Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2219/20.9T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE CRÉDITOS
OBJECTO DO LITÍGIO
SINISTRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
CLÁUSULA LIMITATIVA DE RESPONSABILIDADE
INCUMPRIMENTO
RISCO
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE CRÉDITO
DANO
MORA
INDEMNIZAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 10/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
“ O contrato de seguro de crédito objecto do presente litígio (ainda que expurgado das cláusulas contratuais gerais) não abrange o risco de fraude mas apenas o risco do incumprimento de contratos válidos.”
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:

*

F..., Lda.” intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “BANCO BPI, S.A., Soc. Aberta” pedindo a condenação do R. a pagar à A. “a quantia de EUR 96.156,68 acrescida de juros vincendos desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.”

Para tanto alegou em suma:

- Na sequência de informações prestadas pelo R. aderiu (duas adesões) a um contrato de seguro crédito para exportação, para cobertura das suas vendas, fatura a fatura, por transação, i.é, individualmente;

- Convicta da segurança transmitida pelos intervenientes do aqui R. na reunião em que apresentaram o seguro a que veio a aderir e de acordo com as informações prestadas para o efeito, a A. avançou com novos negócios, nomeadamente com dois novos clientes que não vieram a pagar os fornecimentos efetuados.

Tendo comunicado ao aqui R. as ameaças de sinistro, de acordo com os trâmites por este indicados;

- O segurador “Cosec” comunicou que o processo de sinistro estava suspenso com base em clausulado que a A. desconhecia e não lhe foi comunicado;

- Clausulado do qual só tomou conhecimento 6 meses após a celebração do contrato de seguro de crédito à exportação – nomeadamente “Condições particulares / Ata Adicional nº 006” e “Nota de Informação prévia / Condições Especiais/ Condições Gerais”. Tendo esta documentação sido a si enviada pela R. na sequência de esclarecimentos à mesma solicitados após a receção da comunicação da seguradora, sem qualquer informação adicional explicativa quanto às condições da apólice;

- O segurador “Cosec” manteve a sua decisão de suspensão dos sinistros até decisão judicial condenatória que ateste a exigibilidade dos referidos créditos;

- Situação que para a A. configura uma verdadeira surpresa, em violação do dever de informação a cargo do tomador de seguro, ora R., que não transmitiu e explicou as situações abrangidas e excluídas da apólice contratada;

- A A. nunca teria celebrado estes contratos de seguro com a COSEC por intermédio da R. caso tivesse conhecimento prévio das potenciais situações excluídas.

Nem teria aceite as encomendas dos clientes com pagamento postecipado se tivesse conhecimento de que o risco poderia não estar acautelado;

- O contrato de seguro foi celebrado com o R., atuando este como tomador de seguro e intermediário da entidade seguradora “Cosec”;

- Trata-se de um contrato de seguro de grupo sujeito ao regime estipulado no RGCS, com natureza contributiva;

- O tomador do seguro estava obrigado a informar o segurado dos vários elementos essenciais à celebração do contrato o que não fez; - A cláusula constante do pedido de adesão de que o dever de informação foi cumprido é abusiva e nula (vide artigo 57º da p.i.);

- O clausulado ao abrigo do qual foi recusada a cobertura do seguro é abusivo, nulo e a excluir do contrato (vide artigos 73º a 76º da p.i.);

- Não tendo o R. cumprido com o seu dever de informação é responsável pelos danos sofridos pela Autora e cujo pagamento peticiona do R., como se a situação estivesse abrangida pelo seguro, ou seja, sendo ressarcida em 85% pelo seguro contratado.

Devidamente citado, contestou o R..

- Invocou a sua ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo – face à não demanda da seguradora “COSEC” – com a sua consequente absolvição da instância;

- Afirmou ter sido a A. informada de todo o clausulado e abundantemente informada das exclusões da apólice;

O que declarou no pedido de adesão formulado;

- Impugnou parcialmente o demais alegado;

- Alegou estar a A. devidamente informada sobre o seguro que ia celebrar, pelo que configura um abuso de direito a sua pretensão;

- O banco R. atuou como tomador de seguro e mediador e o seguro de crédito à exportação contratado é considerado seguro de grandes riscos .

Estando afastado o dever geral de esclarecimento do âmbito desta cobertura nos termos do artigo 22º nº 4 do RJCS;

- A COSEC, verificado o incumprimento, diligenciou pela cobrança dos créditos junto das suas congéneres, tendo apurado que os clientes da A. não reconheciam os créditos.

Face ao que suspendeu a verificação dos créditos, sendo necessário apurar se os mesmos existem e são exigíveis. Para o que é exigível decisão judicial ou arbitral.

Concluiu ter prestado todas as informações que lhe eram exigíveis.

A ser considerado que alguma responsabilidade lhe é imputável, mais defendeu estar excluído o seu dever de indemnizar ao abrigo do disposto no artigo 570º do CC, por a A. ter contribuído decisivamente com a sua atuação para os danos que identifica.

Reiterou a conduta abusiva da autora, na medida em que assumindo ter sido vítima de 2 fraudes comerciais, tenta assacar responsabilidade ao banco R..

Suscitou ainda o banco R. a existência de causa prejudicial – por referência à queixa crime apresentada pela A..

Termos em que concluiu:

“Deve a exceção dilatória de ILEGITIMIDADE, supra invocada ser julgada procedente e determinada a absolvição da instância quanto ao Banco R. o que, desde já, se requer.

. Caso, assim se não considere, pela verificação de causa prejudicial do citado processo de inquérito, quanto aos presentes autos deve ser ordenada a suspensão dos presentes autos, nos termos do art. 272º, nº 1, do C.P.C.

. Deve a presente ação ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, ser o Banco - R. absolvido, na íntegra, do pedido formulado.”

A A. respondeu, pugnando pela improcedência da exceção da ilegitimidade; pela improcedência da requerida suspensão da instância por causa prejudicial e no mais concluindo como na p.i..

Requereu ainda a intervenção principal provocada de “COSEC – Companhia de Seguros de Crédito, S.A.” por cautela de patrocínio.

Foi admitida a requerida intervenção principal e ordenada a citação da chamada.

Citada, contestou a interveniente “COSEC – Companhia de Seguros de Crédito, S.A.”.

Afirmou ser destituída de fundamento a pretensão da A. quando pretende ser indemnizada em situação em que foi alvo de fraude.

Não podendo desconhecer que o seguro de crédito não cobriria tal situação, atendendo ao previsto no artigo 3º do DL 183/88 de 24/05 (na sua atual redação), sob pena de nulidade da apólice.

Não podendo reclamar uma indemnização relativa a um risco que bem sabia, ou pelo menos tinha obrigação de saber ou não procurou saber, não previsto legalmente.

Consubstanciando abuso de direito esta pretensão.

- Estar em causa seguro relativo a grandes riscos, ao qual não é aplicável o dever especial de esclarecimento das exclusões da cobertura proposta nos termos do artigo 22º nº 4 do RJCS.

Estando a autora excluída do conceito de consumidor;

- No mais impugnou parcialmente o alegado.

- Tendo justificado a recusa de pagamento por dependente da efetiva verificação do risco coberto.

Já que as entidades garantidas pelo seguro quando contatadas negaram o crédito. Pondo em causa o próprio sinistro.

Termos em que concluiu pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.

A A. respondeu, em suma reiterando o alegado na p.i..

Foi proferido despacho saneador com dispensa de audiência prévia.

O pedido de suspensão da instância por causa prejudicial foi julgado improcedente.

A questão da ilegitimidade passiva foi considerada sanada, com a intervenção da chamada “COSEC”.

Realizada audiência final, foi após proferida sentença e decidido julgar: improcedente, por não provada, a ação, absolvendo o réu e interveniente dos pedidos formulados pela autora.”

Após recurso de apelação pela Autora, o Tribunal da Relação de Porto deliberou julgar parcialmente procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, decidindo: Julgar a ação procedente por provada, condenando a R. seguradora “Cosec” a pagar à A. a quantia peticionada de € 96.156,68 acrescida de juros de mora desde a citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal.

- Absolver o R. “BPI” do pedido.

Inconformada, a Ré, Seguradora “Cosec”, interpôs o presente recurso de revista, no qual apresentou as seguintes conclusões:

“1.ª Mesmo considerando a alteração da matéria de facto e a exclusão das cláusulas contratuais sufragadas pelo Acórdão recorrido, ainda assim a decisão de condenar a recorrente no pedido é manifestamente inaceitável, pois não existe matéria considerada provada que permita julgar verificado qualquer sinistro nos termos do contrato de seguro de crédito ajuizado, resultando dos factos provados que não se verificou qualquer sinistro, como se vê dos pontos 4., 7, 10, 15, 16, 18, 40 e 45 que traduzem que a autora recorrida nada forneceu às entidades garantidas pela recorrente naquele contrato de seguro de seguro, antes efectuou fornecimentos “a terceiros que se fizeram passar pelas entidades garantidas”.

2.ª Ao contrário das conclusões da decisão recorrida, que só se podem entender por manifesto lapso, não corresponde à verdade que daquela matéria possa resultar provado qualquer sinistro que fosse susceptível de fundamentar a decisão de condenar a recorrente, motivos pelos quais o acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 666.º n.º 1 do mesmo diploma legal, considerando que os fundamentos de facto se encontram em absoluta contradição com a decisão.

3.ª Ainda que se entendesse não se verificar a nulidade apontada na conclusão anterior, ainda assim o acórdão sob Revista não se pode manter, pois na verdade não existe a verificação de qualquer sinistro, devendo o mesmo entender-se nos termos do artigo 99.º da LCS, “como a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato”, sendo certo que o Tribunal a quo confundiu sinistro com a o fornecimento “a terceiros que se fizeram passar pelas entidades garantidas” pela recorrente e que não pode corresponder a qualquer sinistro, na medida em que por força do contrato de seguro, a recorrente emitiu garantias relativamente a duas entidades previamente identificadas pela autora- recorrida; as sociedades Sodes Distribution NIPC FR 20423603497 e J... PLC NIPCGB232457280, para as quais solicitou a emissão de garantias relativamente aos riscos cobertos pelo contrato de seguro, mas às quais nada forneceu.

4.ª Nos termos não excluídos do contrato de seguro ajuizado, “Objecto” daquele seguro de crédito, é o crédito que a autora tivesse sobre as entidades que identificou como suas clientes e referidas na cláusula antecedente e que fossem decorrentes das operações de exportação com pagamento a prazo, pelo que ficando provado que a recorrida nada forneceu àquelas entidades concretas, mas antes a “terceiros que se fizeram passar pelas entidades garantidas” como resulta muito claramente da matéria de facto considerada provada, resulta demonstrado a inexistência de qualquer crédito da autora, objecto do contrato de seguro, e consequentemente a não verificação do risco em que se traduzia a mora no pagamento daqueles créditos por qualquer uma daquelas entidades garantidas, tal como resulta quer da Lei do Contrato de Seguros aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de abril, quer da apólice ajuizada.

5.ª Aliás, a própria autora reconhece que não dispõe de qualquer crédito sobre aquelas entidades garantidas, como decorre da petição inicial e de ter apresentado queixa-crime como se vê do documento n.º 35 junto à mesma, muito se estranhando que a decisão recorrida entenda existir algum crédito da autora que fosse contratualmente relevante e pudesse desencadear qualquer direito à indemnização, com violação do artigo 102.º da citada Lei do Contrato de Seguro e do contrato de seguro ajuizado.

