Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2291/21.4T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: PRINCÍPIO DISPOSITIVO
OBJETO DO PROCESSO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONHECIMENTO OFICIOSO
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DO JUIZ
PODERES DO TRIBUNAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DO PEDIDO
PRINCÍPIO DA SUBSTANCIAÇÃO
CONVOLAÇÃO
Data do Acordão: 12/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

Invocando-se que é a título indemnizatório, por causa de um comportamento ilícito (de apropriação de dinheiro que não lhe pertencia e de falsificação duma procuração e sua utilização) imputado ao R. e dos danos ao A., que este pretende que o R. seja condenado a pagar-lhe € 100.000,00, a compatibilização entre o princípio do conhecimento oficioso do direito e os limites fixados pelo objeto do processo não permite que o tribunal – tendo apurado que o que aconteceu foi um empréstimo de €100.000,00 do A. ao R – proceda à requalificação jurídica, de indemnização para restituição do valor do empréstimo (e condene o R. no valor do empréstimo)), uma vez que, para tal, teria o tribunal de proceder a uma verdadeira “transmutação” do objeto do processo (passando a situar-se fora do objeto processual delineado pelo A. e a conferir uma tutela de conteúdo diferente da pedida pelo A.).

Decisão Texto Integral:







Processo n.º 2291/21.4T8FAR.E1.S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório


AA, solteiro, maior, a residir no Sítio ..., instaurou contra BB e CC, com os sinais dos autos, ambos por si e na qualidade de herdeiros de seus pais BB e DD, a presente ação declarativa de condenação, pedindo a final:


a) Deverá ser reconhecida a boa-fé do Autor na compra e venda realizada por escritura pública realizada no dia 17 de Janeiro de 2003 no Cartório Notarial de ... a cargo do Dr. EE, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia da ..., inscrito na matriz predial sob o artigo 3758 (atual 3285) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 25.896, a fls. 72 verso do Livro B-65, atualmente descrito sob a ficha n.º 3270/20030122 da freguesia da ....


E, em consequência,


b) Deverá ser reconhecido o direito de propriedade do Autor sobre tal imóvel, retroagindo o direito à data do referido negócio (17.01.2003), ordenando-se a reinscrição da aquisição por compra a favor do Autor no registo predial.


Subsidiariamente e caso assim não seja entendido,


c) Deverá o R. BB ser condenado a pagar ao Autor o valor de €170.000,00 a título de indemnização pelas declarações não sérias proferidas na escritura anulada, que levaram o Autor a acreditar ter-se extinguido a dívida de € 100.000,00 que o referido Réu tinha para com ele e a acreditar que tinha adquirido a propriedade do imóvel, acrescido do valor de € 10.220,00 a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da celebração da escritura e pagamento de impostos.


Ainda subsidiariamente e caso assim não seja igualmente entendido,


d) Deverá o R. BB ser condenado a pagar ao A. o valor de €100 000,00 a título de indemnização pela apropriação ilícita desse valor, acrescido do montante de €70 000,00 que lhe exigiu para a transferência da propriedade do imóvel, e ainda do valor de €10 220,00 pelos prejuízos decorrentes do pagamento de despesas e impostos decorrentes da aquisição.


Alegou, em síntese, ter mantido com o R. uma relação de amizade e confiança, motivo pelo qual, em 2000, “passou procuração ao R.1 para este o representar na venda, pelo valor de 20.000.000$00, de um imóvel sito na Rua ..., do qual o A. era o proprietário, vindo a suceder que o R., que era viciado em jogo, facto que o A. desconhecia, “recebeu este valor, em representação do A.2” e não procedeu à entrega ao A. dos 20.000.000$00 recebidos pela venda, “apropriando-se da referida quantia de € 100.000,00 pertencente ao A. e gastando-a em proveito próprio”3.


Posteriormente, “para evitar que o A. apresentasse queixa-crime pelo abuso de confiança”4, o R. prometeu, primeiro, que “pagaria assim que vendesse um imóvel” e, depois, como não tivesse conseguido vender qualquer imóvel, propôs ao A. a entrega de um prédio, pertença de seus pais (e onde estes viviam), em pagamento da dívida, informando que os progenitores haviam concordado, “para o livrarem do crime e da dívida"5, todavia, tendo o imóvel em causa o valor de € 170 000,00, teria o A. de pagar por ele “mais € 70.000,00”.


Assim, em dia em que os progenitores se encontravam ausentes, o R. mostrou o imóvel ao A., que aceitou o negócio proposto, tendo ambos acordado que na escritura seria declarado o valor de apenas € 50 000,00, para o R. não “pagar mais impostos e emolumentos”, tendo ficado combinado que o R. e a sua companheira, solicitadora de profissão, diligenciariam pela obtenção de toda a documentação.


Vindo, nesse seguimento, a ser outorgada, em 17 de Janeiro de 2003, a respetiva escritura de compra e venda (em que foi declarado o valor de € 50.000,00 e em que o A. pagou, além dos 100.000,00 que lhe eram devidos, “mais € 70.000,00”), tendo por objeto o prédio ali identificado, escritura em que os pais do R., na qualidade de vendedores, foram representados pelo aqui R., mediante a procuração então exibida e arquivada.


Prédio que não foi entregue ao A., razão pela qual, volvidos dois anos, o R. lhe propôs “voltar a adquirir o prédio pelo mesmo valor de € 170.000,006”, o que o A. aceitou, ficando mais uma vez o R. de marcar a escritura, sendo que “no dia agendado – 28/02/2005 – a companheira do 1.º R emitiu um cheque de € 170.000,00 à ordem do A.7, exigindo o A. “ir ao banco saber se o cheque tinha provisão8, onde foi informado que o mesmo não tinha provisão, razão porque tal escritura não se realizou.


Cansado de esperar, sem que o 1.º R. lhe apresentasse qualquer solução para a desocupação do prédio pela mãe9”, “volvidos 8 anos sobre a compra e cerca de € 4.300,00 de IMI pagos10, o A., em 2011, intentou contra DD (o marido havia já falecido em .../.../2005) “uma ação de execução para entrega de coisa certa11 (que teve o n.º 2718/11.3...), a que a DD se opôs invocando “que a procuração que o filho utilizara na escritura de venda ao ora A. era falsa12.


Oposição essa que foi julgada procedente, por sentença proferida em 30/11/2011, transitada em julgado, tendo-se, “além do mais, dado como provado que a procuração terá sido feita com assinaturas falsificadas, montagem ou outros meios e que é igualmente falsa a conferência da fotocópia alegadamente feita pelo 1.º Cartório Notarial de ...13.


Assim, nesse prosseguimento, “foi promovido procedimento criminal contra o ora 1.º R. (procedimento que correu termos no Proc. Comum Singular n.º 2157/12.9...)14, o qual aí veio a ser condenado pela prática do correspondente crime de falsificação de documento por sentença de 15/07/2014, confirmada por Acórdão do TRE, transitado em julgado.


Entretanto, nada havendo pago o 1.º R. ao A. e continuando o 1.º R. “a usar e gozar do imóvel vendido ao A. (arrendando-o e recebendo a respetiva renda)15, o A., “mantendo-se como proprietário registado do imóvel16, “vendeu (em 2017) o imóvel pelo preço de € 70.000,00 a FF17.


