Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES MATÉRIA DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 11/12/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | 1.A fixação quantitativa, em acção de regulação do poder paternal, do montante dos alimentos a prestar pelo progenitor a seus filhos, balizada pelos critérios do art 2004º do CC, releva de um juízo de conveniência ou oportunidade, envolvendo um apelo decisivo a juízos de equidade, - não sendo admissível o recurso de tais decisões para o STJ. 2.Configurando-se o dever de alimentos aos filhos menores como um verdadeiro dever fundamental dos respectivos progenitores, directamente fundado no art. 36º, nº5 , da Constituição, ao fixar-se judicialmente, em processo declaratório, a medida dos alimentos devidos ao menor, adequando-os aos meios de quem houver de prestá-los, não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor actual dos rendimentos actualmente auferidos pelo devedor, devendo valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral - e o dever de diligenciar activamente pelo exercício de uma actividade profissional que lhe permita satisfazer minimamente tal dever fundamental no confronto do menor – bem como todo o acervo de bens patrimoniais de que seja detentor. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.No âmbito do processo de regulação do poder paternal do menor AA, pendente no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, foi proferida sentença a condenar o respectivo progenitor a prestar, a título de alimentos, a quantia mensal de €250, actualizável anualmente de acordo com a taxa de inflação, sendo tal prestação alimentar devida desde a data da propositura da acção,; e, por estar em dívida o montante das pensões posteriores a Outubro de 2004,condenou-se ainda o requerido a pagar mensalmente o valor adicional de €50, a acrescer às prestações vincendas, até total ressarcimento da dívida. Inconformado com o assim decidido, recorreu para a Relação de Lisboa, sustentando que, por se encontrar numa situação de absoluta insolvabilidade, não poderia pagar qualquer pensão alimentícia ao seu filho menor. A apelação foi julgada improcedente pela Relação: 2.Novamente inconformado, interpôs o requerido o presente recurso, que encerra com as seguintes conclusões: A) O ora Alegante pagou alimentos ao seu filho até Setembro de 2004, data a partir da qual não mais pagou qualquer valor ao mesmo a título de alimentos, porque, desde então, sendo garagista, deixou de ter clientes e de exercer qualquer actividade profissional; B) Residindo em casa de sua mulher, que é funcionária administrativa da Associação Lisbonense de Proprietários, é integralmente sustentado por ela, C) Pois que, e para além dos € 150,00 (cento e cinquenta Euros) mensais que recebe de rendas de prédio da família, deixou de auferir qualquer valor da actividade de garagista por falta de clientela. D) O ora Alegante não tem assim, quaisquer possibilidades de prestar uma pensão alimentar ao seu filho, ainda que de valor simbólico. E) O acórdão recorrido, ao confirmar a sentença do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, que condenou o ora Alegante a pagar a pensão alimentar mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta Euros) ao seu filho, fez uma desajustada e errada apreciação das possibilidades financeiras do mesmo e uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto na primeira parte do n°. 1 do art°. 2004 e, "a contrario", na primeira parte da alínea b) do n°. 1 do artº. 2013 do C. Civil, F) Razão pela qual deverá o acórdão recorrido ser revogado por esse Supremo Tribunal que, em consequência, deverá julgar justificado o facto do ora Alegante ter deixado de prestar alimentos ao seu filho desde Setembro de 2004, data a partir da qual deverá declarar que cessou a referida obrigação alimentícia. 