Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | QUESTÃO NOVA RECURSO À PROSTITUIÇÃO DE MENORES PORNOGRAFIA DE MENORES PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Data do Acordão: | 11/28/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / RECURSO À PROSTITUIÇÃO DE MENORES / PORNOGRAFIA DE MENORES. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO. DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela e Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º; - Castanheira Neves, A distinção entre a questão-de-facto e a questão-de-direito e a competência do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de «revista», Digesta, Coimbra Editora, 1995, p. 523 e ss.; - Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., reimp., Coimbra Editora, 2014, p. 379-380. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 174.º, N.º 1, 176.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C) E 177.º, N.º 1, ALÍNEA B). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 608.º, N.º 2 E 679.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, N.º 1, 497.º E 512.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 18-06-2009, PROCESSO N.º 1632/01.5SILSB.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 13-01-2010, PROCESSO N.º 213/04.6PCBRR.S1.S1, SASTJ, SECÇÃO CRIMINAL, 2010, WWW.STJ.PT; - DE 16-12-2010, PROCESSO N.º 2267/05.9TBOVR.P1.S1; - DE 27-05-2014, PROCESSO N.º 33/06.3TMSNT.L1.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CIVIL, WWW.STJ.PT; - DE 22-10-2014, PROCESSO N.º 84/13.1JACBR.S1; - DE 09-12-2014, PROCESSO N.º 75/07.1TBCBT.G1.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CIVIL, WWW.STJ.PT; - DE 17-06-2015, PROCESSO N.º 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 16-12-2015, PROCESSO N.º 641/11.0JACBR.C1.S1, IN SASTJ, SECÇAÃO CRIMINAL, 2015, WWW.STJ.PT: - DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 118/08.1GBAND.P1.S2,SASTJ, SECÇÃO CRIMINAL, 2016, WWW.STJ.PT. | ||
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Sumário : | I - De acordo com o art. 608.º, n.º 2, ex vi arts. 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP, ao tribunal de recurso não compete conhecer de “questões novas”, mas antes reapreciar a decisão sob recurso nas vertentes que lhe foram colocadas, a não ser que se trate de questões cujo conhecimento se mostre oficioso. II - Pretendendo o recorrente que se aprecie se estamos perante uma condenação em indemnização, pelo Tribunal da Relação, no âmbito do regime de responsabilidade solidária, com repartição de responsabilidades (arts. 497.º e 512.º e ss. do CC), sem que, anteriormente tenha suscitado tal questão no processo perante esse tribunal e, porque tal questão não é de conhecimento oficioso, forçoso é concluir que, por inadmissibilidade legal, não se conhece da referida “questão nova”. III - A finalidade que preside à indemnização prevista no art. 496.º, n.º 1, do CC, é a de atenuar e de algum modo compensar os desgostos e sofrimentos suportados e a suportar pelo lesado através de uma quantia em dinheiro de modo a proporcionar um acréscimo de bem-estar que contrabalance os males sofridos, as dores e angústias suportadas. IV - O montante da indemnização deve ser calculado segundo critérios de equidade e deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. V - Tendo o arguido, a troco contrapartida monetária, aliciado o casal de arguidos, com sucesso a fotografarem, enviarem fotografias e consentirem que a sua filha, à data com 17 anos de idade, fosse filmada e fotografada em poses de nudez integral e em poses de cariz pornográfico pelo mesmo, bem como a que este actuasse sobre a mesma com carícias de natureza sexual, nos seios e coxas e por esse motivo condenado pela prática de um crime de pornografia de menores, p. e p. no art. 176.º, n.º 1, als. b) e c), agravado pelo art. 177.º, n.º 1, al. b), do CP e de um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. no art. 174.º, n.º 1, do Código Penal, e resultando como provado que, em resultado dos factos, o comportamento da ofendida alterou-se, isolou-se, tornou-se uma pessoa emocionalmente fragilizada, passando a sentir-se amedrontada, triste, angustiada, sentiu medo e ansiedade, afastou-se dos amigos e o seu rendimento escolar diminuiu, acabando por abandonar o ensino secundário, desistindo dos sonhos académicos e de realização profissional, viveu durante uma ou duas semanas sozinha, após a detenção dos pais e mais tarde foi acolhida pela avó, socorreu-se de apoio psicológico para conseguir superar o que lhe sucedera, recebendo apoio psicológico através da APAV, considera-se adequada, por conforme a um juízo de proporcionalidade, uma intervenção correctiva na fixação do quantitativo da indemnização por danos não patrimoniais determinado no acórdão recorrido (fixado pela Relação em € 40.000), fixando-se esta em € 25.000. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACÓRDÃO
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, arguido, com os sinais dos autos, foi condenado por acórdão de 9 de Junho de 2017 do tribunal colectivo do Juízo Central Criminal do ..., da Comarca do ..., pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de: ¾ Um crime de pornografia de menores, p. e p. no art.º 176.º, n.º 1, als. b) e c), agravado pelo art.º 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal (relativamente a BB), na pena de três anos e três meses de prisão; ¾ Um crime de recurso à prostituição de menores, p. e p. no art.º 174.º, n.º 1, do Código Penal (relativamente a BB), na pena de nove meses de prisão; ¾ Um crime de detenção de arma proibida p. e p. no art.º 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência ao art.º 2.º, n.º 3, al. p), do mesmo diploma, na pena de três meses de prisão; ¾ Um crime de abuso sexual de criança p. e p. no art.º 171.º, n.º 1, do Código Penal (relativamente à menor CC), na pena de dois anos de prisão; ¾ Um crime de pornografia de menores agravado p. e p. nos art.ºs 176.º, n.º 1, al. b), e 177.º n.º 6, do Código Penal (relativamente à menor CC), na pena de três anos de prisão; ¾ Um crime de pornografia de menores agravado p. e p. nos art.ºs 176.º, n.º 1, al. b), e 177.º, n.º 6, do Código Penal (relativamente à menor DD), na pena de três anos de prisão; ¾ Um crime de pornografia de menores p. e p. no art.º, 176.º, n.º 5, com referência ao art.º 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, (vídeos e imagens pornográficas), na pena de 9 meses de prisão; Efectuado o cúmulo jurídico destas penas, foi o arguido condenado na pena única de sete anos e seis meses de prisão. 2. Foram também condenados: a) O arguido EE, pela prática em autoria material e em concurso efectivo de: ¾ Um crime de pornografia de menores p. e p. no artigo 176º, nº 1, als. b) e c), agravado pelo artigo 177º, nº 1, al. a), do Cóigo Penal, na pena de três anos de prisão; ¾ Um crime de lenocínio de menores p. e p. no artigo 175º, nºs 1 e 2, al. c), do Código Penal, na pena de quatro anos e três meses de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de cinco anos e três meses de prisão. b) A arguida FF, pela prática em autoria material e em concurso efectivo de: ¾ Um crime de pornografia de menores p. e p. no artigo 176º, nº 1, als. b) e c), agravado pelo artigo 177º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão; ¾ Um crime de lenocínio de menores p. e p. no artigo 175º, nºs 1 e 2, al. c), do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de cinco anos de prisão. 3. Foram ainda julgados parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil e, em consequência, foi o demandado AA condenado a pagar à demandante FF a quantia de €15.000,00 e à demandante BB a quantia de €20.000,00, a título de indemnização, acrescidas, em ambos os casos, de juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento. 4. Inconformados com o acórdão proferido pelo tribunal de 1.ª instância, e para o que ora interessa, dele interpuseram recurso o arguido AA, quanto à matéria penal e cível, e a demandante civil BB, quanto à matéria cível, vindo o Tribunal da Relação ..., por acórdão proferido a 20 de Dezembro de 2017, a decidir: a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela demandante BB, alterando para €40.000,00 o montante indemnizatório a pagar pelo demandado AA, quantia essa acrescida de juros de mora nos termos fixados no acórdão recorrido; b) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA. 5. Inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação ..., veio o arguido e demandado civil AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à condenação penal e à condenação civil. 6. O senhor Desembargador do Tribunal da Relação ... não admitiu o recurso quanto à matéria penal e quanto à indemnização civil arbitrada à demandante CC, tendo sido apenas admitido o recurso quanto à indemnização civil arbitrada à demandante civil BB. 7. O demandado civil e arguido AA motiva o recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição): «10. Já no que tange ao valor indemnizatório, importa afirmar que o valor aplicado, segundo as regras da proporcionalidade e da adequação, mostra-se desajustado à sua responsabilidade. 11. Resulta das normas do Código Civil, nomeadamente do artigo 497.º, n.º 1, que há uma responsabilidade solidária pelo ressarcimento dos danos, quando mais do que uma pessoa contribui para a produção do mesmo. 