Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2773/22.0T8STB.S2
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
PERDÃO DE PENA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PENA SUSPENSA
DESCONTO EQUITATIVO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 06/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGAMENTO ANULADO
Sumário :
I - Como resulta do art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, o legislador entendeu excluir o perdão nos casos mais graves, sendo um deles precisamente aquele em que haja condenação em prisão efetiva superior a 8 anos. Na referida norma, reporta-se o legislador “a todas as penas de prisão”, sejam elas penas individuais ou penas únicas. Compreende-se a opção legislativa, que se ajusta com a liberdade de conformação do legislador, de não aplicar o perdão nos casos em que há condenação em pena única de prisão superior a 8 anos, tal como sucede quando está em causa condenação em pena individual superior a 8 anos de prisão, por em ambas as situações não estar em causa a pequena ou média criminalidade, que pode ainda beneficiar de medidas de clemência próprias das leis de amnistia. Já se está antes perante criminalidade acima da média, que podemos já classificar como mais grave e elevada. Recorde-se que, nem mesmo o facto de uma ou mais penas individuais terem sido declaradas perdoadas impede que venham a ser posteriormente, desde que se verifiquem os pressupostos dos arts. 77.º e 78.º do CP, englobadas em cúmulo jurídico e, caso seja aplicada pena única superior a 8 anos de prisão, fique sem efeito o perdão anteriormente concedido.

II - Como vem sendo jurisprudência maioritária no STJ, quando na decisão de cúmulo jurídico de penas se englobam penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, sendo aplicada uma pena única de natureza distinta (como sucede neste caso em que foi aplicada pena de prisão efetiva), por aplicação do disposto no art. 81.º, n.º 2, do CP, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena. Isso mesmo é o que resulta do disposto no artigo 81.º, n.º 2, do CP, desde a versão introduzida pelo DL 48/95, de 15 de Março.

III - Assim, a falta de determinação da medida do desconto equitativo da pena anterior aplicada no processo x, quer a falta de pronuncia sobre o desconto das medidas processuais privativas de liberdade do arguido e desconto da pena de prisão já cumprida nos processos y e z englobados no cúmulo jurídico de penas a elaborar na decisão de cúmulo jurídico, constituem uma omissão de pronúncia relevante por poderem prejudicar o arguido, nomeadamente, colocando em causa a sua liberdade (v.g. condicional) ou a sua saída antecipada, considerando o tempo desde que já está preso (desde 28.11.2018 à ordem do proc. z).

IV - Por isso, a falta de determinação da medida do desconto equitativo da pena anterior aplicada no processo x que é englobada no cúmulo jurídico e que terá de ser imputado na nova pena única de prisão efetiva que vier a ser aplicada ao arguido/recorrente, integra a nulidade do acórdão prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, primeira parte, o mesmo se passando com os demais elementos relativos ao desconto acima indicados em falta, o que exige que os autos baixem ao mesmo tribunal da 1ª instância, para aí ser suprida a referida nulidade com a prolação de nova decisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 2773/20.0T8STB do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do CPP, por acórdão proferido em 6.02.2023, foi efetuado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido AA nos processos n.º 85/17.0..., n.º 1016/14.5..., n.º 1003/17.1... e n.º 278/17.0..., sendo condenado na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

2. Inconformado com essa decisão, o arguido AA interpôs recurso, para o STJ e, por acórdão de 4.05.2023, decidiu-se declarar nulo o acórdão da Relação por omissão de pronúncia quanto ao estado das penas de substituição dos processos n.º 1016/14.5... e n.º 1003/17.1..., para apurar se podiam ou não ser incluídas no concurso de penas, sendo determinado que fosse reformulado, de modo a ser suprida a nulidade apontada, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas (relacionadas com a circunstância de, por um lado, ter sido incluída no cúmulo jurídico a pena aplicada no processo n.º 1003/17.1... que, na sua perspetiva, já tinha sido declarada extinta e, por isso, não podia ser englobada no cúmulo jurídico e, por outro lado, com a pena única aplicada de 14 anos de prisão, ser excessiva e desproporcionada).

3. Proferido, em 16.03.2024, novo acórdão pelo Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi o arguido AA condenado em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos n.º 85/17.0..., n.º 1016/14.5... e n.º 278/17.0..., na pena única de 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de prisão.

4. Não se conformando com esse acórdão, recorreu o mesmo arguido apresentando as seguintes conclusões:

1.ª Considerando a data da prática dos factos dos crimes em concurso, e a idade do arguido (nascido a ........1991) deveria ter sido aplicado o perdão de pena, consagrado nos artigos 2.º e 3 da Lei n.º 38-A/2023, de 2.8.

2.ª Isto, porque os ilícitos criminais praticados, não se mostram excluídos do âmbito da respectiva aplicação, nos termos do artigo 7.º dessa Lei.

3.ª Com efeito, quanto aos crimes de burla, estes não foram praticados através de falsificação de documentos, não se integrando por isso, na previsão do n.º 1, alínea b) e i), primeira parte, daquele artigo 7.º, que exclui a aplicação do perdão, e quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º/1-d) da Lei 5/2006, pelo qual foi condenado no âmbito do P.º 85/17.0..., este não se integra na alínea vi) do n.º 1 do mesmo artigo 7.º, excludente da aplicação do perdão.

4.ª No caso de conhecimento superveniente aplicam-se as mesmas regras do art.º 77.º/1 C. Penal: deve a última decisão que condene por um crime anterior, ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse conhecimento da prática do facto.

5.ª No conhecimento superveniente de infrações tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projetando-o retroativamente.

6.ª A formação da pena conjunta é assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida que os ia praticando – o cúmulo retrata o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido e a atitude do próprio agente emerso de condenações pela prática de crimes.

7.ª O conhecimento posterior da existência de concurso, apenas define o momento da apreciação, processual e contingente. A superveniência do conhecimento não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da 1.ª apreciação da responsabilidade penal do agente.

8.ª Assim, no momento da realização do cúmulo jurídico superveniente, as penas parcelares integrantes do cúmulo ganham autonomia e, portanto, é sobre cada uma das penas parcelares que se deve verificar da aplicabilidade do regime consagrado na Lei 38-A/2023, de 2.8, determinado em relação a cada uma destas se a mesma está abrangida ou não por esta Lei.

9.ª Só após esta verificação, é que as penas parcelares que estejam excluídas da aplicação do regime jurídico previsto na supra citada Lei é que serão contabilizadas para determinação da pena única.

10.ª Ora é o próprio tribunal recorrido que refere que, quanto aos crimes de burla e ao crime de detenção de arma proibida, cujas molduras penais integram o cúmulo, estas estão abrangidas pelo regime da Lei 38-A/2023, de 2.8 por não se mostrarem excluídos do âmbito da respectiva aplicação, nos termos do art,º 7.º desta Lei.

11.ª Deveria assim o tribunal recorrido ter aplicado a estes crimes o regime jurídico previsto na Lei 38-A/2023, de 2.8 e só após realizar o cúmulo jurídico.

12.ª A posição sustentada pelo tribunal recorrido viola os artigos 77.º e 78.º do Código Penal e a Lei 38-A/2023, de 2.8.

13.ª Finalidades de prevenção – nunca finalidades absolutas de retribuição e expiação – podem justificar e legitimar a pena, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

14.ª Tal interpretação decorre do chamado princípio da referência constitucional ou princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem dos bens jurídicos (Prof. Figueiredo Dias, As Consequências jurídicas do Crime, pp. 72-73).

