judicial da Comarca ….. foi o arguido AA, nascido a … de Outubro de 1983, julgado e condenado na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão que engloba as seguintes penas parcelares: - Pena de 2 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 alínea e) ambos do C. Penal. - Pena de 1 ano e 10 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º n.º 1 e 204.º n.º 1 alínea f) do C. Penal. - Pena de 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto simples na forma tentada p. e p. pelo art.º 22.º n.º 1 e 2 alínea a) e b), 23.º n.º 1 e 2 e 203.º n.º 1 e 2 do C. Penal. - Pena de 1 ano e 8 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 203.º n.º 1 e 204.º n.º 1 alínea f) do C. Penal. Inconformado, o arguido reagiu mediante recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por considerar que a determinação da pena não atendeu ao seu arrependimento, ao valor diminuto dos objectos furtados e recuperação da maior parte deles, ao tratamento a que se sujeitou da toxicodependência, afigurando-se-lhe desproporcional a pena fixada e mais ajustada a pena de 4 anos de prisão, que devia ser suspensa na sua execução. O Ministério Público na 1.ª instância na contramotivação a que alude o art.º 413.º n.º 1 e 2 do CPP foi de entendimento, em síntese, que o acórdão recorrido não enferma de nenhuma omissão, nulidade ou vício que o possa inquinar, foram ponderadas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, na fixação da pena o tribunal teve presente que as penas visam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que a pena não ultrapassa a medida da culpa, teve em conta razões de prevenção geral e especial, e atentas as duas condenações anteriores em duas penas de prisão, a opção por pena de prisão, atentas as elevadas razões de prevenção especial se justifica. Concordamos com os argumentos expendidos na referida contramotivação, afigurando-se dizer que flui da fundamentação do acórdão recorrido o processo lógico de determinação da pena, demonstrando que foram respeitados os critérios legais para o efeito, correcta a ponderação conjunta a que alude o art.º 77.º do C. Penal, avaliando a personalidade e a culpa expressa nos factos e a conexão temporal entre os crimes, evidenciando a personalidade do recorrente, que como realça o acórdão recorrido evidencia dificuldade no autocontrolo e dificilmente resiste à tentação de levar a efeito crimes de furto qualificado para satisfazer as necessidades resultantes da toxicodependência, cujo tratamento abandonou (que iniciara em 2017), dependência essa que acentua as necessidades de prevenção especial. A persistência na prática de crimes contra o património e anteriores condenações por crimes similares revelam que não interiorizou as condenações anteriores e que a pena única aplicada, não excede a medida da culpa nem é desproporcional. O quantum da pena não permite a suspensão da execução da pena de prisão e, mesmo que assim não fosse, não se configura a possibilidade de um juízo de prognose favorável. Razão por que o Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça reitera que o recurso deve improceder.” §1.(b).4. – QUESTÕES SOLVENTES PARA A DECISÃO. Não exsurgindo, nem do texto da decisão, nem da tramitação do processo, questões de que haja que ser tomado conhecimento oficioso, sobra para conhecimento a questão anunciado pelo próprio recorrente, a saber “(…) ao segmento da decisão recorrida que condenou o arguido na pena de prisão efectiva de cinco (5) anos e dez (10) meses de prisão”. §.2. – FUNDAMENTAÇÃO. §2.(a). – DE FACTO. Discutida a causa, apurou-se a seguinte factualidade com relevância para a decisão da mesma: I. Da acusação pública: 1. (NUIPC 243/19……) Entre as 6:30h. e as 18:30h, do dia … de abril de 2019, o arguido dirigiu-se à residência sita na Estrada …..….……, pertencente a BB e CC. Para o efeito, transpôs o muro de 1,90m que delimita a referida habitação, e forçou a abertura da janela da casa de banho, que transpôs, assim acedendo ao interior da habitação. Após, apoderou-se dos seguintes objetos, de valor não concretamente apurado, mas superior a € 102,00, que fez seus: uma garrafa de whisky da marca “…..”, edição especial; uma garrafa de whisky da marca “….”; um par de sapatilhas “…..”, de cor …, número …; um par de sapatos de homem “…..”, de cor …., número ….; um par de sapatos de senhora “…..”, de cor ….., número ….; um telemóvel da marca “….”, de cor …; um telemóvel da marca “….”, de cor ….; e um relógio de cor ../… da marca “….”. 2. (NUIPC 264/19….. e 309/19…..) No dia … de abril de 2019, pelas 12:30h., o arguido dirigiu-se ao edifício industrial da sociedade “T......., S.A.”, pertencente a EE, sita na Estrada …., em ….., na ….. Nas referidas circunstâncias, transpôs o muro que delimitava o recinto e acedeu ao parque de estacionamento onde estavam guardadas as viaturas da referida sociedade. Uma vez naquele local: - dirigiu-se primeiramente ao veículo de matrícula …...-XP, pertencente a FF, partiu o vidro frontal do lado do condutor, usando para o efeito o seu casaco da marca “……”, de cor ….., com o propósito de não se ferir, abriu o capot da viatura e dali subtraiu uma bateria automóvel no valor de € 80,00, que integrou no seu património; - após, abeirou-se do veículo com matrícula …-OE, pertencente a “P......, Lda.” partiu o vidro frontal do lado do passageiro, usando para o efeito o referido casaco, com o mesmo propósito, abriu o capot da viatura e dali subtraiu uma bateria automóvel no valor de € 80,00, que fez sua. - de seguida dirigiu-se ao veículo de matrícula ….