Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
083285
Nº Convencional: JSTJ00018822
Relator: DIONISIO PINHO
Descritores: SOCIEDADE
EXCLUSÃO DE SÓCIO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ199304200832852
Data do Acordão: 04/20/1993
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N426 ANO1993 PAG478
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 177/91
Data: 03/05/1991
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL.
DIR COM - SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 12 ARTIGO 989 ARTIGO 1003 A ARTIGO 1005.
CSC86 ARTIGO 31 N1 ARTIGO 242 N1 ARTIGO 248 N1 ARTIGO 386 N1.
CCOM888 ARTIGO 156.
DL 363/77 DE 1977/09/02 ARTIGO 7.
Sumário : I - A exclusão de um sócio pode dar-se nos casos previstos no pacto social e ainda, além do mais, quando lhe seja imputável violação grave das obrigações para com a sociedade.
II - Cabe à sociedade o ónus da prova de que a actuação do sócio excludendo violou o interesse dela e que essa violação redundou em seu prejuízo.
Decisão Texto Integral: 1 - A e Torrefacção Cubana, Lda. pediram que se decretasse a exclusão da Sócia B da Sociedade autora, com o fundamento de que a Ré, aproveitando-se do facto de sua mãe ser então a Sócia maioritária da mesma sociedade, a ter convencido a assinar cheques com que, também por si assinados, levantou da conta da sociedade 6000000 escudos com que as locupletou indevidamente, tendo sido condenada em processo judicial a repôr tal quantia.
A ré contestou, a invocar, em resumo que, então, a sócia maioritária da sociedade autora era a mãe da Ré que tinha como pares as suas duas únicas filhas e para quem a sociedade autora constituía um prolongamento da sua esfera económica, tendo o levantamento sido efectuado por iniciativa dela para somar a despesas vultuosas com a sua saúde e que por isso pediu à filha não só que assinasse como que preenchesse os cheques, visto que por debilidade física tinha dificuldades em escrever, sendo certo que a Ré e a sua mãe eram ambas gerentes da sociedade.
2 - Na sequência do processo, em que no despacho saneador transitado em julgado se decidiu que a Autora sociedade não tinha legitimidade para a acção, a Autora A recorreu da sentença proferida a final que julgou a acção improcedente e do respectivo acórdão que confirmou traz a presente revista, a sustentar que o acórdão recorrido aplica o disposto no artigo 241 e seguintes do C.S.C., mas que a lei aplicável é a resultante dos artigos 1003 e 1005 do Código Civil e 24, 27 do Decreto-Lei n. 49381, de 16 de Novembro de 1969, pelo que, sendo, nos termos dos citados artigos 1003 e 24, causa de exclusão de sócio a violação grave das obrigações para com a sociedade e verificando-se isso em relação a quem usa os dinheiros dela e os deposita em conta própria porque retira à sociedade os meios para o negócio, "deve ser decretada a violação grave por parte da recorrida, excluindo-a de sócia, dando provimento ao recurso".
A recorrida contra-alegou em defesa de tese oposta.
2.1 - A materialidade factual fixada pelas instâncias e, assim, a considerar é a seguinte:
Autora e Ré eram, juntamente com C, as titulares do capital social de Torrefacção Cubana, Lda., no valor de 15000000 escudos, pertencendo a cada uma daquelas uma quota de 2250000 escudos e a esta última uma quota de 10500000 escudos, conforme inscrição de fls. 46 - A) da especificação.
Por falecimento da dita C, passou a sua referida quota a pertencer à Autora e Ré, em comum e sem determinações de parte de direito, conforme inscrição de fls. 47 - Idem, B).
Em Março de 1984, a Ré e a C assinaram os cheques ns. 416430 e 416431, do BNU de Elvas, sobre a conta 8734-I, de que é titular a Torrefacção Cubana, Lda., nos valores de, respectivamente, 2000000 escudos e 4000000 escudos, depositando-se nas contas ns. 9818 e
9817, de que ambas eram titulares, em nome pessoal - Idem, C).
Os referidos valores foram debitados na conta da sociedade, em 9 de Março de 1984, conforme extracto de fls. 64 - Idem, D).
Em 12 de Dezembro de 1989, a Ré procedeu ao depósito da quantia de 8369415 escudos em conta da sociedade na agência do BNU de Campo Maior - Idem E).
2.2 - Na douta sentença da 1 instância houve-se por aplicável ao feito, ex vi do disposto no artigo 12 do Código Civil, o disposto nos artigos 1003 e 1005 deste Código, na ausência de estatuição específica para as sociedades por quotas, embora considerando-se que aquele regime veio a ser consagrado no C.S.C, artigo 242, e entendeu-se que, na ignorância do destino da quantia levantada e de quem teve a iniciativa do seu levantamento, a admitir-se - o que não decorre só por si da matéria de facto provada -, que ele se traduziu em prejuízo para a sociedade, a responsabilidade seria das duas sócias, pelo que, decorridos cinco anos sobre o feito até à propositura da acção e quando Autora e Ré não já co-titulares da quota da anterior sócia maioritária, ora falecida, a situação se revela despida sem a gravidade necessária para justificar a pretendida exclusão; e isto também porque entretanto e antes da sua citação para esta acção a Ré efectuou o depósito da quantia levantada acrescida dos juros legais.