6.ª Mas para além de ter ficado demonstrado que não existe qualquer sinistro capaz de fundamentar a decisão condenatória, o que só por si já deve determinar a revogação da decisão recorrida, a verdade é que a mesma resolveu dispensar ou isentar a autora-recorrida do ónus da prova que a Lei que lhe impõe, pois o ónus da prova da verificação do sinistro incumbia a autora, ora recorrida, nos termos do disposto no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil e 102.º da Lei do contrato de Seguro, já que em qualquer tipo de seguro, incumbe sempre ao segurado o ónus da prova da demonstração do sinistro, ou seja, a ocorrência de um risco coberto durante o período de vigência do contrato de seguro, é um facto constitutivo do direito da autora-recorrida e pressuposto da condenação em recurso, o que transpondo para o caso sub judice, se traduziria na necessidade de autora- recorrida alegar e demonstrar não só que detém um crédito sobre cada uma das entidades garantidas pela recorrente e que o mesmo não foi pago por elas por determinado período de tempo, devendo ter sido.

7.ª Ora a recorrida não logrou a demonstração do sinistro, que é um facto constitutivo do seu direito e pressuposto da condenação recorrida, antes pelo contrário, até ficou demonstrado que as entidades garantidas pela recorrente nada contrataram ou encomendaram à recorrida, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º e, por isso, a autora recorrida não dispõe de qualquer crédito sobre qualquer uma delas, sendo certo que o seguro de crédito apenas indemniza danos reais e efectivos, a significar que o seguro de crédito apenas indemniza os prejuízos causados pela verificação de determinado risco que respeite à falta ou atraso de pagamento dos créditos do segurado sobre as entidades garantidas que o deviam ter pago e não o pagaram.

8.ª Impõe-se a conclusão que a decisão recorrida, ao decidir mal como decidiu, dispensou ilegalmente a autora do seu ónus da prova de comprovação efectiva do sinistro, a implicar o nascimento do direito à indemnização assente na mera alegação de crédito incorporado em documento contabilístico e correspondente alegação de atraso de pagamento, sem qualquer comprovação efectiva, o que conduziria à ruina das companhias de seguros, certo que, nessa hipótese, ficariam absolutamente comprometidos a eficácia da sub-rogação, legal e

convencional, dos direitos do segurado e consequentemente o reembolso da indemnização paga.

9.ª Salvo melhor opinião, as antecedentes conclusões revelam-se acertadas, mesmo considerado a indevida exclusão das cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro na medida em que apesar daquela exclusão continua a não se verificar qualquer um dos riscos cobertos pela Apólice ou dos riscos do contrato de seguro de créditos que se encontram taxativamente previstos na Lei e que pudesse fundamentar a decisão recorrida , designadamente qualquer mora do Cliente do segurado, que não são (nem podiam ser) “os terceiros que se apresentaram à autora como as entidades garantidas pela recorrente”, como ficou demonstrado, sendo também certo que a autora-recorrida não demonstrou a existência de qualquer crédito sobre qualquer uma das entidades garantidas, não cumprindo o ónus da prova que lhe competia.

10.ª Entendeu o acórdão recorrido tratar as declarações constantes dos pedidos de adesão e das declarações de adesão que a autora assinou livremente, como se as mesmas consubstanciassem cláusulas contratuais gerais que pudessem ser judicialmente excluídas, apesar das mesmas não configurarem qualquer cláusula contratual, pois para além de nada respeitarem à disciplina contratual estipulada e embora seja verdade que constem de um formulário pré-elaborado, não corresponde à verdade que os intervenientes não tenham a possibilidade de conformar o seu conteúdo, desde logo nem se vislumbrando os motivos pelos

quais a recorrida haveria de ter declarado como recebida documentação contratual, sem que tal correspondesse à verdade, como provado no ponto 38, o que não é compatível com a sua elevada experiência como resulta da matéria considerada como provada nos pontos 1 a 3.

11.ª Na verdade, e para além de não se tratarem de qualquer cláusula contratual geral, aquelas declarações são impostas legalmente pelo artigo 21.º n.º 5 do Decreto-Lei n.º 78/2008 e configuram a menção comprovativa de que as informações constantes daquelas declarações foram dadas a conhecer ao segurado antes de este se vincular, sendo certo que sendo impostas legalmente e achando-se subtraídas à disciplina das Cláusulas Contratuais Gerais, não podiam ser excluídas por decisão judicial, pelo que devem ser reintegradas.

12.ª Certo é que tais declarações legalmente exigíveis, não tendo sido invocada a falsidade da respectiva assinatura, possuem força probatória plena, nos termos do artigo 376.º n.º 1 do Código Civil, implicando confissão da autora quanto ao teor das mesmas, parecendo-nos, por outro lado, que a estipulação legal constante do citado artigo 21.º n.º 5 do Decreto-Lei n.º 78/2008, as impõe como meio prova de que foram prestadas aquelas informações ao segurado antes de se vincular ao contrato de seguro, o que obriga ao pedido de alteração para provado da parte da resposta à matéria de facto ao ponto 33.º e que foi alterado para não provado pela decisão recorrida, o que é admissível na presente Revista, considerando os termos limitados em que Supremo Tribunal pode conhecer da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 682.º n.º2 e 674.º n.º 3 ambos do Código de Processo Civil, não só por haver disposição legal que exige que a prova da prestação de toda a informação, deve constar de menção comprovativa nos termos do citado artigo 21.º n.º 5, mas também porque as declarações da autora recorrida efectuadas quer nos pedidos, quer nas declarações de adesão o comprovam, possuindo força probatória plena.

13.ª Já quanto à exclusão das cláusulas constantes das Condições Gerais Apólice, designadamente nos artigos 7.º I, n.º 5 e Artigo 3.º n.º 5 al. f), a mesma é contrária aos interesses do aderente, neste caso, à autora recorrida, pois como já decorre das conclusões anteriores, o artigo 342.º n.º 1 do Código Civil e o artigo 102.º da LCS impunham a recorrida o ónus da prova da verificação do sinistro, que não sendo cumprindo por quem com ele se acha onerado, impede a verificação do sinistro e consequentemente o direito à indemnização a que se refere o contrato de seguro.

14.ª E parecendo-nos absolutamente certo, que independentemente de tais cláusulas, a autora não estava dispensada do ónus da prova da verificação de risco coberto (fornecimento às entidades garantidas e não a terceiros que se fizerem passar por elas) o que não sucedeu, as cláusulas excluídas pelo Tribunal recorrido destinavam-se a regular o funcionamento do contrato de seguro em favor da autora-recorrida, certo que a decidida exclusão daquelas cláusulas, não dispensam o citado ónus da prova que a Lei impõe a qualquer segurado em qualquer ramo de seguro de comprovar efectivamente o sinistro.

15.ª Ora, com tais cláusulas excluídas, a seguradora apenas pode verificar que o risco reclamado não se encontra coberto, pois apesar da segurada assegurar que detém um crédito sobre uma entidade garantida documentado contabilisticamente, aquela não o aceita, e como tal a seguradora não pode decidir sequer se existe algum crédito e a consequente mora, designadamente por não poder saber quem tem razão e estar legalmente impedida de efectuar o pagamento da indemnização respeitantes a créditos impugnados ou contestados pelos clientes dos segurados, e, portanto sem a comprovação efectiva do sinistro, nos termos do citado artigo 102.º da Lei de Contrato de Seguro, sendo certo, que para além disso, se a seguradora, ora recorrente pagasse uma indemnização relativa a créditos impugnados ou contestados reconhecia a existência de um sinistro (não verificado) o que significa que a alegada cliente da segurada ficaria associada a um risco comercial, passando a haver uma informação negativa no mercado sobre o alegado devedor, o que afecta gravemente a sua imagem e credibilidade junto dos seus parceiros comerciais, originando dificuldades no acesso ao crédito e nos prazos de pagamento, a que acresce que se a seguradora de crédito reconhecer um crédito impugnado/contestado, isto significa que ela “toma partido” por uma das partes envolvidas, o que manifestamente não lhe é exigível, nem lícito.

16.ª Tal cláusula prevê, nos termos convencionais e legais, que no caso de créditos impugnados ou contestados pelas entidades garantidas, como aconteceu no caso dos autos, a seguradora, ora recorrente, esteja obrigada a aguardar que o seu segurado obtenha sentença judicial ou equivalente que reconheça definitivamente o crédito seguro, sendo certo que, nos termos da lei as seguradoras de crédito não devem considerar como sinistros os créditos impugnados ou contestados, pois, inexistindo qualquer facto gerador de sinistro, designadamente a mora ou incumprimento definitivo da entidade de risco, se a ré reconhecesse o sinistro com base na posição unilateral da autora, afectaria os direitos ao bom nome e ao crédito da aludida sociedade, podendo vir a ser responsabilizada pelos prejuízos causados.

17.ª Ora, é essa obrigação imposta à recorrente de aguardar pela comprovação efectiva do sinistro, impedindo-a de encerrar o respectivo processo sem verificação, que é regulada pelas cláusulas excluídas e supra citadas e que concedem aos segurados a possibilidade de demonstrar que efectivamente existe um risco coberto por não ser atendível a impugnação do seu cliente e entidade garantida, sendo evidente que os créditos contestados ou impugnados pelas entidades garantidas, não implicam automaticamente qualquer um dos riscos cobertos, designadamente a mora, já que, como no caso dos autos, a mora implicaria sempre uma operação de exportação para cada uma daquelas entidades garantidas, depois de acordado o respectivo preço e as respectivas entregas a cada uma das entidades garantidas, sendo certo que sem a demonstração cabal dos factos constitutivos do sinistro (e cujo ónus da prova cabe aos segurados) não há qualquer situação de mora que possa desencadear a cobertura prevista no caso de créditos contestados ou impugnados, como resulta provado nos pontos 42 e 47.

18.ª De resto, a exclusão daquelas cláusulas, não se sobrepõe às regras supletivas aplicáveis ao caso sub judice, pois só poderia constituir obrigação da seguradora, ora recorrente, proceder ao pagamento da indemnização contratada apenas “após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas circunstâncias e consequências”- cfr. Artigo 102.º do LCS., ou seja após a prova de que a alegada mora da entidade garantida lhe é imputada e que constituía um pressuposto da condenação decidida pelo acórdão recorrido, por violar, inadmissivelmente, a regra da não indemnização de créditos litigiosos, que não só não é abusiva ou discricionária, como tem consagração legal e uma função de interesse público de prevenção e mitigação do risco de fraude em Seguros, bastando atentar na natureza do ramo segurador de crédito, para facilmente perceber que se as seguradoras pagassem créditos impugnados ou contestados, a sua inteira actividade facilmente pereceria às mãos de toda a sorte de conluios e malfeitorias.

19.ª Contrariamente ao concluído pela decisão em crise, não corresponde à verdade que no caso da mora não seja legalmente exigida prova da mesma para a verificação do sinistro, como decorre do artigo 102.º do citado LCS e 342.º n.º 1 do Código Civil, sendo certo que as cláusulas excluídas não só se afiguram como cláusulas necessárias à comprovação do sinistro, exigida legalmente, designadamente em caso de alegada mora de crédito contestado ou impugnado, mas também uma cláusula de protecção do segurado, e que é absolutamente imparcial e independente da seguradora que não deve, nem pode, tomar posição sobre o alegado (pela segurada) crédito sobre a sua cliente e entidade garantida, nem sobre a impugnação do mesmo por parte das entidades garantidas, pois é deixado à iniciativa da segurado e submetido à apreciação imparcial dos Tribunais (Judiciais ou Arbitrais), sendo, por isso, certo que a exclusão daquelas cláusulas retiraria aquela possibilidade de comprovação efectiva de sinistro pela segurada, apesar de legalmente onerada com o ónus da prova de demonstrar a supra citada verificação do sinistro nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil e 102.º da Lei de Contrato de Seguro.