12. Ora, de toda a prova produzida, é expresso que todos os danos que as assistentes sofrerão e continuarão a sofrer, são o resultado concertado de todos os arguidos. 13. Ou seja, quer o recorrente, quer os pais das assistentes, também arguidos, foram os responsáveis pelos vexames e exposição da intimidade a que estiveram sujeitas as assistentes. 14. O que, segundo as regras da responsabilidade solidária, era por demais evidente que houvesse uma repartição equitativa dos ressarcimentos dos danos sofridos. 15. Não se põe em causa que o valor aplicado seja o justo para compensar os danos sofridos. 16. O que se põe em causa é que estes valores recaiam exclusivamente sobre o Recorrente. 17. O tribunal a quo deveria ter, após chegar à conclusão do valor aplicado, estabelecer uma proporção daquilo que caberia ao Recorrente, uma vez que este não foi o único responsável pelos danos que as assistentes sofrem. 18. Importa ainda fazer a seguinte apreciação: os danos morais ficaram-se a dever apenas à exposição fotográfica e/ou ficaram-se a dever ao facto de terem sido os progenitores a colocarem as assistentes naquela posição? 19. Ou seja: da globalidade dos danos que as assistentes sofrem, fazendo divisão da percentagem, atribui-se mais ao facto de estas estarem expostas, por si só, ou ao facto de esta exposição ter tido o consentimento dos seus pais? 20. Não e expectável que os progenitores resguardem os filhos dos seus erros e angústias? 21. Porque motivo, o Recorrente é o único responsável por tal valor indemnizatório, quando não vemos nenhum ato por partes dos pais das assistentes para impedir que o Recorrente praticasse os atos que praticou? 22. Não era expectável que se notassem atos de dissuasão para o Recorrente não tirar fotografias e fazer filmes com as menores? 23. Tanto é assim que na gravação no Disco externo da marca “WD”; Suporte de Gravação- suporte 1; Pasta – “Z ... Filmes”; Data-20/02/2015; Fls15; Descrição: Vídeo “... 269Mb.mp4”, em que a mãe, a arguida FF, da Assistente GG ajuda o Recorrente nas gravações. Nem por um minuto, há uma manifestação da mãe da Assistente a pedir ao Recorrente para pôr termo ao sofrimento da filha. 24. Ou ainda o que está no Disco externo da marca “WD”; Suporte de Gravação – Suporte 1; pasta – “Z FF Filmes”; data – 20.02.2015; Fls. 14; Descrição: Vídeo “FF 269 mb.mp4”, em que a arguida FF, uma vez mais, dá suporte emocional à sua filha, a assistente BB, para se desnudar e se posicionar em frente às câmaras. Uma vez mais, em momento alguma, vemos uma tentativa por parte da arguida FF em convencer o Recorrente em parar com a sua intenção de gravar/fotografar a assistente. 25. Aliás, os pais da assistente GG fotografaram esta e remeteram as fotografias para o Recorrente. 26. Isto também não contribui para os danos da assistente? 27. Portanto, ainda que não tenha sido formulado PIC para os demais arguidos, a verdade é que o tribunal deveria ter arbitrado um valor global, como fez e, posteriormente, condenar o Recorrente em função da culpa desta. 28. Por todo isto, nota-se que a indemnização arbitrada torna-se excessiva e desproporcional. 29. Assim, o tribunal a quo, a decidir como decidiu, violou o artigo 497.º, n.º1 do Código Civil; as normas do artigo 40.º; 41.º;70.º; 71.º, todos do Código Penal. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverão, V. Exas. dar provimento ao presente recurso, revogando parcialmente o acórdão recorrido e por via deste reduzir o quantum indemnizatório, em função da culpa do Recorrente.» 8. O senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação ... e a demandante civil BB não responderam ao recurso. 9. Neste Tribunal, o senhor Procurador-Geral-Adjunto, na oportunidade conferida pelo n.º 1 do artigo 416.º do CPP, consignou que, não representando qualquer das partes, o Ministério Público carece de legitimidade para emitir parecer relativamente ao recurso, que se encontra limitado ao pedido de indemnização civil. 10. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o processo é julgado em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, al. c), do CPP. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação 11. É a seguinte a matéria de facto considerada provada pelas instâncias, na parte que agora interessa (transcrição): «O arguido AA, aproveitando-se da sua avantajada condição económica, e face à fragilidade económica, social e de valores individuais dos pais das vítimas, abordou estes últimos, com vista à satisfação da sua perversão sexual, nomeadamente no que se reporta à sua preferência por estabelecer contactos dessa índole com menores de idade. Para tanto, conhecedor das dificuldades financeiras desses pais, que procurava ou que o procuravam, concedia-lhes empréstimos ou tentava auxiliá-los economicamente, sem cobrar juros, mas exigindo como contrapartida, para além do pagamento integral desses montantes, que interagissem sexualmente com gravação desses momentos e que lhe remetessem fotografias onde as suas filhas figurassem despidas e em pose sexual. I - Menor BB Os arguidos EE e FF são casadas entre si e pais da vítima BB, nascida a .../1998. O arguido EE, no ano de 2010, por atravessar um período de graves dificuldades financeiras, colocou um anúncio no jornal de notícias, a solicitar um empréstimo de 5000€. Em resposta a esse anúncio, o arguido AA contactou-o e propôs-lhe conceder-se o empréstimo desde que, em contrapartida, a sua esposa – a arguida FF – lhe enviasse fotografias em bikini. Nessa altura, os arguidos EE e FF foram conduzidos até um apartamento no Porto junto ao Centro Comercial ..., mas, quando aí chegaram, o que lhes foi exigido pelo arguido AA, foi que se deixassem fotografar a ter relações sexuais, que a arguida FF recusou e, como tal, o empréstimo não se deu. A partir daí não voltaram a ter contactos com o arguido AA durante alguns anos. Em meados de 2014, em mês e data não concretamente apurados, o arguido EE voltou a contactar com o arguido AA a solicitar um empréstimo de 5000€. Nesta ocasião, o arguido AA solicitou-lhe fotografias da arguida FF em que a mesma estivesse completamente despida. A arguida FF, a pedido do marido, aceitou, tirou fotografias completamente nua e enviaram-nas por MMS ao arguido AA. O arguido AA solicitou então um novo encontro com os arguidos EE e FF, para que este os fotografasse enquanto aqueles mantinham relações sexuais, o que acabou por acontecer, em inícios de 2015, num apartamento situado no edifício denominado "...", junto ao Centro Comercial ..., no Porto. Nesse apartamento, o arguido AA, montou câmaras de registo de imagem e, através destas e de telemóveis com máquinas fotográficas, filmou e fotografou os arguidos EE e FF a manterem relações sexuais, vaginais, anais e orais. Durante as filmagens o arguido AA ainda trocou algumas carícias sexuais com a arguida FF - acariciou-lhe os seios. Apesar disso, o arguido AA não emprestou o dinheiro pretendido e solicitou àqueles que lhe entregassem documentos - um contrato da empresa que titulava ... e cópias dos bilhetes de identidade (cartões de cidadão) quer seus quer da filha menor BB e ainda que assinassem um papel em branco no qual constavam cópias dos respectivos cartões de cidadão, que justificou para a emissão de futura declaração de dívida do agregado familiar para com este. O arguido AA passou a pedir insistentemente, designadamente por via telefónica e mensagens, que a menor BB fosse usada como modelo em fotografia em situação de nudez em contexto sexualizado para satisfação do seus desejos sexuais, sendo que, a arguida FF, com conhecimento e incentivo do arguido EE, diligenciou pela captura de tais fotografias que enviou em suporte digital através do telemóvel Iphone da BB para o arguido AA que as organizou em ficheiros e guardou no seu telemóvel e equipamento informático, designadamente as imagens com as designações 72.JPG e IMG_20150205_210854.JPG, IM8749-1.JPG, IMG_20150205_210918.jpg, IMG_20150206_093534.JPG, que estão reproduzidas nos apensos IV e V dos autos que aqui se dão como reproduzidas. Em data não concretamente apurada de Janeiro ou Fevereiro de 2015, os arguidos EE e FF, acompanhados da filha e ofendida menor BB, deslocaram-se ao Centro Comercial ..., para receberem do arguido AA o montante do empréstimo prometido. Nesse local, o arguido AA informou-os que só lhe emprestaria o dinheiro se a BB aceitasse tirar fotografias nua visando também e implicitamente manter atividade sexualmente significativa com a menor BB de 17 anos - o que foi compreendido pelos arguidos EE e FF - sendo que a contrapartida que daria seria a concessão do empréstimo à família, fomentando assim a utilização da menor BB para tais fins. Os arguidos EE e FF, de modo conjunto e de comum acordo, decidiram viabilizar a utilização da sua filha menor de 17 anos na captura de fotografias pornográficas e na submissão a atos de conotação sexual significativa por parte do arguido AA, almejando obter a assinalada contrapartida económica. Assim, convenceram a filha BB, a aceitar deslocar-se ao referido apartamento no Porto e tirar fotografias nua, o que aconteceu nesse mesmo dia, tendo o arguido AA fotografado a arguida FF e a BB, juntas e nuas, em poses com conotação sexual e eróticas, tendo o arguido AA tocado nos seios de BB enquanto o arguido EE aguardava no Centro comercial. Nesse dia, o arguido AA, e como contrapartida de tais actos da menor BB, entregou 5 000€ ao arguido EE, após ter tirado as fotografias referidas onde