Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | VÍTOR MESQUITA | ||
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS CONCURSO DE CREDORES PRIVILÉGIO CREDITÓRIO SALÁRIOS EM ATRASO | ||
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Nº do Documento: | SJ200503160012794 | ||
Data do Acordão: | 03/16/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7156/03 | ||
Data: | 11/19/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - O exequente não pode valer-se da ordem de graduação de créditos estabelecida no art. 4, n.º 4 do da Lei n.º 96/2001 de 20.08, em conformidade com o regime de privilégios nela estabelecido, se os seus créditos concorrerem com outros também reconhecidos da Segurança Social e do Estado, com privilégios constituídos e com direito a ser graduados anteriormente à entrada em vigor da citada Lei II - Gozam dos privilégios instituídos pelo nº 1 do artº 12º da LSA, antes da publicação da Lei n.º 96/2001, apenas os créditos que se prendem com o objecto dessa lei - os créditos retributivos dos trabalhadores com salários em atraso - não abrangendo as indemnizações devidas pela cessação do contrato de trabalho. III - Entre o disposto na alínea a) do nº 3 do artº 12º da Lei nº 17/86 e o prescrito nos artºs 25º da LCT e 737º, n.º 1, al. d) do CC intercorre uma relação de especialidade/generalidade, abrangendo o primeiro apenas os créditos derivados de salários em atraso e o último todos os créditos emergentes de contratos de trabalho em geral relativos aos últimos seis meses, incluindo os derivados da sua violação ou cessação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Por apenso à execução da sentença que no 1° Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, A intentou contra Fábrica B, Lda. e na sequência da penhora aí efectuada de um crédito de € 78.031,86 que a executada detém sobre a C, entretanto declarada falida, foram convocados os credores e reclamados os seguintes créditos: - pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o crédito no montante de € 62.425,50, e respectivos juros de mora, relativos a contribuições devidas à Segurança Social que a executada não pagou, nos termos do nºs 4 e 5 do DL nº 103/80, de 9 de Maio; - pelo Estado, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, o crédito no montante de € 8.500.845,12 proveniente de I.V.A., montante acrescido também de juros de mora no montante de € 8.432.803,22. Foi proferida sentença que reconheceu estes créditos e os graduou nos seguintes ternos: 1º - os créditos reclamados pelo Digno Magistrado do Ministério Público; 2º - os créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social; 3º - a quantia exequenda. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso de apelação o exequente A, sustentando que os montantes que lhe são devidos devem ser graduados e pagos em primeiro lugar por força do que estabelece o art. 12º da Lei n.º 17/86 de 14 de Junho. O Tribunal da Relação revogou a decisão recorrida, graduando os créditos do seguinte modo: 1º - o crédito exequendo na parte relativa às retribuições de Novembro de 1997 a 15 de Março de 1998, subsídio de Natal de 1997, subsídio de férias de 1996, diferenças salariais de 1984 a 1997, subsídio de alimentação de 1 de Janeiro a 15 de Março de 1990 e de 1 de Janeiro de 1997 a 15 de Março de 1998, indemnização por antiguidade e juros de mora sobre cada uma destas prestações, à taxa supletiva legal, desde a data do vencimento; 2º - os créditos da Fazenda Nacional; 3º - os créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social; 4º - o crédito exequendo na parte relativa às férias vencidas em 1 de Janeiro de 1998 e respectivo subsídio e às férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 1998. Desta feita irresignado o Digno Magistrado do Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegação com as seguintes conclusões: 1ª) A Lei n° 17/86, de 14 de Junho - Lei dos Salários em Atraso regula os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição, apenas abrangendo os créditos emergentes do contrato individual de trabalho nela regulados; 2ª) Os créditos abrangidos pelo privilégio consignado no artigo 12° da Lei n° 17/86 são apenas os relativos à retribuição - os únicos emergentes do contrato de trabalho enquanto vigente e produtor de efeitos; 3ª) A indemnização por antiguidade tem natureza compensatória-indemnizatória, e não retributiva pois não emerge do contrato individual de trabalho, apenas nascendo após a cessação desse contrato; 4ª) A indemnização por antiguidade devida por rescisão do contrato de trabalho por parte do trabalhador, com fundamento em salários em atraso, não goza dos privilégios previstos no artigo l2°, n.