Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
| Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM HOMICÍDIO HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTATIVA OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES QUALIFICAÇÃO JURÍDICA MOTIVO FÚTIL ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE MEDIDA DA PENA PENA PARCELAR PENA ÚNICA | ||
| Data do Acordão: | 12/09/2020 | ||
| Nº Único do Processo: | | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1. O Ministério Público acusou, para julgamento em processo comum e perante Tribunal Colectivo, o arguido: AA, divorciado, trabalhador da construção civil, nascido a ...05.1966, em … (…), filho de BB e de CC, residente na Rua …, n.º …, …., …, e actualmente preso preventivamente no E.P. de … à ordem dos presentes autos, Da prática dos factos descritos a fls. 389 a 393, pelos quais lhe imputa a autoria material e em concurso real, de: a) um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do Código Penal; b) um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do Código Penal; e c) dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, ns. 1, al. a), e 2, por referência às als. e) e h) do n.º 2 do art.º 132.º, todos do Código Penal. DD e mulher, EE, por si e na qualidade de filho e nora, respectivamente, da ofendida falecida FF, GG, HH, II e JJ, na qualidade de filhos daquela ofendida falecida, constituíram-se assistentes, tendo deduzido acusação contra o arguido, acompanhando a do Ministério Público, e deduziram pedido de indemnização cível contra o arguido, peticionando a condenação deste a pagar-lhes: i) a quantia de 1.950,00 € (mil novecentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros desde a prática dos factos lesivos; ii) a quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros), a título de indemnização pela perda do direito à vida de FF, acrescida de juros desde a notificação do pedido, tudo até efectivo e integral pagamento; iii) a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), a cada filho demandante, pelos danos não patrimoniais decorrentes da morte da vítima, acrescida de juros desde a notificação deste pedido, até efectivo e integral pagamento; iv) a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados ao demandante DD, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a prática do facto ilícito até efectivo e integral pagamento; v) a quantia de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados à demandante EE, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a prática do facto ilícito até efectivo e integral pagamento. Também o ofendido LL se constituiu assistente, tendo deduzido acusação contra o arguido, acompanhando a do Ministério Público, e deduziu pedido de indemnização cível contra aquele, peticionando a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados de montante não inferior a €10.000,00 (dez mil euros). O Instituto da Segurança Social, I.P. deduziu contra o arguido pedido de reembolso de subsídios pagos aos beneficiários LL - 202,13 € no período de 22.04.2019 a 11.05.2019 -, EE - 358,59 € no período de 22.04.2019 a 27.05.2019 - e DD - 2.832,47 € no período de 21.04.2019 a 03.12.2019 -, no total de 3.393,19 €. Efectuado o julgamento no Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Central Criminal de …. - Juiz 3, por acórdão proferido em 20 de Maio de 2020, foi deliberado: «Quanto à parte criminal: A) Absolver o arguido AA da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pessoa de FF, p.p. pelos arts. 131.º, e 132.º, ns. 1 e 2, al. e), do Código Penal; B) Condenar o arguido AA como autor imediato de um crime de homicídio, na forma consumada, na pessoa de FF, p.p. pelo art.º 131.º, do Código Penal, na pena de 13 (treze) anos de prisão; C) Condenar o arguido AA como autor imediato de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, p.p. pelos arts. 131.º, e 132.º, ns. 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; D) Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de LL, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), do Código Penal; E) Condenar o arguido AA como autor imediato de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, na pessoa de LL, p.p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; F) Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), do Código Penal; G) Condenar o arguido AA como autor imediato de um crime de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, na pessoa de EE, p.p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; H) Condenar o arguido AA, em cúmulo, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão; Quanto à parte cível: I) Condenar o demandado AA a pagar aos demandantes DD, GG, HH, II e JJ, a título de danos patrimoniais, a quantia de 1.950,00 € (mil novecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil - art.º 805.º, n.º 3, do Código Civil - até efectivo e integral cumprimento, devendo, contudo, ser descontado o valor que os demandantes tenham recebido ou venham a receber da Segurança Social, a título de subsídio de funeral, nos termos do art.º 3.º, ns. 1, al. b), e 3, do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto; J) Condenar o demandado AA a pagar aos demandantes DD, GG, HH, II e JJ, a título de danos não patrimoniais (dano pela perda do direito à vida da ofendida FF), a quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; K) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante DD, a título de danos não patrimoniais (dano sofrido pelos familiares da vítima FF com a sua morte), a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; L) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante GG, a título de danos não patrimoniais (dano sofrido pelos familiares da vítima FF com a sua morte), a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; M) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante HH, a título de danos não patrimoniais (dano sofrido pelos familiares da vítima FF com a sua morte), a quantia de 22.500,00 € (vinte e dois mil e quinhentos euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; N) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante II, a título de danos não patrimoniais (dano sofrido pelos familiares da vítima FF com a sua morte), a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; O) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante JJ, a título de danos não patrimoniais (dano sofrido pelos familiares da vítima FF com a sua morte), a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; P) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante DD, a título de danos não patrimoniais próprios deste, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; Q) Condenar o demandado AA a pagar à demandante EE, a título de danos não patrimoniais próprios desta, a quantia de 6.500,00 € (seis mil e quinhentos euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; R) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante LL, a título de danos não patrimoniais próprios deste, a quantia de 6.500,00 € (seis mil e quinhentos euros), já actualizada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que venha a ser legalmente fixada, contados desde a presente data até efectivo e integral cumprimento; S) Condenar o demandado AA a pagar ao demandante Instituto da Segurança Social, I.P., a quantia de 3.393,19 € (três mil trezentos e noventa e três euros e dezanove cêntimos), a título de reembolso das prestações concedidas provisoriamente por aquele aos ofendidos LL, EE e DD, a título de subsídio de doença; T) Absolver o demandado AA de todo o restante peticionado pelos demandantes; […].» 2. Desta decisão interpuseram recurso o Ministério Público e o arguido, rematando a respectiva com as conclusões que se transcrevem: 2.1. Recurso do Ministério Público CONCLUSÕES: 1 – A nossa discordância reporta-se à qualificação jurídica efetuada pelo tribunal quanto ao crime de homicídio praticado pelo arguido na pessoa de FF e aos crimes de ofensa à integridade física praticados pelo arguido na pessoa de LL e EE, por considerarmos que atentos os factos dados como provados verifica-se a circunstância qualificativa prevista na alínea e) do nº2 do artº132º do Código Penal e, em consequência, o tribunal deveria ter condenado o arguido também pela prática do crime de homicídio qualificado na pessoa de FF p. e p. pelos arts. 131.º, e 132.º, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal; e pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de LL e de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal 2 - A nossa discordância reporta-se também quanto à pena aplicada ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada na pessoa de DD, p e p. pelos artºs 131º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal e, em consequência, à pena única, por benevolentes. 3 - Conforme delimitação atrás referida, não questionamos o factualismo dado como assente pelo Tribunal, pelo que, por desnecessário, não procederemos à transcrição desses factos, embora aqui os demos para todos os efeitos como reproduzidos. 4 - O tribunal considerou verificada a qualificativa agravante prevista no artº 132º, nº 2, al. e) do Código Penal - motivo fútil - quanto ao crime de homicídio na forma tentada praticado pelo arguido na pessoa de DD, com o que concordamos inteiramente por corresponder aos factos dadas como provados e à prova produzida em audiência de julgamento. 5 - O tribunal considerou não verificada a mesma qualificativa agravante prevista no artº132º, nº 2, al. e) do Código Penal - motivo fútil - quanto ao crime de homicídio na forma consumada na pessoa de FF e quanto aos crimes de ofensa à integridade física na pessoa de LL e EE praticados pelo arguido. 6 - Quanto aos crimes de ofensa à integridade física praticados pelo arguido na pessoa dos ofendidos LL e EE o tribunal afastou a mesma qualificativa agravante prevista no artº132º, nº2, al.e) do Código Penal – motivo fútil - porque entendeu que o motivo que originou a agressão corporal do arguido na pessoa do ofendido LL e a agressão mortal na pessoa de FF foi o facto de terem tentado impedir a agressão do arguido na pessoa do ofendido DD, filho da FF; 7 - Sucede, porém que ao contrário do considerado pelo tribunal o motivo que originou a agressão dirigida pelo arguido aos elementos do grupo, constituído por todos os ofendidos, tal como resulta da matéria de facto dada como provada sob o ponto 1, que se encontrava no exterior do café foi só e apenas um e o mesmo, ou seja, o cantarolar de uma música pelo ofendido DD a uma criança do mesmo grupo, que o arguido pensou, erroneamente, que lhe era dirigida e que era a gozar consigo. 