15.ª Esse princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas que a culpa decide na medida da pena, ou seja a culpa não constitui apenas o pressuposto fundamento da validade da pena, mas a medida da culpa afirma-se como limite máximo da mesma pena.

16.ª Ao depararmo-nos com o disposto no art.º 71.º, n.º 2 do CP, percebemos facilmente que era intenção do legislador que ao determinar-se a pena, deveria o julgador em primeiro lugar escolher os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada.

17.ª Dispõe o art.º 40.º, n.º 1 do CP, sobre as finalidades da punição, que são a protecção dos bens jurídicos mas também, e não num plano de subalternidade a protecção e reintegração do arguido na sociedade.

18.ª A prevenção está ligada à necessidade comunitária de punição do caso concreto sendo que só se torna justificável a aplicação de uma pena se esta for realmente necessária, e quando necessária, esta deverá ser sempre aplicada na medida exata da sua necessidade e sempre subordinada a uma proibição do excesso.

19.ª Quando estamos perante uma pena excessiva, ainda que tenha sido considerada necessária, que ultrapasse o juízo de censura que o agente causador do crime mereça, essa pena é injusta.

20.ª Neste caso, entende o recorrente que o Tribunal recorrido teve principalmente em conta a função retributiva da pena, olvidando-se da função ressocializadora da mesma que tenderia a considerar que as finalidades da punição deverão ser executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.

21.ª Sr. Procurador-Geral-Adjunto Dr. Eduardo Maia Costa referiu no seu artigo “ressocialização de delinquente: Evolução e Destino” em que defende uma visão liberal e humanista, alicerçada na acentuação das medidas alternativas à prisão e na reinserção social dos delinquentes, no pressuposto, enunciado oficialmente, de que não é a gravidade das penas que constitui o antídoto eficaz ao alastramento do crime.

22.ª O STJ tem vindo a considerar impor-se um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, não se podendo fixar a decisão cumulatória pelo emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efetiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente, seu autor.

23.ª O critério especial fornecido pelo art.º 77.º, n.º 1, do CP, significa que este específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global.

24.ª O respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta (Ac. STJ de 18-01-2012)

25.ª Como se refere no Ac. do STJ de 10-09-2009, Proc. n.º 26/05.8SOLSB-A.S1 – 5.ª, - a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito expansivo sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito repulsivo que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas.

26.ª Ora, esse efeito repulsivo prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

27.ª Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.

28.ª Ora, as penas parcelares que integram o cúmulo são todas muito semelhantes, sendo a mais alta de 5 anos e a mais baixa de 6 meses de prisão.

29.ª As condutas do arguido inscrevem-se quase todas dentro do mesmo campo de actuação (crimes contra o património, crimes de burla).

30.ª Os montantes de que apoderou não foram expressivos.

31.ª Consta no relatório social, que o condenado goza de apoio familiar, quer da sua companheira quer da família alargada.

32.ª O condenado tem 32 anos de idade, sendo pai de 1 filho que nasceu já com o recorrente preso.

33.ª O instituto do cúmulo jurídico, por oposição ao do cúmulo material, é um instituto cuja aplicação tem, entre outras, finalidades que favorecem o condenado, pois a pena aplicada será sempre menor do que o somatório das penas parcelares.

34.ª Acontece que, se não fosse realizado o cúmulo jurídico superveniente, o recorrente tinha a cumprir uma pena de prisão efectiva de 8 anos e 4 meses de prisão (P.º 85/17.0...).

35.ª Todas as outras penas que entraram no cúmulo eram penas suspensas que não foram revogadas.

36.ª A pena aplicada na decisão cumulatória, de 11 anos e 8 meses de prisão quase que se fixa no limite máximo do somatório das penas sucessivas, pondo em causa os princípios que norteiam a opção do cúmulo jurídico em detrimento do cúmulo material.

37.ª Entende o condenado que o tribunal recorrido, não poderia deixar de ter em conta esta situação na determinação da pena única aplicada na decisão cumulatória.

38.ª A pena única de 11 anos e 8 meses de prisão aplicada ao arguido é claramente exagerada e desproporcional à gravidade dos factos, pois a grande maioria dos crimes trata-se de crimes contra o património, em que estão em causa quantias pequenas. Com o devido respeito, Meritíssimos Juízes Conselheiros, são aplicadas a homicidas e a traficantes penas substancialmente menores.

39.ª Como é que uma pena destas pode levar um jovem a acreditar na justiça e motivar-se para a sua reinserção social.

40.ª Quando o recorrente no estabelecimento prisional refere perante os outros reclusos a pe em que foi condenado, estes ficam estupefactos e perguntam-lhe logo se matou alguém.

41.ª A pena mais grave que integra o concurso é de 5 anos de prisão.

42.ª A atividade criminosa do arguido deve ser enquadrada numa média/pequena criminalidade, muito longe da grande criminalidade, violenta e organizada.

43.ª Neste caso, entende o recorrente que o Tribunal recorrido teve principalmente em conta a função retributiva da pena, olvidando-se da função ressocializadora da mesma que tenderia a considerar que as finalidades da punição deverão ser executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.

44.ª Devendo em consequência a pena única aplicada ao recorrente em cúmulo jurídico superveniente ser reformulada e fixada em montante que V. Ex.ªs, Venerandos Juízes Conselheiros, doutamente fixarão, mas nunca superior a 10 (dez) anos de prisão.

45.ª Houve por parte do tribunal recorrido errada aplicação dos art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, 77.º e 78.º todos do C.P e Lei n.º 38-A/2023, de 2.8

Termina pedindo o provimento do recurso e, em consequência:

- Deve ser aplicado o regime previsto na Lei 38-A/2023, de 2.8 e, caso assim não seja entendido, então

- Deve pena única aplicada ao arguido em cúmulo jurídico superveniente ser reformulada e fixada em montante que vier a ser determinado, mas nunca em montante superior a 10 (dez) anos de prisão.

Indica como normas violadas: - Art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 e art.º 71.º 77.º e 78.º todos do Código Penal; e, Lei 38-A/2023, de 2.8

5. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1ª – Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão contemplado na Lei nº 38-A/2023 de 02/08 incide exclusivamente sobre a pena única aplicada, estando, de todo o modo, limitado às penas de prisão não superiores a 8 anos – art. 3º nºs 1 e 4 do referido diploma;

2ª – Tendo o Recorrente sido condenado na pena única de 11 anos e 8 meses de prisão, não pode beneficiar de qualquer perdão ao abrigo da Lei nº 38-A/2023 de 02/08;

3ª – Os crimes em relação de concurso – cometidos entre os anos de 2014 e 2018 – perfazem um total de catorze, sendo um de roubo agravado, três de roubo simples, sete de burla qualificada, um de detenção de arma proibida, um de ameaça agravada e um de furto simples;

4ª – A pena única concretamente aplicada reflecte adequadamente a pluralidade e a variedade dos crimes em causa, a assinalável gravidade da maior parte deles, a dispersão temporal e a pertinaz reiteração das condutas criminalmente puníveis, e a personalidade do Recorrente que assim se revela (quedando-se, ainda, no primeiro terço de uma moldura balizada entre os 5 e os 25 anos de prisão);

5ª – Ao rejeitar a aplicação do perdão contemplado na Lei nº 38-A/2023 de 02/08, o acórdão recorrido não violou qualquer norma deste diploma;

6ª – Na determinação da medida da pena única de prisão o tribunal fez adequada aplicação dos critérios contemplados no art. 77º nºs 1 e 2 do C.P., sem ofender qualquer comando legal.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso interposto e seja mantido na íntegra o douto acórdão recorrido.

6. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA, no seu parecer entendeu que a decisão recorrida não violou o disposto nos arts. 71.º e 77.º do Código Penal, e da conjugação das disposições dos arts. 3.º/1 e 4.º e 7.º da L. 38-A/2023, não beneficia do perdão o condenado em pena única superior a 08 anos de prisão, ainda que o cúmulo jurídico inclua penas parcelares de prisão relativas a crimes incluídos e crime excluídos do perdão; não se mostrando excessiva e desproporcionada a penas única de prisão concretamente aplicada.

Termina concluindo que deve ser negado provimento ao recurso.

7. Não houve resposta ao parecer do Sr. PGA.

8. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

9. Com interesse para a decisão deste recurso consta do acórdão impugnado, o seguinte:

1. O arguido/recorrente foi julgado no Pº 85/17.0... que correu os seus termos pelo Juízo Central Criminal de ..., J4 e condenado: pela prática, entre 13.1.2017 e 13.1.2018, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º/2-a) e b) e 204º/1-a) do Código Penal, na pena parcelar de 5 anos de prisão; de três crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º/1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um; de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º/1 e 218º/2-c) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; de 3 crimes de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º/1 e 218º/2-c) do Código Penal, na pena especialmente atenuada, de 1 ano de prisão por cada um, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º/1-d) da Lei 5/2006, na pena de 9 meses de prisão e pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º/1 e 155º/1-a) do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão.

O acórdão condenatório transitou em julgado a 1.10.2020 – cfr. certidão a fls. 186.

[os factos que ditaram as anteditas condenações, fundaram-se;

a) - Quanto ao crime de roubo agravado, na circunstância de o arguido, no dia 11.4.2017, ter abordado a ofendida, que à data tinha 81 anos de idade, fazendo-se passar por seu conhecido, conseguindo convencê-la a ceder-lhe alianças em ouro que usava, e simulando um exame ao contraste dos anéis, pulverizar-lhe os olhos com substância desconhecida, atordoando-a, retirando-lhe através de puxões, 4 anéis que a mesma usava, uma gargantilha e uma bolsa que trazia, objectos no valor global de € 9 700,00, tendo-a arrastado quando a mesma tentou alcança-los, causando-lhe ferimentos que determinaram tratamento médico, bem como os elementos atinentes ao dolo e à consciência da ilicitude;

b) - Quanto a três dos crimes de roubo simples, na circunstância de o arguido, no dia 3.4.2017 ter interpelado ofendida à data com 91 anos de idade, fazendo-se passar por seu conhecido, conseguindo convencê-la a exibir os anéis em ouro que usava, e aproximando-se, pulverizar-lhe os olhos com substância desconhecida, atordoando-a, retirando-lhe através de força física, os ditos anéis, que tinham um valor não inferior a € 5 000,00, no dia 1.5.2017, ter-se aproximado da ofendida, à data com 70 anos de idade, agarrando-a pela mão e torcendo-lhe um dedo, puxando um anel em ouro que a mesma usava, que valia não menos que € 600,00; e no dia 3.8.2017, ter abordado ofendida à data com 83 anos de idade, convencendo-a a estender a mão para mostrar os anéis que trazia, e puxando-lhe um anel em ouro de valor não apurado, que a mesma trazia no dedo, em todas as situações se demonstrando os elementos atinentes ao dolo e à consciência da ilicitude;

c) – Quanto aos dois crimes de burla qualificada, na circunstância de o arguido no dia 23.12.2016, ter abordado ofendida, à data com 75 anos de idade, com a qual dialogou, oferecendo-lhe um presente, e fazendo-se passar por funcionário de estabelecimento comercial, exibir-lhe o “router” que inicialmente lhe disse ser oferta, solicitando-lhe quantia monetária, induzindo-a a dirigir-se a um terminal ATM, e a levantar primeiro € 200,00, e depois, mais € 50,00 e por fim, € 100,00, montantes que o arguido fez seus, e no dia 16.5.2017, ter abordado ofendida, à data com 84 anos de idade, fazendo-se passar por um conhecido seu, dizendo-lhe que ia abrir uma ourivesaria e que queria convidá-la para a inauguração, dizendo-lhe pretender usar os anéis em ouro que a mesma trazia, que valiam não menos do que € 2 100,00, como modelo para os que pretendia comercializar, convencendo-a a entregar-lhos, acabando por fazê-los seus, em ambas as situações se demonstrando os elementos atinentes ao dolo e à consciência da ilicitude;

d) - Quanto aos 3 crimes de burla qualificada, com pena especialmente atenuada, na circunstância de o arguido, no dia 18.9.2017, ter abordado ofendida, à data com 78 anos de idade, convencendo-a ser funcionária de estabelecimento comercial, e a adquirir um televisor de alta qualidade por um valor promocional, induzindo-a a deslocar-se a uma caixa ATM, e a levantar e entregar ao arguido a quantia de € 200,00, que este fez sua; no dia 14.4.2017, ter abordado ofendida, à data com 76 anos de idade, fazendo-se passar por funcionário de estabelecimento comercial, propondo-lhe vender artigos electrónicos que tinha no interior de um saco com o logotipo do dito estabelecimento, pelo preço promocional de € 100,00, levando-a a aceitar comprá-los, entregando-lhe € 100,00 em dinheiro, tendo-lhe entregado o arguido a caixa vazia de um televisor, e feito sua aquela quantia; no dia 13.1.2018, ter abordado ofendido à data com 76 anos de idade, fazendo-se passar por um conhecido seu, identificando-se como gerente de estabelecimento comercial, aliciando-o com a oferta de dois “tablet” e exibindo-lhe um “router” que disse tratar-se de uma box de TV e valer € 1000,00, oferecer-se para lho vender por € 400,00, induzindo-o a ir a um terminal ATM, e efectuar dois levantamentos, de €200,00 e de €100,00, respectivamente, entregando tais quantias ao arguido, que em troca lhe deu dois “tablet” avariados e um “router” com um valor inferior a € 10,00, em todas as situações se demonstrando os elementos atinentes ao dolo e à consciência da ilicitude;

e) – Quanto ao crime de detenção de arma proibida, na circunstância de o arguido, no dia 1.7.2017, trazer no interior da viatura em que se fazia transportar, uma faca com cerca de 30 cm de comprimento, com a qual avançou em direcção de terceiro, que no entretanto fugiu, e bem assim, os elementos respeitantes ao dolo e à consciência da ilicitude].

2. O arguido/recorrente foi julgado no Pº 1016/14.5..., do Juízo Local Criminal de ..., e condenado pela prática, a 19.07.2014, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º e 218º/2-c) do Código Penal, e de um crime de furto simples, p.e p. pelo artigo 203º/1 do Código Penal, respectivamente, nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, e de 14 meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de pagamento de quantia a ofendida.

A sentença condenatória transitou em julgado a 16.11.2017 – cfr. certidão de fls. 34.

Tal suspensão foi revogada, tendo a respetiva decisão, mercê da interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, transitado em julgado, a 18.01.2024 – não havendo, por isso, extinção da pena.