E este, após pedir a entrega do imóvel sem sucesso aos seus ocupantes, “intentou ação de reivindicação do imóvel contra os herdeiros incertos de DD”18, ação que correu termos sob o n.º 1944/17.6... e em que, por Acórdão do STJ, transitada em julgado em 2021, foi decidido que o imóvel se manteve na titularidade dos falecidos pais do 1.º R., por ser ineficaz em relação a estes o negócio translativo celebrado pelo 1.º R. com o A..


Assim, ainda segundo a alegação do A., é para si “avultado o prejuízo pela declaração de ineficácia da venda, [uma vez que] ao valor de € 100.000,00 que a venda visava pagar, soma-se o valor de € 70.000,00 que o A. pagou para além desse ao 1.º R., soma-se o valor do IMI pago durante 14 meses (€ 7.560,00) e € 2.660,00 de emolumentos, imposto de selo e registo predial pagos na escritura de aquisição (tudo no valor global de € 180.220,99)”19; continuando, acrescenta o A. que “está prejudicado em virtude das condutas do 1.º R., primeiro porque se apropriou do valor de 100.000,99 que pertenciam ao A. e depois porque falsificou um documento para o enganar e levar a crer que tinha adquirido um imóvel, levando-o a pagar o valor acrescido de € 70.000,00”20; terminando a sua alegação invocando, de direito, os artigos 291.º e 245.º, ambos do C. Civil, dizendo que “o registo de aquisição do A. (2003) era anterior ao pedido de ineficácia/anulação do negócio (2017)”, que desconhecia que a procuração utilizada pelo ora 1.º R. era falsa e que a boa fé do A. nunca foi apreciada judicialmente”21 e, ainda (se bem entendemos o que se pretende invocar), que o 1.º R. “fez declarações não sérias na escritura, tendo ele/A. o direito a ser indemnizado pelo prejuízo que sofreu”22


E concluiu o A. a sua petição formulando os 4 pedidos acima transcritos.


Os RR. apresentaram contestação conjunta, peça na qual invocaram o caso julgado e a prescrição do direito do A.; impugnaram a factualidade respeitante à apropriação de quantias pertencentes ao A., alegando que o A. foi representado por um terceiro (a quem o A. passou uma procuração irrevogável) na venda do imóvel sito na Rua ...; e imputaram ao A. conduta integradora da litigância de má fé, concluindo pela absolvição da instância ou se assim não se entender pela absolvição do pedido e requerendo a condenação do A. como litigante de má fé em multa e indemnização.


Respondeu o A., pugnando pela improcedência das exceções e refutando a litigância de má fé que lhe foi imputada.


Realizada a audiência prévia, foi depois proferido despacho saneador no qual:


- foi julgada parcialmente procedente a exceção dilatória do caso julgado e, em consequência, decretada a absolvição do R. BB da instância relativamente ao valor de € 70 000,00 deduzido nos pedidos c) e d) e ainda em relação ao valor de € 2 660,00 deduzido no pedido c);


- foram os RR BB e CC absolvidos dos pedidos formulados em A) e B), com fundamento na autoridade do caso julgado;


- foi julgada improcedente a exceção da prescrição invocada pelos RR;


- se determinou que os autos prosseguissem para apreciação do pedido indemnizatório de €100 000,00 e dos valores pagos a título de IMI durante 14 anos – a propósito do que a instância foi declarada regular – tendo-se fixado o objeto do litígio e enunciado os temas da prova.


O A. interpôs recurso per saltum para este Supremo do segmento do Saneador que absolveu os RR. dos pedidos formulados em a) e b) com fundamento na autoridade do caso julgado, tendo tal decisão sido confirmada por Acórdão do STJ proferido em 11/10/2022.


Instruído o processo, realizou-se a audiência, vindo o A., no decurso da mesma, requerer a ampliação do pedido formulado em c), peticionando que o R. fosse condenado "a título de enriquecimento sem causa pelo locupletamento do R. BB à custa do A. AA", ampliação não admitida por despacho de 13/10/2022.


Finda a audiência, foi proferida sentença, em que se decidiu:


“(…)


a) absolver a R. CC de todos os pedidos contra si deduzidos;


b) condenar o R. BB a pagar ao Autor AA a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-o do demais peticionado;


c) absolver o A. do pedido de condenação como litigante de má fé. (…)”


Inconformado com o decidido, interpôs o R. recuso de apelação, recurso que por Acórdão da Relação de Évora de 15/07/2023 foi julgado parcialmente procedente, tendo-se decidido:


“(…)


revogar o despacho que determinou a alteração da identificação do objeto do litígio e enunciação do tema 1.º dada prova, repristinando o despacho original;


anular a sentença recorrida na parte em que condenou o R a pagar ao A., com fundamento no incumprimento de contrato de mútuo, a quantia de €100 000,00, absolvendo o R. deste pedido, mantendo o mais que foi decidido. (…)”


Agora inconformado o A., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine a condenação da 1.ª Instância.


Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:


“(…)


1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora que revogou o despacho que determinou a alteração da identificação do objeto do litígio e enunciação do tema 1º da prova, repristinando o despacho original; e


- Anulou a sentença recorrida e julgou improcedente a pretensão formulada pelo Autor na ação, revogando, nessa parte, a sentença.


2. Em sede de reclamação do despacho que definiu o objeto do litígio e os temas da prova, apresentada pelo Autor, o Tribunal ampliou esse objeto, bem como os temas da prova, retirando um excerto que os limitava.


3. O Réu insurgiu-se em sede de recurso contra esse deferimento, por considerar que a causa de pedir da ação não o permitia.


4. O Tribunal da Relação concedeu provimento à pretensão do Réu, e voltou a limitar o objeto do litígio e os temas da prova.


5. O Réu, vencido na ação, interpôs igualmente recurso da decisão final, arguindo a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia.


6. Considerou o Réu que a causa de pedir não permitia a decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª instância.


7. Igualmente foi concedido provimento a este segmento do recurso porque – considerou o Tribunal da Relação de Évora – a causa de pedir da ação não ficou demonstrada,


8. E que o Autor não cumpriu o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que alegou, pelo que, anulando a sentença recorrida, também não fez uso da faculdade prevista no art. 665º, nº1 do CPC, substituindo-se ao tribunal recorrido e proferindo decisão sobre o mérito da causa.


9. O Autor insurge-se contra este entendimento.


10. Na verdade, considera que o Tribunal não atentou na causa de pedir ou na principal causa de pedir da ação.


11. O Autor cumpriu o princípio do dispositivo e alegou na p.i. todos os factos essenciais para a procedência da sua pretensão.


12. Logrou provar tais factos essenciais.


13. O Tribunal “a quo” ateve-se a uma causa que considerou ser a causa de pedir da ação, mas que não o era, obviamente.


14. O Autor pediu a condenação do Réu na reparação do prejuízo que a sua conduta ilícita lhe causou.


15. A conduta ilícita do Réu era a falsificação de uma procuração com a qual efetuou uma falsa venda/ dação em pagamento ao Autor.