8 - Como muito bem refere o tribunal, a atuação criminosa do arguido ocorreu relativamente a pessoas que não conhecia e com quem não tinha qualquer desavença e o catalisador da dita actuação foi uma música cantarolada no exterior do café “…” pelo ofendido DD para uma criança que se encontrava no grupo em que se inseria e que o arguido entendeu, erroneamente, ser dirigida a si com a intenção de o humilhar; o arguido irrompeu de forma inesperada e sem aviso para todos os ofendidos, com violência e com intenção de lhes causar dano à vida, mediante o uso de um instrumento corto-perfurante, concluindo que todo este circunstancialismo torna a motivação do arguido incompreensível e inaceitável para uma consciência jurídica sã. 9 - O arguido “atacou” os ofendidos munido com um objeto corto perfurante de forma repentina e com manifesta violência apenas porque entendeu que a musica que um dos ofendidos cantarolava se destinava a si e que era a gozar consigo, apesar de os ofendidos se encontrarem a conviver entre si no exterior do café e o arguido se encontrar no interior e sem que tenha alguma vez tido algum conflito com qualquer um dos ofendidos com quem não tinha qualquer contacto. 10 - Assim, basta atentar na matéria de facto provada e na descrição dos factos praticados pelo arguido que começou por agredir o ofendido DD e quando os ofendidos LL e EE se aproximaram desferiu também nestes ofendidos vários golpes e quando a vitima FF, se interpôs, entre o arguido e o seu filho DD de imediato a agrediu, violentamente, em várias partes do corpo principalmente na cabeça com o mesmo objeto corto perfurante que empunhava, provocando-lhe a morte. 11 - Como se alcança da matéria de facto dada como provada não existiu qualquer hiato nem interrupção da atuação do arguido entre o momento que este agride o ofendido DD e o momento em que agride os ofendidos LL, EE e mortalmente a FF. 12 - Os ofendidos encontravam-se todos juntos no exterior do café e o arguido saiu do interior do café e “atacou” o grupo. 13 - É certo que se dirigiu primeiro ao ofendido que cantarolava a música mas de seguida e sem qualquer hiato atacou e agrediu os ofendidos LL e EE e a vítima FF. 14 - O motivo que o determinou a dirigir-se repentina e, violentamente, ao grupo foi o cantarolar da música pelo ofendido DD que o fazia dirigido a uma criança que também ali se encontrava e era filho do ofendido LL. 15 - Dir-se-á ainda que a criança e a mãe desta, a testemunha MM, que também ali se encontravam não foram agredidas porque esta se afastou do local levando com ela a filha ao colo, ou seja, o arguido atacou e agrediu todos aqueles que ali se encontravam motivado apenas por ter entendido que a musica cantarolada por um dos ofendidos era dirigida a si e a gozar consigo. 16 - A ofendida EE foi agredida pelo arguido porque também se encontrava no local e junto ao ofendido DD e demais ofendidos; o arguido agrediu corporalmente esta ofendida motivado pelo cantarolar da música pelo ofendido DD a uma criança filha do ofendido LL, pois foi esse o motivo que o determinou a sair do café e agredir o grupo de pessoas constituído pelos ofendidos. 17 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se verifica qualquer ausência de motivo na agressão exercida pelo arguido na pessoa de EE como considerou o tribunal. 18 - A agressão do arguido na pessoa do ofendido DD e na pessoa dos ofendidos LL e EE e na pessoa da FF diz respeito à mesma e única resolução do arguido de agredir e “atacar” o grupo de pessoas onde os ofendidos se encontravam, não se vislumbrando qualquer interrupção da atuação do arguido após ter iniciado a agressão a um dos elementos do grupo, atenta a dinâmica dos acontecimentos descrita na matéria de facto dada como provada. 19 - É precisamente o que decorre dos factos dados como provados sob os pontos 1 a 6 e sob o ponto 19: “O arguido sabia ainda que ao agir do modo supra descrito, movido apenas pela circunstância do ofendido DD estar a cantarolar uma música que ele achou ser a gozar consigo, tal facto lhe era especialmente censurável por consistir num motivo insignificante e irrelevante.”. 20 - Pelo que, o tribunal ao não considerar que o arguido atuou com o motivo fútil na agressão física aos ofendidos LL e EE e na agressão mortal à FF foi incoerente com a matéria de facto dada como provada e com o raciocínio que até aí desenvolveu, designadamente, quando decidiu que o arguido quando se dirigiu ao grupo e agrediu o DD atuou com especial censurabilidade e com motivo fútil. 21 - A atuação do arguido na agressão que exerceu na pessoa dos ofendidos LL e EE e na pessoa da vitima FF é ainda mais censurável, uma vez que o arguido atingiu-os com o objeto corto perfurante que detinha, sem que os mesmos tivessem dito algo ou tivessem alguma reação que o mesmo pudesse ter entendido como dirigido a si, a não ser o facto de se encontrarem naquele local, na companhia e junto ao ofendido DD e, nomeadamente, o ofendido LL e a vitima FF a tentar impedir que o arguido atingisse corporalmente o filho desta. 22 - Salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, o tribunal ao considerar para a mesma conduta do arguido, que quanto à agressão do ofendido DD se verifica a qualificativa motivo fútil e quanto à agressão física na pessoa dos ofendidos LL e EE e à agressão mortal na pessoa da FF já não se verifica tal circunstância, pelo simples motivo de ter considerado que a agressão ao ofendido LL só ocorre quando este tentou socorrer o ofendido DD quando este está a ser agredido pelo arguido e a agressão mortal à vitima FF só ocorre por esta se ter interposto entre o arguido e o seu filho de modo a salvaguardar a vida deste, e quanto à agressão à ofendida EE por ter considerado não ter sido possível determinar a motivação que presidiu à atuação do arguido; incorreu em errada qualificação jurídica ao afastar a circunstância qualificativa, motivo fútil, prevista na alínea e) do nº2 do artº132ºdo Código Penal quanto às agressões físicas nas pessoas dos ofendidos LL e EE e quanto à agressão mortal na pessoa de FF. 23 - As circunstâncias e o modo como foram praticados os crimes pelo arguido são reveladoras de particular censurabilidade e perversidade, pois o arguido atingiu corporalmente os ofendidos LL e EE e atingiu mortalmente a vitima FF quando estes se encontravam no exterior do café a conviverem entre si e com o ofendido DD sem que alguma das pessoas do grupo tenha dirigido qualquer palavra ao arguido, atuando repentina e, violentamente, com um objeto corto perfurante no corpo dos ofendidos, colocando-os sem qualquer hipótese de defesa, atuando com manifesta insensibilidade e indiferença pela integridade física e vida humana e, consequentemente, especial censurabilidade e perversidade. 24 - Pelo que, além da verificação da qualificativa prevista na al. e) do nº2 do artº132º do Código Penal verifica-se que as circunstâncias evidenciadas supra revelam especial perversidade e censurabilidade. 25 - Os factos praticados pelo arguido revelam na sua globalidade um estado de espirito de franca e evidente insensibilidade e desprezo, indiferença para com o valor jurídico da vida e uma deficiência de carácter, todos os fatores apreciados em conjunto criam um cenário de especial censurabilidade aferidos por uma manifesta agravação da medida da culpa do arguido e do correspondente juízo de censura, sendo evidentes os aspetos desvaliosos da conduta do arguido e facetas da sua personalidade particularmente negativas. 26 - Pelo que, além da verificação do exemplo padrão previsto na alínea e) do nº2 do artº132º do Código Penal, as circunstâncias em que ocorreram os factos dados como provados revelam especial censurabilidade e perversidade nos termos do nº1 do artº132º do Código Penal. 27 - A conduta do arguido revela especial censurabilidade e perversidade além de se verificar o motivo fútil, de modo a mostrar-se verifica a qualificativa prevista no artº132º, nº2, al.e) do Código Penal. 28 - Em consequência, atenta a matéria de facto dada como provada, deverá ser alterada a qualificação jurídica e o arguido condenado, além do mais, pela prática: - de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pessoa de FF, p.p. pelos arts. 131.º, e 132.º, ns. 1 e 2, al. e), do Código Penal; - de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de LL, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal; - de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal. 29 - Entendendo-se, como nós, que o Tribunal deveria ter condenado o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, consumado, na pessoa de FF, p. e p., pelos artsº 131º, nº1 e 132º, nºs 1 e 2, al.e) do Código Penal teria de definir a pena concreta dentro dos limites abstratamente previstos naquele tipo legal de crime, ou seja, entre 12 a 25 anos de prisão. 30 - Para determinação da medida da pena tem o Tribunal, como preceitua o artigo 71º, nº 1 e 2, do Código Penal, de atender à culpa do agente e necessidade de prevenção, devendo designadamente atender ao grau de ilicitude dos factos, modo de execução, suas consequências, intensidade do dolo, finalidade e motivos que determinaram a conduta, condições pessoais e situação económica. 31 - Resulta do Acórdão em apreço sobre tal matéria e quanto ao crime de homicídio na forma consumada as seguintes circunstâncias a desfavor do arguido: “Quanto ao crime de homicídio consumado. A este respeito, depõe em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, revelada pelo número de golpes desferidos em zonas vitais do corpo da ofendida e ausência de motivo justificativo para a agressão; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso e na presença de uma criança de 16 meses; o modo de execução do crime, através de um instrumento cortoperfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa da ofendida; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso, sendo patente a repulsa social quanto a este tipo de crimes, a reclamar reacção visível e severa por forma a repor a confiança da comunidade na vigência da norma violada; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização. Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais.” 32 -Analisando e sopesando tais circunstâncias é evidente que as agravantes são bem mais numerosas e igualmente mais relevantes. 33 - Como bem considerou o tribunal as exigências de prevenção geral são muito fortes atenta a perturbação que o crime de homicídio causa na comunidade em geral, afetando o sentimento de segurança e tranquilidade dos cidadãos em geral, exigindo a sociedade forte e firme resposta da justiça. 34 - As exigências de prevenção especial são igualmente fortíssimas atenta a personalidade do arguido caracterizada pelo reduzido ou nulo valor que revelou atribuir à pessoa humana. 35 - Em face do exposto, deveria o Tribunal ter condenado o arguido pela prática do mencionado crime de homicídio qualificado, consumado, na pessoa de FF, p. e p., pelos artsº 131º, nº1 e 132º, nºs 1 e 2, al.e) do Código Penal na pena não inferior a 18 anos de prisão, por se nos afigurar justa e adequada à culpa e ilicitude do arguido e às circunstâncias a desfavor e a favor do arguido consideradas pelo tribunal para fixação da pena concreta. 