º 1 da LSA. Defende assim que o acórdão recorrido deve ser revogado no segmento que impugna, decidindo que a indemnização por antiguidade devida por rescisão do contrato individual de trabalho com fundamento em salários em atraso não goza dos privilégios creditórios previstos no art. 12, n.º 1 da Lei n° 17/86, graduando-se este crédito do trabalhador no lugar que lhe compete, depois dos créditos da Fazenda Nacional. O recorrido exequente apresentou contra alegações sustentando a manutenção do acórdão recorrido e, ainda, que se rectificasse o lapso consistente em não constarem da parte final do acórdão as diferenças salariais de 1982 e 1983 no valor de 206.832$00, apesar de reconhecidas no mesmo acórdão. Colhidos os "vistos" legais, cumpre apreciar e decidir. 2. Fundamentação de facto Mostra-se provada nos autos a seguinte factualidade: 2.1. O reclamado/exequente rescindiu o contrato de trabalho que o ligava à reclamada/executada, para produzir efeitos a 15 de Março de 1998, invocando a situação de salários em atraso e o disposto no art. 3° da L17/86 de 14/6 (cfr. carta junta a fls. 29 do processo declarativo). 2.2. O reclamado / exequente intentou contra a Fábrica B, Lda. acção emergente de contrato individual de trabalho, na qual foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a condenar a ré a pagar-lhe a quantia de 12.593.722$00, acrescida de juros de mora à taxa legal. 2.3. Esta sentença reconheceu ao aí A. que lhe assistiu o direito de rescindir o contrato e a reclamar o pagamento das quantias em dívida, referentes: - aos vencimentos de Novembro de 1997 a 15 de Março de 1998, no valor de 1.200.150$00; - ao subsídio de Natal de 1997, no valor de 266.700$00; - ao subsídio de férias do ano de 1996, no valor de 266.700$00; - à retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 1/1198, no montante de 533.400$00; - às diferenças salariais de 1982 e 1983, no total de 206.832$00; - às diferenças salariais de 1984, no total de 188.860$00; - às diferenças salariais de 1985, no total de 204.400$00; - às diferenças salariais de 1986, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1987, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1988, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1989, no total de 172.240$00; - às diferenças salariais de 1990, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1991, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1992, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1993, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1994, no total de 158.200$00; - às diferenças salariais de 1995, no total de 179.200$00; - às diferenças salariais de 1996, no total de 272.200$00; - às diferenças salariais de 1997, no total de 284.900$00; - ao subsídio de alimentação de 1.1.90 a 15.3.90, no montante de 734.280$00 e de 1.1.97 a 15.3.98, no montante de 250.800$00. 2.4. Em 2000.10.23, e com base na referida sentença, o reclamado instaurou a acção executiva para pagamento de quantia certa a que estes autos de reclamação de créditos se mostram apensos. 2.5. No âmbito desta execução foi pelo liquidatário judicial da C depositada à ordem dos autos a quantia de € 78.031,86 relativa a um crédito que a executada detinha sobre aquela sociedade, entretanto declarada falida. 3. Fundamentação de Direito 3.1. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente - arts. 690º, nº1 e 684º, nº3 do C Processo Civil, aplicáveis "ex vi" do art. 1º, nº2, al. a) do C. Processo Trabalho - a questão que fundamentalmente se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se o crédito do exequente A reconhecido na sentença exequenda a título de indemnização por antiguidade beneficia do privilégio mobiliário geral previsto no art° 12° , n.º 1, al. a) da Lei 17/86, de 14.06 (LSA) e se, por isso, deve ser graduado antes dos créditos do Estado. 