tocou no corpo nu da menor, tendo sido fixado um prazo de pagamento do empréstimo em um mês. Como o arguido EE não conseguiu pagar o empréstimo, o arguido AA começou a ameaçar divulgar as imagens que detinha na rede social facebook e junto de conhecidos. Além disso, exigiu ao arguido EE lhe desse acesso ao escritório da firma deste em ..., bem como encontrar-se com a sua esposa - arguida FF para contactos de natureza sexual, o que veio a acontecer, por duas ou três vezes, em datas não concretamente apuradas de 2015. O arguido EE e na sequência da sua constante falta de liquidez, foi cedendo sempre às exigências do arguido AA, solicitando à esposa que convencesse a filha a deixar-se fotografar e que convencesse a filha de ambos - BB - à data ainda com 17 anos. Com efeito, a arguida FF, com o conhecimento e acordo de vontades com o arguido EE e na execução de plano conjunto, convenceu a ofendida BB, de 17 anos, a deixar-se fotografar nua pelo arguido AA e a sujeitar-se a actos sexuais por parte do mesmo, tal como era planeado e pretendido pelo arguido AA, pese embora todos saberem que a menor não gostava e não o pretendia fazer, sofrendo com o facto de estar a ser submetida a tal situação. Com efeito em execução de tal esquema, a menor foi conduzida pela arguida FF em três ocasiões ao encontro do arguido AA. Somente na acima referida primeira ocasião, o arguido EE as acompanhou, apesar de ter conhecimento e incentivar tal conduta, a qual era reiterada e insistentemente exigida pelo arguido AA para conceder empréstimos pecuniários. Na primeira ocasião, já acima descrita, que terá ocorrido em data não apurada de Janeiro/Fevereiro de 2015 no apartamento do arguido AA, localizado no edifico "..." junto ao Centro Comercial ... , o arguido pediu a BB para tirar a roupa , assim como o pediu à arguida FF e, estando em proximidade física com a menor em situação de nudez, pediu para a sentar no colo e tocou-lhe nos seios. Depois vestiram e foram ao encontro do arguido EE que as esperava no centro comercial .... Na segunda ocasião, que terá ocorrido em Março de 2015, o arguido AA foi buscar a arguida FF e a menor BB à sua residência em ... e deslocou-se com as mesmas até agências bancárias pois FF seria portadora de um cheque entregue por EE. Depois de saírem do banco foram os três a uma pastelaria lanchar, tendo seguido, de novo, para o apartamento do arguido AA no Porto, junto no .... Aí chegados, dirigiram-se para a sala, sentaram-se os três no sofá e o arguido AA deu indicação para a menor BB retirar a roupa e ficar nua, assim como FF, o que estas fizeram e começou a tirar fotografias e a filmar. O arguido filmou e fotografou a ofendida BB completamente nua, em poses, deitada num sofá e em pé, conforme orientações que o arguido AA lhe ia transmitindo «a mãe tem menos vergonha, é? É melhor virem para aqui que aqui tem mais luz, etc.». De seguida, o arguido AA pediu a BB para se sentar no seu colo e depois apalpou-lhe os seios. Subsequentemente, e com o auxílio da arguida FF, o arguido AA deu instruções à menor para se deitar no sofá, de barriga para cima e de pernas dobradas e para afastar as pernas a fim lhe filmar a zona da vagina e, nesse momento, afastou as pernas, tocando-lhe com as mãos na zona interior das coxas, apesar de menor manifestar contrariedade e chorar. Enquanto o arguido AA procedia deste modo, a arguida FF ia dizendo à filha, «ele vai ajudar-nos, não vai fazer nada de mal, não chores, sei que te está a custar muito». Com efeito, para além de fotografar, o arguido AA, filmou a região genital da BB, enquanto esta chorava, tendo para o efeito lhe aberto as coxas, enquanto lhe dizia «abre assim, não te preocupes, eu não te toco, sorri ...». Após esses atos, a menor levantou-se e foi para a casa de banho vestir-se, após o que saíram os três do apartamento e o arguido AA conduziu-as até .... Na terceira ocasião, que terá ocorrido em Agosto de 2015, o arguido AA e a arguida FF deslocaram-se na companhia da menor BB até a um armazém de que o arguido EE tinha disponibilidade de utilização situado em .... Ali, o arguido exigiu que a menor se despisse, assim como FF, tendo captado fotografias da menor em estado de nudez total e em poses com sentido e finalidade erótica e sensual, tendo também filmado tal encontro. A menor BB vestiu-se ao perceber que estava a ser filmada e, nessa altura, o arguido solicitou que tirasse de novo a camisola e o soutien para a beijar nos seios e, face à recusa da menor, deu beijo nos seios por cima da roupa. Nessa ocasião, o arguido ofereceu como contrapartida à menor BB a quantia não concretamente apurada de cerca de 50€ dizendo-lhe que era uma prenda. Nestas ocasiões, o arguido AA fotografou e filmou a menor e os encontros de natureza e significado sexual com ela mantidos e, para além destas fotografias e filmagens, o arguido AA também pedia posteriormente aos arguidos EE e FF e também à menor BB que enviassem fotografias desse cariz sexual, no que estes acederam e enviaram cerca da 10. Tais fotografias foram tiradas na residência da menor e dos arguidos sita em ... e destinavam-se, assim como todos os outros filmes e fotografias, a despertar e satisfazer a sua excitação sexual e instintos libidinosos. O arguido registou os filmes e fotografias, captadas por si ou a si enviadas, em ficheiros e guardou nos seus telemóveis e equipamentos informáticos nos seguintes termos apurados na sequência de apreensão e exame efetuados aos mesmos: a) FICHEIROS MULTIMÉDIA (IMAGENS E VÍDEOS) APENSO IV 1 - EQUIPAMENTO - BQ AQUARIS E6; SUPORTE GRAVAÇÃO - DVD 2; PASTA -"Imagens"; DATA- 02/02/2015, 04/02/2015, 06/02/2015, 08/02/2015, 11/02/2015, 21/02/2015, 06/03/2015, 08/03/2015, 09/03/2015 ; FLS. 77, 78, 86 a 88 e 93 a 103; Descrição: Diversas imagens da vítima BB vestida, mas sobretudo completamente despida. E, bem assim, imagens em que figura a sua mãe a arguida FF vestida e despida, e cópia de documentação da BB e dos seus pais. 2 - EQUIPAMENTO - BQ AQUARIS E6; SUPORTE de GRAVAÇÃO - DVD 4; PASTA -"Mosntruário"; DATA - 27/03/2015, 26/06/2015; FLS. 123, 124, 129 a 131; Descrição - Imagens da vítima BB completamente despida a exibir os seios e a vagina. 3 - EQUIPAMENTO - BQ AQUARIS M5.5; SUPORTE de GRAVAÇÃO - DVD 6; PASTA -"Z ... Filmes"; DATA - 22/03/2015; FLS. 140 e 141; Descrição - Vídeo "... 101 Mb.mp4" : Neste ficheiro é possível observar a vítima BB e a arguida FF, completamente nuas, sendo evidente o estado de revolta e de desagrado demonstrado pela primeira. O arguido AA procede à filmagem e tenta acalmar a vítima. Diz-lhes para se deitarem num sofá ali existente o que só acontece com a arguida FF. 4 - EQUIPAMENTO - BQ AQUARIS M5.5; SUPORTE de GRAVAÇÃO - DVD 6; PASTA - "Z ... Filmes"; DATA - 20/02/2015; FLS. 141; Descrição - Vídeo "... 109 Mb.mp4": Neste ficheiro é possível observar a vítima BB e a arguida FF, completamente nuas, a mostrarem-se para a câmara que o arguido AA utiliza. Vão seguindo as ordens do arguido para que possam ser captadas nas melhores condições. 5 - EQUIPAMENTO - BQ AQUARIS M5.5; SUPORTE de GRAVAÇÃO - DVD 6; PASTA - "Z ... Filmes"; DATA - 22/03/2015; Fls. 141; Descrição - Vídeo ""... 269 Mb.mp4": Neste ficheiro observa-se a arguida FF e o arguido AA a tentar convencer a vítima BB a despir-se para que seja filmada. A FF encontra-se completamente nua e a vítima, apesar das insistências dos arguidos, em choro compulsivo, recusa-se a despir-se para ser filmada. 6 - EQUIPAMENTO - BQ AQUARIS M5.5; SUPORTE de GRAVAÇÃO - DVD 6; PASTA -"Vídeos Compactados"; DATA - 22/03/2015; FLS. 146; Descrição - Vídeo "BB 51,3 Mb": Neste ficheiro, cuja duração é de apenas 35S, é visível a vítima BB a ser obrigada pelo arguido AA a deitar-se, completamente nua, no sofá. Já deitada e encorajada pela arguida FF (progenitora) a vítima começa a chorar e o arguido AA, com uma das mãos, abre as pernas da BB para filmar em pormenor a sua vagina. Pede-lhe para sorrir para a câmara, permanecendo a vítima em constante choro e revolta pela filmagem. 7 - EQUIPAMENTO - BQ AQUARIS M5.5; SUPORTE de GRAVAÇÃO - DVD 10; FICHEIRO - Pasta "X Incestuosos"; DATA -23/02/2016; FLS. 159 e 160; Descrição: Diversos ficheiros de imagem onde se expõe a vítima BB vestida e despida. b) FICHEIROS MULTIMÉDIA (IMAGENS E VÍDEOS) - APENSO V 8 - EQUIPAMENTO - Disco externo da marca "WD" ; SUPORTE de GRAVAÇÃO - SUPORTE 1; PASTA - "... Fotos"; DATA - Diferentes datas nos meses de fevereiro e março de 2015; FLS. 5 e 6; Descrição: Imagens de Documentação diversa relacionada com a ... e os seus progenitores. Imagens da arguida FF e a vítima BB vestidas e despidas. 9 - EQUIPAMENTO - Disco externo da marca "WD"; SUPORTE de GRAVAÇÃO - SUPORTE 1; PASTA - "... Fotos"; DATA - Diferentes datas nos meses de fevereiro e março de 2015; FLS. 6 a 8; Descrição : Imagens de Documentação diversa relacionada com a BB e os seus progenitores. Imagens da arguida FF e a vítima BB vestidas e despidas. 10 - EQUIPAMENTO - Disco externo da marca "WD"; SUPORTE de GRAVAÇÃO - SUPORTE 1; PASTA-"..."; DATA- 02/03/2015; FLS. 8; Descrição: Duas imagens, figurando numa a vítima BB e noutra a sua mãe, a arguida FF, estando a primeira despida e a segunda deitada numa cama a exibir a sua vagina desnudada. 11 - EQUIPAMENTO - Disco externo da marca "WD"; SUPORTE de GRAVAÇÃO - SUPORTE I; PASTA -"Z ... Filmes" ; DATA -22/03/2015; FLS. 12; Descrição: Vídeo "... 