36 - Resulta do Acórdão em apreço quanto aos crimes de ofensa à integridade física na pessoa dos ofendidos LL e EE as seguintes circunstâncias a desfavor e a favor do arguido: “Quanto aos crimes de ofensa à integridade física simples. A este respeito, depõe em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, traduzida pela actuação com dolo directo; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso, na presença de uma criança de 16 meses, filha de um dos ofendidos; o modo de execução do crime, através de um instrumento corto-perfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa dos ofendidos; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização. Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais.” 37 - Analisando e sopesando as circunstâncias supra descritas consideradas pelo tribunal para fixação da pena é evidente que as agravantes são bem mais numerosas e igualmente mais relevantes. 38 - Em face do exposto, deveria o Tribunal ter condenado o arguido pela prática da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de LL, e de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) do Código Penal na pena não inferior a 2 anos de prisão por cada crime, penas justas e adequadas à culpa e ilicitude do arguido e às circunstâncias a desfavor e a favor do arguido consideradas pelo tribunal para fixação da pena concreta. 39 - O arguido foi condenado pela prática do crime de homicídio na forma tentada na pessoa de DD p.p. pelos arts. 131.º, e 132.º, ns. 1 e 2, al. e), do Código Penal na pena de 7 anos de prisão. 40 - Como supra pugnado afigura-se-nos, salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, que a pena aplicada é desadequada por benevolente atentas as circunstâncias consideradas pelo tribunal para fixação da pena pela prática de tal ilícito, impondo-se a sua agravação. 41 - A tentativa é punida com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada nos termos dos artºs 23.º, n.º 2, e 73.º do Código Penal fixando-se a moldura penal do crime de homicídio qualificado tentado entre 2 anos e 4 meses e 24 dias e 16 anos e 8 meses. 42 - Nos termos do artº71º do Código Penal a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, designadamente, as elencadas nesse preceito, não podendo ultrapassar a medida da culpa nos termos do artº40º, nº2 do Código Penal. 43 - Para determinação da medida da pena tem o tribunal, como preceitua o art.º 71º, nº 1 e 2, do CP, de atender à culpa do agente e necessidade de prevenção, devendo designadamente atender ao grau de ilicitude dos factos, modo de execução, suas consequências, intensidade do dolo, finalidades e motivos que determinaram a conduta, condições pessoais e situação económica. 44 - Considerou o tribunal, sobre esta matéria, as circunstâncias a desfavor e a favor do arguido seguintes: “A este respeito, depõe em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, revelada pelo número de golpes desferidos numa zona do corpo do ofendido onde se alojam órgãos vitais, não tendo havido outros em virtude da defesa daquele com o braço esquerdo, onde sofreu diversos cortes; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso; pelas costas do ofendido e na presença de uma criança de 16 meses; o modo de execução do crime, através de um instrumento corto-perfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa do ofendido; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso, sendo patente a repulsa social quanto a este tipo de crimes, a reclamar reacção visível e severa por forma a repor a confiança da comunidade na vigência da norma violada; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização. Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais.” 45 - Estas circunstâncias evidenciadas pelo tribunal refletem a gravidade da conduta do arguido e das suas consequências, pelo que, a pena aplicada deveria refletir a análise descrita e que o Tribunal fez sobre a culpa, ilicitude, prevenção geral e especial. 46 - As exigências de prevenção geral são muito acentuadas, o bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, exigindo a comunidade uma resposta firme e determinada do sistema judicial. 47 - As exigências de prevenção especial são também fortes pois avulta a personalidade do arguido na forma como atuou, com absoluta indiferença e insensibilidade pela vida e dignidade da pessoa humana. 48 - Pelo exposto, entendemos que atentas as circunstâncias agravantes supra descritas terá de ser aplicada pena que ultrapassasse o meio da pena ainda que próximo deste, de forma a garantir coerência com a análise efetuada e com as circunstâncias a favor e a desfavor do arguido com as quais concordamos e, desse modo, respeitar o disposto no art.º 71º nº 1 e 2 do Código Penal. 49 - Assim, o arguido deverá ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artº131º e 132º,nºs 1 e 2, al.e) e 22º e 23º todos do Código Penal na pessoa de DD na pena não inferior a 9 anos de prisão, pena esta adequada e proporcional à culpa, ilicitude, e necessidades de prevenção geral e especial. 50 - Acolhidas as penas parcelares supra propostas a pena única deverá ser fixada dentro de uma moldura penal balizada pela pena parcelar mais elevada, - 18 anos - e pela pena máxima legalmente admissível nos termos do artº41º, nº2 do Código Penal - 25 anos de prisão -, apesar da soma material ser de 31 anos de prisão. 51 - Seguindo a Jurisprudência pacifica a pena única deverá na sua duração projetar a imagem global do facto, a intensidade da ilicitude, o modo de execução dos crimes, a pluralidade no cometimento de crimes da mesma natureza e as elevadas necessidades de prevenção geral e especial, o alarme social e a insegurança que crimes desta natureza provocam na sociedade e respeitando sempre a apreciação que o Acórdão acolheu para fixar a pena única, nomeadamente, atendendo à muita elevada gravidade geral dos factos, bem como à personalidade perturbada e perigosa do arguido, com tendência para o recurso fácil à violência física, apresentando ausência de mecanismos inibidores desse comportamento violento, com pouco ou nenhum sentido auto crítico e sem qualquer empatia para com as suas vitimas, concluiu-se que este é pessoa muito carenciada de ressocialização. 52 - Reclama-se e impõe-se que se restabeleça e reforce a confiança na validade e na vigência das suas normas de tutela dos bens jurídicos, que se alcance a sua proteção mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas. 53 - A ilicitude e a culpa são elevadas e fortes as exigências de prevenção especial e as exigências de prevenção geral que, no caso em apreço, demandam resposta firme e inequívoca perante a comunidade no sentido da reprovação das condutas praticadas. 54 - Considerando as penas parcelares em concurso e o disposto no artº77º, nº2 do Código Penal, a pena única não deverá ser inferior a 21 anos de prisão medida essa adequada e proporcional à culpa, ilicitude e necessidades de prevenção geral e especial. 55 - Mas ainda que Vossa Excelências considerem que não se verifica a circunstancia qualificativa prevista no artº132º, nº1 e nº2, al.e) do Código Penal quanto ao crime de homicídio praticado pelo arguido na pessoa de FF e quanto aos crimes de ofensa à integridade física na pessoa dos ofendido LL e EE, mantendo as penas aplicadas de 13 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, respetivamente, e considerando agravar a pena pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, nos termos supra pugnados, a pena única deverá ser agravada e não ser inferior a 19 anos de prisão. 56 - Encontram-se violadas as normas previstas nos artºs 71º, 131º e 132º, nº1 e nº2 al.e) e 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) todos do Código Penal. Em face do exposto, deverá ser revogado o Acórdão em apreço e substituído por outro que condene o arguido: - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pessoa de FF p. e p. pelos artsº131º e 132º, nº1 e nº2, al.e) do Código Penal, na pena não inferior a 18 anos de prisão; - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, p.,p. pelos arts. 131.º, e 132.º, ns. 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena não inferior a 9 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na pessoa de LL, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal na pena não inferior a 2 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal na pena não inferior a 2 anos de prisão; - E, em cúmulo, na pena única não inferior a 21 anos de prisão. Mas ainda que Vossa Excelências considerem que não se verifica a circunstancia qualificativa prevista no artº 132º, nº 1 e nº 2, al. e) do Código Penal quanto ao crime de homicídio praticado pelo arguido na pessoa de FF e quanto aos crimes de ofensa à integridade física na pessoa dos ofendido LL e EE, mantendo as penas aplicadas de 13 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, respetivamente, e apenas considerem agravar a pena pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, nos termos supra pugnados, a pena única deverá ser agravada e não ser inferior a 19 anos de prisão.» 2.2. Recurso do arguido CONCLUSÕES: 1 - Desde logo, para sem mais delongas e delimitarmos ab initio o objecto do presente recurso, afirmamos que o nosso dissídio para com o decidido nos autos, com todo o alto respeito que nos merece a posição ali vertida, envolve ou se prende com a qualificação jurídica efetuada pelo tribunal quanto ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, p.p. pelos arts. 131.º, e 132.º, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal, por considerarmos que atentos os factos dados como provados, não se verifica a circunstância qualificativa prevista na alínea e) do nº 2 do art.º 132º do Código Penal e, em consequência, o tribunal deveria ter condenado o arguido pela prática do crime de homicídio simples, na forma tentada, na pessoa de DD p. e p. pelos arts. 131.º do Código Penal. 2 - Por outro lado, discordamos quanto às penas aplicadas ao arguido pela prática do crime de homicídio, na forma consumada, na pessoa de FF e dos crimes de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, nas pessoas de LL e EE e, em consequência, à pena única de dezoito anos de prisão, por terem sido demasiado gravosos. 3 - Conforme delimitação supra referida, não questionamos o factualismo dado como assente pelo Tribunal, pelo que, por desnecessário, não procederemos à transcrição desses factos, embora aqui os damos, para todos os efeitos, como reproduzidos. 