3.2. Os privilégios creditórios mobiliários gerais constituem uma garantia real das obrigações e traduzem-se na faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros, pelo valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor, à data da penhora ou de acto equivalente (cfr. os arts.º 733º e 735º do CC). O art. 25º da LCT (Dl n.º 49408 de 69.11.24) confere protecção aos créditos laborais ao estabelecer que "os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador, gozam do privilégio que a lei geral consigna". Esta norma jus-laboral remete para o art. 737º do CC, disposição que atribui um privilégio geral sobre os móveis aos "créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses" - al. d) do n.º 1. Posteriormente a Lei n.º 17/86 de 14 de Junho (a chamada Lei dos Salários em Atraso) veio estabelecer no seu art. 12°, sob a epígrafe, "Privilégios creditórios", que: "1- Os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: a) privilégio mobiliário geral; b) (...) 2- (...). 3- A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n° 1 do art. 747° do CC, mas pela ordem dos créditos enunciados no art. 737º do mesmo código; b) (...) 4- Ao crédito de juros de mora é aplicável o previsto no número anterior." É de notar que entretanto a Lei n.º 96/2001 de 20 de Agosto que, segundo consta do sumário e título do diploma inscritos no Diário da República respectivo, "Reforça os privilégios dos créditos laborais em processo de falência e alarga o período de cobertura do Fundo de Garantia Salarial", veio a estabelecer no seu art. 4º, sob a epígrafe "Créditos dos trabalhadores exceptuados da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho", que: "1- Os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios: a) privilégio mobiliário geral; b) (...) 2- Exceptuam-se do disposto no número anterior os créditos de carácter excepcional, nomeadamente as gratificações extraordinárias e a participação nos lucros das empresas. 3- Os privilégios dos créditos referidos no n.º 1, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei". Tendo em consideração que os créditos do exequente concorrem com outros também reconhecidos nestes autos (da Segurança Social e do Estado), com privilégios anteriormente constituídos e com direito a ser graduados antes da entrada em vigor daquela lei (nº 3 do mesmo artigo), o exequente não pode valer-se do disposto no n.º 4 do citado art.º 4º, que estabelece a ordem de graduação dos créditos em conformidade com o regime de privilégios nela estabelecido (1) . Assim, esta lei não se aplica ao caso vertente. 3.3. A questão de saber quais os créditos dos trabalhadores que gozam dos privilégios instituídos pelo nº 1 do artº 12º da Lei nº 17/86 antes da publicação da Lei n.º 96/2001 - todos os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da violação ou cessação desse contrato (art. 25 da LCT e art. 737 n. 1 d) do CC) ou apenas os créditos que se prendem com o objecto dessa lei tal como se encontra delimitado no seu artº 1º (créditos dos trabalhadores com salários em atraso) - não tem merecido uma resposta uniforme da doutrina e da jurisprudência. 3.3.1. Uma corrente defende que o citado artº 12º abrange todos os créditos laborais, designadamente os derivados da cessação e da violação do contrato de trabalho. (2) 3.3.2. Outra corrente, que tem sido sufragada por alguns arestos do STJ, atribui os privilégios constantes da LSA aos créditos retributivos e também à indemnização, mas a esta apenas quando a ruptura do vínculo ocorresse nos termos da Lei n.º 17/86, com base numa situação de salários em atraso e uma vez cumpridos os requisitos e trâmites processuais previstos na lei (3) . O acórdão recorrido considerou precisamente que os créditos que beneficiam dos privilégios estabelecidos no art. 12° e que decorrem da aplicação deste regime especial, são o direito a todas as prestações de natureza retributiva em atraso, aos juros de mora a uma taxa especial e à indemnização por antiguidade em caso de rescisão com base nessa situação, apenas deles excluindo a retribuição das férias vencidas no ano da cessação e respectivo subsídio e os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado no ano da cessação por não se encontrarem abrangidas pelo regime do art. 12° da Lei 17/86 (além de não estarem em atraso aquando da rescisão do contrato, emergem do contrato e da respectiva cessação por força de outras leis). 