16. E, posteriormente, o ter vindo confessar essa falsificação para anular a escritura.


17. O Autor ficou sem o imóvel e sem o valor de 100.000,00 € que a dação se destinara a pagar.


18. Haverá maior prejuízo que este? Não é esta uma causa de pedir suficiente para sustentar o pedido de reparação do prejuízo?


19. O Tribunal recorrido não percebeu a pretensão do Autor nem em que factos se baseava a mesma.


20. Este cumpriu o seu dever processual de alegação dos factos constitutivos do direito.


21. E logrou prová-los.


22. A maior parte já se encontrava, aliás, provada no processo-crime em que o Réu foi condenado.


23. O Tribunal não assegurou a tutela jurisdicional que lhe tinha sido pedida pelo Autor.


24. E ignorou a principal causa de pedir da ação, ficando “preso” a factos que não consubstanciavam a verdadeira causa de pedir, nem eram, sequer, factos essenciais à procedência da pretensão do Autor.


25. O Tribunal a quo devia ter proferido decisão apreciando todos os factos alegados pelo Autor, todos os que resultaram provados e fazendo o respetivo enquadramento jurídico, limitado pelo pedido do Autor.


26. Com certeza, concluiria pelo cumprimento, por este, do princípio do dispositivo e pela procedência da sua pretensão, como não poderia deixar de ser.


27. Julgando como julgou violou o Mmo. Juiz a quo os arts. 5º, nº2 e 608º, nº2, ambos do CPC.


(…)”


O R. respondeu, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.


Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:


“(…)


1. Assim, contrariamente ao sustentado no recurso de revista (pontos 9. e 6. das conclusões), a causa de pedir não permitia, efetivamente, a decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, pelo que bem andou o douto acórdão ora recorrido em declarar a nulidade daquela.


2. Contrariamente ao sustentado pelo autor/recorrente, este não cumpriu o ónus de prova dos factos por si alegados nem logrou provar tais factos essenciais que, de acordo com a causa de pedir tal como o autor havia configurado na petição inicial, foram dados como não provados.


3. Contrariamente ao almejado pelo autor, o douto acórdão recorrido, atendendo adequadamente na real causa de pedir dos autos, declarou nula a douta sentença de 1.ª instância.


4. Tendo em conta que a causa de pedir na ação era o ressarcimento de prejuízos decorrentes do facto de o R. se ter, alegadamente, locupletado com produto de venda de imóvel com recurso a procuração irrevogável a seu favor, a modificação para pagamento de indemnização por incumprimento de contrato de mútuo (não decorrente daquela alegada dívida) constitui modificação da causa de pedir, a qual, não tendo ocorrido nos termos do disposto no artigo 265.º, n.º 1 e 2, é ilegal e violadora do princípio da estabilidade da instância consagrado no artigo 260.º do CPC, sendo certo que o R. ora recorrido não deu o seu consentimento nos termos do disposto no artigo 264.º do CPC.


5. Contrariamente ao sustentado pelo autor, a conduta ilícita vertida na ação e de onde surgiria o direito a indemnização cujo ressarcimento o A. pretendia que tenha tido lugar através da dação em pagamento, era venda do imóvel pelo réu com recurso à procuração irrevogável alegadamente outorgada a seu favor e que foi dada como não provada.


6. Como bem reconheceu o douto acórdão recorrido, os factos a que o autor recorrente alude nas conclusões 20. e 21. não são constitutivos do seu direito, sendo certo que não ocorreu, nos autos, modificação da causa de pedir nos termos processualmente previstos.


7. Tendo em conta o acima exposto, o Venerando Tribunal a quo não denegou qualquer tutela pedida pelo autor, antes analisou adequadamente as pretensões deste e desatendeu as mesmas.


8. Não tendo o réu recorrido praticado o facto que lhe era imputado, cuja prática poderia ter sido geradora de prejuízos, que não logrou provar ou quantificar, não causou, com a referida conduta, qualquer prejuízo ao autor.


9. O Tribunal a quo não violou as disposições legais mencionadas pelo recorrente no seu recurso.


(…)”


Obtidos os vistos, mantendo-se a regularidade da instância, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*


II – Fundamentação de Facto


II – A – Factos Provados


A) Em data anterior a 2003, o Autor AA emprestou ao Réu BB, em circunstâncias não concretamente apuradas, a quantia de €100.000,00 que até à presente data não lhe pagou.


B) Por escritura pública de compra e venda de 17 de Janeiro de 2003, o Autor AA declarou comprar e o Réu BB, na qualidade de procurador dos vendedores GG e DD, declarou vender, pelo preço de € 50.000,00, já recebido, o prédio urbano sito na Rua ..., na freguesia da ..., inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 3.758 (atual 3925) e descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob o n9 25.896, a fls. 72 verso do Livro B-65, atualmente descrito sob a ficha n.º 3270/20030122, da freguesia da ..., tal como resulta de fls. 30-vº e 31, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


C) Em 2011, o Autor intentou contra DD uma ação de execução para entrega de coisa certa que, com o n.9 2718/11.3..., correu termos pelo ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... e a mãe do 1.º Réu veio opor-se à execução alegando que a procuração que o filho utilizara na escritura de venda ao ora Autor era falsa, tendo a oposição à execução sido julgada totalmente procedente, ordenando-se a extinção da ação, tal como resulta de fls. 33.v9 a 38, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


D) Nessa decisão foi, além do mais, dado como provado que a procuração "terá sido feita com as assinaturas falsificadas, montagem ou outros meios" (ponto 8. dos factos provados) e que "é igualmente falsa a conferência de fotocópia alegadamente feita pelo l.º Cartório Notarial de ..." e "Terá sido utilizada uma folha de conferência de qualquer outro documento e depois agrafada a ela a procuração falsificada, o que daria a aparência de veracidade ao chamado documento de "Conferência de Fotocópia" e da própria procuração falsificada".


E) No âmbito do processo n.º 2157/12.9..., por sentença transitada em julgado em 19-01-2017, o ora Réu BB foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 255.9, al. a) e 256.9, nos 1, als. d), e) e f) e 3 do Código Penal, em virtude de ter outorgado, em 17 de Janeiro de 2003, o contrato de compra e venda do prédio identificado em 2), em que os seus pais venderam o imóvel ao ora Autor, com base numa procuração falsificada, tendo o ora Autor deduzido pedido de indemnização cível no valor de €172.600,00 a título de danos patrimoniais, acrescido do valor de €34.000,00 de juros de mora, correspondendo €70.000,00 ao valor entregue por força do contrato de compra e venda celebrado em 17 de Janeiro de 2003 para pagamento do preço acordado, €100.000,00 pela dívida do Réu ao Autor anterior à escritura e o resto relativo a despesas relacionadas com a escritura e a ação executiva n.9 2718/11.3..., tal como resulta de fls. 38 a 49, 88 a 90 e 127 a 170, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


