Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00004093 | ||
Relator: | JOSE MONTENEGRO | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL PRAZO APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO | ||
Nº do Documento: | SJ197511190340333 | ||
Data do Acordão: | 11/19/1975 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | DR IS DG 1975/12/17, PÁG. 2062 - 2064 - BMJ Nº 251 ANO 1975 PÁG. 675 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO | ||
Decisão: | TIRADO ASSENTO. | ||
Indicações Eventuais: | ASSENTO DO STJ. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL. | ||
Legislação Nacional: | CP886 ARTIGO 6 ARTIGO 125 PAR2. L 300 DE 1915/02/03 ARTIGO 32. DL 184/72 DE 1972/05/31. CPP29 ARTIGO 155 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 669. CCIV66 ARTIGO 297 N1. CONST76 ARTIGO 8 N9. CPC67 ARTIGO 766. | ||
Jurisprudência Nacional: | ASSENTO STJ DE 1961/06/14 DG IS N290 1975/12/17. ACÓRDÃO STJ DE 1975/04/02 IN BMJ N246 PAG49. ACÓRDÃO STJ DE 1969/07/02 IN BMJ N189 PAG159. | ||
Sumário : | A lei reguladora da prescrição do procedimento criminal, que estabeleça prazo mais curto, e de aplicação imediata. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno: O excelentissimo Procurador da Republica, junto da Relação de Lisboa, interpos recurso extraordinario, para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, do acordão da mesma Relação, de 27 de Abril de 1973, proferido a folhas 22 e seguintes, invocando oposição entre ele e o acordão, tambem da Relação de Lisboa, de 22 de Janeiro do referido ano, junto por fotocopia a folhas 28 e seguintes. As suas doutas alegações terminam concluindo: I - O acordão recorrido e o de 22 de Janeiro de 1973 decidiram a mesma questão de direito: o saber se o procedimento criminal iniciado ja depois da entrada em vigor do Decreto-lei n. 184/72, de 31 de Maio, relativamente a uma contravenção praticada na vigencia do artigo 32 da Lei n. 300, de 3 de Fevereiro de 1915, interpretado pelo assento de 14 de Junho de 1961, se devia ou não considerar prescrito por a data desse inicio ter decorrido mais de um ano, mas menos de dois, a contar da respectiva pratica; II - E decidiram-na em sentido completamente oposto: enquanto o acordão recorrido julgou prescrito o procedimento criminal, aplicando, portanto, a nova lei paragrafo 2 do artigo 125 do Codigo Penal, que encurtou para um ano, o prazo anterior de dois anos), o acordão de 22 de Janeiro de 1973 julgou não prescrito tal procedimento, aplicando a lei antiga (artigo 32 da Lei n. 300); III - Para tanto, o acordão recorrido invocou o principio da aplicação imediata da lei nova, sobre prazos de prescrição do procedimento criminal, que entendeu inspirar o sistema penal constituido, e o acordão de 22 de Janeiro de 1973 invocou o principio da não retroactividade da lei sobre prazos de prescrição, que julgou consagrado como principio geral, no artigo 297 do novo Codigo Civil; IV - De qualquer dos acordãos não era admissivel recurso ordinario para o Supremo Tribunal de Justiça, proferidos como foram em processo de transgressão (artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal); ambos transitados em julgado, ate por isso. Em face destas conclusões, termina pedindo se reconheça a existencia da oposição, para os efeitos do artigo 766 do Codigo de Processo Civil. Verificados, pela Secção Criminal, os pressupostos da admissibilidade do recurso para o Tribunal Pleno, foi mandado prosseguir, tendo o excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral da Republica junto da Secção Criminal emitido o douto parecer de folhas 60 e seguintes, terminando por concluir que deve ser proferido assento a estabelecer que "a prescrição do procedimento criminal e regulada pela lei em vigor no momento em que ocorre". Corridos os vistos, cumpre decidir. Dado que o acordão, que reconheceu a existencia da oposição entre as duas decisões, não impede que o Tribunal Pleno decida em contrario, importa verificar se tal oposição se verifica na realidade. O que atras se disse, ao enunciar a questão, mostra claramente que não pode dividar-se de que existe a referida oposição, pois a mesma materia de direito obteve, nos dois acordãos em confronto, e sob o dominio da mesma legislação, soluções totalmente opostas. Não deixa de se observar, no entanto, que o acordão de 22 de Janeiro de 1973 indica como lei antiga cujo prazo havia que observar, o paragrafo 2 do artigo 125 do Codigo