4 - O tribunal considerou verificada a qualificativa agravante prevista no artº132º, nº2, al. e) do Código Penal - motivo fútil - quanto ao crime de homicídio na forma tentada praticado pelo arguido na pessoa de DD. 5 - Sucede, porém, que o tribunal a quo não considerou o teor do relatório de perícia psicológica, do qual resultou como provados os seguintes factos: 103. O arguido apresenta um conjunto de sintomas associados ao diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide. 104. Em situações de conflitualidade e/ou frustração, o arguido apresenta uma elevada propensão para o uso da agressividade física. 105. O arguido apresenta uma tendência para reacções rápidas e não planeadas a certos estímulos, particularmente falta de controlo inibitório do comportamento. 106. O arguido exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos. 6 - Assim como, o processo clínico junto aos autos, de fls. 800 a 809 vº, do qual resulta, clara e inequivocamente, que o arguido revela uma personalidade perturbada. 7 - Ora, a nosso ver, e com o devido respeito, o tribunal a quo não apreciou criticamente o teor de tais relatórios médicos, pese embora os tenha mencionado aquando da motivação quanto à matéria de facto, bem como o teor das declarações prestadas pelo arguido, seja em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, seja em plena audiência de discussão e julgamento. 8 - Importa, aqui, sublinhar o que o próprio tribunal a quo refere que: “Aliás, as declarações do arguido pautaram-se por notória descoordenação, perturbação e paranoia, relatando a existência de inimigos e conspirações manifestamente imaginárias e desprovidas de sentido…” 9 - Assim sendo, não se compreende como o tribunal, imediatamente antes, considera que: “O próprio arguido confirmou a agressão - embora negando o uso de uma faca -, referindo ter atacado o assistente DD por ter ficado com a convicção de que este estava a cantar “ele é maluco, ele é macaco, olha a banana”, pretendendo gozar consigo. Ora, nenhuma pessoa - nem mesmo o sobrinho do arguido, NN, que o acompanhava no momento do ataque - confirmou a ocorrência desta provocação, no sentido de terem aquelas palavras sido dirigidas ao arguido. Aliás, a forma desprendida como os assistentes e a testemunha MM relataram a chegada do assistente DD ao exterior do café, todos tendo dado nota de que este teria começado a cantarolar o refrão de uma música que viria a ouvir no carro - “maluco, maluco, maluco” -, na direcção do filho bebé do assistente LL, afasta a tese da provocação esgrimida pelo arguido. Também contribuíram seguramente para este desfecho, as circunstâncias apuradas que permitiram concluir pela personalidade paranoide do arguido - de que se falará infra - e a inexistência, antes do ocorrido em 21.04.2019, de qualquer relação ou litígio entre o arguido e os assistentes, não havendo mais do que um conhecimento circunstancial, “de vista” - situação que foi corroborada quer pelos assistentes quer pelo próprio arguido. A motivação do arguido ficou, pois, a dever-se a uma circunstância que não se verificou na realidade, sendo manifesta a desproporção entre o putativo motivo e a violenta reacção daquele.” 10 - Importa-nos, aqui, destacar a parte “in fine”, ou seja, “A motivação do arguido ficou, pois, a dever-se a uma circunstância que não se verificou na realidade, sendo manifesta a desproporção entre o putativo motivo e a violenta reacção daquele.” 11 - Ora, precisamente, a requerimento do arguido foi deferida a realização de avaliação psicológica sobre a personalidade daquele, que foi realizada pela Escola de Psicologia da Universidade d … e se encontra junta aos autos – referência 98…34 – particularmente a fls. 3, 4 e 5. 12 - Uma vez aqui chegados, verificamos que o arguido tem a mania das perseguições, tendo mesmo algumas alucinações visuais e cortes com a realidade. 13 - Aliás, é patente esse comportamento, seja antes dos acontecimentos, “As testemunhas OO, dono do café “…”, e PP, cliente do café, deram notícia da perturbação e estranheza de comportamento evidenciados pelo arguido no dia em questão, nomeadamente na primeira vez que este esteve no café, cerca de uma hora antes dos factos em questão.” 14 - Tal como o demonstram os seguintes factos dados como provados: “Da contestação do arguido: 80. Cerca das 20h30 o arguido deslocou-se sozinho, ao café “…” para beber um café. 81. Já no interior do estabelecimento, após ter recusado um aperto de mão do dono do mesmo, o arguido ouviu um cliente do estabelecimento, conhecido como PP, a rir da situação. 82. O arguido confrontou o PP com o seu comentário perguntando-lhe: “Estás a rir-te porquê? Tenho cara de palhaço? Se queres alguma coisa anda lá para fora!”. 83. O PP respondeu que não estava a rir-se do arguido e que estava bem dentro do estabelecimento e o arguido foi-se embora do café. 84. Por volta das 22h o arguido foi a casa do seu sobrinho NN e perguntou-lhe se este o acompanhava para irem beber um sumo juntos. No percurso para o café, o arguido parou o carro em frente da casa de uma vizinha e começou a berrar na direcção dessa casa.” 15 - Seja após os acontecimentos, “Também a testemunha QQ, agente da PSP de …., que referiu estar de atendimento ao público no posto na noite de 20.04.2019. deu notícia de lá ter aparecido sozinho e voluntariamente o arguido a dizer “que tinha feito asneira, que tinha agredido umas pessoas que já o andavam a injuriar e ameaçar há algum tempo”. Ainda nessa fase, mencionou que tinha lançado a faca que tinha usado para um local que não se recordava onde. De acordo com a aludida testemunha, o arguido estava visivelmente perturbado, com um discurso desconexo, apresentando-se com manchas na roupa, que pareciam ser de sangue.” 16 - Seja durante o curso do presente processo, “Aliás, as declarações do arguido pautaram-se por notória descoordenação, perturbação e paranoia, relatando a existência de inimigos e conspirações manifestamente imaginárias e desprovidas de sentido. Dessa forma, a sua credibilidade afigurou-se diminuta.” 17 - Daí, também, dado como provado o seguinte facto: 96. “Em Outubro de 2018, o arguido passou a revelar maior instabilidade emocional, considerando-se vítima de perseguição e conspiração, com um discurso e reacções persecutórias, recusando ir a uma consulta de psiquiatria, não obstante a vontade da companheira, postura que mantém por não reconhecer qualquer necessidade nessa área.” 18 - Refere o douto acórdão que: “Decorre da matéria de facto provada que o arguido atacou o ofendido DD em circunstâncias que evidenciam com clareza a futilidade do motivo. Com efeito, a actuação criminosa do arguido ocorreu relativamente a pessoas que não conhecia e com quem não tinha qualquer desavença; o catalisador da dita actuação foi uma música cantarolada no exterior do café “….” pelo ofendido DD para uma criança que se encontrava no grupo em que se inseria e que o arguido entendeu, erroneamente, ser dirigida a si com a intenção de o humilhar; e a desproporcionalidade manifesta da reacção do arguido, irrompendo de forma inesperada e sem aviso para os ofendidos, sobretudo DD, numa espiral de violência intencionalmente destinada a causar-lhes dano à vida, mediante o uso de um instrumento corto-perfurante. Todo este circunstancialismo torna a motivação do arguido incompreensível e inaceitável para uma consciência jurídica sã. Como se lê no Ac. RP de 21.03.2018 [Proc.º n.º 2917/16.1JAPRT.P1, relatora Elsa Paixão, em www.dgsi.pt], “o que identifica o motivo fútil é o que realça a inadequação e faz avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou”. É, pois, inequívoca a especial censurabilidade pressuposta no art.º 132.º, ns. 1 e 2, al. e), parte final, do Código Penal, revelando o exacerbado desvalor da atitude do arguido.” 19 - Destacamos, infra, a seguinte parte: “Todo este circunstancialismo torna a motivação do arguido incompreensível e inaceitável para uma consciência jurídica sã.” 20 - Ora, acontece que, à luz da avaliação psicológica realizada à personalidade do arguido, facilmente se conclui que não estamos perante essa consciência jurídica sã. 21 - Ao invés, com efeito, o que é um motivo fútil aos olhos de um bónus pater famílias, isto é, um homem médio, um cidadão comum, pautado por critérios de razoabilidade, poderá não ser aos olhos de um cidadão como o aqui arguido. 22 - Pois, para ele (arguido) foi, na verdade, vexatório ou humilhante, ficando plenamente convicto de que o assistente DD, estava a cantar “ele é maluco, ele é macaco, olha a banana”, pretendendo gozar consigo. 23 - Isto posto, quando o douto acórdão refere que: “A motivação do arguido ficou, pois, a dever-se a uma circunstância que não se verificou na realidade, sendo manifesta a desproporção entre o putativo motivo e a violenta reacção daquele.” 24 - Acontece que, face a tudo o exposto, para o arguido verificou-se, na realidade, aquele motivo. Motivo esse que, aos olhos de um cidadão comum é fútil, para o arguido é deveras vexatório e humilhante. 25 - Por último, não menos importante, destacamos e sublinhamos a parte final da conclusão da avaliação psicológica realizada ao arguido. 26 - Mais uma vez e com todo o respeito que nos merece o douto acórdão, este fez tábua rasa daquela conclusão, quando sugere ou aconselha um tratamento psiquiátrico adequado, face à forte probabilidade de reiteração desse padrão. 27 - Resta-nos colocar a seguinte questão: face ao sério e fundado receio de o arguido reagir com elevada violência a certos estímulos e/ou situações, como a vertente nos autos, não incumbiria sobre o tribunal impor um tratamento adequado com vista a minorar esse risco. 28 - Em consequência, atenta a matéria de facto dada como provada e face aos argumentos aqui aduzidos, deverá ser alterada a qualificação jurídica e o arguido condenado, além do mais, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, na pessoa de DD, p.p. pelo art.º 131º do Código Penal. Sendo a tentativa punida com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada – arts. 23º, nº 2, e 73º do Código Penal. 29 - Ora, estabelece o nº 1 do art.º 131º do Código Penal, para o crime de homicídio, pena de prisão de 8 a 16 anos. Sendo a tentativa punida com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada – arts. 23º, nº 2, e 73º do Código Penal. 30 - Nessa medida, para determinação da pena tem o Tribunal, como preceitua o art.º 71º, nº 1 e 2, do Código Penal, de atender à culpa do agente e necessidade de prevenção, devendo designadamente atender ao grau de ilicitude dos factos, modo de execução, suas consequências, intensidade do dolo, finalidade e motivos que determinam a conduta, condições pessoais e situação económica. 31 - Resulta do Acórdão em apreço sobre tal matéria e quanto ao crime de homicídio, na forma tentada, as seguintes circunstâncias a desfavor do arguido: “A este respeito, depõe em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, traduzida pela actuação com dolo directo; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso, na presença de uma criança de 16 meses, filha de um dos ofendidos; o modo de execução do crime, através de um instrumento corto-perfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa dos ofendidos; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização.” 