F) No âmbito do processo n.º 2157/12.9... foi dado como provado que o aí arguido tinha uma dívida para com o Autor no valor de € 100.000,00 por admissão do próprio, tendo sido dado como não provado que em contrapartida da aquisição do imóvel de 17 de Janeiro de 2003 o arguido entregou ao ora Autor a quantia de €70.000,00 em dinheiro, bem como que a realização da escritura de compra e venda importou em despesas a quantia de € 646,41, em que se inclui o IVA e Imposto de Selo, € 57,75 com certidão do registo predial e € 857,00 da inscrição do prédio em causa a favor do aqui Autor, tendo o ora Réu sido absolvido do pedido cível na totalidade, uma vez que não se provou o pagamento de €70.000,00 relativo ao preço, nem as despesas com a celebração da escritura pública e, no tocante aos €100.000,00, embora existisse a dívida, por o pagamento não poder ser exigido no âmbito de pedido de indemnização cível, por não consubstanciar dano resultante da prática do crime de falsificação de documento, antes sendo uma quantia relativa a uma dívida existente em data anterior à prática do crime em causa, tendo a situação patrimonial do assistente (ora Autor) ficado exatamente igual antes e após a celebração do negócio de compra e venda do imóvel dos pais do ora Réu com recurso à procuração falsificada, remetendo para "o âmbito dum processo civil" o pagamento dessa quantia que o ora Réu se terá declarado devedor ao ora Autor.


G) Na decisão penal condenatória n.º 2157/12.9... foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:


"1 - O arguido (BB) é conhecido do assistente HH há mais de 20 anos, tendo mantido vários negócios com o mesmo, pelo menos até ao início do ano de 2003.


2-Em data indeterminada do ano de 2002, na sequência de negócios celebrados anteriormente, o arguido devia ao assistente o valor de 100.000,00€, não possuindo meios económicos para solver essa dívida, cujo pagamento aquele reclamava.


3- Para evitar que o assistente exigisse judicialmente o valor em dívida, o arguido gizou um plano com o propósito de o ludibriar, que consistia em vender-lhe um imóvel pertença de seus pais, fazendo-lhe crer que estava autorizado para o efeito.


4- Em execução desse plano, em data indeterminada do ano de 2002, o arguido propôs ao assistente a venda do imóvel sito na Rua ..., em ..., propriedade e residência de seus pais, propondo-lhe a venda do mesmo pelo valor de 100.000,00€, ficando tal valor por conta da liquidação da dívida.


5- Para execução do seu plano e aproveitando ausências dos seus pais do local, o arguido conduziu o assistente até ao imóvel, dando-lho a conhecer.


6-0 assistente ficou interessado na sua aquisição, aceitando a proposta do arguido.


7-Ainda em execução do seu plano, em data não inteiramente determinada do ano de 2002 ou do início do ano de 2003, mas anterior ao dia 17 de janeiro de 2003, o arguido BB, que não tinha autorização de seus pais para vender o imóvel, decidiu forjar os documentos necessários para o efeito.


8-Assim, munindo-se de uma procuração - que já tinha em seu poder, ou a que lançou mão, por forma não determinada - emitida pelo 1.º Cartório Notarial de ... (...), o arguido decidiu forjar uma nova procuração, através de montagem.


9-0 arguido datou esta procuração forjada de 23.01.2002, apôs-lhe como local de elaboração a residência de seus pais e fez dela constar que os alegados outorgantes, DD e GG, seus pais, lhe conferiam poderes para em nome deles proceder à prática de vários atos, nomeadamente à venda de imóveis.


10- Seguidamente, o arguido assinou com a sua própria letra e punho o nome de seus pais no local do documento próprio para o efeito e apôs-lhe um carimbo, usando um objeto não inteiramente identificado, mas semelhante a uma moeda antiga.


11- A tal procuração o arguido juntou uma conferência de fotocópia datada de 15.05.2002, respeitante a um outro documento.


12- Mercê da apresentação da procuração e respetivo documento de conferência falsos descritos, no dia 17 de janeiro de 2013, o arguido logrou vender ao assistente o referido imóvel - prédio urbano sito na Rua ..., freguesia da ..., inscrito na matriz sob o artigo 3758 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 25.896 - tendo sido outorgada a correspondente escritura pública no Cartório Notarial de ..., em que o arguido figura na qualidade de Procurador de seus pais, proprietários do imóvel.


13-Agindo desse modo, o arguido fez com que ficasse a constar da referida escritura pública que tinha legitimidade para proceder à sua outorga, por possuir a qualidade de Procurador dos proprietários do imóvel, facto que sabia ser falso.


14-(...)


15-0 assistente só não o perseguiu judicialmente para reclamar a dívida que o mesmo possuía para consigo, porque este o induziu em erro, fazendo-lhe crer falsamente que tinha poderes para vender o imóvel descrito.


16 - Bem sabia o arguido que a conferência de fotocópia da procuração não respeitava à procuração junta aos autos e que a procuração em causa fora por si forjada, não sendo outorgada pelos intervenientes que ali constavam, designadamente pelos seus pais, cujas assinaturas fez ele com a sua própria mão (sublinhado nosso).


17 - Sabia também que a funcionária notarial constante da procuração não a elaborara, nem assinara, tendo ele aproveitado a identidade e assinatura da mesma de uma outra procuração original.


18 - Com efeito, na data constante da procuração - 23.01.2002 -o ... Cartório Notarial de ... não efetuou qualquer registo externo correspondente à elaboração de qualquer procuração fora do Cartório Notarial, sendo certo que o número de conta que consta no final da mesma também não corresponde a nenhum elemento do arquivo daquele serviço.


19 - Os aludidos documentos apresentam, ainda, algumas desconformidades face ao habitual especto dos documentos do cartório e os selos apostos em tais documentos não são coincidentes quer quanto ao seu diâmetro, quer quanto ao seu conteúdo relativamente aos originais.


20- Ao atuar como descrito, o arguido agiu com o propósito concretizado de obter vantagens económicas indevidas à custa do património dos seus pais, colocando, também em crise a fé pública que os documentos autênticos possuem.- Agiu ele sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as respetivas condutas eram penalmente puníveis.


21- Ao longo dos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 o assistente interpelou o arguido e sua mãe para que desocupassem e entregassem o prédio mencionado em 12) supra.


22- Face ao incumprimento do solicitado, o assistente interpôs a ação executiva 2718/11.3... para entrega de tal prédio ao assistente, a qual veio a ser declarada improceden te, em face da falsificação da procuração que determinou a celebração da escritura de compra e venda mencionada em 12).


24-Até à data em que o arguido depôs em juízo, no âmbito da ação executiva 2718/11.3..., confessando ter forjado a procuração que possibilitou a celebração da escritura mencionada em 12), o assistente acreditava ser o legítimo proprietário do prédio ali mencionado. (...)".


8) A ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum n.9 1944/17.6... T8FAR foi intentado por FF contra Herdeiros Incertos de DD, pedindo o autor a condenação dos RR a reconhecerem-no como proprietário do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n9 3270/20030122 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3925 União das Freguesias de ... (...), concelho de ... (ex-artigo 3758 da extinta freguesia da ...) e a entregarem-lhe o mesmo, livre e devoluto de pessoas e bens, tendo sido admitida a intervenção principal provocada de AA, na qualidade de vendedor e interveniente na cadeia de negócios que teve por objeto o imóvel em causa.