20.ª Para além disso, a decisão recorrida identifica as cláusulas cuja exclusão decidiu como cláusulas de exclusão ou limitativa da responsabilidade da seguradora, ora recorrente, o que também se revela conclusão desacertada pois tais cláusulas não excluem, nem limitam, a cobertura do risco da mora, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida, e que não só é permitida, como é mesmo imposta legalmente, pois as mesmas apenas regulam o modo como há-de ser comprovado o sinistro, apresentando absoluta conformidade legal, designadamente com o citado artigo 102.º da LCS e 342.º n.º 1 do Código civil ou com o artigo 8.º n.º 2 do decreto –lei 183/88 e que regulamenta o contrato de seguro de crédito em Portugal, apenas exigindo ao segurado que demonstre cabalmente o sinistro e que mais não é que a obrigação legal que sempre decorria do ónus da prova, constante do artigo 341.º n.º 1 do Código Civil, assim determinando se existe ou não cobertura do risco, pagando a indemnização se existir ou excluindo o mesmo caso a comprovação do sinistro não seja feita.

21.ª Não corresponde à verdade, que a recorrente tenha declinado a sua obrigação de indemnizar, como pretende o acórdão recorrido, pois a comunicação da recorrente à recorrida não comporta aquele sentido, antes pelo contrário, a recorrente apenas informa a recorrida que o crédito que alegava possuir sobre cada uma das entidades garantidas, foram contestados por estas, motivos pelos quais deveria comprovar o mesmo através de uma decisão proferida pelo Tribunal, inexistindo qualquer abuso ou nulidade das mesmas, pelo contrário, pois configuram uma oportunidade ao segurado para demonstrar a efectiva verificação do sinistro que de outro modo sempre estaria excluída, não sendo menos certo que a decisão recorrida nem sequer especifica os fundamentos de direito que poderiam fundamentar a decisão de as excluir, o que gera a sua dupla nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, aplicável à decisão em crise por força do artigo 666.ºn.º1 do mesmo Código, o que se deixa invocado para todos os efeitos legais e sempre determinaria a sua revogação, por violação do artigo 8.º do decreto-lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, devendo aquelas cláusulas ser reintegradas na apólice de seguro.

22.ª As conclusões antecedentes não invalidam que não é pela exclusão das cláusulas em causa, ao contrário do que parece pretender a decisão recorrida, que a situação ocorrida nos autos (venda a terceiros e não às entidades garantidas) passa a estar coberta, já que continua a ser um risco não coberto o crédito “decorrente de um fornecimento a terceiros que se apresentaram como as entidades garantidas”.- como ficou demonstrado ter sido efectuado pela autora recorrida e não prejudicam a unanime da jurisprudência que considera que o contrato de seguro não indemniza créditos litigiosos salvo quando se tenha tornado certo por acordo ou sentença em acção intentada pelos segurados contra as entidades garantidas pelo seguro, nem prejudica a conclusão que a recorrente não podia ser condenada como foi, quando se provou a inexistência de qualquer crédito sobre qualquer uma das entidades garantidas por a autora recorrida ter efectuado os fornecimentos a terceiros.

23.ª Finalmente, em matéria de exclusão de cláusulas, revela-se incompreensível exclusão do artigo 4.º n.º1 das Condições Especiais, a pretexto de que não foi explicado à autora o que já resulta da Lei e que a decisão recorrida violou, designadamente do disposto no artigo 342.º do Código Civil que impõe àquele que invoca um direito o ónus de fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, o que transpondo para o caso que nos ocupa, designadamente o ónus da prova de ter efectuado fornecimentos a cada uma das entidades garantidas (e não a terceiros como se provou) e que estes não procederam ao pagamento das mercadorias, como deveriam, pois é neste ónus da prova legalmente imposto, que se traduz o artigo 4.º n.º I das Condições Especiais da Apólice.

24.ª Em boa verdade, e mesmo sem pedido para o efeito, a decisão recorrida pretendeu excluir uma cláusula que impõe o ónus da prova à segurada e que a própria Lei já lhe impõe, parecendo, assim, aquela decisão de exclusão inútil e ilegal, pelo que deve ser a mesma ser reintegrada nas condições especiais citadas, já que apenas consagram o que já resulta legalmente.

25.ª De resto, o dever de informação que se encontrava a cargo exclusivo do Banco BPI, S.A. deveria ter sido considerado cumprido, mesmo que se pudesse entender que, contrariamente ao confessado pela recorrida, não lhe foi entregue a documentação contratual legalmente exigida, pois o contrato dos autos consubstancia um seguro de grandes riscos, prevendo-se no artigo 13.º n.º 2 do DL 72/2008, de 16 de Abril, a não imperatividade das normas constantes, designadamente, dos artigo 18.º a 23.º, incluindo também o artigo 22.º que impõe um dever especial de esclarecimento, cuja aplicabilidade sempre estaria excluída dos autos, não só porque o contrato de seguro de crédito consubstancia um seguro de grandes riscos, mas também porque o Banco réu, actuou enquanto mediador.

26.ª Não se põe em causa, que mesmo no seguro de grandes riscos, é sempre necessário cumprir o dever de informação imposto no artigo 18º do Regime Jurídico do contrato de Seguro, sendo, no entanto, certo que respeitando o seguro dos autos a seguro de grandes riscos é muito menos exigente a obrigação de informação ou de explicação relativamente àquele que é exigido num contrato de seguro de massas, sempre sem prejuízo do dever de esclarecimento expressamente solicitado pelo segurado, devendo a questão ser analisada perante a concreta actividade do Banco réu, o Banco BPI, S.A., tomador do seguro, considerada como provada, designadamente na reunião presencial efectuada com a recorrida em 30 de Agosto de 2018 para apresentação e informação do produto de seguros de crédito em causa, tendo servido de base àquela actividade o documento de fls. 12 verso a 20 correspondente ao documento n.º 1 da petição inicial.- cfr ponto 5 e considerando o ponto 6 da matéria considerada como provada que face às informações prestadas pelo colaborador do réu, Banco BPI, S.A. a autora decidiu contratar o seguro proposto, na expectativa de salvaguardar eventuais incumprimentos contratuais nos negócios que se propunha fazer para o mercado europeu, não restando qualquer dúvida que a recorrida sempre esteve salvaguardada contra incumprimentos das entidades garantidas pela recorrente nos termos do contrato de seguro, como de resto, pretendia.

27.ª E mesmo que se queira ter em consideração que as condições gerais, especiais e particulares não teriam sido entregues naquela reunião, mas apenas posteriormente, o que não se concede a não ser por mera hipótese de raciocínio e não havendo qualquer dúvida que a recorrida assinou as declarações já referidas das quais consta a sua declaração de que tomou conhecimento das condições gerais, especiais e particulares da apólice, o artigo 34.º n.º 1 da Lei do Contrato de Seguro prevê a entrega da apólice incluindo, portanto, aquelas condições, no prazo que for acordado no caso de seguro de grandes riscos, sendo, portanto, legalmente permitido a não entrega prévia da apólice nos contratos de seguro de créditos, o que por si só, não demonstra que a informação exigida não tenha sido prestada, assim como também não invalida as declarações da recorrida, posteriores àquela reunião, segundo as quais tomou conhecimento de todas as informações relativas ao contrato de seguro sendo também certo que o Banco réu, comunicou e explicou à recorrida os contornos e características do contrato, designadamente os riscos cobertos em caso de verificação de algum deles relativamente às entidades garantidas pela recorrente, conforme consta do citado documento de fls12 verso a 20, advertindo aquele mesmo documento que não é dispensada a leitura da informação pré-contratual e contratual e que o mesmo não consubstancia uma proposta contratual.

28.ª Do documento referido na conclusão anterior resultam com clareza quais são os riscos que o contrato abrange, com natural exclusão de todos os outros, como seria entendido por qualquer destinatário colocado na posição da autora, sendo também certo que foi considerado não provado, não só que o contrato de seguro em causa nos autos tenha sido fundamental para a formação da vontade de contratar da autora, no sentido de que teria ficado convicta de que as exportações que efectuaria, no futuro, estariam salvaguardadas contra quaisquer tipos de sinistros, como também vem como não provado que a autora desconhecesse o clausulado invocado pela recorrente para suspender a reparação do sinistro, para além de necessariamente também ter sido comunicado e explicado à autora que era necessária a leitura da informação pré-contratual e contratual que a autora declarou posteriormente conhecer, naturalmente, também, a supra citada suspensão da verificação do sinistro constante das cláusulas excluídas pela decisão recorrida, permitindo à segurada a comprovação efectiva do sinistro por meios absolutamente imparciais e com a qual a autora tinha de contar decorrente da sua própria actividade profissional.

29.ª Pensámos que as circunstâncias espelhadas na anterior conclusão, aliadas à menor exigência no rigor da obrigação de informação e que é diferente num seguro de massas celebrado por consumidor, levam a concluir que a informação prestada foi suficiente para satisfazer as obrigações de informar impostas pelo artigo 18º do RJCS e pelos artigos 5º e 6º do RCCG, não tendo as mesmas sido violadas, motivos pelos quais não devia ter sido considerado qualquer violação do dever de informação prestado pelo réu Banco BPI, S.A.

30.ª Mas, mesmo que que não se entenda no sentido da conclusão anterior, a verdade é que a exclusão das cláusulas por violação do dever de informar a cargo do réu, Banco BPI, S.A., não é oponível à recorrente, apesar do entendimento da decisão recorrida, motivos pelos quais o contrato de seguro sempre haveria de ser apreciado na sua globalidade ou seja, como se as cláusulas em causa não tivessem sido excluídas para efeitos da regulação entre autora recorrida e recorrente, sendo inaceitável o entendimento da decisão recorrida segundo o qual a violação daquele dever é oponível à recorrente para o que se socorre de jurisprudência minoritária e aplicável aos contratos de seguro de massas e por referência à aplicação dos diplomas legais de defesa do consumidor e que não devem ter aplicação no caso dos autos, como de resto tem sido recusado na esmagadora maioria da Jurisprudência citada no corpo das alegações e que considera inoponível à seguradora, ora recorrente, a exclusão de cláusulas em violação do dever de informação do tomador do seguro, ou seja do Banco BPI, pois, a Lei não assaca qualquer responsabilidade objectiva da seguradora decorrente da violação daquele dever de informação de terceiros, pelo que o incumprimento pelo banco Réu dos seus deveres de informação, não é oponível à seguradora, não implicando, portanto, a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos na apreciação do contrato no que concerne à seguradora, ora recorrente.

31.ª Na verdade, era ao o banco réu e não a recorrente a quem caberia o ónus da prova da demonstração do cumprimento daquele dever, como decorre do n.º3 do artigo 78.º do Decreto -Lei /2/2008 de 16 de Abril, sendo inaceitáveis as referências da decisão recorrida quanto a circunstância da recorrente não ter demonstrado o cumprimento daquele dever de informação, contra o que expressamente decorre daquela disposição legal e resulta dos autos que nunca teve contacto com a recorrida na fase de cumprimento do dever de informação e que se encontrava a cargo exclusivo do Banco réu.

32.ª Sendo verdade que a penalização decorrente do regime de cláusulas contratuais gerais prevista para o incumprimento do dever de informação, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, traduz-se na exclusão das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido o dever de informação, também é verdade que aquela sanção mostra-se incompatível com o contrato de seguro de grupo, designadamente com o contrato dos autos de seguro de crédito, conforme decorre do Artigo 4.º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei 176/95 e artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril que estipulam a responsabilidade civil do Banco réu, Banco BPI, S.A e não a exclusão das cláusulas sobre as quais deveriam ter recaído o dever de informação, sanção que não pode ser aplicada a recorrente sobre a qual nem recaia aquele dever de informação, como também não recai o ónus da prova do respectivo cumprimento, pelo que a indevida exclusão das cláusulas como decididas pela decisão recorrida, sempre seria inoponível à seguradora ora recorrente, pelo que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos Artigo 4.º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei 176/95 e artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril a determinar a sua revogação.