32 - E, a favor do arguido: “Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais. “ 33 - Como bem considerou o tribunal as exigências são muito fortes atenta a perturbação que o crime desta natureza causa na comunidade em geral, afectando o sentimento de segurança e tranquilidade dos cidadãos em geral, exigindo a sociedade forte e firme resposta do sistema judicial. 34 - Ademais, as exigências de prevenção especial são igualmente fortíssimas atenta a personalidade do arguido, e aqui, destacamos a sua perturbação de personalidade paranoide, que carece de tratamento adequado, sob pena de se agravar, evoluindo para uma psicose paranoide, que de todo é indesejável, inquinando, assim, a forte e firme resposta da justiça, no sentido de evitar a futura reiteração de tais condutas e a posterior reintegração do agente na sociedade. 35 - Isto posto, deveria o Tribunal ter condenado o arguido pela prática do mencionado crime de homicídio simples, na forma tentada, na pessoa do DD, p. e p. pelo art.º 131º, nº 1, do Código Penal, na pena próxima ao limite mínimo aplicável. 36 - Uma vez determinada a pena parcelar supra proposta, e não esquecendo a forte necessidade de ressocialização por parte do arguido, reclama-se e impõe-se que se determine a pena única em conformidade com tudo o exposto. 37 - Mas, se, ainda assim, Vossas Excelências não entenderem que não se verifica a circunstância qualificativa prevista no art.º 132º, nº 1 e 2, al. e), do Código Penal, quanto ao crime de homicídio, na forma tentada, praticado pelo arguido na pessoa de DD, mantendo a pena aplicada de 7 anos de prisão, e considerem apenas desagravar as penas aplicadas quanto ao crime de homicídio na pessoa de FF e quanto aos crimes de ofensa à integridade física nas pessoas de LL e EE, e, em consequência, desagravar a pena única inferior a 18 anos de prisão. 38 - Encontram-se violadas as normas previstas nos arts. 71 e 131, nº 1 e 2 al. e), todos dos Código Penal. 39- Termos em que, deverá ser revogado o Acórdão em apreço e, em consequência, ser o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, na pessoa de DD, p.p. pelo artigo 131º do Código Penal, na pena inferior a 7 anos de prisão. 40 - Mas, se, ainda assim, Vossas Excelências não entenderem que não se verifica a circunstância qualificativa prevista no art.º 132º, nº 1 e 2, al. e), do Código Penal, quanto ao crime de homicídio, na forma tentada, praticado pelo arguido na pessoa de DD, mantendo a pena aplicada de 7 anos de prisão, e considerem apenas desagravar as penas aplicadas quanto ao crime de homicídio na pessoa de FF e quanto aos crimes de ofensa à integridade física nas pessoas de LL e EE, e, em consequência, desagravar a pena única inferior a 18 anos de prisão. 3. Respondeu o Ministério Público ao recurso do arguido, dizendo: «[…] Vejamos: Sobre a qualificação jurídica relativamente ao crime de homicídio consumado na pessoa de FF e aos crimes de ofensa à integridade física nas pessoas de LL e EE e as penas aplicadas ao arguido o Ministério Público interpôs recurso do Acórdão proferido nos autos à margem referenciados. Pelo que, renovamos aqui a motivação do nosso recurso e pugnamos pela condenação do arguido: - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pessoa de FF p. e p. pelos artsº131º e 132º, nº1 e nº2, al.e) do Código Penal, na pena não inferior a 18 anos de prisão; - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, p.,p. pelos arts. 131.º, e 132.º, ns. 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena não inferior a 9 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na pessoa de LL, p.p. pelos artºs 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal na pena não inferior a 2 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal na pena não inferior a 2 anos de prisão; - E, em cúmulo, na pena única não inferior a 21 anos de prisão. O arguido discorda da qualificação jurídica efetuada pelo tribunal quanto ao crime de homicídio, na forma tentada, na pessoa de DD por considerar que atentos os factos dados como provados não se verifica a circunstância qualificativa prevista na alínea e) do nº2 do artº132º do Código Penal. Para tanto o arguido alega que o tribunal não considerou o teor do relatório de perícia psicológica do qual resulta que o arguido revela uma personalidade perturbada e que um motivo fútil aos olhos de um homem médio, um cidadão comum, pautado por critérios de razoabilidade poderá não ser aos olhos de um cidadão como o arguido para quem a motivação explanada no acórdão é vexatório e humilhante. Afigura-se, assim, que o arguido admite que o motivo da agressão física é considerado motivo fútil para o cidadão comum mas já não o é quanto ao arguido devido à sua personalidade demonstrada na perícia psicológica efetuada nos autos. Salvo o devido respeito por opinião contrária, o arguido carece de razão porquanto o tribunal valorou devidamente o relatório de perícia psicológica considerando-o na matéria de facto dada como provada conforme os Pontos seguintes: “103. O arguido apresenta um conjunto de sintomas associados ao diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide. 104. Em situações de conflitualidade e/ou frustração, o arguido apresenta uma elevada propensão para o uso da agressividade física. 105. O arguido apresenta uma tendência para reacções rápidas e não planeadas a certos estímulos, particularmente falta de controlo inibitório do comportamento. 106. O arguido exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos.” E, na motivação para a matéria de facto dada como provada o tribunal considerou o seguinte: “Note-se que, como resulta do relatório médico-legal de fls. 264 a 266, o arguido actuou com pleno domínio das suas capacidades intelectuais, com capacidade de avaliação do que se passava à sua volta e de se determinar de acordo com essa avaliação, não se vislumbrando, pois, motivos para colocar em causa que aquele tinha noção da aptidão lesiva do seu comportamento para com os ofendidos.” Importa ainda referir o raciocínio do tribunal a propósito da qualificativa prevista no artº132º, nº 2 al. e) do Código Penal e do descrito no Acórdão em apreço: “Decorre da matéria de facto provada que o arguido atacou o ofendido DD em circunstâncias que evidenciam com clareza a futilidade do motivo. Com efeito, a actuação criminosa do arguido ocorreu relativamente a pessoas que não conhecia e com quem não tinha qualquer desavença; o catalisador da dita actuação foi uma música cantarolada no exterior do café “…” pelo ofendido DD para uma criança que se encontrava no grupo em que se inseria e que o arguido entendeu, erroneamente, ser dirigida a si com a intenção de o humilhar; e a desproporcionalidade manifesta da reacção do arguido, irrompendo de forma inesperada e sem aviso para os ofendidos, sobretudo DD, numa espiral de violência intencionalmente destinada a causar-lhes dano à vida, mediante o uso de um instrumento corto-perfurante. Todo este circunstancialismo torna a motivação do arguido incompreensível e inaceitável para uma consciência jurídica sã. Como se lê no Ac. RP de 21.03.2018 [Proc.º n.º 2917/16.1JAPRT.P1, relatora Elsa Paixão, em www.dgsi.pt], “o que identifica o motivo fútil é o que realça a inadequação e faz avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou”. É, pois, inequívoca a especial censurabilidade pressuposta no art.º 132.º, ns. 1 e 2, al. e), parte final, do Código Penal, revelando o exacerbado desvalor da atitude do arguido.” A Jurisprudência considera que motivo fútil é o motivo completamente desproporcional entre a atuação do arguido e a conduta da vítima e que colide com o sentimento comunitário de justiça, com os padrões éticos aceites na comunidade, particularmente reprovável e incompreensível aos olhos de qualquer cidadão comum e de média formação cultural e consequentemente com relevância penal em termos de culpabilidade: - Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora in www.pgdlisboa.pt: “1. O conceito de «motivo fútil» assenta numa ideia de desproporcionalidade flagrante entre a conduta da vítima e a atitude do agente, que choca frontalmente com o sentimento comunitário de justiça, com os padrões éticos geralmente aceites na comunidade. 2. Não será motivo fútil a ausência (ou o desconhecimento) da motivação do agente.” - Conforme Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2017 in www.pgdlisboa.pt. : “Motivo fútil é a falta de motivo ou motivo minimamente plausível que justifique e determine a conduta agressiva do arguido, despropositada e absolutamente desproporcionada face às circunstâncias em que reagiu para a prática do crime de homicídio, motivado apenas por altivez, egoísmo, mesquinhez e insensibilidade moral, sendo por isso particularmente reprovável e incompreensível aos olhos de qualquer cidadão comum e de média formação cultural e consequentemente com relevância penal em termos de culpabilidade.” Para Teresa Serra existe especial censurabilidade quando “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal com os valores” e a especial perversidade supõe “uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de te sido determinada e constituir indicio de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade – Teresa Serra, Homicídio Qualificado – tipo de culpa e medida da pena-. Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense, considera que o objetivo da lei é o de imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta Directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas. Os factos praticados pelo arguido revelam na sua globalidade um estado de espirito de franca e evidente insensibilidade e desprezo, indiferença para com o valor jurídico da vida e uma deficiência de carácter, todos os fatores apreciados em conjunto criam um cenário de especial censurabilidade aferidos por uma manifesta agravação da medida da culpa do arguido e do correspondente juízo de censura, sendo evidentes os aspetos desvaliosos da conduta do arguido e facetas da sua personalidade particularmente negativas. Pelo que, além da verificação do exemplo padrão previsto na alínea e) do nº 2 do artº 132º do Código Penal, as circunstâncias em que ocorreram os factos dados como provados revelam especial censurabilidade e perversidade nos termos do nº 1 do artº 132º do Código Penal. Pelo que, a conduta do arguido revela especial censurabilidade e perversidade além de se verificar o motivo fútil, de modo a mostrar-se verificada a qualificativa prevista no artº 132º, nº 2, al. e) do Código Penal. Importa ainda referir que o tribunal afastou qualquer causa de justificação ou de exclusão da ilicitude nos termos seguintes: “No tocante a este aspecto, em face de todas as circunstâncias que rodearam a comissão do ilícito, especialmente as mais próximas, bem como da motivação que orientou o arguido nesse sentido, impõe-se a conclusão de que não estão preenchidos os requisitos de que depende o funcionamento de qualquer causa de justificação – sobretudo, por ser a que se afigura mais provável, a legítima defesa. Com efeito, dispõe o art.