101 Mb.mp4" . Vídeo em tudo idêntico ao já descrito com a mesma designação. Contudo e, para melhor esclarecimento, transcreve-se a conversação mantida entre os intervenientes. No mesmo são intervenientes os arguidos AA e FF e a vítima BB. A filmagem, realizada pelo arguido AA, decorre no interior de um apartamento. O Arguido AA dirige-se à BB que está junto à sua mãe, a arguida FF, estando ambas nuas, dizendo o seguinte: AA: O teu pai, o teu pai tem uma coisa, sabes? O EE tem uma coisa! O WW tem uma coisa com ele! É que ele nem sequer quer ver, nem sequer a quer ver nua! E há pais sabes? Espera aí! Há pais, espera aí para eu te explicar! E há pais, há pais que até abusam das filhas e ele, ele não! De seguida, o arguido AA ordena à arguida FF para se deitar num sofá e se posicionar, exibindo os seus genitais, da maneira que ele gosta para a poder fotografar. A BB está nitidamente incomodada com toda a situação, sendo notório o seu desconforto e ouvindo-se o seu choro. A filmagem está desfocada. 12 - EQUIPAMENTO - Disco externo da marca "WD"; SUPORTE de GRAVAÇÃO - SUPORTE 1; PASTA -"Z ... Filmes" ; DATA -20/03/2015; FLS.13; Descrição: Vídeo "...a 109 Mb.mp4". Vídeo em tudo idêntico ao já descrito com a mesma designação. Contudo e, para melhor esclarecimento, transcreve-se a conversação mantida entre os intervenientes. No mesmo são intervenientes os arguidos AA e FF e a vítima BB. A filmagem, realizada pelo arguido AA, decorre no interior de um apartamento. Aquando desse ato, inicia-se o seguinte diálogo: AA: Quem é que é a mais envergonhada é a mãe ou a filha? Quem é a mais envergonhada é a mãe? FF: É a filha! AA: A mãe tem menos vergonha, é? É para tirar. É melhor vós virdes para aqui que tem mais luz, aqui assim (encaminhando-as para junto da porta de entrada, pelo lado de dentro, da habitação) AA: Ao menos mostra uma carinha engraçada! Parece que tem pouca luz! Parece que tem pouca luz pá! É, não foca bem por causa da luz! Ora ponde-vos lá dentro! Ali, ali, talvez, que eu acendo a luz de cima a ver (referindo-se à sala da habitação onde ambas se posicionam lado a lado). Grande mulher, não tem vergonha vês!? FF: Ela vergonha tem tadinha, só que ... AA: Filha da mãe! Pouca luz pá! Não foca bem por causa da pouca luz! A BB está nitidamente incomodada com toda a situação, sendo notório o seu desconforto. 13 - EQUIPAMENTO - Disco externo da marca "WD"; SUPORTE de GRAVAÇÃO - SUPORTE 1; PASTA -"Z ... Filmes"; DATA- 20/02/2015; FLS. 14; Descrição: Vídeo "... 269 Mb.mp4". Vídeo em tudo idêntico ao já descrito com a mesma designação. Contudo e, para melhor esclarecimento, transcreve-se a conversação mantida entre os intervenientes. No mesmo são intervenientes os arguidos AA e FF e a vítima BB. A filmagem, realizada pelo arguido AA, decorre no interior de um apartamento. Inicia-se o seguinte diálogo: AA: Ela vai confiar em mim! O que custou mais foi a primeira vez, o que custou mais foi a primeira vez. FF: O senhor quer-nos ajudar! Ele não vai fazer nada! Ele quer-nos ajudar. AA: Claro que não! Estou-vos a ajudar. BB: (a chorar) Mas eu não quero tirar! FF: (impercetível) do empréstimo, ele quer uma confiança como ... AA: Foi o combinado! FF: Percebes? AA: Já te disse que não te toco! FF: (impercetível) AA: Claro que não te toco! Não toco, ela pode estar tranquila que não lhe toco. Anda lá atão! Vai tirando tu que ela assim também tira. É para ter uma garantia de que vão pagar! Claro! Não levo juros nem nada! Caramba! Tanto dinheiro! Já viste quantos milhares de euros meteis ao bolso! FF: (impercetível) que o senhor também quer ir, que também tem a família à espera dele! AA: Pois tenho! Pois tenho lá a minha filha para almoçar. FF: Anda filha! BB: Não posso mais (ouve-se choro)! FF: Calma! Eu estou contigo, caramba! O senhor não te mexe! BB: Mas não quero saber! Não vou tirar! FF: Anda lá tirar aqui filha! BB: Mas eu não quero tirar! AA: Prontos! Não tira! Tem que se ligar ao EE que nada feito. FF: Ó BB anda lá! BB: Eu já tirei três hoje! (chora) FF: Ó filha é a última fotografia. (A FF está de pé nua, na sala, e a BB sentada no sofá, da mesma dependência, vestida, a chorar) AA: Só fiquei com uma, só a última é que eu guardei! FF: Anda filha! O senhor está à espera. AA: Só a última é que eu guardei! FF: Eu sei que te custa muito filha! Eu sei! Tens razão! Anda filha! AA: Só guardei a última, mais nada. FF: O senhor não te vai mexer! AA: Não toco, já lhe disse que não toco! FF: É só uma garantia! BB: Mas eu não tiro nenhuma! AA: Vais ver que eu tenho palavra! Não te toco! FF: (impercetível) AA: Eu já te disse que não te toco! FF: Anda filha! AA: Vais ver que eu que tenho palavra! FF: O senhor tem razão! (impercetível). Anda filha! AA: Eu não te toco, anda! Anda BB! Vais ver que eu que não te toco! FF: Ele está a ser nosso amigo, se fosse com outro! Queria lá saber! AA: Se fosse com outro não vos emprestava! Se fosse com outro não vos emprestava! FF: Ele tem a vida dele! AA: Eu para vir aqui faço cento e tal Km e ontem fiz trezentos e tal! Trezentos e cinquenta e nove Km que eu mandei uma mensagem ao EE e gastei trinta e tal euros de portagem, pá! Caralho! E eu não, não ando aqui a, não, percebes? Não ando aqui a semear dinheiro mas também não vos estou a explorar em nada! É uma fantasia também minha, é mais como garantia! Até é mais como garantia! Percebes! É mais como garantia! Já disse que era mais como garantia! Tira atão! FF: Anda filha! (impercetível) AA: Eu vou lá dentro que assim é mais fácil, eu chego e ela está como foi da outra vez ... FF: Ele quer ir à vida dele! Anda filha! Ui, o que é que tá te a dar!? A BB está nitidamente incomodada com toda a situação, sendo notório o seu desconforto e audível o seu choro. Acresce que os ficheiros de imagem e vídeo que visam a BB (imagens em que figura, bem como a sua mãe, a arguida FF, vestidas e despidas, documentação relativa a si e aos seus progenitores e outra) repetem-se no disco externo de marca WD apreendido nas pastas elencadas neste Apenso V a fls. 17 a 20, 27, 28, 34, 35 e 37 e também no disco rígido do computador ASUS no Apenso V a fls. 55, 56, 69 a 76 que se dão como reproduzidas. Neste contexto e como contrapartida dos atos de relevante significado sexual que o arguido praticou em relação à menor BB nos termos acima descritos, o arguido AA emprestou aos arguidos EE e FF a quantia de cerca de €8000,00 como era seu plano, os quais tinham intencionalmente facilitado e propiciado os encontros, bem conhecendo a sua finalidade e os actos sexuais que o arguido pretendia ter com a sua filha menor de idade, bem como a utilização da menor no registo em filme e imagem de que iriam ser alvo. Acresce que a arguida FF e o arguido EE, em comunhão de esforços e intenções e a troco de receber contrapartida monetária, fotografaram, enviaram fotografias e consentiram que a sua filha BB, em várias ocasiões de 2015, à data com 17 anos de idade, fosse filmada e fotografa em poses de nudez integral e em poses de cariz pornográfico pelo arguido AA, bem como que este actuasse sobre a mesma com carícias de natureza sexual, nas mamas e coxas. O arguido AA, em conluio com o casal de arguidos EE e FF, a troco contrapartida monetária, aliciou-os com sucesso a fotografarem, enviarem fotografias e consentirem que a sua filha BB, à data com 17 anos de idade, fosse filmada e fotografada em poses de nudez integral e em poses de cariz pornográfico pelo mesmo, bem como a que este actuasse sobre a mesma com carícias de natureza sexual, nas mamas e coxas. Quis e conseguiu manter atos com conteúdo e significado reportado ao domínio da sexualidade da vítima, que sabia ser menor com 17 anos, mediante contrapartida de concessão de empréstimos pecuniários aos pais da mesma. Por último, o arguido AA quis e consegui utilizar a menor BB, com 17 anos, em filmes e fotografias e guardou os correspondentes ficheiros informáticos, que continham imagens desta a sofrer atos sexuais de relevo e de partes do corpo da menor como o peito e região genital, com a intenção de, ao visionar tais imagens sexualizadas, se estimular sexualmente, com conhecimento que aquela era menor. Além disso, no dia 21.04.2016, o arguido AA detinha em seu poder e em sua casa, ..., 25 munições de calibre 32 smith & wesson Long com bala FMJ, duas munições, calibre 32 smith & wesson Long com bala em chumbo e uma munição de calibre 38 special NR CCi, carregada com múltiplos projéteis de chumbo de fina granulometria. O arguido AA conhecia as características da munições que detinha e sabia não tinha legal autorização para o efeito, e, não obstante, manteve tal conduta atuando com esse propósito conseguido. (…) Em todas as ocasiões, todos os arguidos sempre atuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas por lei. À data dos factos a ofendida BB frequentava o 9.