9) CC e BB, na qualidade de únicos herdeiros de DD, deduziram contestação e pedido reconvencional pedindo que fosse declarado que o imóvel em causa lhes pertencia, tendo o autor naquela ação e o interveniente sido condenados e reconhecerem-nos como tal e ainda a ineficácia dos dois atos de disposição celebrados (escrituras de compra e venda), bem como a penhora registada sobre tal bem, por ela ser igualmente ineficaz em relação aos donos do imóvel, tendo peticionado ainda o cancelamento dos respetivos registos prediais e a condenação do autor e do interveniente como litigantes de má-fé.


10) No referido processo n.9 1944/17.6..., por decisão transitada em julgado em 28-01-2021, foi decidido:


"A) Julgar a ação totalmente improcedente, por não provada e, por conseguinte, absolver os réus dos pedidos que contra eles foram dirigidos;


B) Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, por conseguinte:


a. Declaro a ineficácia do negócio jurídico de compra e venda celebrado em 17 de janeiro de 2003 e do negócio jurídico celebrado em 28 de março de 2017, bem como da penhora registada sobre o imóvel em causa;


b. Determino o cancelamento dos registos correspondentes aos atos jurídicos declarados como ineficazes.".


11) 0 Autor pagou o IMI relativo ao prédio referido em 2) em montante não concretamente apurado.


*


II – B – Factos não Provados


Foram elencados como não provados os seguintes factos, ou seja, não se provou que:


a) No decurso do ano 2000, o Autor pretendeu vender um prédio de dois pisos de que era proprietário na Rua ..., em ...(artigo 99 da petição inicial).


b) Por, à data da venda se encontrar em França, perguntou ao l.º Réu se a companheira deste, que era solicitadora, não poderia representá-lo na venda ou tratar de uma procuração para o representarem (artigo 10.º da petição inicial).


c) Acabou por ficar combinado que seria o l.º Réu a representá-lo (artigo 1.º da petição inicial).


d) Para o efeito, o Autor passou a este uma procuração e o imóvel foi vendido, pelo valor de PTE. 20.000.000$00, correspondente a €100.000,00 (artigo 129 da petição inicial).


e) O l Réu recebeu este valor, em representação do Autor, e entregá-lo-ia a este quando o mesmo chegasse a Portugal, conforme combinado entre ambos mas nunca a entregou, apropriando-se da referida quantia de € 100.000,00 (artigos 139 e 149 da petição inicial).


f) E também manteve em seu nome os contratos de fornecimento de água e de eletricidade (artigo 909 da petição inicial).


*


III – Fundamentação de Direito


As vicissitudes da instância processual iniciada pelo A. são o denominador comum das questões que foram sendo colocadas e decididas nos presentes autos.


Repare-se:


Como resulta do relato inicial – propositadamente longo e detalhado quanto à PI, para agora não se ter que estar a mencionar os vários aspetos da narrativa produzida pelo A. – numa ação (processo 1.944/17.6...) em que o A. tinha sido interveniente principal havia sido (em último grau, neste Supremo, por Acórdão transitado em 28-01-2021) declarada a ineficácia do negócio jurídico de compra e venda celebrado em 17 de janeiro de 2003 (e do negócio jurídico “sucessivo” celebrado em 28 de março de 2017), determinando-se o cancelamento dos registos correspondentes a tais atos jurídicos, declarados como ineficazes; o que, abreviando, decorreu – como foi reconhecido em tal processo e já antes havia sido reconhecido na oposição à execução intentada pelo A. (cfr. pontos C) e D) dos factos provados) e no processo comum 2157/12.9... (cfr. pontos E), F) e G) dos factos provados) – do negócio jurídico de compra e venda celebrado em 17 de janeiro de 2003 (em que o aqui A. outorgou como comprador) ter sido celebrado, da banda da parte vendedora, com base na utilização duma procuração falsa (como está abundantemente referido nos autos, o R. forjou tal procuração para intervir, como vendedor, em representação dos seus pais, proprietários do bem/imóvel, em tal negócio jurídico de compra e venda).


Não obstante tal declaração de ineficácia – num processo em que o A. foi interveniente principal (ao lado do ali A.) e em que se discutiu e considerou não ser ao caso aplicável o art. 291.º do C. Civil – em 18/08/2021, o A., por esta ação, veio pedir (pedidos a) e b)) que fossem reconhecidos a sua boa-fé na compra e venda realizada no dia 17 de Janeiro de 2003 e o seu direito de propriedade sobre tal imóvel desde a data do mesmo, ordenando-se a reinscrição da aquisição por compra a seu favor no registo predial.


“Irregularidade processual” esta que levou a que se declarasse (em último grau, neste Supremo, por Acórdão de 11-10-2022, que confirmou o saneador sentença proferido nos autos) verificada a autoridade de caso julgado – em razão do que já havia sido decidido no processo 1.944/17.6... – em relação aos pedidos a) e b) e absolvendo os RR. de tais pedidos a) e b).


Como também resulta do relato inicial, o A., a dado passo do histórico de litígios com o R., promoveu procedimento criminal contra o R. (procedimento que correu termos no Proc. Comum Singular n.º 2157/12.9...), vindo este aí a ser condenado pela prática dum crime de falsificação de documento por sentença de 15/07/2014, confirmada por acórdão do TRE de 29/11/2016, transitado em julgado; sucedendo que foi em tal processo crime dado como provado (como consta da alínea F) dos factos provados) que o aí arguido tinha uma dívida para com o A. no valor de € 100.000,00, tendo sido dado como não provado que em contrapartida da aquisição de 17 de Janeiro de 2003 o arguido haja entregue ao ora A. a quantia de € 70.000,00 em dinheiro, o que levou a que o ora R. tivesse sido absolvido, na totalidade, do pedido cível que havia deduzido, quer por não se ter provado o pagamento de tais € 70.000,00 relativo ao preço quer por, no tocante aos € 100.000,00, tal não consubstanciar dano resultante da prática do crime de falsificação de documento, “antes sendo uma quantia relativa a uma dívida existente em data anterior à prática do crime em causa, tendo a situação patrimonial do assistente (ora Autor) ficado exatamente igual antes e após a celebração do negócio de compra e venda do imóvel dos pais do ora Réu com recurso à procuração falsificada”, tendo-se remetido “para o âmbito dum processo civil o pagamento dessa quantia que o ora Réu se terá declarado devedor ao ora Autor”.


Não obstante tal improcedência do pedido civil – e as razões apontadas para a mesma – em 18/08/2021, o A., por esta ação, veio pedir (pedidos c) e d)) que o R. seja condenado a indemnizá-lo nos montantes cuja indemnização já havia pedido no pedido cível formulado no processo-crime.


Tendo sido considerado (no saneador sentença proferido nos autos) que, em relação ao valor de € 70.000,00 deduzido nos pedidos c) e d) e em relação ao valor de € 2.660,00 deduzido/contido no pedido c), se verifica a exceção de caso julgado – em razão do que já havia sido decidido no pedido cível formulado/decidido no referido processo-crime – e, em consequência, foi o R., sem censura do A., absolvido da instância em relação a tais pedidos.