3.3.3. Finalmente, uma corrente que constitui o entendimento maioritário da jurisprudência, e que tem obtido também o sufrágio de grande parte da doutrina, é a de que entre o disposto na alínea a) do nº 3 do artº 12º da Lei nº 17/86 e o prescrito nos artºs 25º da LCT e 737º, n.º 1, al. d) do CC intercorre uma relação de especialidade/generalidade, abrangendo o último todos os créditos emergentes de contratos de trabalho em geral relativos aos últimos seis meses, incluindo os derivados da sua violação ou cessação, e o primeiro apenas os créditos derivados de salários em atraso (4) . 3.4. A questão em análise reconduz-se a um problema de interpretação da lei atributiva destes privilégios creditórios: o artº 12º, n.º 1 da Lei nº 17/86. Há assim que proceder ao apuramento do concreto sentido jurídico-normativo deste preceito, de acordo com as regras de interpretação da lei fixadas no art. 9º, n.º1 do CC, ou seja, atendendo-se a que a interpretação não pode ater-se à letra da lei, mas deve também ter em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada. Tendo presentes estas regras, e ainda o que estabelecem os n.s 2 e 3 do art. 9.º do CC, não vemos razões para alterar o entendimento maioritário que tem feito vencimento na jurisprudência ultimamente emitida por este Supremo Tribunal e que, aliás, se ancora em fundadas razões. Com efeito, a previsão do art° 12º da Lei nº 17/86 reporta-se aos "créditos emergentes de contrato individual de trabalho" por ela "regulados", como se refere expressamente no texto da lei, o que desde logo demonstra que os privilégios não abrangem todos os créditos emergentes de contrato individual de trabalho. De acordo com o nº 1 do art° 1° da citada Lei nº 17/86 (preceito onde se define o "objecto" da lei) o seu campo de aplicação é o de reger os efeitos jurídicos especiais produzidos "pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrem", estabelecendo o seu n.º 2 que em tudo o que nesta matéria não estiver especialmente previsto na LSA, se aplica a lei geral. A letra do preceito e o seu enquadramento sistemático denotam, pois, que os privilégios creditórios nela estabelecidos se reportam aos créditos retributivos em atraso (não pagos pontualmente e que, por definição, se venceram no passado), créditos estes que a referida lei quis especialmente proteger e garantir. Esta asserção reconduz-nos ao condicionalismo circunstancial em que a lei foi elaborada, demonstrando a consonância deste entendimento com os objectivos que a LSA visou prosseguir de conferir uma protecção especial aos créditos salariais em atraso numa época - a primeira metade da década de 80 - em que este fenómeno assumiu proporções alarmantes. Para fazer face a este fenómeno a LSA (além de permitir aos trabalhadores que se encontrassem nesta situação suspender a prestação de trabalho, mantendo o vínculo e o direito aos salários em dívida ou, em alternativa, rescindir os contratos com direito a indemnização), veio conferir a estes créditos não pagos pontualmente maiores garantias de satisfação, através da atribuição de um privilégio mobiliário geral sem a restrição temporal resultante da lei civil (art° 737º, n.º 1 al. d) e n.º 2 do CC) e com um lugar substancialmente mais favorável na ordem de precedência de acordo com a qual se alinham os diversos privilégios mobiliários que incidam sobre as mesmas coisas (cfr. os arts. 747º e 737º do CC) e, ainda, através da atribuição de um privilégio imobiliário geral. Quer isto dizer que, o legislador do trabalho, perante o dramatismo assumido pelas situações de salários em atraso, julgou conveniente disciplinar a matéria dos privilégios creditórios do direito à retribuição. E fê-lo, naturalmente, como refere João Leal Amado (5) , com a intenção de dotar este crédito retributivo, cuja não satisfação colocou os trabalhadores na difícil situação a que a lei quis fazer face, de melhores e mais consistentes garantias. Por isso se compreende que o n.º 1 do art. 12, se reporte tão só aos "créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela presente lei". Como esclarece o art. 1º, n.