º ano do ensino secundário, obtendo até então bom aproveitamento. Era uma pessoa feliz e tinha como propósito frequentar o ensino superior, na área do turismo. Era uma jovem alegre e socializava com os colegas e amigos. Era utilizadora de redes sociais. Mantinha com os seus pais, sobretudo com a sua mãe, uma relação de proximidade de afetividade. Com os factos vertidos na acusação, o comportamento da ofendida alterou-se. Isolou-se. Tornou-se uma pessoa emocionalmente fragilizada, passando a sentir-se amedrontada, triste, angustiada. Sentiu medo e ansiedade. Afastou-se dos amigos e o seu rendimento escolar diminuiu, acabando por abandonar o ensino secundário, em janeiro de 2016, desistindo dos sonhos académicos e de realização profissional. Viveu durante uma ou duas semanas sozinha, após a detenção dos pais e mais tarde foi acolhida pela avó. Socorreu-se de apoio psicológico para conseguir superar o que lhe sucedera, recebendo apoio psicológico através da APAV. O arguido AA é uma pessoa doente, sendo diabético e hipertenso. Tem apoio familiar, caracterizado por visitas e contactos telefónicos regulares. Encontra-se inserido na sua área de residência e laboralmente integrado. (…) Custou à FF pedir à sua filha que se despisse à frente do AA e tirar fotografias a seu pedido. Custou à FF praticar e expor a sua intimidade à frente do arguido AA. A arguida FF caiu em depressão, mantendo-se sob medicação. A comunidade donde provém não repudia a arguida FF. (…) O arguido (1) AA tem 69 anos de idade. O processo de crescimento e de socialização de AA iniciou-se em Arouca, meio rural, com os cinco irmãos e a mãe, costureira, em ambiente familiar económico e cultural humilde, com ausência do pai, precocemente falecido, do qual não tem lembrança. Concluída a 4ª classe, nível obrigatório então, foi encaminhado e recebido no espaço familiar de uma tia materna e cônjuge, sem filhos, no Porto, que intermediaram o início da sua inserção laboral como paquete, no café ..., e quando estes familiares se reformaram e mudaram para ..., já AA trabalhava numa confeitaria onde aprendia o ofício de pasteleiro, e se autonomizara. Em 1965 conheceu HH, namoraram, casaram, com dois filhos nascidos quando AA foi cumprir o serviço militar obrigatório, mobilizado em Moçambique de Julho de 1970 a Setembro de 1972; regressado à vida civil retomou a atividade de pasteleiro, o cônjuge manufacturava e vendia informalmente carteiras de senhora, e o agregado foi ampliado com mais dois filhos. Em 1975 concretizou o projeto de trabalho por conta própria, confecionando em casa serviços para festas de casamentos e eventos, até aceitar a proposta de chefe pasteleiro na Confeitaria ..., de onde veio a mudar para a atividade de confeção de elementos decorativos para bolos, que se revelou lucrativa logo do início, inscrito como industrial de confeitaria e afins. Sendo o cônjuge originária de ..., mudaram para casa arrendada situada perto dos sogros, depois adquiriram em ... casa própria já com instalações adequadas para a atividade e o negócio. No início da década de 2000 vendeu a atividade e a casa e mudou para apartamento em ..., concelho onde residem os quatro filhos, que entretanto progressivamente se foram autonomizando. Ainda em 2006 ficou concluída a construção da moradia em ... na morada a que é referenciado nos autos, onde o casal passou a residir, prescindindo do apartamento. Sem ocupação estruturada do quotidiano, em contraponto com o estilo de vida laboral intenso a que estava habituado, AA terá começado a evidenciar sinais depressivos, consultou psiquiatra e teve suporte farmacológico prescrito que acrescia à toma diária de insulina por ser doente diabético, até que, por sugestão de terceiro, seu advogado, começou a dedicar-se ao imobiliário de investimento. AA adquiria bens imobiliários, designadamente em leilões, que comercializava no prazo legal sem ónus de imposto de transação. Para o efeito constituiu empresas, a atual "..., Investimentos Imobiliários", em sociedade com HH. AA por via da referida sociedade detém património imobiliário, designadamente, vários apartamentos no Edifício ... anexo ao Centro Comercial ..., no Porto, que arrenda por contratos anuais, tendo reservado um apartamento no 11º andar, para uso próprio. No contexto da atividade, por estratégia, considerado o risco e tributações, há poucos anos decidiu divorciar-se, HH não sabe bem o motivo, mas como era o que o cônjuge queria, acedeu, sem prejuízo da manutenção da coabitação como casal. Há quatro anos, em Janeiro de 2013, na sequência do assalto na residência do casal em ..., situação em que HH esteve algum tempo sequestrada e foram furtados vários bens, decidiram adquirir o apartamento na ..., zona onde moram os descendentes, de modo a que HH estivesse ali protegida, nomeadamente nos períodos de ausência do arguido na Ilha da ... em negócios. Com referência ao período temporal a que reportam as ocorrências que originaram o presente processo, o arguido mantinha as atividades de gestão e investimento, contexto em que conheceu e existiram contactos com os coarguidos, bem como com ofendidas, designadamente, no apartamento de que é proprietário no 11 º andar do complexo ..., referenciado nos autos. A nível familiar é descrito como pessoa sempre trabalhadora e empreendedora, mas pouco afetuosa, com um trato dificil, autoritário e pouco tolerante, impulsivo, com manifestações de grandiosidade e de domínio, aspectos que conferiram dificuldades nas relações e comunicações. Atualmente, as atividades de gestão e de investimento estão a ser geridas pelo filho II. No meio residencial em ... a situação atual constitui surpresa para os vizinhos e elementos com quem se relacionava localmente, por aparentar uma inserção comunitária regular e adaptada, sem associação a qualquer tipo de atividade reprovável nem ilícita. O conhecimento do contacto de AA com o sistema penal, das ocorrências que o determinaram, com repercussão mediática divulgada amplamente, constituíram surpresa e choque para todos os familiares diretos, provocaram sentimentos de muita vergonha, HH foi lentamente apreendendo o significado da situação, confrontou o arguido, mas este nunca se mostrou disponível para a abordar. Não obstante, HH e os filhos contactados visitam semanalmente o arguido no estabelecimento prisional, assegurando-lhe apoio e as necessidades possíveis, revelando disponibilidade para o receber e ajudar no regresso ao meio livre. Pelo impacto jornalístico que a detenção provocou no meio residencial em ..., HH mudou para o apartamento em ..., onde o arguido não é conhecido e a situação não está difundida, embora se desloque periodicamente à moradia, para cuidar do espaço. Pela tipologia dos crimes, consideradas necessidades de proteção e da segurança funcional, quando ingressou no EPP o arguido foi colocado em unidade diferenciada, com restrição na movimentação e acesso a ocupação estruturada além da manutenção do espaço celular, tem-se apresentado com respeito ao regulamento interno e adaptado no relacionamento interpessoal, sendo acompanhado no serviço clínico no âmbito das necessidades em termos de saúde. Do CRC do arguido (1) AA consta uma condenação em pena de multa, proferida em 28.04.2015, pelo cometimento em 11/2006 de um crime de fraude fiscal. O arguido (2) EE tem 39 anos de idade. EE é o segundo de dez irmãos e o mais velho dos quatro elementos do sexo masculino. O seu desenvolvimento ter-se-á processado num quadro familiar de cariz relacional predominantemente tradicional e conservador, marcado pelo autoritarismo paterno, o qual não hesitaria, segundo referido, em recorrer com frequência aos castigos corporais, no tocante à supervisão educativa dos descendentes; o seu alvo preferencial, de acordo com EE, era o próprio arguido, em função, aparentemente, da sua condição de mais velho dos irmãos do género masculino. A situação económica do agregado era claramente insuficiente, de acordo com as fontes contactadas: o pai do arguido trabalhava, ainda o fazendo atualmente, na Câmara Municipal de ..., como cantoneiro e a mãe era doméstica. Para além destas ocupações, ambos se dedicavam ao cultivo de alguns terrenos agrícolas que possuíam, limítrofes à residência familiar, inserida em freguesia maioritariamente rural do município de .... O arguido completou, apenas, a antiga 4.ª classe do ensino primário. Embora se diga motivado, na altura, para a progressão escolar, as severas limitações financeiras com que se deparava o numeroso núcleo familiar, tê-lo-ão pressionado a entrar precocemente no mundo do trabalho, aos 14 anos, como aprendiz, na área da construção civil, apesar de sempre ter apoiado os progenitores nas tarefas agrícolas supramencionadas, ainda mesmo no decurso da frequência da escolaridade. Sempre manteve atividade profissional na construção civil, para diversas entidades empregadoras, inclusivamente com permanências em França, até 2014, momento em que, concretizando um sonho antigo, segundo verbaliza, criou a sua própria empresa. Casou-se aos 18 anos, alegadamente na sequência de gravidez da namorada. Têm dois descendentes, de 19 e 12 anos, respetivamente. Descreveu-nos a relação conjugal em termos de afeto e união, até ao momento em que a empresa de construção civil iniciou um processo de declínio acentuado, levando, aparentemente, EE a contrair dívidas importantes, recorrendo a financiadores menos transparentes. Incapaz de custeá-las, terá entrado numa espiral comprometedora, entre outros fatores, do contexto relacional familiar e que culminou em divórcio, muito recentemente decretado. Esta desagregação relacional terá decorrido, em simultâneo e interligação, com as circunstâncias que rodearam os presentes autos, bem como outro processo de natureza criminal (processo comum n.