33.ª Certo é que caso fosse admissível qualquer condenação da recorrente, jamais poderia ser condenada na indemnização fixada na decisão recorrida e igual ao pedido, já que o contrato de seguro apenas lhe concederia a indemnização numa percentagem dos créditos (que são inexistentes) sobre as entidades garantidas e correspondente no seu limite máximo a 85% sobre o limite de crédito concedido pela recorrente e não como foi decidido na percentagem correspondente a 85% daqueles inexistentes créditos, como resulta com clareza da cláusula da cláusula III das condições gerais da apólice, pelo que mesma nunca poderia exceder os 85% do limite de crédito concedido pela interveniente e que no caso da Sodes Distribuition ascendia a € 31.420,50, a significar que a indemnização não poderia ultrapassar os reclamados €26.554,43 (31.420,50 x 85%), mas no caso da entidade garantida J... PLC o limite de crédito atribuído pela recorrente era apenas de € 78.500,00, pelo que em caso de indemnização contratual a mesma não poderia exceder € 66.729,25 (€ 78.500,00 x 85%), no limite máximo € 93.283,68 e nunca poderia ascender aos decididos € 96.156,88, tendo o acórdão da Relação violado a disposição contratual supra citada e o disposto no artigo 128.º do citado Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril.

34.ª Finalmente, a questão do abuso de direito que configura a presente acção, pois a recorrente ciente que não dispõe de qualquer crédito sobre qualquer uma das entidades garantidas, pretende ser indemnizada relativamente a risco insusceptível de ser contratado e efectivamente não contratado com a aqui interveniente no contrato de seguro de crédito e que apenas se verificou pela sua própria incúria e profunda negligência ao aceitar como de entidades garantidas pelo seguro, encomendas de burlões, aceitando fazer aos mesmos a entrega de mercadoria que fez deslocar a suas expensas, apenas porque recebeu um e-mail de alguém que afirmou pertencer a uma entidade garantida, mas que na realidade não o era, desresponsabilizando-se por completo da sua conduta, à qual se deve exclusivamente a produção dos danos, pois não era ao banco réu ou a seguradora interveniente que tinha a obrigação de certificar a fidedignidade das encomendas recebidas e da entrega da mercadoria fornecida à entidade garantida.

35.ª Sendo certo, que a recorrente, nem a morada das pretensas clientes apurou – cfr. factos provados sob os n.ºs 40 e 45. Actuação que era devida mas que a recorrente omitiu, aliás, de forma absolutamente negligente e que lhe provocou os alegados prejuízos que agora reclama, mas que sempre se verificariam exclusivamente devido à negligente actuação da recorrente, pelo que a presente acção configura um manifesto abuso de direito, já que foi exclusivamente a omissão de deveres da recorrente que provocou os danos que pretende que sejam indemnizados, pelo que a pretensão indemnizatória da recorrente excede clamorosamente os princípios da boa-fé e fim económico do direito em exercício.

36.ª Destarte, a decisão recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. b) e c) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 666.º n.º 1 do mesmo Código e viola os artigos 334.º, 342.º n.º1 e 2 e 376.º n.º 1 do Código Civil, artigo 18, 102, 78, 79 e 128.º do Decreto-lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, artigo 8.º n.º 2 do DL 183/88, artigos 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro e artigo 4.º n.º 1 e 2 do Dl 176/95, pelo que deve ser revogada e substituído por Acórdão que absolva a recorrente do pedido (…).

Citada, contra-alegou a Autora, pedindo a improcedência do recurso, a confirmação do Acórdão recorrido, com a consequente condenação da Ré “Cosec” e, ampliando o recurso, pugnou (subsidiariamente) pela condenação do Banco Réu no pagamento de indemnização dos prejuízos sofridos decorrentes da violação do seu dever de informação.

Formulou as seguintes conclusões:

“I. O acórdão recorrido não padece das nulidades invocadas pela Recorrente, previstas no art. 615, nº 1, alíneas b e c) do CPC, por remissão do disposto no art. 666, nº 1 do mesmo diploma legal.

II. A tese que a Recorrente ora tece para justificar a inexistência de crédito e o sinistro, constitui um facto novo, que não pode, nem deve ser aceite, nesta fase processual.

III. Em todas a peças processuais da Recorrente e mesmo em sede de prova quer documental quer testemunhal, a Recorrente nunca pôs em causa a existência dos sinistros dos autos e do crédito da Autora.

IV. À contrário, veio invocar as exclusões de cobertura, ancoradas nos artigos 7, I, nº 5 e art. 3º, nº 5 da al f) das Condições Gerais, e art. 4º, nº 1 das Condições Especiais, suspendendo numa fase inicial o pagamento da indemnização, mais defendo genericamente que não estariam cobertas situações de fraude.

V. Nunca foi posto em causa, nem agora o é verdadeiramente, que as mercadorias tenham sido produzidas pela Recorrida, tenham sido transportadas e entregues aos seus destinatários e que o preço nunca foi pago por estes. De igual modo também não está em causa a participação de ambos os sinistros, com toda a documentação enviada, que a Recorrente aceita ter recebido e tramitado, assim como a existência de danos pela Recorrida, que se fundamentam no não recebimento do preço.

VI. No seguro de danos, o dano a atender é o valor do interesse seguro, dentro dos limites do capital de seguro, nos termos prescritos nos artigos 128.º e 130.º, n.º 1 da LCS.

VII. O vendedor no caso das vendas a crédito, apesar de já ter entregado a mercadoria, fica sujeito ao risco de, na data de vencimento da obrigação de pagamento do preço, o comprador incumprir essa obrigação, pelas mais variadas razões, sendo que o seguro de crédito permite efetivamente garantir o risco de incumprimento de terceiro, cuja utilidade económico-social típica se traduz, precisamente, na função indemnizatória que é assumida pelo Segurador em caso de ocorrência do sinistro.

VIII. O âmbito deste tipo contratual passa pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos, com a delimitação do risco consubstanciando-se na configuração de num tipo abstrato de sinistro coberto pelo seguro.

IX. O que está em causa nos presentes autos é a responsabilidade por danos causados, com consequente direito à indemnização por violação do dever de informação a cargo do Tomador de Seguro de grupo contributivo, ao abrigo do disposto nos art. 78º, nºs 1 e 3 e 79º, e por remissão dos art.s 18º a 21º, todos da LCS.

X. E o pedido de nulidade da clausula inserta nos documentos contratuais, onde se pode ler “o segurado declara que tomou conhecimento das Condições Gerais, Especiais e Particulares da Apólice, que regem o referido contrato de seguro de créditos, contratado pelo Banco BPI, S.A., a que pretende aderir, anexas a esta declaração, tendo-lhe sido prestados todos os esclarecimentos sobre o respetivo funcionamento, incluindo as condições em que há lugar ao direito a indemnização”, ao abrigo do disposto no regime jurídico das clausulas contratuais gerais.

XI. Como resulta dos factos provados, a Recorrida não foi informada de forma clara, atempada, plena, completa e adequada das condições da apólice, com especial enfoque para as exclusões da mesma, o que a induziu em erro quanto ao conteúdo, pressupostos, coberturas e exclusões do contrato de seguro que havia celebrado. Cabendo à Recorrente e ao tomador de Seguro (a Ré BPI), o ónus da prova do cumprimento desse dever (cf. Art. 78º, nº 3).

XII. Sendo notória a questão da fraude, como alegado pela Recorrente, tal facto deveria vir explicito no dito documento de apresentação, aliás como decorre da própria apólice, uma alerta para estas situações na página 20, a qual vem incluída no jogo que remete para a informação prévia, condições especiais e gerais.

XIII. O referido documento, ao publicitar uma “venda segura”, “Exportação Segura”, “cobertura e monitorização do risco”, “gestão de cobranças de créditos”, “solução de cobertura de risco de crédito especialmente dirigida a empresas que exportem pela primeira vez ou pontualmente, que exportam para novos mercados e/ou novos clientes”, “com operações cujo perfil de risco da operação recomende a cobertura do risco de crédito,”, que “permitem cobrir o risco de não pagamento em operações individuais”, está claramente a induzir os clientes e a Recorrida numa convicção de segurança e confiança na transação comercial, que irá realizar. É um documento especialmente focado para promover as vendas a empresas inexperientes em novos mercados, como era o caso da Recorrida.

XIV. Este facto aliado à confiança da Recorrida tinha nas Rés, fruto da relação de confiança que tinha com o Banco ao longos dos anos e no prestígio que reconhece à Recorrente, acrescido do facto de não ter tomado consciência das verdadeiras exclusões do seguro em causa, foi suficiente para criar uma convicção de confiança na Recorrida, de que estaria segura quanto ao possível incumprimento do pagamento das vendas efetuadas nesse âmbito, repita-se para novos mercados e para novos clientes. De tal ordem que não equacionou sequer que a situação que veio a ocorrer, pudesse ser possível.

XV. Não valendo aqui a interpretação extensiva e alargada do disposto no art. 21, nº 5 da LCS, não só porque tal norma é restrita à proposta contratual, como o mesmo não tem a força probatória, que a Recorrente lhe pretende atribuir, tal como expressamente avaliado nos acórdãos acima melhor identificados, a titulo de exemplo.

XVI. Cartas de crédito e seguros de crédito, não são a mesma coisa e regem-se por institutos jurídicos sujeitos a regimes jurídicos diferentes e cuja experiência de um, não implica necessariamente o conhecimento do outro.

XVII. Quem atua no comércio internacional sabe que vender para o continente africano, americano, asiático ou europeu tem contornos, usos e costumes completamente diferentes, sendo que a experiência de uns mercados não traz necessariamente experiência nos outros.

XVIII. Tais factos são suficientes para dar como demonstrada a violação por parte da Ré BPI e da Recorrente do dever de informação, previsto no disposto no art. 78º, nº 1, artigos 18 a 21 da LCS.

XIX. Estes factos são geradores de responsabilidade civil, pela violação do dever de informação nos termos da LCS e pela sanção da exclusão das referidas clausulas do contrato de seguro, ao abrigo do regime das CCG, os quais são oponíveis a Recorrente.

XX. Nada nos autos justifica defesa da inclusão clausular e alteração da matéria de facto, assim como do cumprimento do dever de informação, alegado pela Recorrente.

XXI. As clausulas que agora a Recorrente pretende reincluir são desfavoráveis à Recorrida, por criarem entraves à efetiva indemnização, decorrente do contrato celebrado, alegação que de resto constitui novidade, nunca antes tendo sido colocada.

XXII. O art. 674º, nº 3 do CPC, limita a alteração da matéria de facto nesta sede, sendo jurisprudência aceite, que ao Supremo Tribunal de Justiça lhe é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, sendo-lhe, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados pela lei, tratando-se então de verificar se o Tribunal da Relação, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662º do CPC, incumpriu deveres de ordem adjetiva, se (des)respeitou a lei processual, relacionados com a apreciação da matéria de facto, o que é inequivocamente matéria de direito (Ac. STJ de 12.11.2020, Procº nº 3159/05.7TBSTS.P2.S1, no site da DGSI).

XXIII. O pedido e indemnização fixado corresponde ao exato valor dos danos garantidos ou seja 85% do valor das mercadorias.

XXIV. Não existe abuso de direito por parte da Recorrida ao intentar a presente ação, como de resto foi decido pela primeira instância e acórdão recorrido.

XXV. A Recorrida sempre se pautou por uma postura de verdade e confiança que depositava na Ré BPI, sendo cliente desta por longos anos, sempre atuou com lisura perante a Ré BPI e a Recorrente. Tudo fez, conforme lhe foi indicado, aliás como ambas as Rés e ora Recorrente aceitam e confessaram.