A partir daqui, como se assinala no relato inicial, a instância processual só se manteve e prosseguiu para apreciação do pedido indemnizatório de € 100.000,00 formulado em c) e d) (e também para a indemnização pelos prejuízos “decorrentes da celebração da escritura e do pagamento de impostos”).


E com a sentença proferida na 1.ª Instância – de que o A. não apelou – ainda se reduziu um pouco mais o objeto duma possível revista, como a presente, por parte do A.: efetivamente – como acertadamente se observou na sentença da 1.ª Instância – “(…) a situação dos autos, em que no âmbito da escritura referida em B) dos factos provado, o Réu declarou vender ao Autor o imóvel aí referido em representação dos seus pais mediante procuração falsa, não configura qualquer declaração não séria nos termos do artigo 245º do Código Civil, dado que ao apresentar a procuração falsa, o Réu, embora cometendo um crime de falsificação de documento, não emitiu uma declaração jocosa, trocista, publicitária, etc., pelo que não há qualquer declaração não séria na apresentação da procuração falsa a fim de que fosse outorgada a escritura de compra e venda (…)”, ou seja, afastou-se a procedência do pedido indemnizatório formulado no pedido c) (mais exatamente, afastou-se o que ainda não estava afastado em tal pedido c)).


Ficava pois a sobrar – de tudo o que A. havia pedido – parte do pedido d), mais precisamente a parte em que o A. pedia que o R. fosse condenado a pagar-lhe € 100 000,00, “a título de indemnização pela apropriação ilícita desse valor”, e ainda € 10.220,00 pelos prejuízos decorrentes do pagamento de despesas e impostos decorrentes da aquisição.


Tendo tudo isto presente, chegados à revista – e delimitando o seu objeto – apenas estão em causa, de tal pedido d), os € 100.000,00 (os € 10.220,00 foram julgados improcedentes na 1.ª Instância e não houve apelação por parte do A.).


Debrucemo-nos pois – tendo presente todo o “histórico” de litígios e decisões – sobre o objeto da revista, o mesmo é dizer sobre os € 100.000,00 do pedido d):


E a primeira observação a fazer é a de que a 1.ª Instância não podia condenar o R. em tal quantia com base e a partir da relação de empréstimo que deu como provada (e que consta da alínea A) dos factos provados).


Escreveu-se na sentença da 1.ª Instância que, “subsidiariamente, o A. pretende que se condene o R. a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 a título de indemnização por apropriação ilícita desse valor, sendo certo que não se apurou que esse valor foi entregue ao R. na qualidade de procurador do A.”; continuando, acrescentou-se na sentença da 1.ª Instância que, “na situação dos autos, não houve qualquer apropriação ilícita desse valor, mas sim um empréstimo desse montante por parte do A. ao R., tal como resulta do facto A) dado como provado” e, não se detendo, aplicou-se na sentença da 1.ª Instância o direito a tal facto, declarando-se formalmente válido o contrato de mútuo23 e condenando-se o R. a restituir a quantia mutuada (os 100.000,00) ao A..


Configura a aplicação do direito a tal facto – como bem considerou o Acórdão recorrido – um excesso de pronúncia e também uma condenação em objeto diverso do pedido, ou seja, a sentença da 1.ª Instância padeceu, na condenação proferida, da nulidade prevista no artigo 615.º/1/d) in fine do CPC e da nulidade prevista no artigo 615.º/1/e) in fine do CPC.”24


No centro de tais nulidades – mais do que o que deve entender-se por nulidade de excesso de pronúncia ou por nulidade de condenação em objeto diverso do pedido – está o modo de compatibilizar/conciliar o princípio que concede ao juiz liberdade na indagação do direito aplicável (com expressão no art. 5.º/3 do CPC) com o princípio do dispositivo, com os limites que o objeto do processo, traçado pelas partes, coloca a tal indagação.


E a concretização de tal compatibilização, sem prejuízo das considerações teóricas que o tema suscita, tem sempre que ser feita a partir dos exatos contornos do caso concreto, havendo claramente casos em que ao juiz cabe (não só pode, como deve) requalificar juridicamente as alegações das partes e outros casos em que uma determinada requalificação jurídica está vedada por ultrapassar abertamente o domínio definido pelo objeto do processo.


Para o que mais uma vez releva o longo, detalhado e exaustivo relato da petição inicial, onde em momento algum, sequer ao de leve, se alude a uma relação de empréstimo entre A. e R.25: fora de qualquer dúvida, refere/invoca o A. que é a título indemnizatório, por causa de um comportamento ilícito imputado ao R. e que lhe causou danos a ele/A., que este pretende que o R. seja condenado a pagar-lhe tais € 100.000,00 (aliás, a própria sentença da 1.ª Instância, imediatamente antes de dar o “salto” para o empréstimo, não deixa de reconhecer que “o A. pretende que se condene o R. a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 a título de indemnização por apropriação ilícita desse valor”).


Sendo este os contornos do caso, a referida compatibilização – entre o princípio do conhecimento oficioso do direito e os limites fixados pelo objeto do processo – não podia deixar de afastar, a requalificação jurídica (de indemnização para restituição do valor do empréstimo), uma vez que, para tal, o tribunal teria de proceder e operar uma “transmutação” do objeto do processo.


Como se refere no Ac. deste STJ de 18/09/201826, “(…) não basta uma mera qualificação jurídica dos factos alegados diferente da pretendida pelas partes para se concluir por causa de pedir diferente, posto que ao tribunal incumbe proceder às qualificações jurídicas que tiver por corretas, ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do CPC, de modo a esgotar as possíveis qualificações dos factos alegados em função do efeito prático-jurídico pretendido, segundo o denominado “princípio de exaustão”. “Importa, no entanto, moderar essa liberdade de qualificação no sentido de não permitir uma convolação qualificativa tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando mesmo contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa”.


Foi exatamente o referido em último lugar que foi feito pela sentença da 1.ª Instância, conduzindo a convolação da qualificação jurídica operada a uma tutela de conteúdo diferente da pedida pelo A..


Consiste o pedido no efeito jurídico que se pretende obter com a ação (cfr. art. 581.º/3 do CPC), mais exatamente, no efeito prático-jurídico que o autor pretende obter (ou seja, num caso em que se invoque a nulidade dum contrato, o efeito prático-jurídico serão os efeitos restitutórios – a restituição do que, em razão do contrato, antes havia sido prestado).


Consiste a causa de pedir – sendo orientação corrente que a nossa lei (atual art. 581.º/4 do CPC e anterior 498.º) acolhe a doutrina da substanciação – no facto jurídico que está na base da pretensão deduzida (cfr. art.º 581.º/4, do CPC), “que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido27, consubstanciando-se na concreta factualidade alegada como fundamento do efeito prático-jurídico pretendido, factualidade esta que releva no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º/3 do CPC.


Assim, entende-se que, para delimitar a causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.