-LU, pertencente a M......, Lda., e amolgou uma chapa de ferro com o propósito de dali subtrair duas baterias com o valor o valor unitário de pelo menos € 50,00 cada, o que, contudo, não logrou por motivos alheios à sua vontade. 3. (NUIPC 289/19…..) Entre as 20:30h. do dia … de abril de 2019 e as 19:30h. do dia … de maio de 2019, o arguido dirigiu-se novamente ao edifício industrial da sociedade “T......., S.A.”. Nas referidas circunstâncias, transpôs o muro e acedeu ao recinto do parque estacionamento. Após, abeirou-se do veículo de matrícula ……-PG, pertencente a EE e T……., Lda., que ali se encontrava estacionado e, usando o blusão de cor …., tamanho “S”, da marca “……” com o objetivo de não se ferir, partiu o vidro do frontal do lado do passageiro e abriu o capot da viatura, com o objetivo de apoderar da bateria, de montante similar aos montantes referidos em 2., o que apenas não logrou por motivos alheios à sua vontade. 4. (NUIPC 246/19……) Entre as 8:00h. e as 16:30h. do dia … de maio de 2019, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua ….., na ….., ……. Ali chegado, transpôs um muro de 2,20m que delimitava o acesso à referida habitação e, de seguida, acedeu ao interior através de uma janela, que igualmente transpôs. Após, deslocou-se à divisão do escritório e a dois dos quartos, tendo subtraído das gavetas abertas dos móveis de um daqueles os seguintes bens, pertencentes a II, que fez seus: um par de botas da marca “….”, de cor ….. com cordão e pelo de cor ….., tamanho …., no valor de €10,00; um par de sapatilhas da marca “…”, de cor ….., tamanho …, em estado de novo, no valor de € 35,00; um anel em ouro amarelo, com uma pedra azul, de valor desconhecido; um relógio da marca “…..” de bracelete … e mostrador … e …., no valor de € 30,00; e relógio da marca “…” bracelete de plástico em cor …. e mostrador de cor …., no valor de € 30,00. 5. (NUIPC nº 244/19……) Entre o dia … de abril e as 14:00h. do dia … de maio de 2019, o arguido dirigiu-se à residência de JJ, sita na Rua dos ….……... Ali chegado, transpôs o muro que delimita o acesso à residência, acedeu ao interior da residência através de método não apurado e apoderou-se dos seguintes bens, que fez seus: um par de sapatilhas da marca “…”, no valor de € 94,00; um par de sapatilhas da marca “….”, no valor de € 60,00; e um par de sapatilhas “….”, no valor de € 75,00. O Arguido está desempregado, é toxicodependente e praticou toda a factualidade descrita a fim de, com os bens e valores subtraídos, adquirir produto estupefaciente. O arguido agiu da forma descrita em 1. a 5. livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de se apoderar dos identificados bens, bem sabendo não só que não lhe pertenciam e que atuava no desconhecimento e contra a vontade dos legítimos proprietários, mas também que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei. II. Da imputada reincidência (1): (1) Conforme facilmente se pode verificar, não nos pronunciamos nesta sede quanto à alegação de que a anterior “condenação não constituiu obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes pelo arguido, não se logrando assegurar, pela referida condenação, as exigências de prevenção geral e especial que àquele caso cabiam, devendo aqui ser-lhe aplicada pena de prisão efectiva superior a 6 meses” porquanto consubstanciam afirmações de pendor meramente conclusivo, que, por isso, não devem ser transpostas para o elenco da factualidade provada ou não provada (vide, a este respeito, a título de exemplo, o Ac. TRL de 30-10-2014, processo nº 1005/13.7PASNT.L1-9, relatado pela Senhora Juiz Desembargadora Guilhermina Freitas, integralmente disponível em www.dgsi.pt). O arguido foi condenado por acórdão proferido no âmbito do processo nº 460/10….., do Juízo Central Cível e Criminal de …. – J….., na pena de 5 anos e 2 meses de prisão, pela prática, em … de abril e … de setembro de 2010, de um crime de furto qualificado na forma tentada, um crime de furto qualificado na forma consumada e de um crime de furto simples, resultante de cúmulo jurídico das penas parcelares de 2 anos e 10 meses de prisão, 3 anos e 3 meses de risão e 1 ano e 8 meses de prisão, pena única essa cujo cumprimento iniciou após … .12.2011. III. Mais se provou das condições pessoais do arguido e a sua situação económica e das condutas anteriores e posteriores aos factos: O arguido é o segundo de uma fratria de seis elementos, tendo crescido num contexto familiar economicamente carenciado, disfuncional e problemático do ponto de vista do relacionamento interno e da supervisão comportamental por parte dos progenitores. O progenitor foi uma figura ausente e punitiva, no quadro de alcoolismo, que perpetrava maus-tratos no seio familiar. O arguido abandonou a Escola por volta dos quinze anos de idade, no seguimento de dificuldades de aprendizagem e de adaptação, sem que tenha conseguido aprender a ler e escrever. Começou a trabalhar no setor ……., por volta dos 16 anos de idade, como indiferenciado e em situação irregular, tendo ainda exercido a atividade de … de construção civil sem qualquer vínculo laboral ou proteção social. Na adolescência integrou um grupo de pares negativamente conotados pelo comportamento marginal e, nesse contexto, iniciou o consumo de substâncias psicoativas (estupefacientes e álcool) e afastou-se de qualquer ocupação laboral ou social estruturada, passando a deambular pelas ruas de … e de …., acompanhado por indivíduos associados à toxicodependência e à prática de comportamentos