[os factos que ditaram a antedita condenação, fundam-se na circunstância de o arguido, na assinalada data, ter avistado ofendida, à data com 83 anos de idade, a entrar no seu prédio, tendo-a chamado, e dizendo ser primo seu, insistir em oferecer-lhe uma prenda que disse trazer num embrulho fazendo com que esta acedesse a que o arguido entrasse na sua casa, no interior da qual lhe mostrou um jogo de lençóis, tendo verificado que a mesma tinha à vista uma pulseira de ouro comprada por 500 escudos, há 50 anos atrás, e um anel em ouro em valor não inferior a € 700,00, e convencendo-a que ia abrir uma loja, e carecia de dinheiro, persuadi-a a entregar-lhe € 300,00, convencendo-a de que sairia por um instante para acertar uma conta na dita loja, tendo saído com esse dinheiro que fez seu, e com os objectos em ouro, que retirou do local onde estavam, num momento de distracção daquela, mais se tendo demonstrado os elementos respeitantes ao dolo e à consciência da ilicitude].

3. O arguido/recorrente foi julgado no Pº 1003/17.1..., do Juízo Central Criminal de ... e condenado pela prática, no dia 8 de Fevereiro de 2018, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º/1-c) da Lei 5/2006, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

O acórdão condenatório transitou em julgado a 29.6.2020 – cfr. certidão de fls. 139, tendo sido tal pena, declarada extinta.

4. O arguido/recorrente foi julgado no Pº 278/17.0..., que correu os seus termos pelo Juízo Local Criminal de ... e condenado pela prática, no dia 27.6.2017 de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º/1, e 218º/2-b) do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova.

A sentença condenatória transitou em julgado a 2.6.2021 – cfr. certidões a fls. 153 e 3 e ss.

[os factos que ditaram a antedita condenação, fundam-se na circunstância de o arguido, na assinalada data, ter abordado ofendido, dizendo-lhe ser funcionário de um estabelecimento comercial, e ter uns perfumes para lhe oferecer, e indo buscar um “router”, solicitou-lhe que lho comprasse por € 400,00, porque se o fizesse lhe daria outro, só para se livrar da mercadoria (valendo os routers que o arguido tinha, € 10,00 cada um), induzindo o ofendido a ir a um ATM, levantar dinheiro, o que o mesmo fez, acabando o arguido por retirar os € 200,00 que foram dispensados pela máquina em causa, mais se tendo demonstrado os elementos atinentes ao dolo e à consciência da ilicitude].

*

O processo mostra-se adequadamente instruído, com certidão das decisões condenatórias proferidas nos processos e tribunais aludidos, e nota de trânsito em julgado e com o CRC do arguido.

*

Realizou-se a audiência a que alude o artº 472º do CPP, a qual decorreu na ausência do arguido, com respeito pelo legal formalismo, tal como da acta consta.

II. Fundamentação

A) - Das condenações sofridas pelo arguido:

Conforme se extrai da instrução do processo vertente, correspondem às que acima foram aludidas e resultam da leitura dos autos e das certidões juntas aos mesmos (“supra” identificadas em folhas respectivas).

B) - Das condições pessoais e sociais do arguido

O arguido encontra-se em cumprimento de pena no EP. de .......

Do seu relatório social, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, consta com relevo:

“(…) A socialização primária de AA decorreu segundo a cultura ... numa família constituída pelos pais e irmãos, sendo o arguido o elemento mais velho da fratria, referindo um ambiente gratificante do ponto de vista afetivo entre todos os elementos. Em termos socioeconómicos afere-se uma dinâmica organizada, mas carenciada, uma vez que os rendimentos do agregado familiar provinham exclusivamente dos obtidos como feirantes em feiras e mercados.

Após a invalidez da figura paterna devido a problemas de saúde, a mãe do arguido passou a exercer a atividade profissional como doméstica em casas particulares. Em termos escolares afere-se um percurso desinvestido e com absentismo elevado, tendo concluído o 1.º ciclo com 11 anos e abandonado definitivamente a sua formação escolar.

Ao nível profissional iniciou, ainda que em contexto familiar, a venda ambulante em feiras e mercados, numa primeira fase junto dos pais, e a partir dos 19 anos com a companheira. Em termos afetivos mantém a relação com (…), de quem tem um filho, atualmente com 18 meses, avaliada como gratificante do ponto de vista dos afetos e da cooperação conjugal, sendo que passou a conviver mais com a família da companheira do que com o seu núcleo de origem.

(…)

No lapso temporal que constitui referência à factualidade considerada para efeitos do presente cúmulo jurídico, AA vivia em união de facto com (…) na Cidade de .... Exerciam a atividade de ... em parceria com outros familiares, sem que fossem detentores de quaisquer licenças para o efeito.

Ao longo da reclusão tem contado com o apoio financeiro da família de origem e da companheira, familiares com quem mantém contactos telefónicos regulares. Projeta no futuro residir com a companheira e filho de ambos, uma vez que avalia a relação afetiva como fundamental para o seu equilíbrio psicoemocional. Ao nível da empregabilidade, AA equaciona retomar a atividade de ... com a companheira e outros familiares.

O projeto de vida futuro de AA não difere do mantido até à data da reclusão e o sucesso do mesmo dependerá essencialmente das capacidades para reconhecer as suas fragilidades pessoais, tentando corresponder ao esperado e desejável socialmente, aspetos que avaliamos nesta fase de forma ainda muito reservada, atendendo assinalarem-se défices ao nível da interiorização dos princípios e regras de conduta convencional, o que remete para fragilidades intrínsecas.

(…)

AA cumpre pela primeira vez pena em regime penitenciário (…). Relativamente às reações penais aplicadas, o arguido assume uma postura pouco crítica e fraca consciência quanto às consequências da sua conduta criminal, minimizando a sua responsabilidade. Constata-se distanciamento quando aos danos causados às vítimas e impacto na sociedade em geral, bem como dificuldades em reconhecer os bens jurídicos protegidos, apesar de possuir competências para destrinçar condutas associais e pró-sociais.

Pelo que é dado a observar e, atendendo ao seu percurso de vida, designadamente no que respeita ao contacto com o Sistema da Justiça, mantém na atualidade a tendência para isentar-se da reflexão sobre os seus padrões comportamentais desfavoráveis às convenções sociais. Ao nível pessoal surge-nos como um indivíduo com competências para a interação social, evidenciando uma postura adequada e colaborante, ainda que sedutora/apelativa.

Pelo discurso apresentado, demonstra necessidades de intervenção no sentido da minoração de fatores com potencial de desvio sociojurídico, com especial realce para os de ordem pessoal – atitudes minimizadoras da ilicitude criminal, défices nas competências de pensamento consequencial/alternativo, de descentração e de responsabilização. A execução da pena privativa tem-se caracterizado, maioritariamente, pela capacidade de adequação comportamental aos normativos institucionais a que está sujeito. A última medida disciplinar foi averbada em novembro de 2022 - 5 dias de permanência obrigatória no alojamento.

O arguido frequenta desde outubro de 2022 curso de dupla certificação EFA B3 na área da eletromecânica e verbaliza interesse para investir na aquisição de competências pessoais e profissionais. Até ao momento da frequência escolar, a sua envolvência nas atividades existentes nos estabelecimentos prisionais foi maioritariamente direcionada para a prática desportiva. Ainda não iniciou as medidas de flexibilização da pena de prisão. Em termos familiares, a sua reclusão parece não ter acarretado outros impactos para além dos de natureza emocional (…)”.

