Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | FURTO QUALIFICADO CONCURSO DE INFRACÇÕES CONCURSO DE INFRAÇÕES CÚMULO JURÍDICO CONHECIMENTO SUPERVENIENTE PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA IMAGEM GLOBAL DO FACTO ILICITUDE DOLO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 04/15/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS - SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - REGIME PENAL DOS JOVENS. | ||
Doutrina: | - Carmona da Mota, Determinação da Pena em Concurso de Crimes. - Cristina Líbano Monteiro, comentário ao Ac. do S.T.J, de 12.7.2005, R.P.C.C., Ano XVI. - Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 277 a 284, 290; in BFD UC , 1972, 42, na citação de André Lamas Leite , in "A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007", p. 629, BFD, 2009. - Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, ed. Da Faculdade de Direito da UC, 2005. - Nuno Brandão, citado por Miguez Garcia e Castela Rio, "Código Penal, Parte Geral e Especial", p. 393. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pp. 283, 287. - Vera Lúcia Raposo, Comentário de RPCC, Ano 13.º, n.º 4, p. 592. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 50.º, N.º 1, 77.º, N.ºS1 E 2, 78.º DEC.-LEI N.º 401/82, DE 23-9: - ARTIGO 4.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 3/2006, DE 03-01-2006, DR II SÉRIE, DE 07-02-2006. -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 5.12.74, BMJ 232, 43. -DE 4.12.97, IN CJ, STJ, V, III, 246. -DE 7.2.2002, CJ, STJ, ANO X, TI, 202 E DE 6.5.1999, PROFERIDO NO P.º N.º 245/99. -DE 02-06-2004, CJ STJ 2004, TOMO 2, PP. 217, 221; DE 06-10-2004, PROC. N.º 2012/04, E DE 20-04-2005, PROC. N.º 4742/04. -DE 17.3.2004, IN CJ, STJ, I, 2004, 229 E SS., E DE 15.3.2007, IN P.º N.º 4796 /06, DA 5.ª SECÇÃO. -DE 8.10.2008, 12.2.2012, P.ºS N.ºS 2490/08 E 8354/08, 23/02/2011, P.º N.º 1145/01, 16.11.2011, P.º 150/08, 9/11/2006, P.º N.º 351/06. -DE 27.4.2011, EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 6 anos de prisão, emergente das penas parcelares de: - 2 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado; - 3 anos de prisão por cada um de três outros crimes de furto qualificado. II - Na hipótese de cúmulo jurídico resultante de concurso de crimes de conhecimento superveniente, procede-se a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. III - Na situação em apreço, o arguido não comporta hábitos de trabalho e interage com jovens desocupados, sendo nessa precisa medida alvo de críticas no meio social onde se insere socialmente. O arguido verbaliza vontade em conseguir uma ocupação laboral em qualquer sector de actividade em Portugal ou no estrangeiro, mas daí à concretização dessa intenção, sem passar disso mesmo, de um projecto, de concretizar ou não, mera estratégia de defesa, vai um passo largo. IV - Por outro lado, o desfalque patrimonial pelo furto de que foram alvo terceiros, com violência sobre as coisas, pelo arrombamento da porta e janela da casa de habitação de dois dos ofendidos, uma vez só, e as demais acompanhado, durante o dia, demonstram audácia e vontade criminosa firme, na consecução do projecto criminoso de apropriação. V - Atente-se que o valor global dos bens furtados, na sua esmagadora maioria objectos em ouro, assume o valor global de € 79 493,89, extremamente elevado, mostrando uma completa indiferença para com o alheio, justificando um elevado juízo de censura, como as formas violentas de execução, e a formulação de correspondente juízo de ilicitude, em termos de acção e de resultado. VI - A moldura do concurso punitivo situa-se entre um limite máximo de 11 anos e 9 meses de prisão e 3 anos (parcelar mais elevada). Assim, mostra-se conforme aos parâmetros legais, respondendo adequadamente à imagem global do facto, firmada no dolo intenso, na gravidade dos factos, vistos na sua globalidade, aqui englobados o valor dos furtos e o seu modo, por arrombamento e acompanhado, tempo de execução e a personalidade desviante no aspecto de vincada falta de respeito pelo património alheio, justifica-se, no entanto, atenta a sua idade de menos de 21 anos na data dos factos, a redução para 5 anos de prisão, pena essa que ainda responde adequadamente aos fins das penas, é tolerável socialmente e não hipoteca, desproporcionadamente, o seu futuro. VII - A pena substitutiva do art. 50.