º 1 "a presente lei rege os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrem", assim se delimitando claramente o âmbito da garantia concedida, na qual se não podem incluir créditos que não comungam da natureza retributiva, vg. os créditos indemnizatórios que emergem da violação e cessação do próprio contrato. Deve assim concluir-se que a previsão do referido art. 12º não possui a mesma amplitude da do art. 737º, n.º 1 al. d) do CC, norma que mune de privilégio, não apenas os créditos de natureza salarial, mas mais latamente "os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador". Tendo presente a unidade do sistema jurídico e procedendo à comparação entre estas duas normas, é de considerar, como se refere no Ac. do STJ de 2003.04.02 (Revista nº 3604/02 da 4ª Secção), que o legislador não incluiu na LSA a referência aos créditos emergentes da violação ou cessação do contrato de trabalho, como tinha feito na norma civilista, porque teve a intenção de estender uma protecção mais acentuada, tão só, aos créditos de natureza retributiva. O que aliás se mostra absolutamente justificado atento o carácter essencialmente alimentar da prestação salarial devida como contrapartida da prestação de trabalho e os valores humanos e sociais que lhe estão subjacentes. Também aponta neste sentido a circunstância de, não obstante a referência à "violação ou cessação" constar do projecto de lei apresentado à Assembleia da República, a mesma não ter ficado mencionada na versão final aprovada, o que denota o propósito do legislador de então de afastar dos privilégios indicados no art. 12º os créditos oriundos da violação ou cessação do contrato, como sucede com a indemnização de antiguidade decorrente da rescisão pelo trabalhador (6) . Deve ainda sublinhar-se que a natureza especial do art. 12.º da Lei n.º 17/86 constitui um forte obstáculo a que se proceda a uma interpretação extensiva no sentido de alargar a outros créditos a hipótese do art. 12º da LSA. Constituindo uma lei que "rege efeitos jurídicos especiais", como ela própria afirma no art. 1, a LSA veio estabelecer privilégios creditórios que se revestem inequivocamente de natureza especial, em face do regime geral dos privilégios estabelecido no art. 737, n.º1, al. d) e n.º 2 do CC que, pela importantíssima limitação de ordem temporal prevista na lei civil e pela sua graduação na última posição no seio dos créditos dotados de privilégio geral, se traduzia numa "assaz ténue" tutela (7) dos créditos laborais. Não é exagerado afirmar que estes privilégios creditórios estabelecidos na Lei n.º 17/86 se revestem de natureza duplamente especial pois, além de ser sempre especial a atribuição a um crédito de uma garantia legal deste tipo (ainda que estabelecida na lei civil geral, onde se definem taxativamente os créditos que gozam desta específica garantia), a própria LSA intitula-se no seu articulado como lei especial, qualificando os efeitos jurídicos que rege como "especiais" (art. 1º, n,º 1), declarando a aplicação subsidiária da lei geral (art. 1º, n,º 2) (8). Como se refere no Ac. do STJ de 2000.10.03, os privilégios são, manifestamente, efeitos jurídicos especiais, a que se refere o art.º 1, n.º 1, de que só devem beneficiar os créditos por retribuições, não pontualmente pagas, nos termos do art.º 3, n.º 1, da mesma lei, o que não é o caso da indemnização de antiguidade e dos subsídios proporcionais ao trabalho prestado no ano da rescisão do contrato, porquanto à data desta última, não estavam em atraso, ou por não serem exigíveis (subsídios), ou por não ter sequer ainda nascido o direito (indemnização) (9). Finalmente, como se salienta no recente Ac. do STJ de 2004.09.24 (Recurso n.º 2388/04 da 4ª Secção), "o facto de a Lei nº 96/2001, de 20.08 - que veio alterar o regime dos privilégios dos créditos dos trabalhadores resultantes da lei dos salários em atraso, Lei nº 17/86 (...) e dos restantes créditos emergentes do contrato de trabalho ... e bem assim a graduação dos mesmos em processos instaurados ao abrigo do CPEREF (artº 1º) - se referir a créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei nº 17/86, estabelecendo que gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral, impede que se considere que o legislador, ao limitar, no citado artº 12º, os créditos privilegiados aos derivados da situação de salários em atraso, tenha dito menos do que queria (pressuposto duma interpretação extensiva)". O mesmo se diga quanto ao preceito que regula a garantia dos créditos no Código do Trabalho ora em vigor (aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27.08). Dispõe a este propósito o art. 377º do Código que "os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação" pertencentes ao trabalhador, gozam de "privilégio mobiliário geral" e de "privilégio imobiliário especial sobre os bens móveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade" - n.