ilícitos, tendo acabado por estabelecer contacto com o sistema judicial em 2001. Desde então sucederam-se várias condenações. Em 2012 foi transferido para o Estabelecimento Prisional …….., onde cumpriu a pena de prisão supra referida em II. Ao longo da reclusão, e embora manifestasse a necessidade de mudança, o seu comportamento foi marcado por dificuldades de adesão à norma e em manter a abstinência ao nível dos estupefacientes. Regressou ao núcleo de origem em 2016, quando da sua libertação, do qual se autonomizou por volta do mês de agosto daquele ano, quando conheceu a sua atual companheira, com quem vive maritalmente desde então em habitação que se insere em bairro social problemático da freguesia ….. O agregado é composto pelo arguido, a companheira, dois filhos desta (de 20 e de 31 anos de idade) e um neto desta (de 2 anos de idade). A situação socioeconómica da família sempre foi precária, em função do não exercício de atividade laboral regular por parte de todos os elementos adultos do agregado, os quais vêm subsistindo, sobretudo, dos apoios sociais, particularmente da atribuição do rendimento social de inserção. O arguido não efetuou a sua inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego ..…... O casal já se separou algumas vezes na sequência de conflitos. O arguido manteve-se integrado no programa de tratamento com opiáceos de substituição - metadona até junho de 2017, data em que solicitou o encaminhamento para realizar desintoxicação, tendo sido internado na Clínica … . No entanto, por decisão do próprio, abandonou o internamento antes da data prevista. Veio a recair nos consumos de drogas, desta feita subutex, o que manteve até à data de entrada no Estabelecimento Prisional à ordem do processo nº 329/19….., ocorrida em maio de 2019. O arguido tende a agir sem prever as consequências do seu comportamento e em função da satisfação imediata das suas necessidades, sendo facilmente permeável à influência de terceiros. Foi acompanhado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais no âmbito do processo nº 450/15….. do Juízo Local Criminal da ……, tendo revelado um percurso inconsistente e pouco comprometido com o plano individual de reinserção social, situação decorrente, de algum modo, da sua reduzida consciência crítica perante a sua situação jurídico-penal e das fracas competências pessoais e sociais. Reconhece a ilicitude dos factos em abstrato e refugia-se em fatores externos, nomeadamente de ordem económica. O arguido foi condenado pelas onze seguintes decisões transitadas em julgado: (i) sentença de 17.04.2002, proferida no PCS 27/01…, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, por factos de … .01.2001, na pena de seis meses de prisão substituída por multa; (ii) acórdão de 25.11.2002, proferido no PCC 75/01….., pela prática de três crimes de furto e oito crimes de furto qualificado, por factos e cerca de … .02.2001, na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos; (iii) acórdão de 06.06.2003, proferido no PCC 349/01…, pela prática de quatro crimes de furto qualificado, por factos de cerca de … .07.201, na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; (iv) acórdão de 06.11.2003, proferido no PCC 118/02…., pela prática de sete crimes de furto qualificado, por factos de cerca de … .05.2002, na pena única de 1 ano e 7 meses de prisão; (v) acórdão de 21.04.2004, proferido no PCC 132/02…, pela prática de um crime de recetação, e de dois crimes de furto qualificado, por factos de …. .05.2002 a … .07.2002, na pena única de 10 meses de prisão; (vi) acórdão cumulatório, proferido no PCC referido em (v), que procedeu ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nesses autos e nos processos referidos em (iii) e (iv), na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão; (vii) sentença de 09.11.2004, proferida no PCS 36/04…., pela prática de um crime de furto qualificado, por factos de …. .02.2004, na pena de 8 meses de prisão; (viii) acórdão supra referido em II.; (ix) sentença de 08.07.2014, proferida no PCS 45/13…., pela prática de um crime de consumo de estupefacientes e de um crime de tráfico de estupefacientes, por factos de … .02.2013, na pena única de 3 meses e 15 dias de prisão; (x) sentença de 11.07.2017, proferida no PCS 450/15…., pela prática de um crime de furto qualificado, por factos de … .11.2016, na pena única de 6 meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, pelo período de 1 ano; e (xi) decisão com valor de sentença condenatória, proferida no processo sumaríssimo 323/19….., pela prática de um crime de ameaça agravada, por factos de … .05.2019, em pena de multa. Da enunciação dos factos não provados: Não resultou provado que: a) Com referência aos factos descritos no ponto I./3., o arguido pretendia apropriar-se de outros bens de valor superior a €102,00 que ali se encontrassem guardados; b) Com referência aos factos descritos no ponto II., o arguido esteve ininterruptamente preso, em cumprimento da pena única em questão, até ao dia 7 de maio de 2016, data em que atingiu o termo da pena. Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos. Dos motivos de facto que fundamentam a decisão A nossa convicção assentou, em primeira linha, nas declarações maioritariamente confessórias prestadas pelo arguido quanto aos dois primeiros episódios descritos nos pontos I./ 1. (à exceção do valor dos bens) e I./2. (à exceção do valor dos bens, sendo certo que declarou ter vendido as baterias por € 20,00 cada), o que, de resto, se mostra concludente com a prova documental e pericial pré constituída elencada na acusação pública. As testemunhas BB (ofendido no episódio a que se refere o ponto I./ 1.), FF (ofendido no episódio do primeiro veículo automóvel a que se refere o ponto I./ 2.) e EE (legal representante da sociedade ofendida no episódio a que se refere o ponto I./ 2.) confirmaram, cada qual, objetiva e seriamente, o valor dos bens em questão. Relativamente a episódio descrito no ponto I./3., não mereceu acolhimento a versão dos factos apresentada pelo arguido de que não voltou a deslocar-se ao local em questão, porquanto - para além da notória semelhança no modus operandi relativamente aos factos descritos no ponto I./2. [reportamo-nos ao casaco deixado no local (sendo que, naqueloutro episódio, fora usado um casaco para partir o vidro do veículo)] - resulta do teor do relatório de inspeção relativo à recolha dos vestígios lofoscópicos a fls. 19 e ss., compaginado com o teor do exame pericial lofoscópico realizado pela Polícia Judiciária a fls. 27 e ss., ambos do cit. apenso com o NUIPC 289/19…., que os dois vestígios recolhidos do capot do veículo pertencem ao arguido, sendo certo que a cit. testemunha EE confirmou que os factos tiveram lugar em dia posterior à data dos factos referidos no ponto I./2. Sem embargo, precisamente considerando a similitude dos factos [mormente os objetos que o arguido subtraiu/ tentou subtrair (baterias) e o modo de operar], não podemos concluir que o arguido pretendia dali retirar todo e qualquer bem e, a mais disto, de valor superior a € 102,00… (nem sequer sabemos se existiam outros bens nesse valor…), em razão do que essa matéria resultou como não provada. Tudo leva a crer, pois, que o arguido, também na segunda vez, procurava retirar e levar consigo, precisa e novamente, uma bateria (cujo valor médio, conforme aludiu aquela testemunha, ronda os € 70,00/ € 80,00). No que concerne ao episódio descrito no ponto I./4., o arguido reconheceu ter entrado em poder de todos os bens em questão, defendendo, contudo, que os encontrou na rua, junto a um caixote do lixo rua, no interior de um saco de plástico ali deixado, pelo que deles se assenhoreou, vindo posteriormente a vendê-los. Esta simplista versão dos factos, contudo, não é consentânea com as mais elementares regras de experiência comum e juízos de normalidade: por um lado, tratar-se-ia, naturalisticamente, de um acontecimento insólito, qual seja alguém ter deixado/ abandonado bens de valor - incluindo um anel em ouro, notamos - num saco de plástico junto ao caixote do lixo… Por outro lado, tendo sido subtraídos aqueles precisos bens (nem mais nem menos objetos) da residência da ofendida II, tal como esta, na veste de testemunha, rigorosamente confirmou (assim como o modo de entrada na residência, necessariamente através de uma janela posto que as portas estavam fechadas e não foram danificadas), não é plausível que o agente dos factos (portanto, na versão do arguido, outra pessoa que não ele mesmo) houvesse desprezado 100% dos objetos… que ele mesmo escolhera e subtraíra… O valor dos objetos (e para além do auto de exame e avaliação a fls. 14 desse NUIPC 246/19…) foi outrossim confirmado, com toda a segurança, pela mesma testemunha, aventando que só o anel em ouro ascenderia a perto de € 150,00 (não comparável com o valor afetivo que tinha, conforme sentidamente também desabafou). Por último, quanto ao episódio descrito no ponto I./5., atendemos, conjugadamente, ao depoimento da ofendida JJ - especialmente na parte em que referiu que o arguido, seu primo, havia recentemente frequentado a sua casa (pelo que pôde ter-se apercebido das sapatilhas) - e de LL, vizinho daquela (reside no outro lado da rua, na moradia imediatamente defronte), o qual declarou ter conversado com o arguido na data dos factos [este perguntou-lhe se a tia (mãe da ofendida) estaria em casa], após o que o viu saltar o muro, dirigir-se às traseiras daquela residência, regressar uns minutos depois e ir-se embora “à pressa” (sic) de bicicleta, sendo que se fazia sempre acompanhar de um saco de plástico… Não atendemos, pois, à contrária versão dos factos avançada pelo arguido de que se limitou a tocar à porta de casa da sua tia para lhe vender peixe (daí a explicação para ter consigo um saco de plástico…) conforme haviam combinado, a qual, todavia, não atendeu, em razão do que, de imediato (sem qualquer “andança” pelo quintal/ traseiras da moradia), foi-se embora… Mais atentámos no depoimento da ofendida no que respeita ao indicado valor dos bens (de resto, consentâneo com a normalidade do preço daquelas marcas das sapatilhas). Todos os aludidos depoimentos mostraram-se seguros, objetivos, sérios, isentos e espontâneos, pelo que as testemunhas mereceram integral credibilidade. Quanto aos factos de índole subjetivo dos episódios vertidos nos pontos I./3. a 1./5., considerámos ainda, por inferência, aos demais factos provados, porquanto, tratando-se de acontecimentos do foro interno, não foram objeto de prova direta (conforme sucede, aliás, na esmagadora maioria dos casos em que não há confissão dos factos). Por fim, no que respeita às condições pessoais do arguido, a sua situação económica e as condutas anteriores e posteriores aos factos (grupos II. e III.), atendemos ao teor do relatório social a fls. 131 e ss. e do certificado do registo criminal a fls. 136 e ss. Não se demonstrou, contudo, face à total ausência de prova a este propósito (mormente uma certidão extraída dos autos em causa narrativa dos factos), o período de tempo em que