No seu recurso para a Relação, a Autora sustentou que à matéria de facto fixada, emergente da especificação, haveria que aditar a vasada nos quesitos 1 e 2, que a Ré carecia do consentimento unânime dos sócios para utilização dos bens sociais e não o lograra provar, e que a sentença era nula porque o Meritíssimo Juiz se não pronunciara sobre o afastamento da Ré da gerência.
A Relação rejeitou tal nulidade com o argumento de que a destituição da gerência não fora peticionada, como aliás observara o Exmo. Juiz na sua sentença, e decidiu definitivamente sobre a matéria de facto cuja fixação a recorrente não põe agora em causa.
No mais, discorreu que, desconhecendo-se para que fim foi utilizado o dinheiro levantado, não pode dizer-se que tenha sido violado o artigo 989 do Código Civil, a entender-se que é aplicável às sociedades comerciais, o que rejeita ex vi dos artigos 31 n. 1, parte final, 248 n. 1 e 386 n. 1 do C.S.C, nem que o acto se revista da gravidade exigida pelo artigo 242 n. 1 deste Código, além do que, sendo a Ré agora sócia da sociedade por que não existia quando praticou os factos, se fosse excluída na qualidade em que os praticou, manter-se-ia sócia pela nova via, acrescendo que praticou os actos em causa como gerente e que a eles não pode corresponder a sanção da exclusão de sócio.
2.3 - Embora nas suas alegações para a Relação a Autora não tivesse sido muito clara a sustentar que a pacticidade assente pela 1 instância correspondia necessariamente a procedência da acção, o que suscita a questão sobre se isso poderia agora discutir-se neste recurso se se entendesse que ela não fora posta em causa na apelação, a verdade é que a Relação a apreciou numa implícita interpretação do objecto da apelação, o que não foi posto em causa e, ao menos por isso, se nos impõe.
Vejamos, pois, se assiste razão à recorrente.
2.3 - Com a 1 instância, nós pensamos que, por força do disposto no artigo 12 do Código Civil e na falta de regime próprio na Lei das Sociedades por quotas, o aplicável à situação vertente é, à semelhança do que dispunha o artigo 156 do Código Comercial para as sociedades em nome colectivo (redacção do artigo 7 do Decreto-Lei n. 363/77), o dos artigos 1003 e 1005 do Código Civil, tendo em atenção a vertente pessoal da sua natureza híbrida de sociedade de capitais e de pessoas, pese embora a denominação particular da sociedade Torrefacção Cubana, Lda., para a sua designação.
No caso vertente, a questão poderia complicar-se se porventura o vigente C.S.C. adoptasse uma situação eventualmente contrária à do Código Civil ou mais rigorosa, em termos de exigir requisitos mais precisos ou circunstanciais para a exclusão. Mas isso não ocorre, visto que, enquanto o artigo 1003, alínea a) do Código Civil, exige para a exclusão de um sócio que a este seja imputável violação grave das obrigações para com a sociedade, o C.S.C, artigo 242, basta-se com um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento desta que lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.
Não pode, pois recear-se o entendimento de que a actual lei retirou a gravidade relevante de factos antecedentes e pôr-se a questão de saber se é legitimo decretar-se para o futuro efeitos que a lei actual já não consagra. Não merece, pois, a pena discorrer sobre o assunto.
Isto posto, importa apreciar se o comportamento da Ré redundou numa violação grave das suas obrigações para com a sociedade.
Adiante-se já que, a nosso ver, nem pelo facto de o sócio ser gerente pode, em princípio, evitar a aplicação da medida em causa, visto que o ser gerente, além de sócio, não dispensa este das obrigações próprias.
Acontece, contudo, que, como se salienta em decisões das instâncias e não é posto em causa no recurso, já depois de todo o sucedido Autora e Ré partilharam os bens da sócia maioritária e, entre eles, a quota desta que dividiram entre si, o que é revelador de que a
Autora não viu nos actos agora em causa a gravidade de que agora quer tirar partido; antes aceitou a ampliação do interesse da Ré, por via dessa partilha, na sociedade em causa.
Ora isso, no plano das relações sociais, prejudica, a nosso ver de forma decisiva, a qualificação da ocorrência como grave, se não evidencia ali a renúncia por parte da Autora a fazer valer o direito agora em causa.
Além disso, cabia também à autora o ónus da prova de que a actuação da Ré violou o interesse da sociedade e redundou em seu prejuízo.
E ela não logrou prová-lo. E tem seguramente consciência da importância disso; alegou os factos vasados nos dois primeiros quesitos e em vão tentou, face às respostas negativas que obtiveram, conseguir a alteração destas no recurso para a Relação.
Restaria sempre a dúvida sobre o intuito que presidiu à actuação da Ré, conjunta com a da sócia maioritária a que ambas, Ré e Autora, sucederam, tanto mais que Ré restituiu a importância levantada e, por outro lado, do elenco dos sócios já não faz parte a sócia maioritária interveniente da co-autora do feito numa situação que não permite um juízo definitivamente desfavorável da fidelidade devida pela Ré para o funcionamento da sociedade.
3 - Pelo exposto, nega-se a revista com custas pela recorrente.
Lisboa, 20 de Abril de 1993.
Dionísio Pinho,
Ramiro Vidigal,
Eduardo Martins.
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 90.11.06 do Tribunal de Círculo de Portalegre;
II - Acórdão de 92.03.05 da Relação de Évora.