º do CP é claramente de excluir, por não proporcionar razões sérias para crer que em liberdade o recorrente não sucumbiria ao crime, não justificando, pois, que o STJ, prudencialmente, corra esse risco cujo teor se não conforma como uma certeza ou probabilidade forte, em grau elevado, além de que hostilizaria as finalidades de punição, vocacionadas, prevalentemente, à defesa do ordenamento jurídico, limite incontornável da suspensão da execução da pena. | ||
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Decisão Texto Integral: | AA, nascido a ..., actualmente preso no Estabelecimento Prisional Regional de ..., foi condenado com intervenção do tribunal colectivo no Tribunal da Instância Central da Comarca de Bragança, Secção Cível e Criminal , seu 2.º Juízo , em cúmulo jurídico , na pena unitária de 6 anos de prisão , emergente das penas parcelares de: - 2(dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (cfr. fls. 211 a 222), aplicada no P.º comum colectivo n.º 18/11.8.PEBGC, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal, por acórdão da Relação do Porto , proferido em 30 de Abril de 2014, transitado em julgado, alterando “ in mellius “ a antes imposta em 1.ª instância , consequente ao facto de entre as 17 horas do dia 6 e o dia 16 de Maio de 2011, arrombando a porta da traseiras, se ter introduzido na habitação de ... e ... , levando consigo três cordões de ouro, três fios de ouro, três pulseiras de ouro, um alfinete de ouro, quarenta e cinco libras de ouro, três moedas de escudo em ouro, um relógio, dois anéis de ouro branco, uma moeda em prata da colecção Reis de Portugal e outras peças de joalharia de ouro e prata, designadamente, fios, escravas e alfinetes, no valor global de € 65. 640, 00. - três anos de prisão por cada um dos três crimes de furto qualificado, previstos e punidos nos termos do disposto nos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova (cfr. fls. 131 a 165, por acórdão proferido em 19 de Julho de 2013, transitado em julgado no dia 12 de Dezembro de 2013, isto nos autos do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 506/11.6PBBGC, porque : Em 17 de Outubro de 2011, com outros dois, utilizando um ferro metálico, estroncaram as fechaduras dos depósitos de moedas das máquinas de aspiração do Posto de Abastecimento de Combustível da Henripneus, que continham cerca de € 700, 00, que fizeram seus, como era sua intenção; Em 26 de Outubro de 2011, ele e outro, rebentando uma janela das traseiras, entraram na habitação de ... e, como era sua intenção, apoderaram-se de um colar de pérolas, um relógio em ouro, um anel com brilhantes, três anéis em ouro, outro anel em ouro, dois fios em ouro, um fio em ouro, uma gargantilha com pedras vermelhas, dois pares de botões de punho em ouro, dois travessões de gravata em ouro, dois alfinetes em ouro, duas argolas em ouro, três pares de brincos em ouro, duas alianças em ouro, uma libra em ouro, uma medalha em ouro, um alfinete em ouro com pedra verde, um par de brincos em ouro, um relógio e uma máquina fotográfica, no valor global de € 12 800, 00; Em 29 de Abril de 2012, ele e outro, com o intuito de se apoderarem de comestíveis, numerário e outros objectos de valor, partindo o vidro de uma das portas, introduziram-se no estabelecimento comercial de quiosque e bar denominado Quiosque n.º 1 Corredor Verde do Fervença e aí comeram gelados e apropriaram-se de chicletes e rebuçados, no valor de € 50, 00, um televisor de marca LG, no valor de € 353, 90.