XXVI. Contrariamente ao invocado, a Recorrida fez as suas pesquisas relativamente aos fornecedores em causa, não só através de pesquisa on-line dos sites, como contactos telefónicos, trocou vasta correspondência com estes, em ambos os casos, sendo em nenhum dos sites, era noticiada qualquer situação de fraude, que a Autora desconhecia por completo existir.

XXVII. Neste tipo de seguros, o que está em causa é o risco de falta de pagamento do preço, nas situações em que o segurado, apesar de ter cumprido o contrato nos termos acordados, vem afinal a não receber a sua contraprestação – o pagamento do preço.

XXVIII. Os art.s 3º e 4º do DL 183/88 de 24 de Maio, não excluem por si só as situações decorrentes de atos criminais de terceiros, designadamente situações de burla, sendo igualmente falso que o seguro de crédito não possa legalmente cobrir riscos destes, que mais não são do que riscos comerciais e de contratação com entidades de países terceiros.

XXIX. Caso os venerados Senhores Conselheiros, venham a entender não ser a Recorrente obrigada a indemnizar a Recorrida, por não lhe ser oponível a violação do dever de informação a cargo do tomador de seguro, deverá o venerado Tribunal, pronunciar-se sobre a responsabilidade civil da Ré BPI, decorrente da violação desse dever, sendo que se encontram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil contratual, a saber, o facto ilícito, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.”

Cumpre decidir:

A matéria de facto provada, depois de alterada pela Relação, é a seguinte:

“1- A autora, F... Lda., é uma sociedade de direito português que se dedica ao comércio de sapatos, malas e carteiras, importação e exportação, trading, agenciamento de operações comerciais e representação comercial;

2- A autora desenvolve a sua atividade há mais de 40 anos, incluindo trocas comerciais com os PALOP;

3- Em finais de 2017/2018, a autora pretendeu expandir o seu comércio para o mercado europeu;

4- Em agosto de 2018, foi contactada por terceiros, que se apresentavam como empresas de nacionalidade francesa e inglesa, respetivamente SODES DISTRIBUTION, NICP FR20423603497 e J... PLC, NICP GB232457280;

5- No dia 30 de agosto de 2018, nas instalações da autora, ocorreu uma reunião entre esta e um colaborador da ré Banco BPI SA, para apresentação e informação do produto de seguros de crédito “seguro Cosec Fatura a Fatura”, conforme documento de fls. 12 verso a 20 (doc. nº 1 junto com a petição inicial);

6- Face às informações constantes nesse documento e às informações prestadas pelo colaborador da ré, a autora decidiu contratar o seguro proposto, na expectativa de salvaguardar eventuais incumprimentos contratuais nos negócios que se propunha fazer para o mercado europeu;

7- Assim, a 10 de setembro de 2018, a autora enviou à ré um pedido de análise do seguro de crédito que pretendia realizar, de modo a acautelar os seus interesses na relação jurídica contratual que surgia com terceiros que se apresentavam como empresa francesa Sodes Distribuition (doc. de fls. 21);

8- O crédito veio a ser aprovado e comunicado à autora pela ré, face ao que a autora deu início à produção da encomenda correspondente à fatura pró-forma FR2018/832 de 07.09.2018 e informa o cliente a 14 e 19 de setembro;

9- A 31 de Outubro de 2018, por correio eletrónico, a autora enviou à ré fatura final desta encomenda (FA 2018/840, emitida a 30.1.2018, no valor de EUR 31.240,50), tendo nesse mesmo dia recebido comunicação da ré, com documentação relativa ao seguro de crédito;

10- A autora enviou a encomenda a quem se lhe havia apresentado como cliente Sodes Distribuition, no início de novembro de 2018, encomenda que foi rececionada a 09 de novembro e confirmada a sua receção e conformidade;

11- Porém, tal encomenda, correspondente à fatura nº FA2018/840, não foi paga;

12- Atendendo que a referida fatura deveria ter sido paga no prazo de 30 dias após a data da sua emissão, a autora contactou o “cliente” Sodes Distribuition para que efetuasse o pagamento devido, não só por correio eletrónico, como também por telefone, tendo obtido a resposta de que o pagamento seria efetuado, o que não veio a suceder;

13- Entretanto, em 12 de dezembro de 2018, após solicitação da autora à ré, recebe desta uma comunicação, com a documentação necessária para efetuar uma comunicação de ameaça de sinistro;

14- A autora, veio assim a proceder à comunicação de ameaça de sinistro à aqui ré, segundo os trâmites por estas indicados, no dia 18 de dezembro de 2018;

15- Paralelamente, a autora encontrava-se em negociações, tendentes à celebração de um outro contrato de compra e venda de mercadorias, com terceiros que se apresentavam como empresa J..., com sede no Reino Unido;

16- Tendo em 12 de dezembro de 2018, a “empresa” que se denominava como J..., enviado à autora a fatura proforma, devidamente assinada e carimbada, para que esta fosse sujeita à aprovação da Seguradora;

17- Após sujeitar os elementos documentais que possuía à aprovação do seguro, no dia 13 de dezembro de 2018, a Ré comunica, por email de 28 desse mês, a aprovação da garantia nº 3185, com início de validade 18.12.2018, pelo montante de EUR 78.505,00;

18- A autora iniciou a produção dessa encomenda e procedeu ao envio das mercadorias no dia 09 de fevereiro de 2019;

19- No dia 11 de fevereiro de 2019, a autora enviou à ré, a fatura final do “cliente” J...;

20- Tais quantias deveriam ser pagas no prazo de 15 dias após a data de emissão da fatura nº FA 2019/907, ou seja, até ao dia 21 de fevereiro de 2019;

21- Não obstante, nada foi pago por conta dessa encomenda;

22- Desde o dia 28 de fevereiro de 2019, a autora interpelou por diversas vezes a “empresa” em causa, realizando diversos telefonemas, procedendo ao envio de mensagens de correio eletrónico e reclamações, sem qualquer sucesso;

23- A autora diligenciou, então, junto da aqui ré, a comunicação de ameaça de sinistro, no dia 04 de março de 2019;

24- No dia 14 de março de 2019, a interveniente seguradora Cosec, enviou à autora uma carta, com conhecimento da aqui ré, a informar que o processo de sinistro, identificado com o nº 82506, referente ao cliente Sodes Distribuition, se encontrava suspenso, pelos motivos que invocava no documento de fls. 53, que se considera aqui reproduzido (doc. nº 27 da petição inicial);

25- Com a receção desta comunicação, a autora solicitou mais esclarecimentos à ré;

26- A autora sempre se mostrou disponível e cooperante com a empresa seguradora, seguindo os procedimentos por si indicados e, assim que tomou conhecimento de que poderiam estar em causa eventuais esquemas fraudulentos, a autora efetuou participação junto dos órgãos de polícia criminal competentes (docs. 32 e 33 juntos com a petição inicial);

27- A 03 de Maio de 2019, a entidade seguradora, com o conhecimento da aqui ré, envia nova carta de suspensão de sinistro, agora relativo à garantia nº 3185, emergente do contrato de compra e venda com a “empresa” J... (doc. nº 34 junto com a petição inicial);

28- A autora, mais uma vez se mostrou disponível e cooperante, seguindo os procedimentos indicados pela ré;, tendo providenciado, assim que tomou conhecimento de que poderiam estar em causa eventuais esquemas fraudulentos, à respetiva participação junto dos órgãos de polícia criminal competentes, mais concretamente a 23.05.2019;

29- Em ambos os casos, a autora veio a reclamar da ré e da seguradora a cobertura do sinistro;

30- Porém, esta manteve a sua decisão de suspensão dos sinistros, não aceitando a sua responsabilidade perante o não pagamento das empresas supra identificadas, alegando que à luz do estabelecido na apólice de seguro, nomeadamente no ponto previsto na alínea f) do nº 5 do artigo 3º, os processos dever-se-iam manter suspensos até decisão judicial condenatória, que ateste a existência e a exigibilidade dos referidos créditos;

31- A ré respondeu a reclamação da autora, por carta datada de 20 de Novembro de 2019, recebida a 27 de Novembro de 2019, que o seu dever de informação estaria cumprido por na declaração de adesão entregue à Autora se encontrar uma cláusula onde se pode ler “o segurado declara que tomou conhecimento das Condições Gerais, Especiais e Particulares da Apólice, que regem o referido contrato de seguro de créditos, contratado pelo Banco BPI, S.A., a que pretende aderir, anexas a esta declaração, tendo-lhe sido prestados todos os esclarecimentos sobre o respetivo funcionamento, incluindo as condições em que há lugar ao direito a indemnização” (doc. nº 37 junto com a petição inicial);

32- Ao ter remetido as mercadorias acima referidas, sem que tenha recebido pagamento das mesmas, a autora teve prejuízos naqueles valores, respetivamente de EUR 31.240,50, e de EUR 81.885,00;

33- Na reunião inicial acima referida entre representante legal da autora e colaborador da ré, por este foi explicado o produto em causa, de acordo com o doc. nº 1 junto com a petição inicial, bem como foram entregues impressos de Pedido de Análise, Nota de informação prévia, bem como as Condições Gerais, Especiais e Particulares da apólice, documentos esses que foram novamente remetidos à autora em 19.09.2018, bem como em 20.03.2019;

Passou a ter a seguinte redacção, depois da alteração da decisão de facto pela Relação:

“33. Na reunião mencionada em 5 dos factos provados foi apresentado um produto de seguro de crédito intitulado «Segure as suas vendas, fatura a fatura / Soluções para a Cobertura de Operações Individuais BPI-COSEC» – conforme documento 1 junto com a p.i. e inserto nos autos a fls. 12 v/20”.

Passando, do demais constante deste ponto 33, para os factos não provados o seguinte:

“Na reunião mencionada em 5 dos factos provados foram entregues impressos de Pedido de Análise, Nota de Informação Prévia, bem como as condições Gerais, Especiais e Particulares da Apólice, documentos esses que foram de novo remetidos a 19/09/2018.”

34- Quanto aos alegados fornecimentos a SODES DISTRIBUTION, por carta de 14.03.2019 a COSEC, com cópia ao Banco réu, informou a autora que havia sido vítima de fraude e que a verificação do sinistro, encontrava-se suspensa;

35- Em 20.03.2019 a autora solicitou ao Banco réu envio de 2ª via das Condições particulares da Apólice e da Nota de Informação Prévia;

Passou a ter a seguinte redação, depois da alteração da decisão de facto pela Relação:

“35. A D/M/2019 o R. BPI enviou à A., via email, as condições particulares da apólice e Nota de Informação Prévia, cuja receção a A. acusou a D/M/2019”.

36- Quanto aos alegados fornecimentos a J... PLC, por carta de 03.05.2019 a COSEC, com cópia ao Banco réu, informou, de igual forma, a autora, de que havia sido vítima de fraude e que a verificação do sinistro, encontrava-se suspensa;

37- A autora havia sido esclarecida sobre o seguro que ia celebrar e que veio a celebrar, designadamente quanto às exclusões relativas a situações de fraude;

Passa para os factos não provados, por alteração à matéria de facto levada a cabo pela Relação.