10. O Direito

As questões que o recorrente coloca no recurso prendem-se, por um lado, com o facto de entender estar em condições de beneficiar do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, quanto aos crimes de burla, uma vez que não foram cometidos através falsificação de documento e quanto ao crime de detenção de arma proibida, que lhe deve ser aplicado antes de realizado o cúmulo jurídico, não concordando com a interpretação feita pelo tribunal recorrido quando não lho aplicou por ter sido condenado em pena única superior a 8 anos de prisão e, por outro lado, por considerar a pena única imposta de 11 anos e 8 meses de prisão, excessiva e desproporcionada à gravidade dos factos, por se tratarem quase todos de crimes contra o património, estando em causa quantias pequenas, sendo ele um jovem que deve ser motivado para a sua reinserção social, tendo o tribunal se motivado principalmente pela função retributiva em vez de ser pela função ressocializadora, devendo, em consequência, a pena única ser reduzida e nunca superior a 10 anos de prisão, tendo em atenção também o desconto equitativo quanto às penas suspensas englobadas no cúmulo jurídico.

Com interesse para este recurso, escreveu-se ainda na decisão impugnada o seguinte:

III. Dos pressupostos do cúmulo jurídico.

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar e julgado a condenação por qualquer deles, e condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” – artº 77º/1 do C. Penal.

E;

“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior – artº 78º/1, “idem”.

Por seu turno, diz-nos o nº 2 deste preceito normativo:

“O disposto no número anterior é ainda aplicável no caso de todos os crimes terem sido objecto separadamente de condenações transitadas em julgado.”

É o caso dos autos, em que se verifica, uma situação de cúmulo entre as penas em que o arguido foi condenado, nos processos elencados de 1. 2. e 4., acima melhor identificados, sendo os últimos (278/17.0...), os competentes para a respectiva elaboração, por neles ter sido proferida a última decisão condenatória transitada em julgado, tendo havido lugar a distribuição autónoma, como processo de cúmulo jurídico, por a moldura penal abstracta das penas a cumular, ultrapassar a alçada do tribunal que proferiu aquela decisão (ditando a sua distribuição, sob com o nº 2773/22.0T8STB, a este Juízo Central Criminal).

IV. Da determinação da pena unitária a aplicar

Nos termos previstos pelo artº 77º/2 do C. Penal;

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Nos autos;

O limite mínimo a ponderar é de 5 anos de prisão, e o limite máximo de 25 anos (por se tratar do máximo legalmente previsto, posto que a acumulação material das penas perfaria 28 anos e 9 meses de prisão).

Na determinação em concreto da pena única, pondera-se;

Desde logo, que o princípio da proibição da dupla valoração impede que se considerem novamente como factores agravantes ou atenuantes, as circunstâncias que anteriormente alcançaram o mesmo desiderato na fixação das penas parcelares.

Na fixação da pena única dentro dos limites definidos na Lei O STJ tem vindo a entender, com Figueiredo Dias, “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291”, que “na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira” criminosa), ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante”.

Dos elementos constantes dos autos, resulta que os factos praticados pelo arguido ocorreram num lapso de tempo significativo (entre 19.7.2014 a 27.06.2017) com evidente multiplicidade, em tudo demonstrativa não apenas de uma tendência, mas antes, de uma verdadeira “carreira” criminosa.

Com efeito, o número de crimes de roubo e de burla praticados, não nos pode levar a crer senão em que o arguido fez da prática desses ilícitos penais, no decurso desse período, modo de vida (a eles acrescendo um crime de furto simples, e dois crimes de detenção proibida de arma), aproveitando-se da fragilidade de pessoas idosas que abordava (como resulta da leitura dos acórdãos), para aceder ao património destas, fazendo-o seu.

O prejuízo causado com a sua conduta (que, contas feitas, ascendeu a um montante global não inferior a € 19. 540,00) espelha a grandeza da sua actividade criminosa, pois que ninguém negará tratar-se de montante assinalável (para além, como é óbvio, no que tange aos crimes de roubo, o susto, e em duas situações, as dores causadas).

Patenteia-se, por isso, a significância da gravidade das consequências da sua conduta, reclamando esta, idêntico juízo na determinação em concreto da pena.

Por fim, o seu relatório social acima parcialmente transcrito, reforça pela negativa as exigências de prevenção especial, dele se colhendo a falta de habilitações técnicas que propiciem ao arguido um sustento sólido, que o afaste do cometimento de crimes contra o património (posto que estes, como já se referiu, parecem ter sido o seu modo de vida -, a sua actividade na venda ambulante, que exercia aquando do seu cometimento, e que projecta vir a continuar, não o inibiu do respectivo cometimento, que na sua avaliação global, surge como modo de auferir ganhos financeiros), e a ausência de consciência autocrítica (minimiza a sua responsabilidade, e demonstra distanciamento quando aos danos causados às vítimas, e dificuldades em reconhecer os bens jurídicos protegidos, apesar de possuir competências para destrinçar condutas associais e pró-sociais).

Por fim, o seu percurso reclusivo parece não ter potenciado ainda, contributo de ressocialização significativo, na medida em que, sendo a sua primeira experiência quanto à vivência nessa situação, e a execução da pena de prisão se caracterizar maioritariamente (regista já, infracção disciplinar), pela capacidade de adequação comportamental aos normativos institucionais a que está sujeito, e frequentar curso de dupla certificação na área da electromecânica, verbalizando interesse em investir na aquisição de competências pessoais e profissionais, tal não anula a ausência de consciência autocrítica que se assinalou, que inculca a ideia de que o caminho de reintegração do arguido, será ainda longo.

Por isso, tem-se por adequado e proporcional fixar em 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de prisão, a pena única a aplicar ao arguido, pela prática dos crimes em relação de concurso.

*

Da ponderação quanto à aplicação do perdão de pena, consagrado na Lei 38-A/2023, de 2.8.

Considerando a data da prática dos factos dos crimes em concurso, e a idade do arguido (nascido a ........1991) resta, por fim, ponderar sobre a aplicação do perdão de pena, consagrado nos artigos 2º e 3, da citada Lei.

Isto, porque os ilícitos criminais praticados, não se mostram excluídos do âmbito da respectiva aplicação -, nos termos do artigo 7º dessa Lei.

Com efeito, quanto aos crimes de burla, estes não foram praticados através de falsificação de documentos, não se integrando por isso, na previsão do nº 1, alínea [b)-i)], primeira parte, daquele artigo 7º, que exclui a aplicação do perdão, e quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º/1-d) da Lei 5/2006, pelo qual foi condenado no âmbito do Pº 85/17.0..., este não se integra na alínea [vi)] do nº 1 do mesmo artigo 7º, excludente da aplicação do perdão.

Contudo, encontramo-nos no domínio de uma ponderação feita por referência a uma pena única, que emerge de uma relação concursal.

Ditando o artigo 3º nº 4 da citada Lei, que a aplicação do perdão a que haja lugar, incidirá sobre a pena única.

Ou seja, será sobre e tendo por referência a pena única acima referida, que se aquilatará da possibilidade de aplicação desse perdão.

Nessa medida, ditando o artigo 3º nº 1 da Lei ora em apreço, a aplicação do perdão de 1 ano de prisão, a todas as penas de prisão até 8 anos, e considerando que a pena única a que nos autos se aporta, é de 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de prisão, facilmente se infere que esta excede, na respectiva dosimetria, o limite máximo previsto para essa aplicação.

E tal é quanto basta, para que se conclua pela não aplicação nos autos, do perdão de pena.