Segundo Teixeira de Sousa28, «A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. (…) Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstrato, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais. (…) Assim, embora a diferenciação de causas de pedir seja feita, em regra, por via da conjugação da concreta factualidade alegada com o aludido quadro normativo aplicável, casos há em que a mesma factualidade empírica é suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir. (…) Em suma, sendo o pedido e a causa de pedir conceitos de matriz e função processual, a sua densificação ou concretização, em termos de determinar em concreto cada causa de pedir, só poderá ser feita com base nas normas substantivas aplicáveis à situação litigiosa singular.»


Temos pois que a condenação do R. com fundamento em responsabilidade contratual (decorrente do incumprimento do dever de restituir a quantia emprestada) operava, a pretexto duma requalificação jurídica (não se diz, mas estaria implícito), uma alteração do pedido e da causa de pedir, situando-se fora do objeto processual delineado pelo A..


A liberdade de apreciação da matéria de direito por parte do juiz – pese embora o modo amplo como, no art. 5.º/3 do CPC, se diz que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” – tem limites, como sejam as que decorrem do princípio do dispositivo (art. 3.º/1 do CPC), do princípio do contraditório (art 3.º do CPC), do princípio da estabilidade da instância (arts. 264.º e 265.º do CPC), das regras da preclusão (art. 573.º do CPC) ou do princípio do pedido (art. 609.º do CPC); e tal limitação ocorre quando, como era/é o caso, a requalificação se situa fora do objeto processual, quando, pretendendo o A. que lhe seja concedida uma indemnização de € 100.000,00 com origem, segundo o A., na apropriação de tal verba pelo R. (na sequência de haver recebido tal verba, em representação do A., não lha entregando e apropriando-se dela”), o tribunal é colocado perante a não ocorrência de tal apropriação, mas sim perante uma configuração fáctica totalmente diversa (sem prejuízo de esta configuração fáctica poder conduzir a um crédito de € 100.000,00 do A. sobre o R.).


O princípio segundo o qual jura novit curia – isto é, o princípio da liberdade de julgamento quanto às regras de direito – é, como se referiu, limitado pelo princípio do dispositivo e, estando o thema decidendum limitado pelo que o A. havia alegado (para obter a indemnização), não podia/devia, em rigor, o tribunal dar sequer como provado o que consta da alínea A) dos factos provados29 e, tendo incluído tal facto no elenco dos factos provados, não o podia ter usado para requalificar juridicamente, com base nele, a pretensão do A. e para condenar o R. com base e a partir de tal requalificação.


“Requalificar juridicamente” é, com base no que, em termos essenciais, foi alegado, percorrer um outro percurso jurídico que ainda cabe no espetro da causa de pedir e do pedido traçados pelo A., “cabimento” que, admite-se, é/será controverso em certos casos e percursos jurídicos, porém, nunca há “cabimento” quando, como aconteceu na sentença, se abandona completamente o que, em termos essenciais, foi alegado30 e se utiliza um facto essencial novo para efetuar a pretensa “requalificação jurídica”.


O que vimos de dizer – não poder a sentença da 1.ª Instância condenar o R. com base no incumprimento da obrigação de restituir o empréstimo – é no caso, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, bastante evidente, a ponto de, verdadeiramente, se poder dizer que não se situa aqui o foco da divergência do A. em relação ao decidido pelo Acórdão recorrido: efetivamente, o A. não diz, em momento algum da sua alegação recursiva, que o empréstimo era também a causa de pedir e/ou que o tribunal podia/devia condenar com base e a partir de tal causa de pedir.


O que o A./recorrente diz, se bem entendemos, é que “pediu a condenação do Réu na reparação do prejuízo que a sua conduta ilícita lhe causou”, que tal “conduta ilícita do Réu foi a falsificação de uma procuração com a qual efetuou uma falsa venda/ dação em pagamento ao Autor”, o que fez com que “ficasse sem o imóvel e sem o valor de 100.000,00 € que a dação se destinara a pagar”, sendo esta “a principal causa de pedir da ação, ficando o tribunal “preso” a factos que não consubstanciavam a verdadeira causa de pedir, nem eram, sequer, factos essenciais à procedência da pretensão do A.”.


Olhando mais uma vez para o longo, detalhado e exaustivo relato da petição inicial, não podemos deixar de dizer – qualificando com rigor (ainda que diferentemente do modo como o A. o fez) o que foi alegado – que a causa de pedir do pedido dos € 100.000,00 pedidos em d) decorre do incumprimento, por parte do R., dum contrato de mandato, nos termos do qual, segundo a alegação do A., o R., em representação do A., ficou incumbido de proceder à venda de um imóvel pertencente ao A., devendo entregar-lhe os 20.000.000$00 recebidos a título de preço, entrega que o R. nunca fez; e neste estrito contexto pode dizer-se que os € 100.000,00 seriam devidos a título de responsabilidade contratual (art. 1161.º/e do C. Civil) e não de indemnização, sendo este um caso, em linha com o que acima referimos, de evidente possibilidade de requalificação (concedendo a título de responsabilidade contratual o que o A. configurou como indemnização).


Sucede, como já está abundantemente referido, que nada disto – o contrato de mandato e o recebimento dos 20.000.000$00 no âmbito de tal contrato – se provou, razão pela qual o A. vem dizer que a causa de pedir do pedido de € 100.000,00 formulado em d) é a “conduta ilícita do Réu [consistente na] falsificação de uma procuração com a qual efetuou uma falsa venda/ dação em pagamento ao Autor”.


E de facto, estando tal factualidade alegada na PI, não haveria obstáculo processual à sua possível configuração como causa de pedir do pedido formulado em d) (pedido em que se diz, explicitamente, que a sua é formulado a “título de indemnização”), tanto mais que o percurso jurídico que a partir de tal factualidade poderia ser feita caberia no espetro (e vinha no seguimento) da causa de pedir respeitante ao incumprimento, por parte do R., do contrato de mandato alegado pelo A..


Sucede – é o ponto – que há obstáculo processual ao conhecimento da causa de pedir (do pedido formulado em d)) assim configurada.


É que foi exatamente tal causa de pedir e o pedido correspondente que foram conhecidos no pedido cível deduzido no âmbito do processo comum. n.º 2157/12.9... e como consta da alínea F) dos factos provados o aqui R. (e ali arguido) foi absolvido do pedido respeitante a tal causa de pedir.


Escreveu-se (como consta da alínea F) dos factos e já acima se reproduziu) na sentença do referido processo comum que é decretada a improcedência do pedido cível, “(…) no tocante aos € 100.000,00, embora existisse a dívida, por o pagamento não poder ser exigido no âmbito de pedido de indemnização cível, por não consubstanciar dano resultante da prática do crime de falsificação de documento, antes sendo uma quantia relativa a uma dívida existente em data anterior à prática do crime em causa, tendo a situação patrimonial do assistente (ora Autor) ficado exatamente igual antes e após a celebração do negócio de compra e venda do imóvel dos pais do ora Réu com recurso à procuração falsificada, remetendo para "o âmbito dum processo civil" o pagamento dessa quantia que o ora Réu se terá declarado devedor ao ora Autor”.