Mais se provaram os seguintes factos :
α – Quando tinha três anos de idade, os pais do arguido separaram-se, passando o arguido a posterior infância com o seu pai e a sua avó paterna, agregado familiar de humilde condição socioeconómica e cultural (o pai era jornaleiro e a avó empregada doméstica). A partir dos 10 anos, o arguido integrou o agregado familiar que o seu pai constituiu com a mulher com quem vivia em união de facto, residindo no 1.º andar do prédio que era pertença da sua avó paterna. Apesar dos modestos recursos económicos, o arguido sempre usufruiu de condições de habitabilidade e de ambiente familiar harmonioso, sendo, contudo, a avó a figura de referência mais permanente, já que o pai do arguido passava alguns períodos ausente no estrangeiro, por motivos profissionais. O arguido iniciou as actividades curriculares em idade própria na Escola Básica da área de residência, tendo aí concluído 1.º ciclo de estudos, com registo de uma repetição no 3.º ano. Posteriormente, transitando para a Escola EB 2,3 Paulo Quintela, começou a revelar desmotivação e comportamentos perturbadores em ambiente escolar, tendo sido encaminhado para um CEF/Curso de Educação e Formação, na área da jardinagem, que o habilitou com o 6.º ano de escolaridade. Em seguida, ainda nesse estabelecimento de ensino, frequentou um curso profissional de "Bar e Mesa", que não concluiu por falta de aproveitamento, acabando por abandonar o sistema de ensino regular por volta dos 15/16 anos de idade. No início do ano lectivo de 2010/2011, AA frequentou durante 3/4meses um curso de "Técnicas Administrativas e de Apoio à Gestão", no Centro de Formação do IEFP de Bragança, formação da qual também viria a desistir, devido a desmotivação. Com 17/18 anos de idade, AA teve a sua primeira experiência laboral no sector da construção civil (colocação de tectos falsos), actividade que exerceu por um curto período de tempo (30 dias). Depois, trabalhou irregularmente com o pai em serviços de pintura e construção civil e fez trabalhos sazonais no estrangeiro. β – No período que antecedeu a sua actual reclusão, o arguido residia com o pai, madrasta e irmãs, desfrutando também de relações de proximidade e de apoio da avó paterna, que residia no rés-do-chão da casa de família, habitação com condições satisfatórias de habitabilidade. O arguido usufruía de um ambiente familiar afectivo e funcional, sendo apoiado por todos os elementos da família. Não residindo em Bragança, a mãe do arguido não mantinha com este uma relação de proximidade. γ – Após a condenação sofrida no âmbito do Processo n° 506/11.6 PBBGC, em Novembro de 2012, decidiu inscreveu-se num curso profissional de "Jardinagem" no IEFP de Bragança, formação nível II, que o habilitaria com 9.º ano de escolaridade. No entanto, não conseguiu concluir este curso, pelo que passou a coadjuvar o seu progenitor em ocupações ocasionais na construção civil. Procurou afastar-se dos jovens que considerava terem uma influência negativa na sua vida, apesar de continuar a frequentar alguns locais de risco. Socialmente, AA era referenciado como um jovem afável e educado no meio de residência, sendo, porém, particularmente criticado pelos vizinhos, pela sua inércia e irregularidade laboral e pela sua inter-relação com jovens também desocupados. δ – Em relação ao seu futuro, AA verbaliza vontade em conseguir uma ocupação laboral em qualquer sector de actividade em Portugal ou no estrangeiro, que lhe permita a sua autonomização da família. O progenitor, avó e restante família considerando que o arguido já se encontrava a inverter a sua trajectória de vida, no período que antecedeu a reclusão, pelo que estão dispostos a apoiá-lo em tudo o que estiver ao seu alcance. Em contexto sociocomunitário, não é alvo de rejeição social por parte da vizinhança. ε - Actualmente, encontra-se preso no Estabelecimento Prisional Regional de Bragança. Neste contexto, mantém um comportamento globalmente normativo e positivo, estando a frequentar um Curso de Formação Profissional de Pintura e Construção Civil, bem como a escola, com o objectivo de se habilitar com o 9° ano de escolaridade. Evidencia vontade em alterar o seu percurso de vida, apostando na melhoria das suas habilitações académicas/profissionais. No 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, nos autos do processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 245/12.0PBBGC, em 4 de Fevereiro de 2013, foi proferida sentença, transitada em julgado no dia 6 de Março de 2013, por efeito da qual o arguido foi condenado, por, em 22 de Maio de 2012, ter praticado factos que integravam a co-autoria de um crime de furto, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 26.º e 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta em 25 de Novembro de 2013.
O arguido , inconformado com o teor da decisão dela interpôs recurso para a Relação , que remeteu os autos , por declaração da sua incompetência hierárquica , para este STJ , apresentando na motivação as seguintes CONCLUSÕES: A medida ou dosimetria da pena de prisão, in casu, questiona-se porquanto o arguido a reputa de exagerada e inadequada por ultrapassar a medida da culpa e insusceptível de assegurar as finalidades que estão na base da punição.