*

11. Vejamos então as questões colocadas pelo arguido/recorrente.

1ª Questão (sobre a não aplicação do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08)

Como referido, o arguido/recorrente entende, considerando a data da prática dos factos e a sua idade (nasceu em ........1991), estar em condições de beneficiar do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, quanto aos crimes de burla, uma vez que não foram cometidos através falsificação de documento e quanto ao crime de detenção de arma proibida (por não estarem excluídos no seu art. 7.º), perdão esse que lhe deve ser aplicado antes de realizado o cúmulo jurídico, não concordando com a interpretação feita pelo tribunal recorrido quando não lho aplicou por ter sido condenado em pena única superior a 8 anos de prisão, invocando, para o efeito, o disposto no seu art. 3.º, n.º 1.

Pois bem.

É certo que todos os factos relativos aos crimes de burla em concurso pelos quais foi condenado se reportam a data anterior a 19.06.2023 (mais concretamente ao período entre 2016 e 2018) e que o arguido/condenado tinha então menos de 30 anos, visto que nasceu em 30.03.1991.

Também é verdade que os crimes de burla foram cometidos sem ser através do crime de falsificação de documento (não se integrando na previsão do art. 7.º, n.º 1, al. b), i) da citada Lei n.º 38-A/2023) e que o crime de detenção de arma proibida, pelo qual foi condenado no proc. n.º 85/17.0..., era o p. e p. no art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006 (não se integrando na previsão do art. 7.º, n.º 1, iv, da mesma Lei n.º 38-A/2023).

Estabelece o art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023 que “Sem prejuízo do disposto no n.º 4, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.”

Portanto, com aquela ressalva do nº 4, o perdão aplica-se a todas as penas de prisão até 8 anos.

Isso significa que o legislador entendeu excluir o perdão nos casos mais graves, sendo um deles precisamente aquele em que haja condenação em prisão efetiva superior a 8 anos, como resulta do mesmo art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023.

Reporta-se o legislador à pena concretamente aplicada, seja ela individual ou seja a pena única?

Dir-se-á que se reporta a todas as penas de prisão, como consta do art. 3, n.º 1, citado, sejam elas penas individuais ou penas únicas1.

Claro que a pena única, sendo autónoma é também distinta da pena individual.

E, é verdade, como argumenta o recorrente, que quando se reformula um cúmulo jurídico efetuado, por exemplo, as penas individuais do anterior cúmulo jurídico realizado, adquirem autonomia.

No entanto, isso não colide com a vontade do legislador quando estabelece no art. 3.º, n.º 4, da mesma Lei n.º 38-A/2023, que “Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.”

Compreende-se a opção legislativa, que se ajusta com a liberdade de conformação do legislador, de não aplicar o perdão nos casos em que há condenação em pena única de prisão superior a 8 anos, tal como sucede quando está em causa condenação em pena individual superior a 8 anos de prisão, por em ambas as situações não estar em causa a pequena ou média criminalidade, que pode ainda beneficiar de medidas de clemência próprias das leis de amnistia.

Já se está antes perante criminalidade acima da média, que podemos já classificar como mais grave e elevada.

Ora, tratando-se estas leis da amnistia e perdão de leis que estabelecem medidas de clemência também excecionais (art. 11.º do CC), não admitem interpretações que vão além do seu texto, o que significa, desde logo, que não se podem fazer interpretações analógicas, nem interpretações que vão além dos seus precisos termos2.

Foi o legislador que escolheu - como podia, no âmbito dos seus poderes - o momento em que era aplicado o perdão em determinadas situações que indicou, como sucedeu quando há condenação em cúmulo jurídico, caso em que o perdão incide sobre a pena única (art. 3.º, n.º 4, da Lei n.º 38-A/2023) e não sobre as penas parcelares que o integram.

Esse momento que escolheu é o adequado, sendo razoável e equilibrado, mostrando-se justificado, pois, em caso de concurso de crimes, é a pena única que o condenado terá de cumprir.

Por isso, faz todo o sentido que o perdão incida na pena única que o condenado tem de cumprir e, dentro da opção legislativa, não se aplique a pena única superior a 8 anos de prisão.

E, o que é requerido pelo recorrente vai precisamente contra o estabelecido no art. 3.º, n.º 1 e n.º 4, da Lei n.º 38-A/2023, na medida em que pretende beneficiar de perdão, quando foi condenado em pena única superior a 8 anos de prisão, o que não pode ser, mesmo com a construção artificiosa que fez (ignorando o cúmulo jurídico efetuado e pretendendo que se aplique o perdão antes de fazer o cúmulo jurídico e de determinar a pena única, interpretação que vai frontalmente contra o disposto no citado art. 3.º, n.º 1 e n.º 4 da dita Lei e, por isso, está vedada e não é consentida legalmente).

De resto, a interpretação feita pelo tribunal recorrido conforma-se com o disposto no art. 3.º, n.º 1 e n.º 4, da citada Lei n.º 38-A/2023, não havendo qualquer violação do disposto nos arts. 77.º e 78.º do CP, uma vez que a pena única que lhe foi aplicada é superior a 8 anos e, por isso, não é passível de perdão.

Diferente já é a situação em que a pena única em que um arguido seja condenado for até 8 anos, caso em que poderia ser necessário (dependendo do caso concreto) ter de efetuar um cúmulo apenas das penas parcelares que beneficiavam de perdão, para efeitos de calculo do montante/quantitativo do perdão e depois far-se-ia o cúmulo jurídico de todas as penas nele incluídas (perdoáveis e não perdoáveis), aplicando-se a final, na pena única, o perdão anteriormente determinado.

No entanto, não é esse o caso destes autos, uma vez que o recorrente foi condenado na pena única de 11 anos e 8 meses de prisão, que de todo não beneficia de perdão nos termos do art. 3.º, n.º 1, da citada Lei n.º 38-A/2023.

Recorde-se que, nem mesmo o facto de uma ou mais penas individuais terem sido declaradas perdoadas impede que venham a ser posteriormente, desde que se verifiquem os pressupostos dos arts. 77.º e 78.º do CP, englobadas em cúmulo jurídico e, caso seja aplicada pena única superior a 8 anos de prisão, fique sem efeito o perdão anteriormente concedido, quando cada um dos respetivos casos foi julgado individualmente.

Improcede, pois, a argumentação do recorrente, não tendo sido violadas as normas e princípios por ele invocadas.

2ª Questão (sobre a pena única ser excessiva e desproporcional, na perspetiva do recorrente e sobre o desconto equitativo relativo às penas de prisão suspensas)

Invoca o recorrente que a pena única imposta de 11 anos e 8 meses de prisão é excessiva e desproporcionada à gravidade dos factos cometidos, por se tratarem quase todos de crimes contra o património, estando em causa quantias pequenas, sendo ele um jovem que deve ser motivado para a sua reinserção social, tendo o tribunal se motivado principalmente pela função retributiva em vez de ser pela função ressocializadora, devendo, em consequência, a pena única ser reduzida e nunca ser superior a 10 anos de prisão, tanto mais que o tribunal recorrido não teve em atenção que tendo sido condenado na pena única de 8 anos e 4 meses no processo n.º 85/17.0..., as penas dos processos n.º 1016/14.5... e 278/17.0... que foram cumuladas, trataram-se de penas de prisão suspensas mantendo-se nessa situação a última e, ainda que a primeira tivesse sido revogada, ainda assim pagou à vítima os € 1.000,00 a que a suspensão estava condicionada (ou seja, por esta forma, coloca o recorrente, também, a questão do chamado “desconto equitativo” e a omissão de pronúncia do tribunal da 1ª instância sobre essa matéria).