Penal (primitiva redacção), quando devia indicar o citado artigo 32 da Lei n. 300, interpretado pelo assento de 14 de Junho de 1961, alias referido no mesmo acordão, ao relatar a questão. Esta circunstancia, porem, não afasta a realidade atras afirmada, da oposição de soluções dadas pelos citados acordãos, a mesma questão de direito e sob o dominio da mesma legislação. Deve, pois, conhecer-se de fundo, em ordem a proferir-se o respectivo assento. Trata-se de um problema de aplicação da lei no tempo, nascido da circunstancia de se ter alterado o prazo de prescrição, encurtado-o, do procedimento criminal relativo as transgressões. O mesmo problema surgiria se essa alteração respeitasse a prescrição do procedimento criminal por actividade criminosa propriamente dita. No caso vertente, verifica-se, na verdade, que enquanto o dito prazo prescricional era de dois anos, conforme o disposto no artigo 32 da Lei n. 300, de 3 de Fevereiro de 1915, interpretado pelo assento de 14 de Junho de 1961, passou a ser apenas de um ano por virtude da alteração do paragrafo 2 do artigo 125 do Codigo Penal, na redacção do Decreto-Lei n. 184/72, de 31 de Maio. E como num e noutro caso dos dois referidos acordãos, tinha ja decorrido, na altura da remessa a juizo, do auto levantado ao respectivo transgressor, mais de um ano e menos de dois, sobre a pratica da correspondente transgressão, vigorando ja a nova redacção do paragrafo 2 do artigo 125, torna-se evidente que, a face da lei nova - a ter aplicação - tera prescrito o procedimento criminal, o que não se dara se for aplicavel a lei antiga. Por esta optou, como vimos, o acordão de 22 de Janeiro de 1973 (se bem que indicasse, por manifesto lapso, como lei antiga, o paragrafo 2 do artigo 125 citado - anterior redacção - e não o artigo 32 da Lei n. 300), e, por aquela, o acordão recorrido. As razões do primeiro reduzem-se ao seguinte: Dispõe o artigo 155 do Codigo de Processo Penal, que os termos, prazos e efeitos da prescrição e as causas da sua interrupção são os estabelecidos na lei penal. A aplicação desta funda-se em ser a prescrição materia de direito substantivo, como observa Luis Osorio, no seu Comentario ao Codigo de Processo Penal, volume 2, pagina 486 (no texto do acordão cita-se, por evidente lapso, Notas ao Codigo Penal, volume II, pagina 486). E como a lei penal não tem efeito retroactivo, como dispõe o artigo 6 do respectivo Codigo, salvo nos casos excepcionais ai prevenidos - e a hipotese vertente em nenhum deles se pode incluir -, e de observar a regra desse preceito conjugada com o artigo 297, n. 1, do Codigo Civil, no referente a contagem do prazo do procedimento contravencional. Ora, no caso apreciado nessa decisão, não foi atingido o prazo da lei antiga, que e de respeitar por força do citado artigo 297, n. 1; por isso não se verificou ainda a prescrição. Esta argumentação, diremos desde ja, não convence. Notemos, em primeiro lugar, que o alegado principio de a prescrição ser materia de direito substantivo e não adjectivo, e estar, por isso, sujeita a regra do artigo 6 referido, não leva, de modo nenhum, a afastar a aplicação da lei nova, visto que tal aplicação e possivel sem que haja retroactividade. Na verdade, desde que, na altura em que se inicia o procedimento criminal, o prazo da prescrição estabelecido pela lei antiga esta a correr - pois passara apenas mais de um ano sobre a pratica da transgressão, sem que se atingissem os dois anos -, não ha facto passado, nem direito adquirido, nem qualquer situação juridica subjectiva a respeitar, que obste a aplicação da lei que, nessa mesma ocasião, se encontra ja efectivamente em vigor, ou seja a lei nova. O ter começado a correr tal prazo, sob o dominio da lei antiga, não significa que esta tenha de ser observada de modo a impor-se o prazo nela fixado. Se assim não fosse, admitiriamos que a lei nova perdia o seu imperio em relação a um caso que deve ficar sob o seu dominio, ja que e um facto actual, ainda em curso e objecto das suas determinações, e que não produziu, por isso mesmo, o efeito juridico que lhe e proprio, no dominio da lei anterior. Deste modo, não ha qualquer infracção a regra da irretroactividade da lei penal estabelecida no artigo 6 do Codigo Penal - regra essa que e consagrada, tambem, na Constituição Politica, como se ve dos direitos e garantias individuais dos cidadãos, enumerados no artigo 8, n. 9, desse diploma -, pois não pode dizer-se, com rigor, que se