3º No que concerne a questões de facto, nomeadamente a matéria factual considerada provada, não serão tecidas quaisquer considerações, porquanto o Acórdão recorrido nesta parte é irreparável.
4º Pelo crime de furto qualificado (previsto e punido pelo artigo 204º, nº 2, alínea e) do Código Penal, ocorrido nos presentes autos, onde se encontra melhor discriminado, na Rua 5 de Outubro, na cidade de Bragança ocorrido entre os dias 6 e 16 de Maio de 2011, foi o recorrente condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, que o Venerando Tribunal da Relação do Porto, por Douto Acórdão de 30 de Abril de 2014, transitado em Julgado, deu parcial provimento e alterou para 2 anos e 9 meses de prisão efectiva. (Cfr. fls. 211 a 222). Foi violado o princípio da proporcionalidade, em vez dos actuais e desajustados 6 anos de prisão decretados, não deverá ultrapassar a duração efectiva de 5 anos, por satisfazer desta forma a função punitiva que a estatuição da norma penal enferma em si e sob pena do efeito ressocializador e reintegrador na sociedade não surtir qualquer efeito prático. Foram violados os artigos 40º, nº 2 e 71º, nºs 1 e 2, alínea d) do Código Penal, respeitantes ao Princípio da Proporcionalidade na aplicação da medida da pena. Deve , pois , ,reduzir-se a pena dos actuais 6 anos, para uns mais ajustados, adequados, justos e proporcionais 5 anos, atentos os fundamentos supra expostos, incluindo a sua idade, situação pessoal, familiar, social, formação profissional, escolar e comportamento prisional do mesmo. O arguido delimita o objecto do seu recurso à medida concreta da pena de concurso , fixada em 6 anos de prisão , em cúmulo , e que , em seu entendimento , pecando por excesso , deverá ser reduzida a 5 anos . A formação da pena de conjunta, tal como a pena singular, obedece a critérios de legalidade estrita , tratando-se de uma operação juridicamente vinculada , pese embora o julgador usufruir de alguma margem de liberdade, posto que sindicável em recurso se se revelar um flagrante e ostensivo desvio às regras comuns à prática judiciária, aos padrões habituais reinantes de julgamento . Essa actividade , em caso de formação da pena de concurso , rege-se por um específico critério normativo , em que sem abdicar da culpa e da prevenção , assenta na apreciação do conjunto global dos factos e na personalidade do agente –art.º 77.º n.º 1 , do CP . A determinação da pena de conjunto reconduz-se , em essência , na “ reordenação cronológica dos factos e actualização da história pessoal do agente “, nas palavras do falecido Cons.º Carmona da Mota , in Determinação da Pena em Concurso de Crimes , comunicação ao STJ , de 3.9. 2009 , sem abdicar daqueles parâmetros de culpa e prevenção que no caso concorrem . O legislador repudiou abertamente o sistema de acumulação material de penas, que, na sua pureza, não se mostra consagrado na generalidade das legislações, para adoptar um sistema de pena conjunta, divorciado do sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave e do princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes, elegendo um sistema misto norteado pela regra da acumulação, por força do qual se procede à definição da pena conjunta dentro de uma moldura abstracta , cujo limite máximo resulta da soma das penas efectivamente aplicadas, sem exceder 25 anos de prisão , com um limite mínimo centrado na pena parcelar mais elevada , emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e a personalidade do agente, sob a forma de cúmulo jurídico (cfr. Profs. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 283 e Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 277 a 284), nos termos dos art.ºs 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP . Ao lado da previsão da pena no cúmulo jurídico –regra , no art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP , também o legislador no art.º 78.º , do CP , impõe a fiação de pena única em caso de concurso superveniente de infracções , este com lugar sempre que , depois de uma condenação transitada em julgado , se mostrar que o agente praticou , anteriormente , àquela condenação , outro ou outros crimes , sendo de aplicar as regras de formação da pena enunciadas no art.º 77 .º , englobando-se as penas que tiver cumprido ( excluindo-se , por ex.º , porque então incumpridas , as objecto de perdão , amnistia , ou as suspensas declaradas extintas por decurso do prazo) .