A propósito da causa de pedir que o A. agora vem invocar como sendo a do pedido de € 100.000,00 formulado em d) – ou seja, a “conduta ilícita do Réu [consistente na] falsificação de uma procuração com a qual efetuou uma falsa venda/ dação em pagamento ao Autor” – verifica-se pois a exceção do caso julgado, exatamente pelas mesmas razões que conduziram, sem censura do A., a considerar-se verificado, no saneador/sentença, o caso julgado em relação ao montante de € 70.000,00 também referido no pedido formulado em d).


Aliás, o saneador/sentença, como é bom de ver, só não terá também declarado verificada a exceção do caso julgado em relação a tais € 100.000,00 por ter considerado, como é muito evidente da redação que logo a seguir deu ao objeto do litígio e aos temas da prova, que a ação apenas seguia para “apurar se o R. recebeu a quantia de 100.000,00 na qualidade de procurador do A. e fez a mesma sua contra a vontade deste”, ou seja, por haver afastado a configuração da causa de pedir/pedido como o A./recorrente agora pretende/invoca.


Seja como for, é o que releva, mesmo admitindo que se possa extrair da factualidade alegada na PI a causa de pedir agora invocada, o certo é que há obstáculo processual – a exceção de caso julgado já declarada, por idênticas razões, no saneador/sentença – à sua apreciação/conhecimento.


A remessa “para o âmbito dum processo civil”, efetuada no final da transcrição da sentença do processo-crime, significava mesmo que no posterior processo cível (neste processo cível) o A. deveria invocar, como causa de pedir, o incumprimento da relação de mandato (daí que as Instâncias não hajam sequer ponderado a causa de pedir agora invocada: não é “normal” que uma parte repita uma causa que já foi julgada e, se houver outra “leitura”, não se vai dizer que ela está a repetir a causa já julgada, antes de dizendo/admitindo que é a outra possibilidade que está a ser invocada/pedida).


Uma outra hipótese de posterior processo civil seria o A. vir pedir os efeitos da nulidade (art. 289.º/1 do C. Civil) da compra e venda realizada em 17/01/2003: em relação aos pais do R. (proprietários do prédio) era, como foi declarado, o negócio ineficaz, mas, nas relações “internas” (entre o A. e o R.), era/é o negócio nulo (art. 892.º do C. Civil), porém, esta hipótese – que, pelas razões supra referidas, também não cabe numa requalificação jurídica do que foi alegado pelo A. – não seria de grande proveito para o A., uma vez que nada haveria a restituir pelo R. ao A. (nada foi entregue, por ocasião do negócio31, ao R.: os € 100.000,00, como o A. reconhece, não foram entregues em tal ocasião e os € 70.000,00 não se provou que hajam sido entregues).


Enfim, não é a primeira vez que o R. admite32, num processo, que deve € 100.000,00 ao A. e continua sem ser condenado a pagar tal verba ao A..


Dominando-se as regras processuais, não é assim tão estranho: é que um tribunal só pode condenar alguém num direito de crédito se lhe for exposta, por quem exige o cumprimento, a fonte/causa de tal crédito (é uma decorrência do chamado “princípio do contrato”), o que também significa que teria sido fácil, no caso, o A. obter a condenação do R. nos € 100.000,00: bastaria o A., quando o R., na audiência, admitiu que lhe devia 100.000,00, mas de empréstimos, aceitar tal confissão e pedir a alteração da causa de pedir, nos termos do art. 265.º/1 do CPC33.


É quanto basta para, na improcedência do agora invocado pelo A./recorrente, confirmar o Acórdão recorrido.


*


IV - Decisão


Nos termos expostos, nega-se a revista.


Custas da presente Revista pelo respetivo recorrente.


*


Lisboa, 12/12/2023


António Barateiro Martins (Relator)


Luís Espírito Santo


Rui Gonçalves


______________________________________________

1. Art. 12.º da PI.↩︎

2. Art. 13.º da PI.↩︎

3. Arts. 14.º e 15.º da PI.↩︎

4. Art. 17.º da PI.↩︎

5. Art. 21.º da Pi.↩︎

6. Art. 44.º da PI,.↩︎

7. Art. 47.º da PI.↩︎

8. Art. 48.º da PI.↩︎

9. Art. 56.º da PI.↩︎

10. Art- 57.º da PI.↩︎

11. Art. 58.º da PI↩︎

12. Art. 59.º da PI.↩︎

13. Arts- 63.º e 64.º da PI.↩︎

14. Art. 68.º da PI.↩︎

15. Arts. 93.º e 94.º da PI.↩︎

16. Art. 87.º da PI.↩︎

17. Art. 100.º da PI.↩︎

18. Art. 106.º da PI.↩︎

19. Arts. 130.º a 135.º da PI.↩︎

20. Art. 136.º e 137.º da PI.↩︎

21. Arts. 142.º, 143.º e 146.º da PI↩︎

22. Art. 147.º da PI.↩︎

23. À época, estaria em vigor a redação dada ao art. 1143.º do C. C pelo DL 343/98 que dizia que “o contrato de mútuo de valor superior a 20000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário”, pelo que não se vê como é que o facto provado A) possa dar lugar a um contrato de mútuo formalmente válido.↩︎

24. E, antes disso, como também se refere no Ac. recorrido, a identificação do objeto do litígio e o correspondente tema da prova também não podiam ter a formulação genérica que lhe foi dada, não cumprindo devidamente a sua função essencial de balizamento da instrução.↩︎

25. A sentença, a seguir ao facto provado A), mencionou os artigos 84.º a 86.º da PI, querendo significar que tal facto resultava do alegado em tais artigos, mas tais artigos não falam dum qualquer empréstimo (falam da “dívida” que antes havia sido mencionada pelo A. e que nada tinha a ver com um empréstimo).↩︎

26. Processo 21.852/15.4T8PRT.S1, in ITIJ.↩︎

27. Antunes Varela, Manual de Processo, pág. 234.↩︎

28. Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 395 e ss. (395, 401-402).↩︎

29. Nem o A. com a reclamação apresentada contra a identificação do objeto do litígio e a enunciação do tema de prova pretendia que um tal facto – empréstimo – pudesse vir a ser dado como provado.↩︎

30. Repare-se que o que, em termos essenciais, foi alegado pelo A. ficou totalmente não provado (como consta das alíneas a) a e) dos factos não provados).↩︎

31. Em que, recorda-se, foi declarado o valor de € 50.000,00.↩︎

32. Como consta da motivação de facto da sentença, o facto provado A) baseou-se apenas nas declarações do R., que referiu “que o A. lhe emprestou dinheiro que ia pagando como podia, mas ainda lhe deve € 100.000,00”.↩︎

33. Em vez disso, porém, veio o A. invocar o enriquecimento sem causa e pedir a ampliação do pedido, o que, naturalmente, tendo havido oposição do R., não foi admitido: como vem sendo repetidamente decidido, o não se provar a causa invocada duma deslocação patrimonial não significa ou equivale à prova positiva da deslocação patrimonial ter falta de causa e é isto que é exigido (cfr. 473.º/1 do C. Civil) como requisito para o funcionamento do instituto do enriquecimento sem causa (para além do que tal ampliação representaria em termos de alteração da causa de pedir e do pedido).↩︎