º 32.º do Código Penal, que “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”. São requisitos da legítima defesa: “a) A existência de uma agressão a quaisquer interesses, sejam pessoais ou patrimoniais, do dependente ou de terceiro, agressão essa que deve ser actual, no sentido de estar em desenvolvimento ou iminente, e ilícita, no sentido geral de o seu autor não ter o direito de o fazer; não se exige que ele actue com dolo, com uma culpa ou mesmo que seja imputável; e, por isso, admissível a legitima defesa contra actos praticados por isso imputáveis ou por pessoas agindo com erro; b) Defesa circunscrevendo-se ao uso dos meios necessários para fazer cessar a agressão paralisando a actuação do agressor. Aqui se inclui, como requisitos da legitima defesa, a impossibilidade de recorrer a força publica, por se tratar de um aspecto da necessidade do meio, tratando-se, como se trata, de afloramento do principio de que deve ser a força publica a actuar, quando se encontra em posição de o poder fazer, sendo a força privada subsidiaria, e este requisito continua a ser exigido pela Constituição da Republica Portuguesa (artigo 21, "in fine"). c) "Animus deffendendi" ou seja o intuito de defesa por parte do defendente” [Ac. STJ de 05.06.1991, Proc.º n.º 041727, relator Cerqueira Vahia, em www.dgsi.pt]. Ora, na situação em apreço, não existiu qualquer agressão actual por parte de qualquer dos ofendidos ao arguido, muito menos ilícita, pelo que ficaria, desde logo, excluída a possibilidade de ocorrência da aludida causa de exclusão da ilicitude. De igual forma, também não se verifica no caso a própria necessidade da defesa, no sentido de ocorrência de uma actuação agressiva “só evitável ou neutralizável através de uma acção ou acto de defesa, acto que, atenta a sua função, qual seja a de impedir ou repelir a agressão, deve limitar-se à utilização do meio ou meios, suficientes para evitá-la ou neutralizá-la, consabido que em consequência desse acto ir-se-ão atingir bens ou interesses do agressor” [Ac. RC de 16.03.2011, Proc.º n.º 115/09.0GASEI.C1, relator Paulo Guerra, em www.dgsi.pt]. Este último requisito, reconduzível dogmaticamente à “necessidade do meio”, também não se vislumbra no caso em apreço. Aliás, bem pelo contrário, ainda que se verificassem os demais pressupostos da legítima defesa, sempre seria de afastar a exclusão da ilicitude, atenta a enorme disparidade entre os bens jurídicos que o arguido visou proteger - a honra - e os que sacrificou - a vida e a integridade física dos ofendidos -, bem como a quase irrelevância da putativa agressão do ofendido DD, “a crassa desproporção” entre a natureza, qualidade ou intensidade da agressão e a gravidade das consequências. Agressões irrelevantes não poderão ser repelidas causando a morte; não pode existir, analisada caso a caso, uma desproporção intolerável entre a natureza da agressão e a gravidade das consequências da reacção. Mesmo sendo necessária, a defesa legítima exige que se verifique uma adequação dos meios usados para repelir a agressão ou afastar a iminência da agressão” [Ac. STJ de 27.10.2010, Proc.º n.º 971/09.1JAPRT, relator Henriques Gaspar, em www.dgsi.pt]. Em súmula, nas circunstâncias do caso concreto, atenta a irrelevância da putativa agressão de que o arguido teria sido vítima, a manifesta desproporcionalidade valorativa e fáctica entre o bem jurídico pretensamente agredido e os bens jurídicos sacrificados nas pessoas dos ofendidos, a agressão com instrumento corto-perfurante, com a intenção de matar, a um conjunto de indivíduos desprevenidos, a actuação do arguido apresenta-se como inidónea para repelir uma eventual (e inexistente) agressão à honra. Ainda que tal agressão se tivesse verificado, naquelas circunstâncias, era-lhe exigível que lançasse mão de um meio de defesa menos violento e, por isso, mais adequado, nomeadamente pedindo a cessação da cantiga - o que nunca fez! -, pelo que, para além do desvalor do resultado, continua a ser manifesto o desvalor da acção do arguido. De resto, o Tribunal não considerou que o arguido tivesse agido com a intenção de se defender. A factualidade apurada evidencia com suficiente clareza que o arguido visou efectivamente atacar o ofendido DD movido por um sentimento de desforço e raiva. Considerar tal actuação justificada por uma qualquer causa de exclusão, nomeadamente a legítima defesa, afigurar-se-ia manifestamente chocante. Mas também não se pode afirmar que o arguido terá actuado em estado de erro sobre os pressupostos dessa causa de exclusão, o que afastaria a actuação dolosa, de acordo com o disposto no art.º 16.º, n.º 2, do Código Penal. Na verdade, “o problema da consequência jurídica do erro só se coloca, obviamente, se e apenas quando se verifica que ao praticar o facto típico o agente incorreu em erro sobre a ocorrência dos pressupostos de uma causa de justificação que autorizaria a realização da conduta típica” [Nuno Brandão, O Erro Sobre os Pressupostos das Causas de Justificação: Um Erro que pode Excluir a Ilicitude?, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, II, Coimbra Editora, 2010, 173]. Ora, como se deixou expresso supra, no caso concreto, inexiste qualquer causa de justificação que possa ser reconhecida na actuação do arguido, designadamente a legítima defesa. Assim sendo, um eventual erro do arguido sobre a agressão de que estaria a ser vítima por parte do ofendido DD seria irrelevante, já que não se encontram preenchidos os demais pressupostos de facto da aludida causa de justificação. Desta forma, fica afastada a aplicação da causa de exclusão da ilicitude prevista nos art.ºs 31.º, n.º 2, al. a), e 32.º do Código Penal. Cometeu, pelo exposto, o arguido um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa do ofendido DD– arts. 131.º, 132.º, ns. 1 e 2, al. e), e 22.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal -, com dolo eventual – art.º 14.º, n.º 3, do Código Penal.” Em face do exposto, ao contrário do que quer fazer crer o arguido o motivo da sua atuação e agressão é incompreensível aos olhos de qualquer cidadão comum e de média formação cultural, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não merece censura o Acórdão em apreço na parte em que considerou verificada a circunstância qualificativa motivo fútil prevista no artº 132º, nº2, al. e) do Código Penal e condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa do ofendido DD nos termos dos arts. 131.º, 132.º, ns. 1 e 2, al. e), e 22.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal. Como supra referido sobre a qualificação jurídica relativamente ao crime de homicídio consumado na pessoa de FF e aos crimes de ofensa à integridade física nas pessoas de LL e EE e as penas aplicadas ao arguido o Ministério Público interpôs recurso do Acórdão proferido nos autos à margem referenciados. Pelo que, renovamos aqui a motivação do nosso recurso e pugnamos pela condenação do arguido: - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pessoa de FF p. e p. pelos artsº131º e 132º, nº1 e nº2, al.e) do Código Penal, na pena não inferior a 18 anos de prisão; - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, p. e p. pelos artºs. 131.º, e 132.º, ns. 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena não inferior a 9 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na pessoa de LL, p. e p. pelos artºs 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal na pena não inferior a 2 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de EE, p.e p. pelos artºs. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal na pena não inferior a 2 anos de prisão; - E, em cúmulo, na pena única não inferior a 21 anos de prisão. Em face do exposto, o recurso apresentado pelo arguido deverá ser julgado improcedente.» 4. O arguido não respondeu ao recurso do Ministério Público. 5. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer que se transcreve com omissão do relatório: «[…] Do recurso Do mérito 7 - Acompanhamos as considerações expressas pela Magistrada do Mº Pº na 1ª Instância quer na motivação do recurso que interpôs quer na resposta ao recurso interposto pelo arguido. Na verdade, as discordâncias suscitadas num e noutro recurso relativamente ao acórdão recorrido reconduzem-se a duas questões – a subsunção jurídica dos factos e a medida das penas aplicadas. Enquanto o Mº Pº entende verificar-se a circunstância agravante qualificativa prevista no art. 132, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal, quanto a todos os crimes, o arguido considera que essas circunstâncias se não verificam relativamente a nenhum deles. Do mesmo modo quanto à medida concreta das penas por cada um dos crimes e à pena do concurso, o Mº Pº entende que as penas devem ser agravadas e o arguido que devem ser atenuadas. 8 - A Magistrada do Mº Pº no Tribunal recorrido demonstra, de forma clara e objectiva, na motivação do recurso que interpôs e na resposta ao recurso do arguido, a insustentabilidade das pretensões do arguido, mas também dos fundamentos usados no acórdão recorrido para sustentar o afastamento da verificação da circunstância qualificativa prevista no art. 132, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal, no que respeita ao crime de homicídio consumado na pessoa de FF e nos crimes de ofensa à integridade física na pessoa de LL e EE. O Tribunal recorrido, pronunciou-se sobre a conceptualização teórica subjacente à qualificação do crime de homicídio decorrente da verificação das circunstâncias previstas no art. 132, do Código Penal e em especial da prevista na al. e), do nº 2, daquele normativo, citando doutrina e jurisprudência. E analisando a factualidade dada como provada considerou que essa circunstância qualificativa se verificava quanto ao crime de homicídio tentado, consignando o seguinte: “Decorre da matéria de facto provada que o arguido atacou o ofendido DD em circunstâncias que evidenciam com clareza a futilidade do motivo. Com efeito, a actuação criminosa do arguido ocorreu relativamente a pessoas que não conhecia e com quem não tinha qualquer desavença; o catalisador da dita actuação foi uma música cantarolada no exterior do café “…” pelo ofendido DD para uma criança que se encontrava no grupo em que se inseria e que o arguido entendeu, erroneamente, ser dirigida a si com a intenção de o humilhar; e a desproporcionalidade manifesta da reacção do arguido, irrompendo de forma inesperada e sem aviso para os ofendidos, sobretudo DD, numa espiral de violência intencionalmente destinada a causar-lhes dano à vida, mediante o uso de um instrumento corto-perfurante. Todo este circunstancialismo torna a motivação do arguido incompreensível e inaceitável para uma consciência jurídica sã.” E concluiu que é “inequívoca a especial censurabilidade pressuposta no art.