A formação da pena conjunta é o reconhecimento do funcionamento nem sempre célere do sistema e a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (cfr. Prof. Lobo Moutinho, in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, ed. Da Faculdade de Direito da UC, 2005, No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente (cfr. Ac. deste STJ, de 2.6.2004, CJ, STJ, II, 221)” (acórdão do STJ de 27 de Abril de 2011, site do ITIJ).
E na hipótese de conhecimento de concurso superveniente de infracções a metodologia a seguir na operação de fixação da pena não se resume a uma pura adição de penas , em visão de puro atomismo, mero somatório , em forma aritmética , como é prática algo frequente , pois que o julgador é chamado a inteligenciar uma nova situação para se centrar num plano diferenciado que repondere os factos , agora na sua globalidade , no seu conjunto e a relação com a personalidade do agente , enquanto postura de conformidade ou desconformidade com as regras instituídas pelos órgãos próprios , em vista de imprescindível subsistência comunitária , dando lugar a uma pena , baseada numa nova culpa e na ponderação das concretas exigências de prevenção geral e especial , sem esquecer os efeitos previsíveis da pena na pessoa do condenado , na sua capacidade de interiorizar os maus resultados do crime , o que é sempre um segredo, mas como escreve o Prof. Figueiredo Dias , “ …o homem é sempre um segredo e toda a humanidade reside no respeito pelo segredo do homem “, in BFD UC , 1972, 42 “ , na citação de André Lamas Leite , in A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 , pág. 629 , BFD , 2009 . Quer dizer, já o escrevemos , que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos.
Importa, pois , indagar se os factos se mostram em relação uns com os outros , de modo a alcançar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles ( conexão autoris causa ) , em ordem a estabelecer a totalidade da actuação como uma unidade de sentido e a culpa dos factos em relação , escreve Cristina Líbano Monteiro , im comentário ao Ac. deste STJ , de 12.7.2005 , RPCC , Ano XVI. E , em sequência , apurar se eles representam um desvio meramente ocasional no percurso vital do condenado ou pelo contrario se eles espelham uma propensão para a prática do crime , já enquistada na sua personalidade , uma “ carreira criminosa “ , sistematicamente indiferente ao respeito aos bens e valores jurídicos de protecção subsidiariamente deferida ao direito penal , hipótese em que a pena é exacerbada . De discordar-se da orientação minoritariamente seguida neste STJ de aditar uma fracção aritmética , em regra de 1/3 da soma das restantes penas à parcelar mais elevada , comprimidas nessa medida as demais , fracção de compressão sem apoio legal , introdutora de uma ideia de “ matematização “ da pena, rejeitada após tentativa de aplicação nos EUA , além de que não responde aos critério da necessidade da análise da culpa e personalidade , apesar de se tentar esbater aquela imagem de matematização sob a alegação de que se trata , pura e simplesmente , de recorrer ao auxílio da “ ciência matemática “ para fixação da pena, enuncia Carmona da Mota naquela comunicação a este STJ , desse ponto de vista divergindo o Cons.º Rodrigues da Costa , na comunicação na FDUP, no âmbito da formação do CEJ , em 4.3.2011 .
O recorrente não contesta a inclusão no cúmulo da pena suspensa por que o foi condenado e a revogação dessa pena substitutiva , procedimento que já há dezenas de anos preocupou o julgador , que no primeiro acórdão favorável à revogação , se exprimiu no sentido de que a revogação não ofende o caso julgado que se forma não sobre a execução da pena , mas sobre a sua expressa medida , além de que o julgador se não pronunciou somente na primeira condenação por desconhecimento- cfr. Ac. de 5.12.74 , BMJ 232 , 43 .