Vejamos então.

A exigência de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente de concurso tem a sua explicação: basta atentar no disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP, sobre as regras de punição do concurso, onde se estabelece um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente3.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP, por referência ao conjunto dos factos4).

Neste caso concreto, não há dúvidas que se verificam os pressupostos do conhecimento superveniente do concurso de penas indicadas pelo Coletivo, que abrangem as penas individuais impostas nos processos acima identificados, a saber, a destes autos (que assumiram o n.º 2773/22.0T8STB), com origem no processo n.º 278/17.0..., que ainda se encontra suspensa, com as impostas no processo n.º 1016/14.5..., cuja suspensão foi revogada e com as penas impostas no processo n.º 85/17.0...

Ainda que nada se diga no acórdão sob recurso, verifica-se de consulta feita no Citius (ficha de recluso), que o arguido/recorrente está preso em cumprimento da pena única de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão à ordem do processo acima referido n.º 85/17.0..., tendo iniciado o cumprimento da pena em 28.11.2018, tendo já ultrapassado o meio da pena em 28.01.2023, estando previsto os dois terços da pena para 17.06.2024, os cinco sextos da pena para 7.11.2025 e o fim da pena para 28.03.2027, estando no EP de ....

Estranhamente no acórdão sob recurso, nada consta sobre se o arguido esteve preso ou detido nos processos cujas penas foram cumuladas.

Quanto à questão do desconto, independentemente da natureza jurídica desse instituto (que, como sabido, tem subjacente uma ideia de justiça material), a verdade é que, nos termos dos arts. 78.º, n.º 1, 80.º, n.º 1, e 81.º, n.º 1, do CP, todo o tempo de detenção processual e de prisão que tiver cumprido, é descontado, por inteiro, no cumprimento da pena única de prisão que for aplicada nestes autos.

Em termos práticos, quando o arguido/recorrente for colocado em prisão à ordem destes autos (o que sucederá após o trânsito em julgado da respetiva decisão condenatória que efetuar o cúmulo jurídico das penas deste processo com as que lhe foram impostas nos acima referidos processos), será feita a liquidação da pena única imposta no processo da última condenação, ou seja, nestes autos, sendo então aí que a detenção e a prisão que já tiver sido cumprida descontada por inteiro no cumprimento da pena única aplicada.

Aliás, como se esclarece no acórdão de fixação do STJ n.º 9/2011, de 20.10.2011 (DR I Série de 23.11.2011), “Seja qual for a posição que se adopte quanto à natureza jurídica do desconto - caso especial de determinação da pena ou regra legal de execução da pena -, mesmo sendo ele obrigatório e legalmente predeterminado, justifica-se plenamente o tratamento sistemático do instituto do desconto no quadro da determinação da pena porque o desconto transforma o quantum da pena a cumprir; embora a pena, na sua espécie e gravidade, esteja definitivamente fixada antes de o tribunal considerar a questão do desconto, o que é certo é que a gravidade da pena a cumprir é também determinada pela decisão da questão do desconto. Tudo leva, assim, a que o desconto - mesmo quando legalmente predeterminado - deva ser sempre mencionado na sentença condenatória. Nos casos em que o desconto a efectuar decorra de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido em processo distinto, as eventuais dificuldades ou demoras na recolha dos elementos necessários à sua comprovação e determinação poderão, frequentemente, conduzir a que o desconto não seja mencionado na sentença condenatória. A ser assim, o desconto deve ser ordenado em decisão judicial posterior, nomeadamente no momento da homologação do cômputo da pena ou, mesmo, mais tarde, rectificando -se, então, a anterior contagem.”

Note-se que, perante o art. 80.º, n.º 1, do CPP, a importância de dispor de todos os elementos relativos às medidas processuais privativas de liberdade e, bem assim, relativos à contagem de penas de prisão que podem vir a ser objeto de desconto na pena única é essencial, quando se profere a decisão em que se elabora o concurso superveniente de penas, uma vez que pode ocorrer que, por via do desconto, aquela pena única que vier a ser aplicada fique extinta e, portanto, o arguido/condenado tenha de ser solto, no caso de estar preso ou até já não ser caso de emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena única de prisão imposta (esteja ou não o condenado preso à ordem do processo onde é proferida a decisão final onde se realizou o cúmulo jurídico de penas) ou, por exemplo, ser caso, de colocação em liberdade condicional obrigatória.

Daí que deva sempre, na sentença ou acórdão condenatório, em que se elabora o cúmulo jurídico de penas, fazer constar, a final, os elementos respetivos relativos ao desconto, fazendo, nessa altura, os cálculos para apurar se há ou não pena a cumprir e, consoante cada caso concreto, determinar o que for conveniente.

Portanto, no caso em análise, em que estavam em causa o concurso de penas de prisão efetiva e outra cuja execução estava suspensa, impunha-se ao Coletivo quando elaborou o acórdão impugnado que fizesse constar os elementos relativos ao desconto, dos quais teve mais do que tempo, para recolher (e fazer constar da decisão).

Com efeito, é por aplicação do disposto nos arts. 78.º, n.º 1, 80.º, n.º 1 e 81.º, n.º 1, do CP que o tribunal no acórdão se pronuncia sobre o desconto das medidas processuais privativas de liberdade e, bem assim, sobre o desconto da pena de prisão já cumprida no processo englobado no cúmulo jurídico de penas efetuado nos autos em que está a elaborar a decisão de cúmulo jurídico.

Sem o tribunal determinar o desconto das medidas processuais (que varia consoante os casos, como se verifica, por exemplo, pelo disposto no n.º 1 e no n.º 2 do art. 80.º do CP, conforme for aplicada pena de prisão ou pena de multa, sendo no primeiro caso o desconto das medidas processuais privativas de liberdade por inteiro e, no segundo caso, ou seja, quando é aplicada a pena de multa, o desconto de medidas processuais privativas de liberdade feito à razão de um dia de privação de liberdade por, pelo menos, um dia de multa, o que significa que deverá ser encontrada na sentença uma justa equivalência) ou o desconto das penas anteriores já cumpridas (regendo nessa matéria o disposto no art. 81.º do CP, sendo que, conforme estabelece o n.º 1, no caso da pena anterior ser de prisão é descontada por inteiro na pena posterior na medida em que já estiver cumprida e, no caso de a pena anterior e a pena posterior serem de diferente natureza, conforme resulta do seu n.º 2, terá de ser feito na sentença “na nova pena o desconto que parecer equitativo”) - em qualquer caso sendo ainda aplicável o disposto no art. 82.º do CP, verificando-se os respetivos pressupostos - não pode depois ser liquidada a pena aplicada no momento da execução, a menos que seja fixado pelo juiz nesse momento, em último recurso, o desconto, mas sempre tendo em atenção que não pode ser prejudicado o arguido, nomeadamente colocando em causa a sua liberdade, nomeadamente condicional ou a sua saída antecipada, no caso de estar preso.

Portanto, diremos que tem de haver um despacho do juiz a fazer operar o desconto, sendo o momento próprio para o fazer o da sentença, como aliás também foi defendido no acórdão de fixação n.º 9/2011 acima citado, ainda que ali também se admitisse que, na falta de elementos atempados para emitir a decisão, a mesma devesse ser proferida logo que possível.