º 1 als. a) e b). Quer o articulado da Lei n.º 96/2001, quer o regime plasmado no actual Código do Trabalho alicerçam também a convicção de que agora (não antes) o legislador expressamente contempla com a garantia os créditos emergentes da "violação" ou "cessação" do contrato individual de trabalho. 3.5. Concluímos pois, que a correcta interpretação do artº 12º da Lei nº 17/86 é no sentido de que apenas beneficiam dos privilégios nele estabelecidos as prestações que revistam natureza retributiva e os juros de mora, deles se excluindo a indemnização de antiguidade, vg. a indemnização prevista no art. 3º da LSA em caso de rescisão com fundamento em salários em atraso. A esta interpretação conduzem a letra da lei e os factores sistemático, a história do diploma, o elemento teleológico e a ponderação dos interesses e valores subjacentes. Logo, não cabendo o crédito exequendo relativo a indemnização por antiguidade e respectivos juros no âmbito do art° 12º daquela lei, apenas beneficia do privilégio mobiliário geral previsto no artº 737º, n° 1, d) do CC, uma vez que a mesma se venceu em 15 de Março de 1998 (data da cessação do contrato), ou seja, no período de seis meses anterior ao pedido de pagamento (uma vez que a acção declarativa foi intentada em 14 de Abril de 1998) - cfr. o n.º 2 do art. 737 do CC. Beneficiam também deste privilégio os juros incidentes sobre a indemnização de antiguidade relativos aos últimos dois anos (art. 734 do CC). E deve assim o crédito indemnizatório ser graduado após os créditos provenientes de impostos sobre o valor acrescentado (IVA) devidos à Fazenda Nacional nos termos do preceituado no art. 747 do CC, bem como os respectivos juros relativos aos últimos dois anos. Quanto aos demais juros incidentes sobre a indemnização de antiguidade, devem ser considerados créditos comuns por não beneficiarem de qualquer privilégio. No que diz respeito à posição de graduação deste crédito indemnizatório e respectivos juros (todos eles e não só os relativos aos últimos dois anos) relativamente aos créditos de contribuições para a Segurança Social, uma vez que, quanto a esta matéria, o acórdão recorrido não foi objecto de impugnação pelo IGFSS, e transitou nessa parte em julgado, mantém-se a graduação nele efectuada (cfr. o art. 684, n.º 4 do CPC). 3.6. O recorrido formulou nas suas alegações um requerimento no sentido de que se rectificasse o lapso consistente em não constarem da parte final do acórdão as diferenças salariais de 1982 e 1983 no valor de 206.832$00, apesar de reconhecidas no mesmo acórdão. A recorrente e o IGFSS foram notificados deste requerimento e não lhe deduziram oposição. É manifesto que nesta parte assiste razão ao recorrido. Em face do que prescreve o art. 667º do CPC, impõe-se a inclusão nos créditos graduados daquelas diferenças salariais 1982 e 1983 que a sentença exequenda reconheceu ao exequente, por se ter devido a manifesto lapso (que se infere dos próprios termos do acórdão - vide fls. 53, 54 e 56) a sua omissão na parte final do aresto. 4. Decisão Termos em que se decide conceder a revista, graduando-se os créditos reclamados com o crédito exequendo do seguinte modo: 1º - o crédito exequendo na parte relativa às retribuições de Novembro de 1997 a 15 de Março de 1998, subsídio de Natal de 1997, subsídio de férias de 1996, diferenças salariais de 1982 e 1983, diferenças salariais de 1984 a 1997, subsídio de alimentação de 1 de Janeiro a 15 de Março de 1990 e de 1 de Janeiro de 1997 a 15 de Março de 1998 e juros de mora sobre cada uma destas prestações, à taxa supletiva legal, desde a data do vencimento; 2º - os créditos da Fazenda Nacional; 3º - o crédito exequendo na parte relativa à indemnização por antiguidade e respectivos juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data do vencimento; 4º - os créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social; 5º - o crédito exequendo na parte relativa às férias vencidas em 1 de Janeiro de 1998 e respectivo subsídio e às férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 1998. Lisboa, 16 de Março de 2005 Vítor Mesquita, Fernandes Cadilha, Mário Pereira. ----------------------------- (1) Vide o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 11/96 (in DR I Série, de 96.11.20), que se pronunciou sobre o campo de aplicação do artº 12º, n.