3.As instâncias consideraram fixada a seguinte matéria de facto: A matéria de facto delineada na 1ª. instância foi a seguinte: 1- AA nasceu no dia 02.06.1991; 2- É filho de BB e de CC; 3- Os requerentes foram casados um com o outro e encontram-se divorciados; 4- O menor reside com a mãe; 5- A requerente CC deixou a casa de morada de família acompanhada do filho; 6- Em sede de conferência de pais em 20.05.2003 foi fixado um regime provisório de regulação do exercício do poder paternal; 7- O qual foi alterado em 25.07.2003; 8- Estipulado ficou que o AA ficava à guarda da mãe; 9- A pensão de alimentos foi fixada em 500 euros a suportar pelo pai sendo que parte desse valor seria adstrito ao pagamento do colégio, e o remanescente enviado para casa da mãe com cópia dos recibos do colégio; 10- O menor passaria fins-de-semana alternados com o pai devendo este ir buscar o filho ao colégio no final das aulas, à sexta-feira e aí o entregando na segunda-feira seguinte; 11-A guarda do menor cabe à mãe exercendo esta o poder paternal; 12- O pai poderá ver e estar com o menor sempre que o desejar designadamente no estabelecimento de ensino por este frequentado desde que isso não prejudique o cumprimento por parte do menor dos deveres escolares, horários normais de estudo e descanso a combinar com este; 13- O menor passará fins-de-semana alternados com o pai, indo este buscar o filho a casa dos avós maternos à sexta-feira entre as 21 horas e 30 minutos e as 22.00 horas, e aí devendo entregá-lo no domingo às 22.00 horas; 14-No dia de aniversário do menor e do pai, bem corno no dia do pai, o menor tomará uma das principais refeições com o pai, a combinar com este; 1 5-Nos dias ímpares o menor passará a semana compreendida entre o dia 26 de Dezembro e o dia 1 de Janeiro, inclusive com o pai; 16-O menor passará o mês de Agosto com o pai; 17-O dia de Páscoa será passado alternadamente pelo menor, com cada um dos progenitores, iniciando-se no ano de 2006 com o pai; 18-Nos anos pares o menor passará com o pai a primeira semana das férias escolares da Páscoa, e nos anos ímpares a segunda dessas semanas, 19-O pai pagou os alimentos do filho até Setembro de 2004; 20-A partir de então, não mais pagou qualquer valor a título de alimentos; 21-O pai habitava na altura da sentença proferida nos autos um andar, habitação sita na Rua ........., Edifício ......., .... direito, Lisboa; 22-Actualmente vive em casa da sua actual mulher; 23-Tem a casa referida em 21) à venda pelo menos há um ano mas ainda não surgiu nenhum comprador; 24-Na data da sentença exercia a actividade de garagista, garagem São João de Brito, sita no Largo Frei Heitor Pinto; 25-Actualmente, e porque deixou de ter clientes não exerce qualquer actividade profissional; 26-0 que sucede há mais de um ano; 27-E integralmente sustentado pela actual mulher; 28-E recebe uma ajuda média mensal por parte de sua mãe num valor compreendido entre 800 a 1000 euros para despesas pessoais; 29-E para as despesas de condomínio do imóvel de sua propriedade; 30-Na altura da sentença o requerido gastava com a habitação o valor de 1100 euros; 31-Actualmente paga as despesas de condomínio em, valor não apurado; 32-As relações entre os progenitores são muito conflituosas; 33-A requerente desempregou-se a fim de assumir a responsabilidade de acompanhar o filho; 34-Após a separação do casal trabalhou como relações públicas da clínica Persona desde Outubro de 2004 a Março de 2005, auferindo cerca de 500 euros mensalmente; 35-Actualmente está desempregada; 36-Na altura da sentença confeccionava bolos e salgados que vendia para fora; 37-0 menor deixou de frequentar o Colégio Académico; 38-Actualmente frequenta a escola pública em Cascais; 39-E muito bom aluno e terminou o presente ano lectivo, com media de 16 valores; 40-Pretende ingressar o curso de medicina; 41-0 menor reside com a mãe em casa do avô materno; 42-0 avô é reformado e recebe uma pensão de reforma de cerca de 1.000 euros mensais; 43-Em casa do avô habitam a avó materna, a sogra, a requerente, o neto AA e um irmão; 44-A sogra aufere uma pensão de 274,00, pagando com esse dinheiro a renda de casa; 45-Sua mulher aufere cerca de 650 euros. 