o arguido esteve recluso em cumprimento da pena aplicada no âmbito do PCC 460/10…... Com efeito, neste domínio, a acusação refere que o arguido iniciou o cumprimento da pena após 06.12.2011, o que se afigura correto, mediante presunção, posto que corresponde à data do trânsito em julgado da decisão (sem embargo de eventual desconto, não teria sido possível iniciar o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado do acórdão). Todavia, imediatamente a jusante, o libelo acusatório refere que o arguido esteve ininterruptamente preso até 07.05.2016, data em que atingiu o termo da pena, presunção esta que, ao invés, se mostra incorreta: decorre do certificado do registo criminal que a pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, naquela data (07.05.2016), o que não significa que, necessariamente, tenha estado privado até essa mesma data (aliás, sendo a pena de 5 anos e 2 meses de prisão, e tendo o acórdão transitado em julgado em 06.12.2011, necessariamente terá beneficiado da liberdade condicional)…” §2.(b). – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DO CASO. O arguido, discrepa da medida da pena única, por estimar que o tribunal (i) não ponderou - suficientemente - o arrependimento sincero e genuíno do arguido”; (ii) “[não] tomou em linha de conta o valor diminuto dos objectos furtados (cerca de € 1.000,00 na globalidade dos diversos furtos) tendo sido a maioria destes recuperados”; (ii) “não ponderou o conteúdo do relatório social respeitante ao actual comprometimento com as normas da sociedade e consciencializando-se do desvalor da sua conduta aquando a prática dos ilícitos criminais”; (iv) “após o cumprimento da anterior pena de prisão a que foi condenado, procurou ajuda para por termo à sua dependência das substâncias psicotrópicas, sujeitando-se inclusive a internamento em clinica especializada, encontrando atualmente abstinente”; (v) “a pena de prisão anteriormente aplicada cumpriu com os seus objectivos - reintegração social”; “a aplicabilidade de nova pena de prisão efetiva mostra-se danosa quer no seu futuro profissional (com propostas para iniciar trabalho como ……) quer no seu futuro pessoal e familiar”; “mostram-se, em concreto, preenchidos os necessários pressupostos para que a pena de prisão aplicada ao recorrente seja revogada e substituída por uma pena de quatro anos de prisão por se mostrar adequada à satisfação das necessidades de prevenção geral e especial que o caso exige, mas suspensa na sua execução”. Antes de passarmos à análise do caso, importa passar em revista a justificação encontrada pelo tribunal recorrido para a pena conjunta (global) encontrada. “Da escolha e determinação concreta da medida da pena (…) Das penas parcelares: (…) No caso dos autos, as necessidades de prevenção geral são assaz elevadas na medida da notória frequência da prática de crimes contra a propriedade, simples ou qualificados, associada à grande percentagem de cifras negras, o que gera um forte sentimento comunitário de necessidade de uma eficaz e eficiente resposta por parte da Justiça. Atenta a forma de execução dos crimes, assim como a natureza e o valor dos bens subtraídos, e dentro das hipóteses cogitavelmente cabíveis nas normas incriminadoras, entendemos que o grau de ilicitude é reduzido quanto a todos os episódios. Já o grau de culpa é superior quanto a todos os episódios, do que destacamos não só a intensidade do dolo, revelado na sua modalidade mais gravosa de dolo direto (sem descurar que se trata do dolo habitual neste tipo de criminalidade), mas também os impressionantes antecedentes criminais, sobretudo pela prática de crimes deste jaez, tendo inclusivamente sido condenado em duas penas de prisão de longa duração (5 anos e 6 meses por acórdão cumulatório de 02.07.2002 e 5 anos e 2 meses por acórdão de 02.11.2011), sendo agora, por isso, mais elevadas as necessidades de prevenção especial. Sem embargo, concedemos que a toxicodependência possa ter diminuído a capacidade de valoração do arguido e de se conter dentro dos limites do Direito. O arguido confessou os factos relativos aos episódios descritos nos pontos I./1. e I./ 2., o que milita a favor do mesmo. Sem prejuízo de reconhecer a ilicitude dos factos, o arguido assume uma postura desculpabilizante e refugiada na problemática de toxicodependência que teima em não debelar (inclusivamente abandonou o internamento que iniciara em junho de 2017), tendo praticado os factos no contexto de mais uma recaída nos consumos de drogas (o que culminou na sua privação da liberdade, em maio de 2019, à ordem do processo nº 329/19….), mesmo no quadro do atual contexto sociofamiliar, apresentando fracas competências pessoais. Esta extrema e notória dificuldade em superar o vício das drogas duras também eleva - e muito - as necessidades de prevenção especial. Deste modo, tendo presente as molduras abstratas aplicáveis aos crimes em apreço e ponderando os factos na sua globalidade e sopesando todas as referidas circunstâncias, consideramos justo, adequado, proporcional e necessário a aplicação ao arguido de: uma pena parcelar de dois anos e oito meses de prisão quanto ao episódio descrito no ponto I./ 7.; uma pena parcelar de um ano e dez meses de prisão quanto ao episódio descrito no ponto I./ 2.; uma pena parcelar de seis meses de prisão quanto ao episódio descrito no ponto I./ 3.; uma pena parcelar de dois anos e oito meses de prisão quanto ao episódio descrito no ponto I./ 4.; e uma pena parcelar de um ano e oito meses de prisão quanto ao episódio descrito no