º 2, na sua anterior redacção, na parte em que estabelecia salvaguarda idêntica à que consta do n.º 4 do aludido artº 4º. Deve notar-se que os privilégios mobiliários gerais, consistindo numa garantia real das obrigações, se constituem aquando do nascimento da obrigação, embora só se revelem ou só se manifestem por ocasião da penhora. No âmbito da Lei n.º 17/86, o n.º 2 do art. 12º estende expressamente a concessão dos privilégios que prevê, às retribuições em falta antes da sua entrada em vigor. (2) Vide os Acs. do STJ de 99.06.01 (Rev. n.º 255/99, da 1ª Secção) e de 2002.11.26 (Rev. n.º 3525/02, da 6ª Secção), Pedro Romano Martinez, "Repercussões da Falência nos processos laborais", in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXVI, 1995, pp. 421 e sgs. e "Direito do Trabalho", Almedina, 2002, p. 567 (autor que propende, com algumas dúvidas, para este sentido) e Soveral Martins, "Legislação Anotada sobre Salários em Atraso", 1986, p. 28. (3) Vide os Acs. do STJ de 98.03.03 (in BMJ 475/548), de 99.02.09 (in CJ-STJ, I, p. 87), de 99.11.18 (Rev. n.º 848/99 da 2ª Secção), de 2001.03.01 (in CJ-STJ, I, p. 142). (4) João Leal Amado, in "A protecção do Salário", Coimbra 1993, p. 151, Salvador da Costa, in "Concurso de Credores", p. 293, Menezes Cordeiro, "Salários em Atraso e privilégios creditórios" in ROA, Julho de 1998, p. 645 e ss. e Luís Miguel Lucas Pires, "Os privilégios creditórios dos créditos laborais", in Questões Laborais, n.º 20, 2002, pp. 176 e ss, bem como os Acs. do STJ de 98.10.28 (in BMJ 480/249), de 98.11.11 (Agravo n.º 11/98, da 4ª Secção), de 99.05.19 (Agravo n.º 39/99, da 4ª Secção), de 2001.04.19 (in CJ-STJ, I, p. 194), de 2001.10.23 (Revista n.º 2837/01, da 7ª Secção), de 2002.01.15 (Revista n.º 3880/01, da 6ª Secção), de 2002.06.25 (Revista n.º 1928/02, da 6ª Secção), de 2002.10.08 (Revista n.º 2618/02, da 6ª Secção), de 2003.01.14 (Revista n.º 4145/02, da 1ª Secção), de 2003.04.02 (Revista n.º 3064/02, da 4ª Secção, proferido em conferência alargada nos termos do art. 728º, n.º 2 do CPC e com um voto de vencido), de 2003.06.12 (Revista n.º 1888/03, da 4ª Secção) e de 2004.06.24 (Revista n.º 1560/04, da 6ª Secção). (5) In ob. cit., p. 151. (6) Vide sobre este aspecto o projecto de lei n.º 2/IV apresentado à Assembleia da República pelos deputados do grupo parlamentar do PCP, citado por L.M. Lucas Pires, in estudo cit., p.178, nota 47 e no Ac. do ST de 2003.04.02. Embora não tenham valor decisivo, os trabalhos preparatórios servem, como auxiliar da interpretação - vide Oliveira Ascensão, in "O Direito - Introdução e Teoria Geral", 2ª ed., p. 365. (7) Na palavra de João L. Amado, in ob. cit., p. 144. (8) Vide Menezes Cordeiro, in estudo citado, p. 667. Também ao prescrever a existência de um "privilégio imobiliário geral" a Lei n.º 17/86 criou uma desconformidade com a lei civil, nos termos da qual os privilégios imobiliários são sempre especiais (art. 735º, n.º 3 antes da redacção que lhe foi dada pelo DL n,º 38/03 de 3 de Março, segundo a qual só os privilégios imobiliários estabelecidos no Código Civil são sempre especiais), o que também revela a natureza excepcional do regime de garantia consagrado na LSA, "com inevitáveis consequências quanto ao modo como é interpretada e aplicada" (vide Maria Adelaide Domingos, in Prontuário do Direito do Trabalho, Act n.º 64, CEJ 2003, p. 78). (9) De acordo com este aresto (proferido na Rev. n.º 76/00 da 4ª Secção e publicado na CJ-STJ, III, p. 263), a indemnização deve qualificar-se como crédito regulado pela LSA - art. 6º, al. a) -, mas exclui-se do privilégio creditório nela concedido aos créditos por retribuições não pontualmente pagas por à data da rescisão não estar em atraso em virtude de não ter ainda nascido o respectivo direito, sendo uma situação excluída da filosofia e das preocupações da Lei n.º 17/86. |