46-0 irmão do avô, tio da requerente aufere cerca de 250,00 euros mensalmente; 47-A requerente tem despesas com a alimentação do menor, bem como de vestuário e calçado; 48-Tem também despesas escolares, nomeadamente com livros e transportes escolares, visitas de estudo, e material escolar; 49-0 menor tem telemóvel; 50- Actualmente tem explicações; 51 -Pratica desporto; 52-São os avós maternos e um amigo da mãe DD que tem ajudado economicamente a requerente e o filho; 53- À data da sentença o dito DD dava ao menor cerca de 20,00 euros, semanalmente para auxílio de despesas suas; 54-0 requerido recebe algum dinheiro proveniente de rendas de prédio da família no montante de cerca de 150 euros mensais, 55-Deixou de auferir qualquer valor da actividade de garagista por falta de clientela; 56-A mulher do requerido trabalha na Associação Lisbonense; 57-Vive completamente na dependência da ajuda da mulher e da mãe; 58-É titular de uma herança indivisa em valor que não se conseguiu determinar; 59-0 requerido está disposto a dar à requerente, transmitindo-lhe o valor de um crédito que tem sobre o avô materno do menor para que esta o possa penhorar no valor de 6000 euros; 60-A requerida não quer aceitar esse crédito; 61-O menor está de relações cortadas com o pai e com toda a família do lado paterno por motivos não determinados, mas relativos a conflitos de natureza económica; 62-0 requerido pretende fazer as pazes com o filho mas este recusa-se sequer a dizer boa tarde ao pai; 63-0 menor apresentou-se em tribunal muito bem arranjado, vestido com roupas de marcas caras, bem como a requerente. 4.Importa começar por delimitar com clareza o objecto da presente revista, face à regra constante do nº2 do art.1411º do CPC: aderindo, quanto a este ponto, inteiramente à solução adoptada no Ac. proferido por este Supremo em 11/2/03, no p.03B2747, segundo o qual, em acção de regulação do poder paternal, a fixação quantitativa dos alimentos a prestar pelo requerido a seus filhos, balizada pelo respeito da norma do art.2004º do CCivil, releva de um juízo de conveniência ou oportunidade - e de decisões proferidas segundo este tipo de juízo ou critério não é admissível recurso para o STJ. Afirma-se neste acórdão: Começando, ainda e sempre, por chamar a atenção para a natureza do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, de cuja teleologia decorre a exclusão do recurso « sempre que ele não possa realizar qualquer função de harmonização da aplicação da lei, o que sucede quando o critério de decisão utilizado pela Relação não seja normativo mas individual e concreto » - Ac. STJ de 18 de Março de 1999, http://www.dgsi.pt/jstj. É nesta lógica que a lei - o art.1411º, nº2 do CPCivil - estabelece que das resoluções proferidas nos processos de jurisdição voluntária segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Das resoluções assumidas em processos desta natureza - como é o caso da acção de regulação do poder paternal - só haverá então recurso quando elas, « excedendo critérios de mera conveniência ou oportunidade, emirjam de critérios de estrita legalidade » - Ac. STJ de 21 de Maio de 1998, BMJ nº477, pág.394. Ora, do ponto de vista do direito material, do direito substantivo, a única questão que nos vem colocada é a que tem a ver com a fixação quantitativa dos alimentos a prestar pelo requerido a seus filhos. E essa foi definida exactamente com o recurso a critérios de conveniência e oportunidade. Naturalmente balizados dentro do juízo de legalidade que foi o respeito pela norma do art.2004º do CCivil, mas dentro do espectro assim definido e respeitado, pelo imprescindível recurso àqueles outros critérios, de modo a conseguir proporcionar os alimentos aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver que recebê-los ( chega a roçar o mau gosto a invocação da possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência para crianças - filhos - nascidas em Outubro de 1994 e Outubro de 1996 ! ). Se é assim, o juízo formulado é da competência exclusiva da Relação, estando vedado a este Supremo Tribunal o conhecimento do recurso nesta parte. Não é, deste modo, sindicável pelo STJ o juízo prudencial e casuístico, das instâncias acerca das concretas necessidades e possibilidades de quem carece e de quem deve prestar os alimentos, expresso na determinação do «quantum» da pensão alimentar judicialmente fixada, indissociável das circunstâncias concretas do caso e