º 797/16.6JAPRT, Tribunal Judicial da Comarca ... Este, Juízo Central Criminal de ...) em que EE é também arguido, enfrentando a acusação de roubo agravado. Antes da prisão preventiva em curso, EE vivia com a mulher e os filhos num andar de moradia arrendado, inserido numa pequena aldeia do concelho de .... A situação económica, conforme atrás indicado, era precária, em virtude do incumprimento das diversas obrigações financeiras: o arguido dedicar-se-ia a alguns biscates de construção civil e o agregado seria, também, apoiado pela família mais alargada, principalmente através de géneros e demais produtos de primeira necessidade. Mercê do quadro jurídico-penal em que se encontram EE e a ex-mulher, o núcleo familiar desintegrou-se e os descendentes do casal vivem, presentemente, com a avó e tios matemos e, tanto quanto nos foi possível apurar, o seu quotidiano decorre de forma equilibrada. A filha mais velha (ofendida) estará laboralrnente colocada numa fábrica de confecções têxteis e o menor frequentará a escolaridade, com aproveitamento, para já, menos bem sucedido em virtude, provavelmente, do clima instável e perturbado em que tem vindo a processar-se o seu percurso mais recente. EE denota, pelo discurso e posicionamento, algum alheamento afetivo face aos descendentes e à forma como decorre o seu quotidiano. Da mesma forma, relativamente ao exconjuge, revela distanciamento emocional e reduzida capacidade de perceção e integração do funcionamento da própria relação conjugal, esta aparentemente ancorada em dimensões mais instrumentais de interação, do que propriamente em vínculos de afeto. De acordo com funcionários do Estabelecimento Prisional ... (EPP), o comportamento do arguido naquele EPP é adequado e conforme aos regulamentos vigentes; trabalha, desde há cerca de 7 meses, no bar reservado aos visitantes, aparentemente com desempenho ajustado. Não se detetaram particulares sentimentos de rejeição no meio sócio-residencial; os moradores locais antes parecem, de alguma forma, lamentar a situação do arguido, cuja origem atribuem, essencialmente, ao descalabro financeiro de EE. Do CRC do arguido (2) EE não constam condenações. A arguida (3) FF tem 38 anos de idade. FF provém de um agregado familiar numeroso (fratria de dez), sendo assinalada a boa relação entre os seus elementos. Os parcos recursos materiais disponíveis, atendendo a que o orçamento doméstico baseava-se unicamente no ordenado do pai, impeliram a que os descendentes assumissem precocemente o exercício de uma atividade laboral. Assim, FF começou a trabalhar como costureira numa empresa de confeção têxtil aos 13 anos de idade, ou seja, ainda durante o período escolar. Contudo, aos 16 anos, após a conclusão do 6° ano de escolaridade, a situação laboral ficou legalmente regularizada. De referir que o percurso escolar regista três reprovações a que a arguida atribui a dificuldades de aprendizagem e à predileção por atividades lúdicas. FF iniciou a primeira relação de namoro por volta dos 14 anos de idade com EE, co-arguido nos autos, de quem engravidou aos 16 anos, tendo contraído matrimónio aos 17 anos. Dessa relação resultou o nascimento de um segundo filho. À arguida é-lhe reconhecida competência e empenho na assunção das suas funções parentais, denotando preocupação em proporcionar aos descendentes adequadas condições de vida, seja pela satisfação das necessidades materiais, mas também pela supervisão do processo educativo e transmissão dos valores sociais. A relação conjugal é descrita como pouco funcional, situação a que não será alheia o facto do cônjuge assumir um estilo de vida pouco organizado expresso em gastos acima das suas possibilidades económicas como, por exemplo, a aquisição de viaturas. Sem outras alternativas, FF via-se obrigada a disponibilizar parte do seu vencimento para assumir as dívidas contraídas, aceitando as justificações apresentadas pelo cônjuge, situação que comprometia o bem-estar do agregado. O cônjuge desempenhava funções como empresário da área da construção civil, geralmente em França, onde permanecia a maior parte do tempo. A sua ausência obrigava a que FF tivesse que assumir as responsabilidades parentais em exclusivo e, por vezes, ter que recorrer à ajuda da família de origem e à comadre, por falta de meios económicos, sendo uma constante o atraso do pagamento da renda da casa, propriedade dos pais da comadre. A dificuldade em gerir sozinha as responsabilidades inerentes aos compromissos orçamentais e à supervisão do processo educativo dos filhos e a insatisfação da relação conjugal reflectiram-se no contexto das relações familiar e profissional, tomando-a mais facilmente irritável, segundo a própria, situação que a levou a que, há cerca de dois anos, FF consultasse um especialista da área da psiquiatria. Nessa altura, foi realizado diagnóstico de reação depressiva. Ainda, segundo a arguida, em 2014, efetuou uma tentativa de suicídio com ingestão excessiva de medicamentos, tendo sido conduzida ao hospital. Na altura a que se referem os factos constantes nos autos, e mais especificamente em 2014, o cônjuge pretendia constituir nova empresa. Uma vez que não possuía meios para o efeito, decidiu contrair um empréstimo, tendo sido neste contexto que o casal recorreu a AA, co-arguido nos autos. FF residia com o cônjuge e filhos menores, atualmente com 12 e 19 anos, cuja habitação, pela qual pagavam 275€ de renda, ficava próximo à da família de origem, sita à Rua .... O agregado deparava-se com constrangimentos de ordem económica atendendo à existência de dívidas - parte do vencimento da arguida (130€) era retida, desde há dois anos, por ordem judicial, para abatimento de dívidas contraídas pelo cônjuge, como, por exemplo, aquisição de viatura automóvel. Durante 14 anos e até à data da aplicação da medida de prisão preventiva, 22.04.2016, FF manteve-se a trabalhar como operária na empresa ... Lda Lda., situada próximo à sua residência, e auferia o ordenado mínimo nacional. No decurso da sua reclusão, os dois filhos passaram a integrar o agregado de origem da arguida, do qual fazem parte a mãe e dois irmãos solteiros. Este agregado vivencia uma situação economicamente deficitária, cujo orçamento está assente nas pensões de reforma e sobrevivência da mãe, no total de 400€, sendo que 165€ são canalizados para o pagamento da renda da habitação. A irmã e filha da arguida desenvolvem funções no sector têxtil e colaboram também no pagamento das despesas. A arguida tem intenções de, no futuro, regressar a casa dos pais e retomar funções laborais na anterior entidade laboral. No meio de inserção social, FF detém imagem positiva, sendo referenciada como uma pessoa que adopta postura adequada e apresenta-se cordial nas relações pessoais, imagem esta que perdura sem que tenham sido detetados sentimentos de rejeição face à sua presença. No EPSCB, FF assume postura adequada para com as normas da instituição, não existindo qualquer registo disciplinar. Emprega o tempo no trabalho realizado nas oficinas e, ao nível da saúde, mantém acompanhamento nas áreas da psiquiatria e psicologia. A situação de privação de liberdade tem sido vivida com angústia pela arguida, atendendo ao distanciamento para com a família, sobretudo em relação aos filhos. Mostra-se ansiosa com todo o contexto vivencial, não antevendo desde já um desfecho que lhe seja favorável. Apesar da notícia da reclusão ter causado vergonha na família, os seus elementos continuam a prestar apoio e solidariedade, que se têm materializado através das visitas regulares ao EPFSCB, posição essa que será extensível no futuro, mostrando-se o agregado de origem receptivo a recebê-la em casa. Os laços afetivos são também mantidos através de contactos telefónicos com os membros da família, com exceção da filha, vítima nos autos, respeitando a arguida a decisão judicial de proibição de contactos. Durante o período de privação de liberdade, FF solicitou o divórcio, que se consumou no princípio do ano em curso. Do CRC da arguida (3) FF não constam condenações. (…)» 12. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal superior quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro). Assim, são as seguintes as questões a apreciar relativamente à condenação em indemnização civil arbitrada à ofendida e demandante BB: a) Responsabilidade solidária (artigo 497.º do Código Civil) quanto à obrigação de pagamento da indemnização arbitrada a BB, entre o arguido AA e os progenitores de BB, também arguidos, EE e FF; b) Quantum indemnizatório arbitrado a BB, que o recorrente considera excessivo e desproporcionado. Quanto à responsabilidade solidária na condenação da indemnização arbitrada à demandante civil BB 13. Vem o demandado civil AA defender que, na indemnização arbitrada à ofendida BB, a responsabilidade civil é solidária, nos termos do artigo 497.º do Código Civil (conclusão 11), entre o próprio e os progenitores da demandante civil, os arguidos EE e FF, os quais também foram condenados pela prática dos factos penais imputados, pelo que, nessa medida, deve apenas ser condenado na proporção (divisão por percentagem) da sua culpa na produção do dano global pelo qual foi arbitrada a indemnização. Vista a decisão recorrida, verifica-se, porém, que, em momento algum, nomeadamente perante o tribunal da condenação ou no recurso interposto da decisão da 1.