ponto I./ 5. (…) Da pena única: Atendendo: (i) à personalidade do arguido refletida nos factos vincada por notórias dificuldades quer no cumprimento de regras, quer no autocontrolo, quer na cedência à tentação de levar a efeito crimes de furto qualificado para satisfazer as suas necessidades imediatas resultantes da toxicodependência; (ii) ao grau de culpa no contexto dos apontados antecedentes criminais; (iii) à falta de cabal integração profissional e social; (iv) e ao período temporal da prática dos crimes de cerca de vinte dias; julgamos justo, adequado, proporcional e necessário a aplicação, em cúmulo jurídico (dentro da moldura abstrata compreendida entre dois anos e oito meses de prisão e nove anos e quatro mês de prisão), da pena única de cinco anos e dez meses de prisão (art. 77º nºs 1 e 2 do CP).” Com a inflicção de uma pena o Estado, através do sistema penal (viger numa sociedade de configuração ideológica demoliberal), dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que os sujeitos para quem o ordenamento jurídico-penal está dirigido possam assumir perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir, ou omitir, pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma (de proibição) e a sua validade e eficácia societária. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito normativo-social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionis. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano) A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto” [Claus Roxin, “La Teoria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.], actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57) Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.) Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” (No mesmo eito pode colher-se a lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”) O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.) Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327) A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar. Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”) A pena contém, na sua impressão conotativa e ontológica, dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente. Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) De forma definitiva assevera Hans-Heinrich Jescheck que “fundamento da determinação da pena é a culpabilidade. Com esta declaração fundamental reconhece-se expressamente o princípio da culpabilidade e expressa-se que o sentido da pena deve ver-se em todo o caso na retribuição da culpabilidade. Sem embargo, junto a esta declaração, se estabelece no §46 I 2 o dever do juiz ter em conta e todo o acto de determinação da pena os efeitos que podem esperar-se tenha a pena na vida futur do réu na sociedade”. (Autor citado em Tratado de derecho Penal, Volumen Segundo, Bosch, Barcelona, p. 1200) Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.” Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.) Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas, Santiago Mir Puig opina que: «O princípio de culpabilidade em sentido amplo, aqui manejado, não deve confundir-se com a exigência de certa proporção entre a pena e a gravidade do delito. Entendida como possibilidade de relacionar um facto com um sujeito e não como possibilidade de converter em demérito subjectivo o facto realizado, a culpabilidade no indica la quantia da gravidade do mal que deve servir de base para a graduação da pena. A referida quantia vem determinada pela gravidade do facto antijurídico do qual culpa o sujeito. A concepção contrária só pode ser admitida por quem aceite que a pena não se impões para prevenir factos lesivos, mas outrossim como retribuição da atitude interna que o facto reflecte no sujeito. - pág. 206. Por um lado a prevenção geral pode manifestar-se pela via da intimidação dos possíveis delinquentes, ou também como prevalecimento ou afirmação do Direito aos olhos da colectividade. No primeiro sentido, a ameaça da pena persegue imbuir de um temor que sirva de freio à possível tentação de delinquir. Dirige-se somente aos eventuais delinquentes. Num segundo sentido, como afirmação do direito, a prevenção geral persegue, mais do que a finalidade negativa de inibição, a internalização positiva na consciência colectiva da reprovação jurídica dos delitos e, por outro lado, a satisfação do sentimento jurídico da comunidade. Dirige-se a toda a sociedade, e não só aos eventuais delinquentes. – pág. 43 Daí, pois, um primeiro limite que a prevenção encontra em si mesma: a gravidade das penas tendentes a evitar delitos não pode negar até ao máximo do que aconselharia a pura intimidação dos eventuais delinquentes, outrossim que deve respeitar o limite detida por certa proporcionalidade com a gravidade social do facto. Por outra parte a exigência de proporcionalidade desprende também aa conveniência de ressaltar o mais grave respeito do menos grave em ordem a frenar em maior grau o mais grave. - pág. 44 Frente ao delinquente ocasional, a prevenção especial exigiria só a advertência que implica a imposição da pena. Para o delinquente no ocasional corrigível, seria precisa a ressocialização mediante a aplicação de um tratamento destinado a obter a sua correcção. Por último, para o delinquente incorrigível a única forma de alcançar a prevenção especial seria inoculá-lo, evitando assim o perigo mediante o seu internamento “asegurativo”. O efeito de advertência se designa às vezes como “intimidação especial”, para expressar que se dirige só ao delinquente e não à colectividade, como a intimidação que persegue a prevenção geral. A ressocialização adopta às vezes modalidades especiais: assim, como tratamento educativo ou como tratamento terapêutico para sujeitos com anomalias mentais. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206. Tradução nossa) Do mesmo passo, Santiago Mir Puig faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.) “Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade). Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.) As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo. Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127). “Fundamento da determinação da pena é a significação do delito para a Ordem jurídica (conteúdo do injusto), e a gravidade da reprovação que se faz ao réu pelo facto cometido (conteúdo de culpabilidade. No entanto estes factores, fundamentais para a determinação da pena, não estão totalmente desvinculados entre si, a culpabilidade jurídico-penal vem referida ao injusto: a sua extensão determina-se pelo conteúdo culpável do injusto do facto. A culpabilidade tem, não obstante, também junto a isto, elementos autónomos que carecem de paralelo no âmbito do injusto (por ex., o grau de capacidade da culpabilidade; a evitabilidade do erro de proibição, autênticos elementos da atitude interna). Tanto o injusto, como a culpabilidade, entendidos como elementos materiais do delito, são conceitos graduáveis. Isto significa que, entre outras coisas, entidade do dano, a forma de execução do facto e a comoção da paz jurídica determinam o grau de injusto do facto, tanto com a desconsideração, a premeditação, a situação de necessidade, a tentação, a juventude, os transtornos mentais ou o erro devem ser valorados para graduar a culpabilidade.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Volumen Segundo, Bosch Editora, Barcelona, 1981, p. 1207.) (“Na lesão ou colocação em perigo do objecto da acção protegido reside o desvalor do resultado do facto, na forma da sua comissão o desvalor da acção. O desvalor da acção consiste tanto nas modalidades externas do comportamento do autor, com nas circunstâncias que radicam na sua pessoa. Segundo isto, é preciso distinguir entre desvalor da acção (pessoal) referido ao facto e referido ao autor. O desvalor do resultado ou da acção se convertem em injuso do resultado ou da acção, respectivamente, ao ser recolhidos nos tipos penais.” – Hans-Heinrich Jescheck, op. loc. cit. p. 323) (Para uma perspectiva da categoria do que se constitui como injusto e da sua justificação e imputação, veja-se Michael Pawlikemann – Urs Kindhäuser – Javier Wilenmann – Javier Pablo Mañalich, in “La antijuridicidad en el Derecho Penal. Estudios de las Normas Permissivas y la legitima Defensa”, Bdef, Buenos Aires, 2020, ps. 99-176.) Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.) A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.) Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…) Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal. Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.) Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291) Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.) A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.) Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor. Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal. No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…) Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.) Numa recensão louvável da jurisprudência e de uma “desmadejada” doutrina sobre a determinação da pena, respigamos o que a propósito foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 20 de Junho de 2018, no processo 3343/15, já citado. (Incluem-se as notas de rodapé no números apósitos). “O art. 40.º do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins das penas «só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa -, não natureza retributiva.» (Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pág. 104.) A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift. (Cit. por Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, pág. 148.” (Sobre o historial do art. 71.º do CP, cfr. o cit. Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10.5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges.) Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155, que «É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena – e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas» (sublinhado nossos) (Relativamente à culpa, não é dogmaticamente pacífica a sua concepção: para uns, Anabela Miranda Rodrigues, Jorge de Figueiredo Dias, constitui apenas limite da pena e não seu fundamento; para outros, v.g., Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, cit., págs. 87 e 108, constitui fundamento da pena. Na jurisprudência deste STJ, considerando a culpa como fundamento e limite da pena, cfr., v.g., Acs. de 13/10/2000, Proc. 200/06.0JAAVR.C1.S1; de 27/4/2011, Proc. 210/08.2JBLSB. L1.S1; de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1; de 22/1/2013, Proc. 182/10.3TAVPV.L1.S1; de 15/5/2013, Proc. 154/12.3JDLSB.L1.S1, relatados pelo Cons.º Santos Cabral; Ac. de 31/5/2017, CJACSTJ, XXV, T. II, págs. 208 e ss. Refere-se naquele Ac. de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1, que «Nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena, ao invés da preponderância que alguns outorgam à prevenção geral, colocando-a acima da retribuição da culpa pelo delito quando é esta, na realidade, que justifica a intervenção penal. A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma.») «A norma do artigo 40.