de um juízo de equidade. Considera-se, porém, face ao teor da alegação do recorrente ,que já caberá no âmbito de um recurso de revista, por se prender com um verdadeiro critério normativo e com a interpretação de conceitos legais, a questão suscitada – não quanto ao montante dos alimentos devidos - mas quanto aos pressupostos da sua fixação judicial: afectará o direito do filho a ver fixada a seu favor uma pensão alimentar adequada à satisfação das suas necessidades básicas e fundamentais de subsistência a circunstância de o progenitor, obrigado legalmente a tal prestação, invocar uma situação de insolvabilidade e de carência económica, alegando estar privado de rendimentos próprios e regulares que permitam satisfazer uma qualquer prestação alimentar, independentemente do seu montante? Saliente-se que a questão suscitada pelo recorrente se situa no âmbito do processo declaratório, e não do processo executivo: na verdade, o que está em causa é a possibilidade de, nessas circunstâncias, o tribunal proferir sentença declaratória, condenando o progenitor a satisfazer certa prestação de alimentos – e não a questão de saber que bens ou valores patrimoniais, auferidos pelo devedor, podem legitimamente ser agredidos ,através da adopção das medidas coercitivas tendentes à efectiva satisfação do direito do menor, credor da prestação alimentar :sobre esta questão, não abordada no presente recurso, veja-se oAc. do TC nºs 306/05 , onde se conclui que: o critério de determinação da parcela do rendimento do progenitor que não pode ser afectado ao pagamento coactivo da prestação de alimentos devidos ao filho não pode alcançar-se por equiparação ao montante do salário mínimo nacional, montante este que pode servir de referencial quando os “custos do conflito” se hão-de repartir, em sede constitucional, entre a preservação de um nível de subsistência condigna do devedor e a garantia do credor à satisfação do seu crédito, tutelada pelo artigo 62.º, n.º 1 da Constituição, mas não quando entram em colisão o dever e o direito correlativo de manutenção dos filhos pelos progenitores, situação em que, de qualquer dos lados, fica em crise o princípio da dignidade da pessoa humana, vector axiológico estrutural da própria Constituição. De um modo ainda aproximativo, pode reter-se a ideia geral de que, até que as necessidades básicas das crianças sejam satisfeitas, os pais não devem reter mais rendimento do que o requerido para providenciar às suas necessidades de auto-sobrevivência. 5.Como é evidente e incontroverso, o dever de alimentos, estabelecido a favor dos filhos menores, apresenta relevantes especificidades relativamente ao comum dos direitos de crédito, atenta a natureza dos direitos fundamentais envolvidos e a essencialidade, para o interesse básico do menor, da prestação alimentar devida . Como se afirma no citado acórdão 306/05: O dever de alimentos a cargo dos progenitores, um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores, não pode reduzir se a uma mera obrigação pecuniária, quando se trata de ponderação de constitucionalidade dos meios ordenados a tornar efectivo o seu cumprimento. Ainda que se conceba o vínculo de alimentos como estruturalmente obrigacional, a natureza familiar (a sua génese e a sua função no âmbito da relação de família) marca o seu regime em múltiplos aspectos (v.gr. tornando o direito correspondente indisponível, intransmissível, impenhorável e imprescritível – cf. maxime o artigo 2008.º do Código Civil). Mesmo quando já tenha sido objecto de acertamento judicial, isto é, quando corporizado, para o pai que não tem a guarda, numa condenação a uma prestação pecuniária de montante e data de vencimento determinados, do lado do progenitor inadimplente não está somente em causa satisfazer uma dívida, mas cumprir um dever que surge constitucionalmente autonomizado como dever fundamental e de cujo feixe de relações a prestação de alimentos é o elemento primordial. É o que directamente resulta de no n.º 5 do artigo 36.