ª instância para o Tribunal da Relação, foi colocada a questão da responsabilidade solidária entre o arguido e demandado civil AA e os arguidos EE e FF e da fixação da indemnização na proporção e em função da participação nos factos e da culpa de cada um destes arguidos. Esta questão é suscitada, pela primeira vez, no recurso perante este Tribunal. Com efeito, diz o recorrente que não põe em causa que “o valor aplicado seja o justo para compensar os danos sofridos” (conclusão 15). “O que se põe em causa”, continua o recorrente, “é que estes valores recaiam exclusivamente sobre o recorrente” (conclusão 16), pois que os danos sofridos “são o resultado concertado de todos os arguidos”, já que “quer o recorrente quer os pais da assistente, também arguidos, foram os responsáveis pelos vexames e exposição da intimidade” a que esta esteve sujeita (conclusões 12 e 13). Assim, defende, agora, que o tribunal “após chegar à conclusão do valor aplicado”, “deveria estabelecer uma proporção daquilo que caberia ao recorrente, uma vez que este não foi o único responsável pelos danos” (conclusão 17) e limitar a sua condenação “em função da [sua] culpa” (conclusão 27), pelo que foi violado o artigo 497.º, n.º 1, do Código Civil (conclusão 29); não o tendo feito, considera o recorrente que o valor da indemnização que deverá pagar é excessivo e desproporcionado. No recurso perante o tribunal da Relação, lê-se no acórdão recorrido, sustentou o recorrente “que os montantes dos pedidos de indemnização civil arbitrados a favor das demandantes se mostram exagerados, uma vez que existem algumas fotografias em que o recorrente não tem qualquer intervenção, tendo decorrido da conduta dos progenitores” mas “do confronto das conclusões do recurso com a respectiva motivação, verifica-se que, nesta última, o recorrente não impugn[ou] os pedidos de indemnização civil, nem tão pouco lhes faz qualquer alusão”. Pelo que, “por total ausência de motivação”, a Relação não conheceu da questão. Como se vê da motivação do recurso para este Tribunal, o recorrente não questiona esta decisão do tribunal da Relação, de não conhecer da alegada relevância da comparticipação dos progenitores da vítima na prática do facto gerador da responsabilidade civil e da consequente determinação do valor da indemnização em função do grau dessa participação. Assim sendo, estamos perante uma questão que deve considerar-se como uma “questão nova”. 14. Como tem sido sucessiva e insistentemente reafirmado na doutrina e na jurisprudência, os recursos judiciais, que não servem para conhecer de novo da causa, constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na disciplina do recurso distinguir, três dimensões, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objecto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente (seguindo-se, quanto a este último aspecto, o ensinamento do Prof. Castanheira Neves, in A distinção entre a questão-de-facto e a questão-de-direito e a competência do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de «revista», Digesta, Coimbra Editora, 1995, pp. 523ss). O que significa e impõe que, verificados que se mostrem os fundamentos para recorrer, ou seja, os pressupostos da admissibilidade do recurso, o objecto do conhecimento do recurso se delimita, no seu âmbito, pelas questões identificadas pelo recorrente que digam respeito a questões que tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que devessem sê-lo, com as necessárias consequências ao nível da validade da própria decisão, assim se circunscrevendo os poderes do tribunal de recurso, sem prejuízo do exercício, neste âmbito, dos poderes de conhecimento oficioso necessários e legalmente conferidos em vista da justa decisão do recurso. A este propósito afirma-se enfaticamente no acórdão de 16.12.2015 (Proc. 641/11.0JACBR.C1.S1, rel Cons. Raul Borges, em “sumários de acórdãos”, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Criminal2015.pdf), com exaustiva indicação de doutrina e de jurisprudência deste Tribunal: “Os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões novas. Assim sendo, não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido suscitadas nem resolvidas na decisão de que se recorre. Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas. A preclusão do conhecimento pelo STJ de questões não suscitadas perante a Relação, apenas sofre as restrições advindas da natureza da questão levantada quando a sua apreciação deva ou possa fazer-se ex officio (v.g: nulidade de actos jurídicos; questões de inconstitucionalidade normativa; caducidade em matéria de direitos indisponíveis). Os recursos ordinários não servem para conhecer de novo da causa, mas antes para controlo da decisão recorrida”. Como se sublinha neste acórdão, e agora se reafirma, constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que o recurso não pode ter como objecto a decisão de questões novas, pois que este meio processual constitui apenas um “remédio processual” que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objecto de decisão do tribunal de que se recorre. Pelo que, não pode este Tribunal conhecer de questões suscitadas pela primeira vez no processo, por via do recurso, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso (acórdão de 27.05.2014, revista n.º 33/06.3TMSNT.L1.S1 - 1.ª Secção, sumário em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, Cível, apud acórdão 641/11.0JACBR.C1.S1 cit.). 15. A pretensão do recorrente, tal como vem configurada, traduz-se numa questão de direito sobre a pretensa violação do artigo 497.º do Código Civil, isto é, num problema concreto a decidir que directamente contende “com a substanciação da causa de pedir e do pedido”; não se trata de uma mera alegação com respeito a simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão (acórdãos de 17-06-2015, Proc. n.º 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1 - 3.ª Secção, in www.dgsi.pt e de 09-12-2014, revista n.º 75/07.1TBCBT.G1.S1 - 1.ª Secção, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumários de acórdão/ Civil - Ano de 2014). Pretende a recorrente que se aprecie se estamos perante uma condenação em indemnização, pelo Tribunal da Relação, no âmbito do regime de responsabilidade solidária, com repartição de responsabilidades (artigos 497.º e 512.ºss do Código Civil), sem que, anteriormente, tenha suscitado tal questão no processo. De acordo com o artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do Código de Processo Civil, ex vi do art. 4.º, do CPP, e como anteriormente se explicitou, ao tribunal de recurso não compete conhecer de “questões novas”, mas reapreciar a decisão sob recurso nas vertentes que lhe foram colocadas, a não ser que se trate de questões cujo conhecimento se mostre ser oficioso (assim, o acórdão de 16-12-2010, revista n.º 2267/05.9TBOVR.P1.S1 - 7.ª Secção). O acórdão do Tribunal da Relação não se debruçou sobre o valor da indemnização civil tendo em conta outros co-responsáveis pelos factos, ou seja, se estamos perante uma responsabilidade civil solidária na indemnização arbitrada, nem se debruçou sobre a proporção ou percentagem de responsabilidade entre os vários possíveis responsáveis civis. Não decidiu tal matéria, porque não lhe foi colocada tal questão, a qual não é de conhecimento oficioso. Pelo exposto, por inadmissibilidade legal, não se conhece da primeira questão que constitui o objecto do presente recurso. Quanto ao montante da indemnização 16. Como se referiu, o Tribunal da Relação julgou procedente o recurso interposto pela demandante civil BB e alterou, de €20.000 (vinte mil euros) para € 40.000 (quarenta mil euros), o montante da indemnização a pagar pelo demandado AA, acrescido de juros de mora. Fundamentou a decisão nos seguintes termos: “Alega a recorrente que o montante indemnizatório em que o arguido AA foi condenado é manifestamente reduzido, face à gravidade dos factos, à natureza dos crimes pelos quais foi condenado, à elevada condição económica do arguido e às consequências daí recorrentes na esfera de vida da assistente. O acórdão sob recurso fixou em € 20.000,00 a indemnização por danos morais a pagar pelo demandado AA à assistente/demandante BB, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento. Na fixação daquele montante teve em consideração “a condição económica do requerido e a natureza das ofensas, duração no tempo e sofrimento causados na ofendida”. No que toca ao quantum indemnizatório estabelece o nº 3 do aludido art. 496º que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida”. Como tem vindo a entender a jurisprudência, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico. De acordo com a matéria de facto provada a demandante BB, então apenas com 17 anos de idade, “frequentava o 9º ano do ensino secundário, obtendo até então bom aproveitamento. Era uma pessoa feliz e tinha como propósito frequentar o ensino superior, na área do turismo. [...] Com os factos vertidos na acusação, o comportamento da ofendida alterou-se. Isolou-se. Tornou-se uma pessoa emocionalmente fragilizada, passando a sentir-se amedrontada, triste, angustiada. Sentiu medo e ansiedade. Afastou-se dos amigos e o seu rendimento escolar diminuiu, acabando por abandonar o ensino secundário, em janeiro de 2016, desistindo dos sonhos académicos e de realização profissional. Viveu durante uma ou duas semanas sozinha, após a detenção dos pais e mais tarde foi acolhida pela avó. Socorreu-se de apoio psicológico para conseguir superar o que lhe sucedera, recebendo apoio psicológico através da APAV”. Quanto à situação económica do recorrente e da demandante apenas se provou que o primeiro tem uma empresa do ramo imobiliário, por via da qual detém vários apartamentos no Edifício ..., anexo ao Centro Comercial ..., Porto, que arrenda por contratos anuais, para além de uma moradia e um apartamento destinados a habitação própria e do cônjuge e que a demandante BB vive com a avó e os tios, numa situação economicamente deficitária, beneficiando apenas da pensão de sobrevivência da avó no montante de € 400,00 e do salário que a demandante aufere como operária do sector têxtil. Assim, ponderando os critérios definidos nos artº 496º e 494º do Cód. Civil, os elevados danos sofridos pela demandante, quer à data dos factos, quer posteriormente, como decorrência daqueles, o grau de culpa do demandado, bem como a situação económica global dos intervenientes, considera-se que o valor adequado a compensá-la por todos os danos não patrimoniais sofridos se deve fixar em € 40.000,00, montante equilibrado e justo até por confronto com a indemnização fixada à demandante Beatriz Cardoso. Altera-se, por isso, o montante indemnizatório a favor da recorrente BB para o montante de € 40.000,00, a que acrescem os juros fixados na decisão recorrida.” 