º 132.º, ns. 1 e 2, al. e), parte final, do Código Penal, revelando o exacerbado desvalor da atitude do arguido”. Já no que respeita ao crime de homicídio consumado na pessoa da vítima FF, afastou a agravação nos seguintes termos: “… apurou-se que o arguido iniciou as agressões atacando o ofendido DD. O motivo do ataque foi uma música cantarolada no exterior do café “…” pelo ofendido DD para uma criança que se encontrava no grupo em que se inseria e que o arguido entendeu, erroneamente, ser dirigida a si com a intenção de o humilhar. Na sequência da agressão inicial, a ofendida FF tentou interpor-se entre o arguido e o ofendido DD, seu filho, visando salvaguardar a vida e a integridade física deste. É, pois, neste cenário, que surge a agressão mortal à ofendida FF. Ora, neste quadro, não parece ser possível afirmar que o motivo subjacente à agressão mortal seja fútil, no sentido pressuposto pela lei. Tal motivo radica na intenção do arguido de prosseguir na agressão ao ofendido DD, necessitando para tanto de vencer a oposição da aludida FF. Sendo um comportamento profundamente censurável, não se vislumbra, no entanto, na actuação do arguido contra a ofendida FF a especial censurabilidade pressuposta no art.º 132.º, ns. 1 e 2, al. e), parte final, do Código Penal.” (Fls 25, do acórdão). Argumentação usada, igualmente, para afastar a qualificação dos crimes de ofensa à integridade física. Afigura-se-nos, porém, que a conclusão terá de ser diversa. Subscrevemos as considerações teóricas, alicerçadas na doutrina e jurisprudência citadas, constantes do acórdão, bem como a transposição das mesmas para a factualidade integradora do crime de homicídio tentado, mas não compreendemos o afastamento da verificação dessa circunstância qualificativa quanto aos demais crimes. O próprio Tribunal recorrido afirma que o motivo para a actuação do arguido foi uma música cantarolada pelo ofendido DD no grupo constituído por todos os ofendidos e em que igualmente se encontrava uma criança e que irrompeu “de forma inesperada e sem aviso para os ofendidos, sobretudo DD, numa espiral de violência intencionalmente destinada a causar-lhes dano à vida, mediante o uso de um instrumento corto-perfurante.” Tal como a Magistrada recorrente, entendemos que a factualidade dada como provada, não permite seccionar a motivação do arguido quando agride um ou outro ofendido, a sua actuação visava todo o grupo, embora se tenha dirigido em 1º lugar ao DD, prosseguiu essas agressões na pessoa dos demais elementos do grupo, usando o mesmo instrumento, igualmente de forma violenta e até, como realça o Tribunal recorrido “numa espiral de violência intencionalmente destinada a causar-lhes dano à vida”. A factualidade provada não permite cindir a motivação do arguido, como faz o Tribunal recorrido, nenhum dos factos provados aponta nesse sentido, antes indicia uma mesma motivação – as agressões contra os demais ofendidos são infligidas do mesmo modo, visando órgãos vitais e a intensidade da violência não abranda. Acresce que o arguido em nenhum momento da agressão pronunciou qualquer expressão de que pudesse extrair-se a sua intenção de apenas pretender afastar os ofendidos FF, LL ou EE, para mais facilmente atingir o DD. Com efeito, no ponto 22, da decisão de facto dá-se como provado que “durante a agressão do arguido aos ofendidos, aquele não pronunciou qualquer palavra.” Assim e tal como pretende a Magistrada do Mº Pº na 1ª Instância, entendemos que as considerações, teóricas e factuais, do Tribunal recorrido subjacentes à subsunção jurídica dos factos integradores do crime de homicídio na forma tentada na pessoa do ofendido DD, são igualmente aplicáveis ao crime de homicídio consumado na pessoa da ofendida FF e aos crimes de ofensa à integridade física na pessoa dos ofendidos LL e EE, pelo que quanto a todos eles deve ser julgada verificada a circunstância qualificativa prevista no art. 132, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal. 9 - A decisão recorrida, na determinação da medida concreta das penas, relativas aos crimes de homicídio, considerou: - “em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, revelada pelo número de golpes desferidos em zonas vitais do corpo … e ausência de motivo justificativo para a agressão; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso e na presença de uma criança de 16 meses; o modo de execução do crime, através de um instrumento corto-perfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa …; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso, sendo patente a repulsa social quanto a este tipo de crimes, a reclamar reacção visível e severa por forma a repor a confiança da comunidade na vigência da norma violada; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização. - Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais.” Assim e considerando as molduras penais aplicáveis ao crime de homicídio qualificado e aos crimes de ofensa á integridade física qualificada e realçando-se as circunstâncias que rodearam a prática dos factos, o grau de culpa manifestado, a ilicitude dos factos e as exigências de prevenção especial e geral que no caso ocorrem e todas as circunstâncias anteriores e posteriores à prática do crime, bem como os demais parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos arts 40 e 71 do Código Penal, afiguram-se-nos adequadas as penas propostas no recurso interposto pela Magistrada do Mº Pº no Tribunal recorrido. 10 - De igual forma no que respeita à medida da pena única. A decisão recorrida considerou, neste segmento, que “atendendo à muito elevada gravidade geral dos factos, bem como à personalidade perturbada e perigosa do arguido, com tendência para o recurso fácil à violência física, apresentando ausência de mecanismos inibidores desse comportamento violento, com pouco ou nenhum sentido auto-crítico e sem qualquer empatia para com as suas vítimas, conclui-se que este é pessoa muito carenciada de ressocialização.” No caso de concurso de crimes a pena aplicável, como resulta do nº 2, do art. 77, do Código Penal, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. A medida da pena do concurso de crimes, tal como vem sendo unanimemente afirmado pela jurisprudência e doutrina, é determinada, tal como nas penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, a que acresce, como decorre do nº 1, do art. 77, do Código Penal, um critério especifico – “a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente”. Como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 21/11/2012, (Proc. 86/08.0GBOVR.P1.S1, disponível em dgsi.pt.) “III. … , com a fixação da pena conjunta (se) pretende (-se) sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.” No mesmo sentido, o acórdão, também deste Supremo Tribunal, de 16/06/2016 - (Proc.2137/15.2T8EVR.S1, disponível em dgsi.pt.), em que se sumariou: “V – A pena única visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade dos ora recorrentes, em todas as suas facetas. Ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, as necessidades de prevenção geral e especial, …, o passado criminal do arguido, bem como o tempo decorrido desde o último facto ocorrido.” * Em conformidade com o exposto, emite-se parecer no sentido da procedência do recurso interposto pelo Mº Pº e na improcedência do recurso interposto pelo arguido.» 6. Dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, o arguido silenciou. 7. Com dispensa de vistos, realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO A - FACTOS PROVADOS: Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 20 de Abril de 2019, cerca das 22h00m, no café “…”, situado na …, … – …, o ofendido LL, a esposa e a filha encontravam-se, juntamente com outras pessoas, no exterior desse estabelecimento, quando chegaram e se lhes juntaram os ofendidos FF, DD e EE, que aí ficaram a confraternizar. 2. Após pedir um café no interior, o ofendido DD voltou para o exterior e começou a cantarolar uma música com o refrão “maluco, maluco, maluco” para uma criança que aí se encontrava, filha do ofendido LL. 3. Nessa altura, o arguido, que se encontrava no interior do estabelecimento, entendeu que o ofendido DD estaria a gozar consigo. 4. Acto seguido, o arguido dirigiu-se em passo apressado ao ofendido DD, empunhando um objecto corto-perfurante e começou a desferir-lhe vários golpes com força em várias partes do corpo, fazendo com que este caísse no chão. 5. Ao aperceberem-se da situação, os ofendidos FF e LL aproximaram-se rapidamente do mesmo, tentando parar as agressões, tendo o ofendido LL agarrado o arguido pelas costas, altura em que este desferiu também naqueles ofendidos e, logo após, também na ofendida EE vários golpes com o dito objecto corto-perfurante, os quais os atingiram em diversas partes do corpo. 6. O arguido conseguiu libertar-se e correu na direcção do ofendido DD, sendo que nessa altura a ofendida FF (mãe do DD) colocou-se à frente do arguido para o impedir de alcançar o seu filho, tendo o arguido lhe desferido novamente vários outros golpes com dito objecto corto-perfurante, os quais a atingiram em diversas partes do corpo, principalmente na cabeça. 7. Os quatro ofendidos foram prontamente transportados para o Hospital …..– …, onde foram medicamente assistidos. 8. A ofendida FF, em consequência da gravidade dos ferimentos que apresentou, entrou em paragem cardiorrespiratória que lhe provocou a morte, não obstante ter sido submetida a intervenção cirúrgica imediata. 9. Assim, em consequência directa e necessária das referidas agressões, a ofendida FF apresentou várias lesões provocadas por mecanismo cortante/corto-perfurante com a seguinte descrição: i) trajecto superficial e tangencial no tecido celular subcutâneo do couro cabeludo (lesão “A”); ii) trajecto superficial no tecido celular subcutâneo do couro cabeludo, iniciando-se na lesão “B” e terminando na lesão “C”, definido como sendo ligeiramente da frente para trás e da esquerda para a direita; iii) trajecto superficial no tecido celular subcutâneo do couro cabeludo, iniciando-se na lesão “D” e terminando na lesão “E”, definido como sendo de cima para baixo, ligeiramente da frente para trás e da esquerda para a direita; iv) trajecto iniciando-se na lesão “G” e terminando em fundo de saco no plano muscular do ombro esquerdo, grosseiramente definido como sendo de cima para baixo e ligeiramente da frente para trás; v) trajecto iniciando-se na lesão “H” e terminando em fundo de saco no plano muscular do ombro esquerdo, grosseiramente definido como sendo da esquerda para a direita e ligeiramente de cima para baixo; vi) trajecto ao longo dos planos subcutâneos e muscular do braço esquerdo, iniciando-se na lesão “I” e terminando na lesão “J”, grosseiramente definido como sendo de trás para a frente e ligeiramente da esquerda para a direita; vii) trajecto em profundidade na cavidade abdominal, iniciando-se na lesão “F”, com atingimento do fígado, estômago, duodeno e artéria aorta, terminando ao nível da região pré-vertebral lombar, definido como sendo da frente para trás, de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita. 10. A última lesão (“F”) corresponde à lesão traumática mortal. 