aplica retroactivamente a lei nova. Assim, fica sem razão de ser, a remissão para o artigo 297, n. 1, do Codigo Civil, em ordem a decidir-se a questão. Esta e solucionada, directa e somente, pela lei penal. O que se vem dizendo ja mostra que a razão esta, essencialmente, do lado do acordão recorrido, embora não subscrevamos parte da argumentação nele produzida, ou seja a baseada na firmação de que, aplicando-se a lei nova se faz uma aplicação retroactiva, pois como acabamos de ver não ha, nessa aplicação, qualquer especie de retroactividade. Nem pode, tambem, afirmar-se, ao contrario do que se faz nesse aresto, que no acordão deste Supremo Tribunal, de 2 de Julho de 1969, no Boletim, n. 189, pagina 159, se adopta uma solução que reconhece a lei nova eficacia retroactiva. Na verdade, embora isso resulte do sumario que, no citado Boletim antecede esse acordão, a leitura do texto deste mostra que não pode tirar-se tal conclusão. De resto, a situação ai encarada e resolvida, quanto a aplicação da lei penal no tempo, não e identica a vertente. A solução a que chegou o acordão recorrido agora em apreciação, tem a fundamenta-la, alem do que atras ja ficou referido, quanto a aplicação, sem retroactividade, da lei nova, o seguinte, alias tambem salientado nesse dito acordão: E certo que a lei sobre a prescrição e de natureza substantiva, conforme hoje se entende quase unanimemente na doutrina, e como resulta da propria indole desse instituto, que se traduz na renuncia do Estado a um direito, ao jus puniendi, condicionada pelo decurso de um certo lapso de tempo, e que tem a razão de ser determinante na não verificação actual dos fins das penas. E o nosso Codigo de Processo Penal, no seu artigo 155, revela com suficiente clareza, que adopta essa orientação, ao estabelecer que "os termos, prazos e efeitos da prescrição e as causas da sua interrupção são os estabelecidos na lei penal". E e interessante salientar que este mesmo artigo, vincando bem o campo de aplicação da lei substantiva e da processual, na parte final: "a forma de a deduzir e julgar (a prescrição) e a prescrita nos artigos 139 e seguintes". Mas o ser de natureza substantiva esse instituto, não significa, como ja resulta, afinal, do atras ponderado, que não sejam de aplicação imediata as regras contidas na lei que regula a dita prescrição. Tal aplicação, de resto, corresponde a uma nitida tendencia que se verifica no campo do direito penal, relativamente a prescrição, como observa o Prof. Eduardo Correia, no Boletim, n. 141, pagina 139. Por outro lado, com razão salienta o saudoso Prof. Beleza dos Santos, que essa prescrição e, por natureza, de interesse publico; e presumindo-se que a nova lei e a mais perfeita e eficaz para salvaguardar esse interesse, e ela que deve ser aplicada ( em Direito Criminal, prelecções publicadas por Hernani Marques, pagina 200). Isto que se vem dizendo esta de harmonia com o que se decidiu, ainda ha pouco, no acordão deste Supremo Tribunal (Secção Criminal), de 2 de Abril ultimo - no citado Boletim, n. 246, pagina 49 -, sobre a lei aplicavel quando ha alteração da forma de contar o prazo da prescrição do procedimento criminal, relativamente aos actos que interrompem o dito prazo. Tudo o que fica exposto mostra que e bem visivel, no caso vertente, a legalidade da aplicação da lei nova, tendo portanto pleno fundamento o acordão recorrido, ao julgar como julgou prescrito o procedimento criminal. Por isso, e cingindo-nos aos termos limitados em que a questão se nos apresenta no caso concreto, decide-se o conflito de jurisprudencia existente, lavrando o seguinte assento: "A lei reguladora da prescrição do procedimento criminal, que estabeleça prazo mais curto, e de aplicação imediata". Lisboa, 19 de Novembro de 1975 Jose Montenegro (Relator) - Adriano Vera Jardim - Jose Amadeu de Carvalho - Eduardo Botelho de Sousa. Tem voto de conformidade dos excelentissimos Conselheiros Correia Guedes, Arala Chaves, Bruto da Costa, Rodrigues Bastos, Daniel Ferreira, Jose Antonio Fernandes, João Moura e Oliveira Carvalho, que não assinam por não estarem presentes. - Jose Montenegro. Miguel Caeiro (com a declaração de que, em meu entender, a doutrina do assento so devia ter incidido sobre a lei reguladora da prescrição do procedimento judicial em materia de contravenções, uma vez que o conflito de jurisprudencia existia e fora suscitado exclusivamente no dominio destas infracções). - Jose Garcia da Fonseca. |