17. Nos termos do artigo 129.º do Código Penal a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deverá ter-se em conta o disposto nos artigos 483.º, 496.º, n.ºs 1, 2 e 4, 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil: quem viola ilicitamente os direitos de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação; na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; a indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso; quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação; a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reparação natural não seja possível, e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Como tem vindo a ser afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, a indemnização prevista no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil é, mais propriamente, uma verdadeira compensação. “Não há aqui indemnização no sentido etimológico de fazer desaparecer o prejuízo, concreta ou abstractamente considerado, eliminando-o na sua própria materialidade ou substituindo-o por um equivalente da mesma natureza, como é o dinheiro em relação aos valores patrimoniais. Mas há indemnização no sentido de proporcionar ao lesado meios económicos que dalgum modo o compensem da lesão sofrida. Trata-se, por assim dizer, de reparação indirecta. Na impossibilidade de reparar directamente os danos, pela sua natureza não patrimonial, procura-se repará-lo indirectamente através de uma soma de dinheiro susceptível de proporcionar à vítima satisfações (…) contrabalançando até certo ponto os males causados” (Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., reimp., Coimbra Editora, 2014, p. 379-380). A finalidade que lhe preside é, pois, a de atenuar, minorar e de algum modo compensar os desgostos e sofrimentos suportados e a suportar pelo lesado através de uma quantia em dinheiro de modo a proporcionar um acréscimo de bem-estar que contrabalance os males sofridos, as dores e angústias suportadas. 18. O montante da indemnização deve ser calculado segundo critérios de equidade e deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Conforme se refere no acórdão de 18-02-2016, Proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2 (rel Cons. Raul Borges, sumário em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, Criminal – Ano de 2016): “IX - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º, do CC, como decorre do n.º 3 do art. 496.º do CC, sendo de atender ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso. Para além destes factores, há que ter em conta na fixação dos montantes correspondentes a compensação por danos não patrimoniais, as soluções jurisprudenciais, distinguindo-se entre três vertentes: necessidade ou não de intervenção correctiva por parte do STJ, estabelecimento do justo grau de compensação e soluções de fixação de montantes relativamente ao dano em causa, no caso, dano desgosto. Sendo certo que o juízo equitativo é critério primordial e sempre corrector de outros critérios. X - Como é entendimento praticamente unânime, há que ter em conta que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de compensação, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos. Os padrões fornecidos pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade”. No mesmo sentido, considerou-se no acórdão de 22-10-2014 (Proc. n.º 84/13.1JACBR.S1, rel Cons. Pires da Graça): “Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais (art. 496.º, n.º 1, do CC) necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». Neste sentido se decidiu também no acórdão de 13-01-2010 (Proc. n.º 213/04.6PCBRR.S1.S1, rel. Cons. Santos Cabral, sumários de acórdãos, em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/criminal2010.pdf), num caso de maior gravidade, onde se considera: ”IV - A indemnização relativa a danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica. A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso. V - A equidade surge aqui como uma concreta ponderação de razoabilidade, ao prudente arbítrio, ao senso comum dos homens e à justa medida das coisas. Porém, na determinação «equitativamente» quantificada, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado. VI - No caso concreto, recaiu sobre a vítima – menor que foi abusada sexualmente pelo arguido, a quem tinha sido confiada – um abalo intenso em termos psicológicos, em que avulta a indignidade do tratamento a que foi sujeita e a violação de direitos que constituem o âmago da sua personalidade, como a honra e a integridade física. Estão em causa a ofensa da sua liberdade e dignidade sexual, perda de auto-estima, alteração de comportamento, ansiedade, pânico, dificuldade de relacionamento com os outros, desgosto e abalo psíquico. A menor vítima foi entregue aos arguidos com base numa relação de confiança no desempenho de deveres da sua educação e protecção, os quais foram grosseiramente violados, com desprezo pela sua idade e estado de dependência em que se encontrava. Por outro lado, a dimensão económica do arguido exprime-se em termos de reduzida superfície, atento o montante dos rendimentos auferidos e os encargos que sobre si recaem. VII - A conjugação de tais factores imprime a ideia de que o montante fixado na decisão recorrida – €50.000 – é demasiado elevado, afigurando-se como equitativa a fixação do montante de €40.000 como indemnização pelos danos morais, nos termos dos arts. 494.º e 496.º do CC, em relação aos actos ilícitos praticados pelo arguido”. Como se referiu no acórdão de 18-06-2009 (Proc. n.º 1632/01.5SILSB.S1, rel. Cons. Raul Borges, em www.dgsi.pt), “Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» (Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º), «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos»”. 19. No que diz respeito à ofendida e assistente BB, estão provados os seguintes factos, considerados na fundamentação da decisão: “A demandante BB, então apenas com 17 anos de idade, “frequentava o 9º ano do ensino secundário, obtendo até então bom aproveitamento. Era uma pessoa feliz e tinha como propósito frequentar o ensino superior, na área do turismo. Era uma jovem alegre e socializava com os colegas e amigos (...). Com os factos vertidos na acusação, o comportamento da ofendida alterou-se. Isolou-se. Tornou-se uma pessoa emocionalmente fragilizada, passando a sentir-se amedrontada, triste, angustiada. Sentiu medo e ansiedade. Afastou-se dos amigos e o seu rendimento escolar diminuiu, acabando por abandonar o ensino secundário, em janeiro de 2016, desistindo dos sonhos académicos e de realização profissional. Viveu durante uma ou duas semanas sozinha, após a detenção dos pais e mais tarde foi acolhida pela avó. Socorreu-se de apoio psicológico para conseguir superar o que lhe sucedera, recebendo apoio psicológico através da APAV.” Assim sendo, levando em consideração o anteriormente exposto, atendendo ao grau de participação do demandado nos factos provados, às consequências deles resultante, agora descritas, à situação e à condição económica do arguido e da ofendida e recorrendo a critérios que são fundamentalmente de equidade, nos termos das disposições legais anteriormente citadas, tendo em conta que a justiça da decisão não se compadece com fixação de valores de compensação simbólicos, para casos em que estão em causa crimes contra a autodeterminação sexual, em que se visa particularmente a protecção do livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente face à prática de actos sexuais de relevo mediante pagamento ou outra contrapartida (artigo 174.º do Código Penal) e face a conteúdos e materiais pornográficos (artigo 176.º do Código Penal), considera-se adequada, por conforme a um juízo de proporcionalidade, uma intervenção correctiva na fixação do quantitativo da indemnização determinado no acórdão recorrido, fixando-se esta em €25.000 (vinte e cinco mil euros). Termos em que o recurso deve proceder nesta parte. III. Decisão 20. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo demandado civil AA e, consequentemente, alterando o acórdão recorrido, em fixar em €25.000 (vinte e cinco mil euros) o montante da indemnização a título de danos não patrimoniais, a pagar à demandante civil BB. Custas (cíveis) pelo demandado civil, na proporção do decaimento, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 523.º do CPP.
Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Novembro de 2018. Lopes da Mota (Relator) Vinício Ribeiro
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