38- A autora assinou todas as Apólices e Declarações de Adesão à Apólice, onde constava que tinha conhecimento da Nota de Informação Prévia e das Condições Gerais e Particulares da Apólice, não tendo posto em causa tais declarações;

Passou a ter a seguinte redação, depois da alteração da decisão de facto pela Relação:

38- “A A. assinou os pedidos de adesão e as declarações de adesão referentes aos dois créditos à exportação a que se referem os factos provados 7 e 16, nos quais constam mencionadas as seguintes declarações:

- nos primeiros que lhe foram dadas a conhecer “explicadas e analisou atentamente todas as condições do seguro, incluindo especificadamente todas as coberturas contratadas e respetivas exclusões, limitações, obrigações que lhe são impostas e os direitos que lhe assistem em caso de sinistro, tudo nos termos do disposto na Apólice e na Nota de Informação Prévia”;

- e nas segundas ter “conhecimento das Condições Gerais, Especiais e Particulares da Apólice, que regem o referido contrato de seguro de créditos, contratado pelo Banco BPI, S.A., a que pretende aderir, anexas a esta declaração, tendo-lhe sido prestados todos os esclarecimentos sobre o respetivo funcionamento, incluindo as condições em que há lugar ao direito a indemnização”.

39- No que concerne à interveniente Seguradora, participado o sinistro, referente ao pagamento do preço devido pelas mercadorias expedidas, por parte das supostas clientes da autora, a COSEC procedeu, através das suas congéneres, a diligências tendentes à cobrança dos créditos, tendo apurado que os supostos clientes da autora não reconheciam o crédito, considerando que nunca efetuaram qualquer encomenda à autora e não receberam quaisquer produtos;

40- Relativamente à entidade garantida Sodes Distribution, da fatura emitida pela autora consta como local de entrega/morada a 13/14 Rue 1 – 93150 – Blanc Mesnil – France, e que é diferente da morada da entidade garantida Sodes Distribution, sita na Rue du Souvenir 44850 ligne- France;

41- Recebida a participação pela interveniente Cosec, e como o alegado devedor se tratava de empresa estrangeira, o processo administrativo da interveniente foi remetido para a sua congénere em França, Euler Hermes Recouvrement France, para efeitos de diligências de cobrança junto da empresa alegadamente devedora “Sodes Distribuition”, ou seja, a entidade garantida pelo seguro;

42- No entanto, aquela entidade garantida negou ter encomendado qualquer produto à autora, como negou ter recebido qualquer mercadoria, alertando para a eventualidade da usurpação da sua identidade por terceiros, nunca tendo trocado qualquer comunicação via correio eletrónico com a autora, mais alegando que os endereços de correio eletrónico usados nunca lhe pertenceram;

43- A referida congénere, anexou em comunicação à interveniente, participação de usurpação da sua entidade que efetuou junto das autoridades policiais Francesas em 01.03.2029;

44- Face à posição da alegada devedora e entidade garantida, segundo a qual nunca encomendou ou recebeu qualquer mercadoria da autora, a interveniente comunicou à autora que a verificação do sinistro ficava suspenso, nos termos das cláusulas da apólice;

45- Relativamente à fatura com o nº ........07, de 06.02.2019, consta como local de entrega/ morada 3 Road 1 – LONDON SE18 IBS – UNITED KINGDOM – Mr AA ...........73 , e que também é diferente da morada entidade garantida, a J... PLC, sita em 171Street 1- SW5NN - LONDON – UNITED KINGDOM;

46- Recebida a participação de sinistro pela interveniente e como o alegado devedor se tratava de empresa estrangeira, o processo administrativo foi remetido para a congénere da interveniente no Reino Unido, para efeitos de diligências de cobrança junto da empresa alegadamente devedora “J... PLC”, ou seja, a entidade garantida pelo seguro;

47- De tais diligências, resultou que a entidade garantida, a empresa J... PLC, alegou usurpação da sua identidade por parte de terceiros desconhecidos, alegando que nunca encomendou nem recebeu bens da empresa F... LDA., negando que a morada da entrega da mercadoria lhe pertencesse e que o endereço de correio eletrónico nome 1@yahoo.com não estava associado àquela empresa;

48- Motivos pelos quais, em 03.05.2019, a interveniente remeteu ao Banco réu e à autora a comunicação informando que a entidade garantida, alegou a usurpação da sua entidade por parte de terceiros, nada tendo encomendou ou recebido da autora, que os endereços de correio eletrónico utilizados não lhe pertenciam o mesmo acontecendo com o local da entrega da mercadoria mencionado na fatura, mais alertando para a suspensão da verificação do sinistro, nos termos das cláusulas contratuais;

49- Assim, nas diligências de cobrança, as entidades garantidas pelo seguro, não aceitaram qualquer crédito da autora, alegando nunca lhe terem encomendado ou dela recebido qualquer mercadoria.”

Foi julgada como não provada a seguinte factualidade:

“- Que a reunião a que se refere o nº 5 supra dos factos provados, tenha ocorrido a solicitação do colaborador da ré;

- Que a autora apenas tenha decidido avançar com os novos negócios e parceiros nos mercados europeus, pensando estar, pelo contrato de seguro em causa, acautelada quanto a quaisquer faltas decorrentes da sua pouca experiência nesses mercados;

- Que o contrato de seguro em causa nos autos tenha sido fundamental para a formação da vontade de contratar da autora, no sentido de que teria ficado convicta de que as exportações que efetuaria, no futuro, estariam salvaguardas contra quaisquer tipos de sinistros;

- Que a autora desconhecesse o clausulado invocado pela interveniente para suspender a reparação do sinistro;

- Que só em março de 2019, tenha a ré facultado à autora as condições gerais e particulares do contrato de seguro, sem que lhe tenham sido explicadas as respetivas cláusulas e exclusões;

- Que a autora nunca celebraria estes contratos de seguro com a COSEC, se tivesse conhecimento prévio e claro de que potenciais situações como a dos autos (burla), estariam excluídas do âmbito do contrato de seguro.”

- “Na reunião mencionada em 5 dos factos provados foram entregues impressos de Pedido de Análise, Nota de Informação Prévia, bem como as condições Gerais, Especiais e Particulares da Apólice, documentos esses que foram de novo remetidos a 19/09/2018.”

37- A autora havia sido esclarecida sobre o seguro que ia celebrar e que veio a celebrar, designadamente quanto às exclusões relativas a situações de fraude”.

O Direito.

Da nulidade do acórdão recorrido com fundamento no disposto nas als. b) e c) do art. 615º do CPC:

Alega a recorrente que, resultando dos factos provados que não se verificou qualquer sinistro, o acórdão é nulo, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c) do CPC, por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão.

Por sua vez, quanto à determinação pelo tribunal recorrido da não inclusão no contrato singular das cláusulas que identificou como cláusulas de exclusão ou de limitação da responsabilidade da seguradora relativamente a créditos litigiosos, entende a recorrente “que a decisão recorrida nem sequer especifica os fundamentos de direito que poderiam fundamentar a decisão de as excluir, o que gera a sua dupla nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, aplicável à decisão em crise por força do artigo 666.º n.º1 do mesmo Código”.

Porém, não se verificam quaisquer nulidades.

Começando pela última, tem-se entendido que só a falta absoluta de fundamentação, perspectivada como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do citado art. 615º do CPC. Não se encontra, seguramente, o acórdão recorrido ferido de tal vício, nem tão pouco se denota qualquer deficiente fundamentação de direito relativamente a qualquer dos aspectos sobre que se pronuncia, nomeadamente quanto à decisão de considerar excluídas as cláusulas do concreto contrato de seguro de crédito. Com efeito, a decisão recorrida considerou a existência de um dever de comunicação e de informação, fundando-se quer na Lei do Contrato de Seguro, quer na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, dever que entendeu violado; enquadrou e decidiu a questão da responsabilidade da seguradora tendo em conta que se trata no caso dos autos de contrato de seguro de grupo, tomando partido de forma também amplamente explicada e justificada pela orientação que admite não estar exclusivamente a cargo do tomador o dever de informar o segurado, recorrendo ao regime dos contratos de adesão para justificar a não inclusão no contrato singular das mencionadas cláusulas, tornando assim a violação daquele dever oponível à ré Seguradora, ora recorrente. Ou seja, não lhe pode ser assacado qualquer vício que decorra da não discriminação das regras jurídicas em que assenta e onde recolhe justificação.

Por seu turno, também não ocorre a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC: para que a mesma se verifique, é necessário que ocorra qualquer erro de construção do silogismo judiciário que conduz à decisão, erro que não se verifica. A interpretação que o acórdão fez dos factos provados é questão que tem a ver apenas com o mérito da decisão, não laborando em qualquer vício lógico de construção do silogismo judiciário.

Carece, também, de fundamento a arguida nulidade.

Da verificação do sinistro e violação das regras do ónus da prova:

Alega a Ré “Cosec”, ora recorrente, que, mesmo considerando a alteração da matéria de facto e a exclusão das cláusulas contratuais sufragadas pelo acórdão recorrido, ainda assim a decisão de condenar a recorrente no pedido será inaceitável na medida em que não existe a verificação de qualquer sinistro, pois, por força do contrato de seguro, emitiu garantias relativamente a duas entidades previamente identificadas pela autora- recorrida; as sociedades Sodes Distribution NIPC FR 20423603497 e J... PLC NIPCGB232457280, para as quais solicitou a emissão de garantias relativamente aos riscos cobertos pelo contrato de seguro, mas às quais nada forneceu. (conclusões 1ª e 3ª).Com efeito, ainda segundo a recorrente, “nos termos não excluídos do contrato de seguro ajuizado, “Objecto” daquele seguro de crédito, é o crédito que a autora tivesse sobre as entidades que identificou como suas clientes e referidas na cláusula antecedente e que fossem decorrentes das operações de exportação com pagamento a prazo, pelo que ficando provado que a recorrida nada forneceu àquelas entidades concretas, mas antes a “terceiros que se fizeram passar pelas entidades garantidas” como resulta muito claramente da matéria de facto considerada provada, resulta demonstrado a inexistência de qualquer crédito da autora, objecto do contrato de seguro, e consequentemente a não verificação do risco em que se traduzia a mora no pagamento daqueles créditos por qualquer uma daquelas entidades garantidas, tal como resulta quer da Lei do Contrato de Seguros aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de abril, quer da apólice ajuizada.” (conclusão 4ª).

Em primeiro lugar, deverá ter-se como improcedente a pretensão da autora, aqui recorrida, resultante das suas contra-alegações, no sentido do não conhecimento da questão assim colocada, por se tratar de facto novo, que não pode, nem deve, ser aceite, nesta fase processual. O que está em causa não é qualquer facto, novo ou não, mas uma determinada qualificação jurídica, ou a atribuição de uma certa consequência de direito a factos alegados e considerados provados. E, por isso, nem o princípio da concentração da defesa na contestação, nem a regra de que os recursos não se destinam a apreciar questões novas, impedem a recorrente de assentar a sua pretensão recursiva em certos fundamentos, qualificações ou juízos de direito, ainda que estes não tenham sido anteriormente considerados.

Ou seja: estando em discussão a responsabilidade da recorrente, pugnando esta pela sua absolvição do pedido de pagamento ao autor de certa quantia a título de indemnização prevista no seguro de crédito, não pode ser considerado “facto novo” a alegada não verificação do sinistro por força da não existência do crédito relativamente às entidades garantidas, ainda que antes a autora se tenha defendido invocando as exclusões de cobertura, previstas nos artigos 7, I, nº 5 e art. 3º, nº 5 da al f) das Condições Gerais, e art. 4º, nº 1 das Condições Especiais, suspendendo numa fase inicial o pagamento da indemnização, e defendendo genericamente que não estariam cobertas situações de fraude.

Avançando, cremos que, independentemente da exclusão ou não das cláusulas contratuais, o recurso da Cosec terá sempre de proceder: em qualquer das circunstâncias não se verificará quer o sinistro caracterizado pelo contrato de seguro quer outro sinistro incluído no contrato de seguro singular subsistente depois da exclusão de todas as cláusulas contratuais gerais (especiais, particulares ou gerais).

Senão vejamos:

Está em causa um seguro de crédito, qualificável como um seguro financeiro, regulado pelo DL nº 183/88 de 24.5, pelas disposições dos arts. 161º e 165º do RJCS e pelas restantes normas deste regime, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza, nos termos do art.º 166º daquele diploma.