º - escreve-se no Ac. STJ de 16/1/2008, Proc. 4565/07, Rel. Henriques Gaspar - condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento. Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo. O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação. O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.». (Entendimento replicado no Ac. STJ de 13/1/2011, Proc. 369/09.1JELSB.L1.S1, do mesmo Relator e noutros arestos deste STJ (cfr., v.g., Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 1878/10.5JAPRT.S1, Rel. Raul Borges).” (in www.dgsi.pt) A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal. “São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única: - prática de uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal (homogéneo ou heterogéneo); - que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” (Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.) A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global. Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (:- § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.) No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) só; pois a valoração global de todos os factos puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.” No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”. O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.) “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional específica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.” Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991) Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.” Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” “O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.” A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit. § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.” No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal. O quadro factual-social adquirido mostra um sujeito absolutamente adverso ao cânone e à pauta comportamental societária. O arguido, quiçá pela inserção societária em que desenvolveu a sua capacitação de interacção com a comunidade, não logrou – ainda que, segundo o relatório social, já tenha intentado alterar e reverter o seu sentido vivencial – compaginar e compartir o seu comportamento com arrimo ao respeito pelos direitos dos demais cidadãos. A exigência/necessidade de obtenção de meios pecuniários que avalizem/sustentem a satisfação das suas necessidades viciosas, nomeadamente o consumo de produtos estupefacientes, induz uma conduta de devassa total da propriedade. Para o arguido, como reverbera a factualidade adquirida, o conseguimento de bens que lhe permita obter uma contrapartida monetária apta á aquisição de produtos estupefacientes se torna absolutamente viável e alcançável. O arguido sequenciou uma série de violações da propriedade privada motivado pela obtenção de (quaisquer) bens que lhe permitissem obter contrapartidas monetárias com que pudesse obter produtos estupefacientes. Um indivíduo com esta etiologia personalística deveria ser alvo de um tratamento psicológico ou psiquiátrico que permitisse a sua recuperação pessoal e o pudesse validar e capacitar para poder viver numa sociedade com as regras que historicamente estão estabelecidas. A recuperação pessoal de um indivíduo com este tipo de comportamento anti-social não competirá a um meio prisional, pelos vícios congénitos a um estabelecimento de clausura, sociologicamente comprovados e atestados. No entanto, como a facticidade adquirida comprova, o arguido já foi objecto de várias iniciativas e inserções terapêuticas que acabaram por não suceder. O arguido foi submetido a tratamentos de alcoologia e de supressão/banimento de produtos estupefacientes e até ao momento não logrou «limpar-se» da «morbidez». As sucessivas «recaídas» evidenciam uma personalidade incapaz de resistir aos apelos de congéneres e um propósito indómito e impertérrito de alterar a sua pauta vivencial. A reiteração de condutas violadoras da propriedade, a incapacidade de o arguido se conformar com os programas de recuperação (para os problemas de alcoolismo e adscrição a produtos estupefacientes), inculcam a ideia da necessidade de o retirar do meio social onde continua a manter solicitações – que não logra coragem de rechaçar – que o manterão na senda de lesões societárias que tem vindo a manter. Em nosso juízo, a pena de prisão, no caso, torna-se necessária, mais com efeito profiláctico, na medida em que talvez se torne possível na adversão de um estado de privação de liberdade, o arguido capacitar-se da premência/urgência de se submeter a um tratamento e, definitivamente, arrepiar e arredar-se do caminho que até ao momento tem trilhado. A pena de prisão justifica-se, em nosso juízo, não pela intensidade lesiva e pelos efeitos danosos das condutas, mas sim pela ingente necessidade de, através de uma acção profiláctica e medicamente interventiva, lhe faça comparecer a necessidade e a urgência de conferir um rumo distinto à sua forma de estar e agir societariamente. A pena imposta deverá, com este eito argumentativo, sem mantida. §3. – DECISÃO. Na desinência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Negar provimento ao recurso, mantendo, em consequência a decisão recorrida; - Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s. Lisboa, 13 de Janeiro de 2021 Gabriel Martim Catarino (Relator) Manuel Augusto de Matos (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.) |