º da Constituição se dispor que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Os beneficiários imediatos deste dever fundamental são justamente os filhos, tratando-se de um daqueles raros casos em que a Constituição impõe aos cidadãos uma vinculação qualificável como dever fundamental cujo beneficiário imediato é outro indivíduo (e não imediatamente a comunidade). Assim, tal prestação é integrante de um dever privilegiado que, embora pudesse ser deduzido de outros lugares da Constituição [v.gr. do reconhecimento da família como elemento fundamental da sociedade (artigo 67.º) e da protecção da infância contra todas as formas de abandono (artigo 69.º)], está aqui expressamente consagrado, como correlativo do direito fundamental dos filhos à manutenção por parte dos pais. Estamos, como diz Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ªed., pág 169), perante um caso nítido de deveres reversos dos direitos correspondentes, de direitos deveres ou poderes-deveres com dupla natureza [A elevação deste dever elementar de ordem social e jurídico (que se exprime no brocardo qui fait l’enfant doit le nourrir) a dever fundamental no plano constitucional encontra-se também noutros textos constitucionais de países da mesma família civilizacional, designadamente, no artigo 39.º, n.º 3, da Constituição Espanhola (“os pais devem prestar assistência de toda a ordem aos filhos nascidos dentro ou fora do matrimónio, durante a sua menoridade e nos demais casos previstos na lei”), no artigo 30.º, I, da Constituição Italiana (“os pais têm o direito e o dever de manter, instruir e educar os filhos, mesmo nascidos fora do casamento”) e no artigo 6.º, II, da Lei Fundamental da Alemanha (“a assistência e a educação dos filhos são um direito natural dos pais e a sua primordial obrigação). Também no âmbito internacional se afirmam tais deveres (para os pais) e direitos (para os filhos), designadamente no artigo 27.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro, publicados no Diário da República, I Série, de 12 de Setembro de 1990) que estabelece caber “primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança” (n.º 2 )]. Esta específica natureza do «dever fundamental» da prestação de alimentos tem, aliás, relevantes consequências ao nível do direito infraconstitucional: - desde logo, é ela que legitima a tutela penal, relativamente à violação da obrigação de alimentos, erigindo em bem jurídico protegido a satisfação das necessidades fundamentais do credor de alimentos, decorrente do tipo penal contido no art.250º do CP; -é ela que explica a particular compressão , na fase executiva, do próprio direito à sobrevivência condigna do progenitor vinculado ao dever de prestar alimentos, expressa na circunstância de o TC não tomar aqui como referencial básico de tais necessidades fundamentais o valor do salário mínimo nacional; - é ela que permite compreender por que razão o Estado tem o dever de instituir uma prestação social substitutiva, com vista ao reforço da protecção social dos menores carenciados, expressa no regime do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores ,constante da Lei nº75/98; note-se que, face ao estipulado no art. 1º de tal diploma legal, o dever de o Estado assegurar tal prestação social aparece condicionado ao facto de a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor não satisfazer as quantias em dívida, através dos descontos previstos no art. 189º da OTM – pelo que, a prevalecer a tese do recorrente, o não estabelecimento de uma qualquer prestação alimentar a cargo do recorrente, a pretexto da sua carência económica, seria susceptível de vedar ao filho carenciado o acesso a tal prestação social, com o argumento de que não existiria «pessoa judicialmente obrigada»a prestar alimentos ao menor… - finalmente, é essa específica natureza de dever fundamental que permite compreender que, na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter em causa, não apenas , de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor dos alimentos em certo momento temporal, mas ,de forma ampla e abrangente,toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando obviamente compreendido no dever de educação e sustento dos filhos a obrigação de activamente procurar exercitar uma actividade profissional, geradora de rendimentos, que permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental. Note-se que o TC já foi chamado a pronunciar-se especificamente sobre este tema, tendo, no Ac.525/01,considerado manifestamente infundada a questão da invocada inconstitucionalidade da norma constante do art.180º, nº1, da OTM, conjugada com o art.2004º do CC, na interpretação segundo a qual o interesse do menor poderia legitimar a condenação do respectivo progenitor ao pagamento de uma pensão alimentar, apesar de este não dispor de rendimentos, tendo, porém, o dever de trabalhar, ainda que como trabalhador - estudante, com vista a auferir a quantia suficiente para cumprir minimamente os seus deveres ,no confronto do filho menor: Alega o recorrente que, na decisão recorrida, se perfilhou uma interpretação das normas dos artigos 180º, n.º 1 (em conjugação com o artigo 183º), da Organização Tutelar de Menores e 2004º, n.º 1, do Código Civil, que ofende o princípio da dignidade humana e as normas dos artigos 1º e 63º, n.º 3, da Constituição. Tal interpretação ofensiva da Constituição seria, em síntese, a de que o interesse do menor permitiria condenar o respectivo progenitor no pagamento a esse menor de uma pensão alimentar, apesar de tal progenitor não ter rendimentos, mediante o argumento de que o progenitor tem o dever de trabalhar, ainda que como trabalhador-estudante, para auferir quantia suficiente para cumprir minimamente os seus deveres. Ao questionar tal interpretação, o recorrente está, bem vistas as coisas, a sustentar que a Constituição veda a atribuição de uma prestação alimentar a um filho menor, nos casos em que o progenitor, não tendo embora rendimentos, os pode obter através do seu trabalho. Está, em suma, a sustentar que os deveres de educação e manutenção dos filhos que impendem sobre os pais (cfr. artigo 36º, n.º 5, da Constituição) só subsistem na estrita medida em que não afectem o direito dos pais de não trabalhar ou o direito dos pais ao repouso. Ora, nem a Constituição estabelece a prevalência desses direitos em relação a esses deveres (nem poderia, sob pena de a própria consagração destes carecer de sentido), nem a dignidade dos pais resulta afectada quando cumprem, trabalhando, os seus deveres em relação aos filhos (o trabalho é, pelo contrário, um meio para a realização da pessoa, como resulta do artigo 59º da Constituição), nem o estatuto de trabalhador-estudante é discriminatório (a própria Constituição, no artigo 59º, n.º 2, alínea f), prevê a figura). Logo, a dignidade do recorrente em nada sairia afectada se ele aderisse ao estatuto de trabalhador-estudante. Por outro lado, o direito à segurança social que o recorrente invoca (artigo 63º, n.º 3, da Constituição) não pode significar a assunção, pelo Estado, dos deveres que incumbem aos pais de educarem e manterem os filhos, nem a correlativa desoneração dos pais de tais deveres. Concluindo, o presente recurso é manifestamente infundado, pelo que não pode merecer provimento." Não pode, deste modo, admitir-se como relevante para, sem mais, inviabilizar o estabelecimento, em procedimento declaratório, de uma qualquer pensão de alimentos ao filho menor a singela argumentação do recorrente, segundo a qual teria deixado de exercer, por inviabilidade económica, a profissão de garagista, sendo integralmente sustentado pela sua mulher, sem que obviamente fique demonstrada qualquer incapacidade laboral ,permanente ou definitiva, que o iniba de procurar activa e diligentemente uma actividade profissional ou laboral que lhe permita cumprir os seus deveres para com o menor. Ou seja: ao fixar a medida dos alimentos devidos a menor, adequando-os aos meios de quem houver de prestá-los, não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor actual dos rendimentos actual e conjunturalmente auferidos pelo devedor, devendo valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral e todo o acervo de bens patrimoniais de que seja ou possa vir a ser detentor. 6.Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento à revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 12 de Novembro de 2009 Lopes do Rego (Relator) Pires da Rosa Custódio Montes |