Trata-se de um contrato nominado, típico, que visa cobrir determinados riscos fixados pelas partes, previstos, embora de forma não taxativa, no artº 3º do DL n.º 183/88 de 24. 5, obrigando-se a seguradora a indemnizar o segurado na eventualidade de se verificar o sinistro, ou seja, o evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco de entre os elencados no art. 4º do referido diploma (v. Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2013, 2ª edição, págs. 162 e 163).

O conceito de sinistro reporta-se à ocorrência do facto ou conjunto de factos que desencadeando a garantia contratual de cobertura do risco, origina para o segurador o dever fundamental de realizar a prestação convencionada (art. 99º da LCS). E compreende-se que a exacta determinação do risco constitua em geral ponto cardeal da disciplina dos seguros, justificando-se o cuidado posto pelas partes na sua delimitação, bem como na definição do sinistro, ou seja, dos factores (eventos futuros e incertos) geradores do risco garantido, estando, por isso, em causa pressupostos do contrato e seus elementos centrais (assim, Calvão da Silva Seguro de Crédito, in “Estudos de Direito Comercial (Pareceres)”, Almedina, Coimbra, 1999, (reimp) pp. 95 e ss)

E, por isso, também no caso dos autos, a apreciação acerca da verificação do sinistro tem de confrontar-se com a prévia indagação dos riscos efectivamente cobertos no seguro que é objecto do presente litígio.

Risco de fraude de terceiro associada à usurpação da identidade do devedor do crédito seguro:

O art. 3º do DL nº 183/88 de 24,5, contempla como “riscos seguráveis”: (a)- não amortização das despesas suportadas com operações de prospecção de mercados, participação em feiras no estrangeiro e constituição de existências em países estrangeiros; (b)- suspensão ou revogação da encomenda ou resolução arbitrária do contrato pelo devedor na fase anterior à constituição do crédito; (c)- falta ou atraso no pagamento dos montantes devidos ao credor; (d)- variações cambiais relativamente a contratos cujo pagamento seja estipulado em moeda estrangeira; (e)- elevação anormal e imprevisível dos custos de produção resultante da alteração das condições económicas que afectem o fabrico dos bens, a execução dos trabalhos ou a execução dos serviços”, admitindo-se, no nº 2 que os Ministros das Finanças e da Economia possam definir, mediante portaria conjunta, outros riscos suscetíveis de cobertura no âmbito do seguro de crédito.

Por seu turno, enumera o artigo 4º, nº1, os factos geradores de sinistros e que são, resumidamente, a insolvência de facto ou declarada judicialmente, a concordata judicial ou extrajudicial de credores (hoje, face ao CIRE deve incluir-se aqui o Plano Extrajudicial de Conciliação (PEC) e o Plano de Pagamento aos Credores); incumprimento, mora, rescisão ou suspensão arbitrária do contrato pelo devedor, a recusa arbitrária do devedor em aceitar os bens ou serviços encomendados, o ato, decisão ou moratória geral decretados por autoridades públicas do país do devedor ou de país terceiro que obstem ao cumprimento, acontecimentos políticos, dificuldades económicas ou medidas legislativas ou administrativas adotadas fora de Portugal que atrasem o pagamento, disposições legais adotadas no país do devedor que influenciem o valor do pagamento efetuado em divisa local, medidas ou decisões das autoridades portuguesas ou do país do titular da apólice visando o comércio externo que impossibilite o cumprimento se não houver compensação de outro modo, ocorrência fora de Portugal de guerras ou outras perturbações políticas, eventos catastróficos naturais fora de Portugal quando os seus efeitos não sejam cobertos de outro modo.

Perante este quadro legislativo, em que não se encontra contemplado o risco de fraude, pode discutir-se se a enumeração legal dos riscos susceptíveis de cobertura é ou não taxativa, mas ainda que se entenda ser a orientação mais correcta a da não taxatividade, parece decorrer dos mencionados artigos 161º e 3º e ainda da fixação dos factos geradores de sinistro definidos no artigo 4º do DL nº 183/88 (nenhum deles com conexão a um risco de fraude) que o contrato padrão do seguro de crédito não cobre habitualmente o risco de fraude, podendo abrangê-lo mediante a contratação de uma cobertura acessória dependente de inserção no negócio celebrado de cláusula nesse sentido.

Deste modo e de forma geral, o seguro de crédito não cobre automaticamente o risco de fraude de terceiro, salvo se tal risco estiver expressamente incluído nas cláusulas contratuais da apólice, pelo que a cobertura efectiva do risco de usurpação da identidade dos clientes verificado no caso dos autos não prescindiria de cláusula negocial nesse sentido (que aqui não existe).

Risco de incumprimento:

Entende a segurada, aqui recorrida, que o sinistro verificado, e que foi atempadamente comunicado à Ré Cosec, se traduz no não pagamento atempado por parte dos clientes, não devendo equacionar-se sequer a respectiva causa, tanto mais que a lei acautela expressamente as situações de incumprimento pelo devedor decorrentes de fatores externos, sejam eles políticos ou catastróficos.

Sucede, porém, que no caso dos autos, não está em causa a mora ou não cumprimento definitivo pela entidade garantida, ainda que por força de um qualquer evento não relacionado com a sua situação económica e financeira enquanto devedor, mas, antes, a inexistência e a exigibilidade do respetivo crédito.

De facto, e como foi salientado, o seguro de crédito visa proteger o segurado (credor) contra o risco de incumprimento (temporário ou definitivo) por parte dos seus clientes (devedores) incidindo a sua cobertura típica sobre o risco comercial (insolvência ou mora prolongada do comprador) podendo, por vezes, estar cobertos riscos político, sobretudo em operações internacionais. Cobre, porém, o risco de incumprimento do comprador identificado e aceite pela seguradora e não o risco de erro na identificação ou de engano provocado por terceiros. Ou seja, o seguro de crédito pressupõe a existência de uma relação subjacente válida e um crédito exequível relativamente aos clientes garantidos, tanto mais que é a partir dessa identificação que o segurador avalia o risco e decide se aceita cobri-lo, sendo também com base nessa informação que o segurador calcula o prémio.

Além disso, não estará, sem mais, a seguradora obrigada a fazer uma análise de risco relativamente à identidade dos clientes da segurada cuja falsidade não estava abrangida no risco seguro, mas sim apenas obrigada a verificar as circunstâncias relacionadas com o risco incluído na cobertura, analisando a solvência das entidades concretamente apresentadas como clientes.

Ora, por força do contrato de seguro e das adesões singulares aqui em litígio, a recorrente emitiu garantias relativamente ao cumprimento por duas entidades previamente identificadas pela autora- recorrida; as sociedades Sodes Distribution NIPC FR 20423603497 e J... PLC NIPCGB232457280, relativamente às quais efectuou a análise de risco de incumprimento. Efectivamente, garantiu a satisfação do crédito que a segurada viesse a adquirir relativamente a essas entidades, decorrente das operações de exportação com pagamento a prazo, pelo que a eventual responsabilização da seguradora estaria, desde logo, dependente da existência de um crédito da recorrida, exigível àquelas entidades seguras (e não a qualquer outra). Assim, sem essa existência e exigibilidade não pode falar-se de incumprimento, temporário ou definitivo, facto que, constituindo o sinistro, accionaria a garantia contratual de cobertura do risco e originaria para a seguradora o dever fundamental de realizar a prestação convencionada. Nem se poderia dizer que haveria obrigação de realizar a análise do risco de fraude porque esta determinaria, tal como determinou, a suspensão do sinistro à luz do estabelecido na apólice de seguro, nomeadamente no ponto previsto na alínea f) do nº 5 do artigo 3º, segundo a qual, contestados os créditos seguros os processos dever-se-iam manter suspensos até decisão judicial condenatória, que ateste a existência e a exigibilidade dos referidos créditos suspendendo-se, nesse caso, a verificação do sinistro até à comprovação judicial pelo segurado do seu direito; regras que funcionam como regras de natureza procedimental, conferindo, nesse enquadramento, à segurada, credora garantida, a oportunidade de, perante a defesa do alegado cliente, provar a existência do crédito seguro e a consequente verificação do sinistro resultante do seu não cumprimento atempado, o que, atendendo à distribuição do ónus da prova resultante da regra geral do art. 342º n.º 1 do CC, nesta sede reforçada pelo disposto no art. 102º do RJCS, lhe competia.

Ora, atendendo à matéria de facto dada como assente pelas instâncias, não tendo a autora logrado provar que celebrou o contrato de onde decorre o crédito garantido com qualquer das sociedades que mencionou nas facturas enviadas à seguradora, não ficou demonstrado existir qualquer crédito da segurada perante os clientes por ela própria indicados, cujo cumprimento se encontrasse garantido pelo contrato de seguro em litígio e, consequentemente, não ficou demonstrada a verificação do sinistro - a alegada mora no pagamento daqueles créditos por qualquer daquelas entidades - que possa desencadear a responsabilidade da Ré Cosec, ora recorrente. Se bem que tenha ficado provado que a autora enviou as encomendas que lhe foram efectuadas para os clientes que identificou nas faturas – factos provados 9 e 10 e 15 a 19 -e que os identificados destinatários das encomendas não procederam ao seu pagamento – ver factos provados 11 e 12 e 20 e 21- a verdade é que ficou igualmente provado que as entidades identificadas como clientes negaram ter efectuado ou recebido as encomendas – vide factos provados 42 e 47 - tendo ambas alegado usurpação da sua identidade por terceiros desconhecidos, não se encontrando, por isso, provado que efectivamente fizeram e receberam tais encomendas, e que, por essa via, se obrigaram a pagar o respetivo preço. Ou seja, não se encontra provada a existência de uma relação subjacente válida e um crédito exequível relativamente aos clientes garantidos, e o respectivo incumprimento.

Outra não deverá ser a conclusão que decorre, aliás, da qualificação do seguro de crédito como garantia pessoal, devendo, de entre estas, aproximar-se ao modelo regulativo da fiança quanto à sua natural acessoriedade. Ou seja, não havendo disposição contratual que lhes confira autonomia e os abeire, quanto a este aspecto, da garantia autónoma, os seguros financeiros (seguro de crédito e seguro caução) manifestam a sua ligação à relação subjacente, permitindo ao garante, em caso de execução da garantia, invocar todos os meios de defesa que poderiam ser invocados pelo devedor demandado perante o credor, nomeadamente a inexistência da dívida garantida. Como salienta Miguel Pestana de Vasconcelos, se nada decorrer da interpretação do contrato quanto a este ponto, como no caso não decorre, a “solução correta é a de entender que se trata de uma obrigação (a do segurador) acessória (O seguro Financeiro na Reforma do Direito dos Seguros, in https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/53872/2/49826.pdf . pág. 381)

Nessa medida, parece não ser de acompanhar quanto a esta questão o acórdão recorrido, quando determina que “nada obsta à exigência da A. em ver verificada a situação de sinistro que lhe legitima o pedido nos autos formulado”, porquanto, ainda que fosse de sufragar o raciocínio que a precede e a pretende legitimar, nos termos do qual, ao contrário do que sucede para a situação de insolvência e para a insuficiência de meios (em que é exigida, respectivamente, a existência de sentença declaratória da falência (al. a)) e prova concludente apresentada pelo segurado, manifestada em ação executiva ou outro meio relativo à situação financeira e patrimonial do devedor (al. b)), “no caso de mora, nenhuma exigência adicional de prova, nomeadamente judicial, foi prevista para a verificação do sinistro, a não ser a própria mora do devedor (al. c)”, sempre estará por provar, no caso dos autos, a efectiva mora dos devedores identificados (entidades cujo cumprimento se encontra garantido).