De todo o modo, acresce neste caso, como acima já se adiantou, que verifica-se que foram cumuladas nestes autos, com origem precisamente no processo n.º 278/17.0..., cuja sentença transitou em julgado em 2.06.2021, a pena em que o arguido foi condenado de 4 anos de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, por crime de burla qualificada cometido em 27.06.2017, suspensão que assim se mantinha à data da elaboração do acórdão sob recurso (isso para além das penas de prisão individuais que lhe foram impostas quer no processo n.º 85/17.0...,à ordem do qual está preso desde 28.11.2018, quer no processo n.º 1016/14.5..., sendo que neste por sentença condenatória transitada em julgado em 16.11.2017 foi condenado pela prática em 19.07.2014 de um crime de burla qualificada na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e por um crime de furto na pena de 14 meses de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita à condição de pagar a quantia de € 1.000,00 à ofendida, o que veio a fazer por depósito nos autos em 2.10.2019, mas, entretanto, por despacho de 28.04.2023 foi revogada a suspensão e determinado o cumprimento da pena de 3 anos de prisão em que fora condenado, decisão essa que foi confirmada por ac. do TRE de 18.01.2024, transitado em julgado).

Ora, é certo que, de acordo com o decidido anteriormente por este STJ (ac. de 4.05.2023), o tribunal da 1ª instância supriu a nulidade então apontada, indagando do estado das penas de prisão suspensas que anteriormente havia incluído no cúmulo efetuado indistintamente, tendo inclusivamente na nova decisão que proferiu excluído uma dessas penas por estar extinta.

No entanto, perante o que, entretanto, apurou relativamente às penas de prisão suspensas que foram incluídas no cúmulo jurídico efetuado na decisão agora sob recurso, impunha-se pronunciar sobre se eram ou não de valorizar e de que forma v.g. a prestação cumprida (pagamento de € 1.000,00 à ofendida), condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada no Processo n.º 1016/14.5..., uma vez que tinha sido revogada a suspensão da pena aí aplicada e, bem assim, sobre se deveria efetuar o desconto equitativo a favor do arguido do tempo de cumprimento da suspensão no processo n.º 278/17.0... (que deu origem a estes autos), que não foi revogada, incluída no cúmulo jurídico efetuado.

Vem isto a propósito de se entender, como vem sendo jurisprudência maioritária no STJ5, quando na decisão de cúmulo jurídico de penas se englobam penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, sendo aplicada uma pena única de natureza distinta (como sucede neste caso em que foi aplicada pena de prisão efetiva), por aplicação do disposto no art. 81.º, n.º 2, do CP, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena.

Isso mesmo é o que resulta do disposto no artigo 81.º, n.º 2, do CP, desde a versão introduzida pelo DL 48/95, de 15 de Março.

Aliás, como se esclarece no ac. do STJ de 30.09.20216 “a alteração da redacção do n.º 2 do preceito teve exactamente em vista alargar o âmbito da sua previsão, estendendo o critério da equitatividade às penas de substituição, em geral – nelas, naturalmente, incluída a da suspensão da execução da prisão –, desse modo passando a letra de lei o que Figueiredo Dias já defendia ao tempo da norma de 1982, então por recurso à «analogia favorável ao condenado»: «Da leitura dos arts. 80.º a 82.º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a privações da liberdade processuais, a penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição e a medidas de segurança. Uma tal restrição não parece porém, ao menos em todos os casos pensáveis, político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar — tratando-se como se trata de uma solução favorável ao delinquente —, sempre que possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação. […] O critério da equitatividade permite que, com ele, se preencha a lacuna atrás anotada […], relativa aos casos em que a pena – anterior ou (e) posterior – uma pena diferente da prisão ou multa […]: em todos estes casos o tribunal deve, por analogia favorável ao condenado, fazer na nova pena o desconto que lhe parecer equitativo.»

Não se confunda esta situação com os casos de revogação, nos quais se determina o cumprimento da pena fixada na sentença (art. 56.º, n.º 2, do CP), sem que o condenado possa exigir a restituição do que, entretanto, tiver cumprido7.

Ora, o desconto equitativo a que se refere o artigo 81.º, n.º 2, do CP reporta-se a cada pena anterior que vai ser imputado na nova pena de diferente natureza, o que neste caso se relaciona com a pena aplicada no processo n.º 278/17.0...

Assim, quer a falta de determinação da medida do desconto equitativo da pena anterior aplicada no processo n.º 278/17.0..., quer a falta de pronuncia sobre o desconto das medidas processuais privativas de liberdade do arguido e desconto da pena de prisão já cumprida nos processos englobados no cúmulo jurídico de penas a elaborar na decisão de cúmulo jurídico, constituem uma omissão de pronúncia relevante por poderem prejudicar o arguido, nomeadamente, colocando em causa a sua liberdade (v.g. condicional) ou a sua saída antecipada, considerando o tempo desde que já está preso (desde 28.11.2018 à ordem do proc. n.º 85/17.0...).

Por isso, a falta de determinação da medida do desconto equitativo da pena anterior aplicada no processo n.º 278/17.0... que é englobada no cúmulo jurídico e que terá de ser imputado na nova pena única de prisão efetiva que vier a ser aplicada ao arguido/recorrente, integra a nulidade do acórdão prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, primeira parte, o mesmo se passando com os demais elementos relativos ao desconto acima indicados em falta, o que exige que os autos baixem ao mesmo tribunal da 1ª instância, para aí ser suprida a referida nulidade com a prolação de nova decisão.

Em conclusão: procede apenas nesta parte relativa ao desconto quanto aos elementos em falta acima referidos o recurso do recorrente, ficando prejudicada a questão final colocada, relativa à alegada pena única excessiva e desproporcionada.

III - Dispositivo

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

- negar provimento ao recurso na parte relativa à questão do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08;

- declarar a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos apontados, e, em consequência, ordenar o suprimento pelo mesmo Tribunal, que deverá proferir nova decisão;

- relegar para momento posterior o conhecimento das restantes questões, por prejudicialidade.

Sem custas.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 26.06.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Pedro Branquinho Dias (Adjunto)

Ana Barata de Brito (Adjunta)

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1. Como bem assinala Cruz Bucho, «Amnistia e perdão (Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto): Seis meses depois (elementos de estudo)», 1.03.2024, p. 47, acessível no site do TRG, em https://www.trg.pt/#gsc.tab=0, «Se são “todas as penas”, não se vislumbra motivo para delas excluir as penas únicas, sob pena de o intérprete restringir às penas parcelares o que o legislador quis que abrangesse todas as penas. Por outro lado, conforme assinalado, foi propósito do legislador afastar a aplicação do perdão quer às situações de “criminalidade muito grave”, quer às penas de prisão de grande duração.»

2. Assim, Cruz Bucho, ob. cit., p. 36.

3. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

4. Ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.

5. Ver, entre outros, Acórdãos do STJ de 10.05.2018 (Manuel Braz), 13.12.2018 (Francisco Caetano), 23.01.2020 (Helena Moniz), 2.06.2021 (António Gama), 8.07.2021 (Eduardo Loureiro), 9.02.2022 (Ana Brito), 14.07.2022 (Cid Geraldo), 7.12.2022 (Maria do Carmo Silva Dias).

6. Ac. do STJ de 30.09.2021 (relator Eduardo Loureiro).

7. Assim, também, cit. Ac. do STJ de 2.06.2021.