E desde então , o STJ , numa postura maioritária não mais abandonou o argumento, acrescendo os de que tal condenação é provisória , como o arguido não pode ignorar , sujeita à cláusula “ rebus sic stantibus “ , em funcionamento pelo conhecimento de outras infracções em concurso superveniente ; a condenação é, pois , resolutiva , além de que , em audiência de cúmulo pode advogar a manutenção da suspensão dessa ou da de conjunto , indo-se ao encontro da relatividade do caso julgado, da sua não intangibilidade absoluta , instável e sem absoluta fixidez , como pode ser –cfr., ainda , na jurisprudência mais recente os Acs. deste STJ, de 8.10.2008 , 12.2.2012 , P.ºs n.ºs 2490/08 e 8354/08 , 23/02/2011 , P.º n.º 1145/01 , 16.11.2011 , P.º 150/08 , 9/11/2006, P.º n.º 351/06 e AC.n.º 3/2006 , de 2.1.2006 e DR., II Série , de 6.2.2007 . Na doutrina Paulo Dá Mesquita , André Lamas Leite , o Prof. Figueiredo Dias ( Código Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime, 290) e Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código Penal , pág. 287 , perfilham coincidente entendimento . Opõe-se lhe a tese da invalidade da revogação de tal pena substitutiva , reeducativa e pedagógica , com fundamento na sua feição autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, tendo a sua execução regulamentação autónoma (cf., na jurisprudência, Acs. do STJ de 02-06-2004, CJ STJ 2004, Tomo 2, pág. 217, de 06-10-2004, Proc. n.º 2012/04, e de 20-04-2005, Proc. n.º 4742/04; idem Nuno Brandão , como citado no Código Penal , Parte Geral e Especial por Miguez Garcia e Castela Rio , pág. 393 .
O limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente , ; no caso de conhecimento superveniente de infracções aplicam-se as mesmas regras , devendo a última decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira , se o tribunal , a esse tempo , tivesse tido conhecimento da prática do facto – cfr. Ac. deste STJ , de 17.3.2004 , in CJ , STJ , I , 2004 , 229 e segs . e de 15.3.2007 , in Rec.º n.º 4796 /06 , da 5.ª Sec. . Orientação diversa é a que se verte no chamado “ cúmulo por arrastamento “ , seguida em data anterior a 1997 , mas postergada por este STJ desde logo pelo Ac. de 4.12.97 , in CJ , STJ , V, III, 246 , assinalando-se que “ aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal , ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência ( Comentário de Vera Lúcia Raposo , RPCC , Ano 13.º , n.º 4 , pág. 592) .” Os crimes em concurso reportam-se a um momento anterior à data da primeira condenação a coberto do trânsito, em 12.12.12. 2013 ; as demais, de pena de multa , respeitando , ainda , a momento anterior mostram-se extintas pelo pagamento da multa . Na verdade , de sublinhar , que o confronto –conhecido – do arguido com a lei se cinge à prática de quatro crimes de furto qualificado, num período relativamente curto da sua vida , isto é, um, entre 6 e 16 de Maio e, outros, em 17 e 26 de Outubro de 2011 e 19 Abril de 2012, quando tinha dezoito e dezanove anos de idade ; o arguido cometeu, ainda, em 22 e 23 de Maio de 2012, outros dois crimes de furto, um deles qualificado e, outro, tentado. E muito embora o arguido fosse menor de 21 anos na data dos factos , e como tal , a legislação de benesse contida no Dec.º_lei n.º 401/82 , de 23/9 , fosse de ponderar , no entanto a atenuação especial da pena prevista no seu art.º 4.º é de afastar porque não deriva do horizonte contextual provado que esse tratamento de favor concorresse para a sua reintegração social , que é o repassar ao condenado valores éticos de convivência sem atritos; a prática do crime é um défice de socialização ; o facto de ser menor de 21 anos não significa que se passe ao limbo do esquecimento os seus actos , sobretudo se são graves e reiterados . O arguido não comporta hábitos de trabalho e interage com jovens desocupados , sendo nessa precisa medida alvo de críticas no meio social onde se insere socialmente , sendo reputado como afável e educado, o que não implicou que se lançasse na prática do crime , de certo fora do seu meio social não sendo de estranhar aquele conceito parcialmente benéfico de que usufrui . O arguido AA verbaliza vontade em conseguir uma ocupação laboral em qualquer sector de actividade em Portugal ou no estrangeiro, disse o Tribunal , mas daí à concretização dessa intenção , sem passar disso mesmo , de um projecto , de concretizar ou não , mera estratégia de defesa , vai um passo largo . Por outro lado o desfalque patrimonial pelo furto de que foram alvo terceiros , com violência sobre as coisas , pelo