Além disso, não pode admitir-se também, pelas razões já referidas e tendo em conta a acessoriedade da garantia aqui em causa, que a alegada situação de fraude, sendo uma decorrência da contestação do crédito, tenha deixado, por força das exclusões contratuais, de estar prevista. Pelo contrário, podendo a seguradora defender-se, perante o segurado (credor), com os mesmos meios de defesa que os devedores poderiam invocar e efectivamente invocaram, tal como sucederia se o cliente tivesse alegado que o contrato era nulo ou que o seu cumprimento não era devido por qualquer outra razão, que pudesse pôr em causa a existência ou a exigibilidade do crédito assegurado, a recusa do pagamento da indemnização acordada enquanto não provada a existência do direito de crédito (e logo o sinistro), decorre da lei geral antes de resultar de qualquer cláusula contratual específica - designadamente das cláusulas estabelecidas na apólice de seguro, nomeadamente no ponto previsto na alínea f) do nº 5 do artigo 3º, segundo a qual contestados os créditos seguros os processos dever-se-iam manter suspensos até decisão judicial condenatória, que ateste a existência e a exigibilidade dos referidos créditos, que o Acórdão recorrido entendeu como não incluídas nos contratos singulares celebrados com a segurada, aqui recorrida, com fundamento na violação do dever de comunicação e de informação, previstos nos artigos 5.º e 6.º do DL. n.º 446/85.

Por estas razões, só poderia admitir-se a condenação da Ré Cosec, no caso de se encontrar coberto pelo contrato de seguro em litígio o risco de fraude por usurpação da identidade do cliente legítimo, caso em que a ocorrência de tal facto constituiria o próprio sinistro.

Portanto, a situação dos autos corporiza um risco (o inerente à certificação da verdadeira identidade dos clientes / entidades com quem o segurado se relaciona), tratando-se aqui de determinar por conta de quem deve entender-se que ele corre, ou quem deve suportar o prejuízo da sua concretização.

Ora, de acordo com as considerações já expendidas, a usurpação de identidade é considerada uma forma de fraude de terceiro, o que é habitualmente excluída das coberturas padrão, a não ser que o contrato de seguro a preveja ou a seguradora, de forma negligente, tiver assumido o risco mesmo havendo indícios da irregularidade.

No entanto, invocando a não comunicação das condições gerais e especiais da apólice, alega a autora, aqui recorrida, que baseou a respetiva adesão num “dito documento de apresentação” e que esse documento ao publicitar uma “venda segura”, “Exportação Segura”, “cobertura e monitorização do risco”, “gestão de cobranças de créditos”, “solução de cobertura de risco de crédito especialmente dirigida a empresas que exportem pela primeira vez ou pontualmente, que exportam para novos mercados e/ou novos clientes”, “com operações cujo perfil de risco da operação recomende a cobertura do risco de crédito,”, que “permitem cobrir o risco de não pagamento em operações individuais”, está claramente a induzir os clientes e a Recorrida numa convicção de segurança e confiança na transação comercial, que irá realizar. É um documento especialmente focado para promover as vendas a empresas inexperientes em novos mercados, como era o caso da Recorrida.” Entende, nessa medida, ser tal documento “suficiente para criar uma convicção de que estaria segura quanto ao possível incumprimento do pagamento das vendas efetuadas nesse âmbito”, “de tal ordem que não equacionou sequer que a situação que veio a ocorrer, pudesse ser possível.”.

Sucede, porém que não se pode atribuir ao dito documento de apresentação o valor de proposta contratual e aí surpreender algum acordo firme relativamente aos riscos cobertos.

Por proposta contratual entende-se a declaração feita por uma das partes, que uma vez aceite pela outra, dá lugar à formação do contrato. A declaração para revestir a natureza de proposta contratual deve reunir três requisitos: deve ser completa; deve revelar a intenção inequívoca de celebração do contrato; deve revestir a forma requerida para o contrato (Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", vol. I, pág. 440, citado pelo Ac. STJ de 30.4.2002, proc.7521/01); consiste numa declaração recipienda dirigida à celebração de um contrato à qual são apontadas as características da completude, firmeza e adequação formal (Ferreira Pinto e Fernando Sá, em Comentário do CC, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 520); além de completa, deverá revelar uma intenção firme/ inequívoca de contratar, ou seja, a vontade de o autor se vincular contratualmente (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed, reimp, 2012, pág. 651, citado no referido Comentário, a pág. 521).

Ora, logo se verifica que o documento de apresentação não configura qualquer proposta contratual.

Como assim, não pode a A. aproveitar-se de tal documento como declaração negocial por parte da Ré.

Também não se afigura que, recorrendo ao art. 239º do CC, por força do art. 9 da LCCG, que a vontade conjectural das partes ou os ditames da boa fé permitissem integrar o contrato de modo a cobrir risco de incumprimento de um contrato que não ficou provado. Não provada a existência da divida garantida, não pode ter-se como provado o incumprimento da respectiva obrigação de pagamento e, logo, não deve ter-se como verificado o sinistro, pressuposto da responsabilidade da seguradora decorrente do contrato de seguro. Não provando a autora o incumprimento das entidades garantidas só lograria obter a indemnização peticionada se provasse encontrar-se coberto pelo seguro o risco de fraude por usurpação da identidade do cliente legitima. O que não se verifica, de todo, ainda que com recurso às regras supletivas, quer do CC, quer da Lei do Contrato de Seguro, quer ainda do DL nº 183/88 de 24.5 ou com recurso à vontade hipotética ou contratual das partes (de ambas).

Em suma, considerando que a cobertura do risco de fraude não decorre automaticamente da lei, nem do contrato de seguro de crédito objecto do presente litígio (ainda que expurgado das cláusulas negociais controvertidas), e que a segurada, aqui recorrida, não fez prova do incumprimento (temporário ou definitivo) dos clientes cuja obrigação foi assegurada pela recorrente, não deve ter-se como verificado o sinistro, de cuja verificação dependia a responsabilidade da Ré Cosec.

Deve, nessa medida, absolver-se esta do pedido, revogando a decisão recorrida e dando provimento, ainda que parcial, ao recurso.

Entendendo-se não verificado o sinistro e, independentemente da inclusão ou não das cláusulas controvertidas no contrato singular, absolvida a Ré do pedido com esse fundamento, fica prejudicado, porque desnecessário, o conhecimento das questões relativas ao efetivo (in)cumprimento do dever de comunicação e de informação pelos réus e da consequente não inclusão das cláusulas gerais não comunicadas no contrato de seguro, bem como a questão relativa à determinação do montante da indemnização.

Do abuso do direito da Autora.

Alega, ainda, a recorrente que o comportamento da autora ao propor a presente ação contra si e contra o Banco Réu configura o exercício abusivo do seu direito, porquanto a ora recorrida estaria “ciente de que não dispõe de qualquer crédito sobre qualquer uma das entidades garantidas, pretende ser indemnizada relativamente a risco insusceptível de ser contratado e efectivamente não contratado com a aqui interveniente no contrato de seguro de crédito e que apenas se verificou pela sua própria incúria e profunda negligência ao aceitar como de entidades garantidas pelo seguro, encomendas de burlões, aceitando fazer aos mesmos a entrega de mercadoria que fez deslocar a suas expensas, apenas porque recebeu um e-mail de alguém que afirmou pertencer a uma entidade garantida, mas que na realidade não o era, desresponsabilizando-se por completo da sua conduta, à qual se deve exclusivamente a produção dos danos, pois não era ao banco réu ou a seguradora interveniente que tinha a obrigação de certificar a fidedignidade das encomendas recebidas e da entrega da mercadoria fornecida à entidade garantida (conclusão 34ª).

Porém, a afirmação do carácter abusivo do exercício do direito da autora, ao pedir judicialmente a condenação dos réus no pagamento da indemnização pelos prejuízos sofridos com o não pagamento das mercadorias fornecidas, pressupõe que esta tem o direito. Ora, tal direito não lhe foi reconhecido.

Como assim, deve a questão do abuso de direito ficar prejudicada.

Da responsabilidade do Banco Réu, enquanto tomador no seguro de grupo, perante a Autora, segurada, pela violação do dever de informação.

Contra-alegou a Autora, aqui recorrida, e, ampliando o recurso, pugnou (subsidiariamente) pela condenação do Banco Réu (absolvido do pedido pelo acórdão recorrido) no pagamento de indemnização dos prejuízos sofridos decorrentes da violação do seu dever de informação. Ou seja, precavendo a hipótese de procedência do recurso e de absolvição da Recorrente do pedido de indemnização, por não lhe ser oponível a violação do dever de informação a cargo do tomador do seguro, pede a condenação da Ré BPI, com fundamento em responsabilidade civil decorrente da violação desse dever.

De facto, no seguro de grupo contributivo compete ao tomador de seguro, em primeira linha, comunicar ao aderente todo o conteúdo contratual e a fornecer a informação adequada ao completo conhecimento das respetivas cláusulas, sob pena de responder perante o lesado pela indemnização dos danos decorrentes do incumprimento de tal dever, nomeadamente quando se considere que a sua omissão não gera a exclusão do contrato singular das cláusulas consideradas não comunicadas nos termos do art.º 5.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, porque a violação de tal dever não é oponível à seguradora.

Porém, a causa de pedir não foi essa: foi a da exclusão das cláusulas e o pedido de condenação com base no contrato de seguro subsistente. O que inviabiliza, desde logo, o pedido de condenação da Ré BPI, com fundamento em responsabilidade civil decorrente da violação do dever de informação.

Acresce, por outro lado, que, absolvendo-se a Ré Seguradora, não com fundamento na não aplicação das regras que no domínio dos contratos de adesão regulam o dever de comunicação, não estando sequer em causa como fundamento da decisão aquela não comunicação ou a violação desse dever, nem tão pouco a referida inoponibilidade à recorrente, antes assentando na não verificação do sinistro e na não cobertura de qualquer risco, designadamente o de fraude, independentemente da inclusão ou não inclusão das cláusulas controvertidas, prejudicado fica o estabelecimento da responsabilidade do Banco Réu, cujo facto lesivo (não cumprimento do dever de comunicação e de informação) deixou de poder considerar-se causa do dano.

Com efeito, chegando-se à conclusão de que a Autora, perante o simples documento de apresentação do seguro pelo Banco Réu, cujo conhecimento não contesta, antes confessa, e independentemente do disposto nas condições gerais e particulares do seguro, não poderia legitimamente ficar convencida que se encontrava protegida contra todo e qualquer risco, designadamente o de fraude (uma vez que o documento não constituía proposta contratual) nem supor que a simples comunicação do não cumprimento atempado bastaria para obter da seguradora a indemnização convencionada, independentemente da defesa que, perante esta e uma vez demandados viesse a ser mobilizada pelos respectivos clientes, deixa de poder imputar-se ao alegado incumprimento do dever de comunicação pela Ré BPI, o dano sofrido pela autora, tanto mais que, mesmo na hipótese de se ter por relevante a violação de tal dever, como não logrou fazer prova de que “nunca celebraria estes contratos de seguro com a COSEC, se tivesse conhecimento prévio e claro de que potenciais situações como a dos autos (burla), estariam excluídas do âmbito do contrato de seguro (cfr. factos não provados)”, nunca se poderia ter como assente a existência de nexo causal entre o facto e o dano, um dos pressupostos da responsabilidade civil da Réu BPI e da consequente obrigação de indemnizar.

Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso da Ré Cosec e improcedente o recurso da autora, revoga-se o acórdão recorrido e absolve-se do pedido ambos os Réus.

Custas pela Autora recorrida.

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Lisboa, 14 de Outubro de 2025

António Magalhães (Relator)

Nelson Borges Carneiro

Henrique Antunes