arrombamento da porta e janela da casa de habitação de dois dos ofendidos , uma vez só, e as demais acompanhado , durante o dia , demonstram audácia e vontade criminosa firme , na consecução do projecto criminoso de apropriação . Atente-se que o valor global dos bens furtados , na sua esmagadora maioria objectos em ouro , assume o valor global de 79.493, 890 noventa ( setenta e nove mil quatrocentos e noventa e três euros e oitenta e nove cêntimos ) , extremamente elevado , mostrando uma completa indiferença para com o alheio , que merece protecção e assim é à face da lei ordinária e da CRP , justificando um elevado juízo de censura , como as formas violentas de execução , e a formulação de correspondente juízo de ilicitude , em termos de acção e de resultado . O arguido mesmo depois da prática das penas objecto de cúmulo , continuou a delinquir na prática do furto e , pese embora , ser prematuro para se concluir que possui uma propensão para a prática reiterada do crime, temos como acertada a ideia de que privação de liberdade é o processo adequado a arrepiar caminho e sem prejuízo grave para o seu futuro , que , atenta a sua juventude , ainda está em condições de construir . A moldura do concurso punitivo situa-se entre um limite máximo de 11anos e 9 meses de prisão e 3 anos ( parcelar mais elevada ) , esta integrada em cúmulo jurídico com duas outras da mesma duração , na pena única de 5 anos , suspensa na sua execução , por acórdão proferido em 19 de Julho de 2013, transitado em julgado no dia 12 de Dezembro de 2013, pena essa revogada no acórdão recorrido , por manutenção injustificada , de certo por não oferecer, face à reiteração criminosa, à sua inactividade e constante instabilidade laboral , prognóstico favorável de afastamento da reincidência , além de que o furto , pela sua prática corrente , gera enorme alvoroço social ; a pena é uma forma de afirmar a força da lei e de acautelar as expectativas depositadas na comunidade contra o facto criminoso, e , ao mesmo dissuadir potenciais criminosos , tornando-se incompreensível a manutenção da suspensão aos olhos do cidadão comum . A necessidade de futura emenda cívica e da fidelidade ao direito do arguido não prescinde de um tempo de privação de liberdade , absolutamente imprescindível para consciencialização do seu procedimento ,que não atingiu, ainda , pois o desvaloriza, quando alega que a companhia com outros reclusos no EP que cometeram crimes mais lhe é nociva , como se não fossem muito graves dois dos furtos cometidos ; a afirmação da força da lei pelos seus órgãos aplicadores impõem intervenção vigorosa, que o mesmo é dizer que às necessidades de prevenção especial , particular, acrescem não menos ponderosas considerações de prevenção geral , ligadas à contenção de idênticos impulsos criminosos . A tudo atendendo , mostra-se conforme aos parâmetros legais, respondendo adequadamente à imagem global do facto , firmada no dolo intenso , na gravidade dos factos , vistos na sua globalidade , aqui englobados o valor dos furtos e o seu modo, por arrombamento e acompanhado , tempo de execução e a personalidade desviante no aspecto de vincada falta de respeito pelo património alheio , justifica-se, no entanto , atenta a sua idade de menos de 21 anos na data dos factos , a redução para 5 anos de prisão , pena essa que ainda responde adequadamente aos fins das penas, é tolerável socialmente e não hipoteca , desproporcionadamente , o seu futuro . Incidindo sobre o julgador, aplicando a pena de concurso ou singular igual ou inferior a 5 anos , o poder- dever , de se pronunciar a sua suspensão , por força do art.º 50.º n.º 1 , do CP , esta pena substitutiva é claramente de excluir , como resulta do que acima vem exposto , não proporcionando razões sérias para crer que em liberdade não sucumbiria ao crime , de diminuta relevância se apresentando o propósito de conseguir trabalho e até mesmo de inverter rumo de vida , procurando, antes da reclusão , afastar-se de más companhias , mas não já de locais nocivos - ele próprio confessa, em seu desfavor , em recurso , ter consumido haxixe - e que , portanto , este Tribunal , prudencialmente , corra esse risco cujo teor se não conforma como uma certeza ou probabilidade forte, em grau elevado , além de que hostilizaria as finalidades de punição , vocacionadas, prevalentemente , à defesa do ordenamento jurídico , limite incontornável da suspensão da execução da pena .
Condenando-se em 5 ( cinco) anos de prisão, provê-se em parte ao recurso .
Sem tributação .
Armindo Monteiro (Relator) Santos Cabral |