11. Em consequência directa e necessária das referidas agressões, o ofendido DD apresentou ferimento do braço esquerdo junto da axila com cerca de 3 cm, com trajecto e comunicação com outra ferida a cerca de 3 cm da primeira; ferimento da flexura braço-antebraço com cerca de 4 cm de trajecto; pequeno ferimento da face dorsal da mão esquerda; ferimento supraesternal com cerca de 1 cm; ferimento torácico direito posterior com cerca de 3 cm; enfisema subcutâneo nas vertentes anterior e posterior do hemitórax direito, também tendo observado áreas de enfisema subcutâneo no prolongamento axilar esquerdo; volumoso pneumotórax à direita, com dreno torácico normoposicionados no seu interior, com telectasia compressiva de grande parte do pulmão direito, lesão potencialmente ameaçadora da vida, se não identificada e tratada atempadamente. 12. Em consequência directa e necessária das referidas agressões, o ofendido LL apresentou uma ferida corto-contusa no antebraço, a qual demandou para a sua cura/consolidação um número não determinado de dias, mas que o levou a estar de baixa médica até 11.05.2019. 13. Em consequência directa e necessária das referidas agressões, a ofendida EE apresentou ferida corto-contusa no terço médio da região anterior/interna do braço esquerdo com cerca de 2 cm; ferida perfurante punctiforme na região interna do braço esquerdo, a qual demandou para a sua cura/consolidação um número não determinado de dias, mas que a levou a estar de baixa médica até 02.06.2019. 14. O arguido sabia que ao atingir os ofendidos FF e DD da forma descrita, nomeadamente com uso de um objecto corto-perfurante, os atingia em zonas do corpo onde se alojam órgãos vitais, ou seja, na zona abdominal e zona torácica, respectivamente, podendo assim causar-lhes ferimentos graves e até mesmo a sua morte, resultado este com o qual se conformou. 15. Tal resultado morte veio a concretizar quanto à vítima FF. 16. Relativamente ao ofendido DD tal resultado apenas não se concretizou por motivos alheios à vontade do arguido, nomeadamente devido ao auxílio dos demais ofendidos, à pronta assistência médica e à robustez física do ofendido. 17. O arguido agiu ainda com o intuito de molestar o corpo dos ofendidos LL e EE e atingi-los na sua integridade física, o que conseguiu. 18. O arguido sabia também que ao usar o mencionado objecto corto-perfurante como instrumento de agressão tornaria mais difícil a eventual defesa destes ofendidos. 19. O arguido sabia ainda que ao agir do modo supra descrito, movido apenas pela circunstância do ofendido DD estar a cantarolar uma música que ele achou ser a gozar consigo, tal facto lhe era especialmente censurável, por consistir num motivo insignificante e irrelevante. 20. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Mais se provou, com interesse para a decisão da causa: Da discussão da causa: 21. A agressão do arguido ao ofendido DD ocorreu estando este de costas para aquele. 22. Durante a agressão do arguido aos ofendidos, aquele não pronunciou qualquer palavra. 23. O arguido não demonstra qualquer remorso ou empatia para com as vítimas dos factos, evidenciando um discurso de desresponsabilização. Do pedido de indemnização civil dos assistentes DD e Outros: 24. A falecida FF era mãe de cinco filhos, aqui assistentes, dos quais sempre cuidou, integral e exclusivamente, sem contar com o apoio dos respectivos progenitores. 25. Até à data referida em 1, era a falecida FF que vinha cuidando e provendo ao sustento dos seus filhos, à excepção do aqui assistente, DD, que já vivia com a sua companheira, EE. 26. Na madrugada do dia … de Abril de 2019, a ofendida FF veio a falecer, tendo as despesas com o velório e o funeral importado no valor de l.740.00 € (mil setecentos e quarenta euros), ainda não pago pelos demandantes. 27. A escritura de habilitação de herdeiros importou no montante de 210,00 € (duzentos e dez euros), pago por uma amiga da família, a quem os demandantes se obrigaram a restituir tal quantia. 28. A vítima FF nasceu em … . 05.1972. 29. A ofendida vivia com os seus filhos, aqui demandantes, GG (embora este estivesse preso, à data), HH, II e JJ. 30. Entre a vítima e os demandantes existiam laços recíprocos de forte união e afectos, contribuindo a vítima decisivamente para o equilíbrio, felicidade e vontade de viver destes. 31. vivendo todos em perfeita comunhão de vida. 32. A ofendida era saudável, alegre, bem-disposta, dinâmica e com uma grande alegria de viver. 33. Gozando de uma reputação como sendo uma pessoa de confiança e honesta. 34. Que se preocupava com os seus familiares e amigos, sendo reputada como mãe extremosa e responsável. 35. Os demandantes sentem profundamente a falta da falecida FF. 36. A morte da sua mãe foi o maior desgosto da vida dos demandantes, tendo afectado o curso das suas vidas, sobretudo no plano emocional. 37. Quando receberam a notícia de que a sua mãe não resistiu à gravidade dos ferimentos que lhe foram infligidos, os demandantes ficaram com o discernimento afectado durante vários dias. 38. perderam o apetite. 39. Os demandantes sofreram sozinhos e desamparados, sem o apoio da matriarca da família, chorando compulsivamente a morte da vítima. 40. Em especial, o demandante JJ, que, após o sucedido, passou a sofrer de crises de ansiedade e a ter de procurar apoio psicológico. 41. O demandante II tem demonstrado um estado de revolta que se tem vindo a reflectir, de forma menos positiva, no seu percurso escolar, procurando isolar-se em casa e desinteressando-se pelos conteúdos programáticos que lhe são ministrados. 42. Toda a envolvência da morte da sua mãe, as circunstâncias em que sofreu as agressões que foram causa directa e necessária da sua morte originaram nos demandantes sentimentos de profunda tristeza, revolta e angústia, 43. O demandado nunca falou com os demandantes, não lhe tendo apresentado condolências ou desculpas. 44. O assistente DD permaneceu até 03.12.2019 de baixa médica. 45. Aguardando ser contactado para iniciar os tratamentos de fisioterapia que lhe foram prescritos com vista à sua reabilitação. 46. Ainda em consequência directa e necessária da actuação do demandado, o demandante ficou com cicatrizes nas zonas onde sofreu as lesões referidas, as quais lhe causaram um prejuízo estético e sofrimento físico e moral. 47. Durante o período em que se encontrou de baixa médica, o demandante encontrou-se sem receber o seu vencimento mensal, o que se repercutiu negativamente ao nível das finanças do seu agregado familiar. 48. Em virtude da conduta do demandado, o demandante DD sofreu perturbação emocional, sentindo-se triste, angustiado e revoltado. 49. A vida do demandante DD sofreu sérias alterações em virtude da morte prematura e violenta da sua mãe, passando a ter de assumir o papel de "chefe de família" que, até então, cabia à vítima. 50. O assistente DD teve de abandonar a casa onde vivia com a demandante EE, para passar a viver com os irmãos que, até data dos factos, viviam com a vítima. 51. O demandante DD viu-se obrigado a largar um projecto de vida que construiu com a sua mulher, aqui demandante. 52. Passando a ter de gerir a sua rotina familiar e a de todos os membros que, até à data dos factos, integravam o agregado familiar da vítima. 53. O demandante DD passou a ter de assumir a gestão familiar dos ora demandantes, sentindo-se responsável pelo seu futuro. 54. Ainda hoje o demandante não consegue pensar na mãe sem chorar. 55. Em consequência da conduta do arguido, a demandante EE sofreu fortes dores e incómodos. 56. A demandante EE sentiu tristeza pela perda da sua sogra, a qual via como uma mãe. 57. A demandante EE sente tristeza pela cicatriz com que ficou no braço. 58. Desde a data dos factos, a demandante EE teve de abandonar o projecto de vida que delineou com o ora demandante DD, tendo de deixar a casa que partilhavam e tiveram de passar a viver com os demais demandantes, de quem passou a cuidar em conjunto com o demandante DD. 59. Preparando as roupas, as refeições e tratando de toda a gestão familiar do agregado. Do pedido de indemnização civil do assistente LL: 60. Como consequência direta e necessária da agressão do demandado, o demandante LL sofreu dores físicas e mal-estar, que foram maiores no momento das agressões, mas que se prolongaram por vários dias. 61. Durante o período que esteve de baixa médica, o demandante não conseguia sequer mexer o braço direito, por causa das dores e do risco de algum dos pontos cirúrgicos que lhe foram aplicados na ferida rebentar. 62. Durante o referido período, ficou o demandante impedido de fazer a sua vida normal em casa, como ajudar a sua companheira na lide da casa, na preparação das refeições ou a tratar do filho de ambos, desde logo, segurando o mesmo ao colo. 63. O demandante trabalha numa empresa de calçado, na parte da confeção de solas, mais concretamente a retirar as solas dos moldes, trabalho que exige a aplicação de força braçal. 64. Quando o demandante regressou ao trabalho, durante o primeiro mês e meio de trabalho, sentiu dores no braço direito, mais concretamente na zona onde sofreu a agressão. 65. No momento das agressões perpetradas pelo demandado, encontrava-se também no local a companheira do demandante, MM, e o filho de ambos, RR, na altura com apenas 16 meses. 66. Tendo o demandante LL temido pela vida de ambos, uma vez que, atento o desenrolar das agressões e a postura do demandado, poderiam os mesmos ter sido, igualmente, agredidos por este. 67. Durante os primeiros meses após a agressão, o demandante dormia mal, andava constantemente num estado de grande ansiedade, medo e insegurança. 68. Para além disso, durante algum tempo, sentiu o demandante LL uma grande frustração por ter interiorizado que, no momento das agressões, poderia ter feito mais para ajudar a FF, que acabou por falecer, vítima das agressões do arguido. 69. O demandante sempre foi uma pessoa calma e sossegada. 70. No entanto, em consequência da agressão de que foi vítima e das agressões a que assistiu, o demandante tornou-se uma pessoa mais ansiosa, tendo desenvolvido uma atitude excessivamente protetora dos seus filhos e de tudo o que os rodeia, condicionando o dia-a-dia dos mesmos. 71. Mas sendo simultaneamente menos paciente com os seus filhos, fruto também desse estado de ansiedade e perturbação. 72. Como consequência da agressão ficou o demandante LL com uma cicatriz no braço direito, que é visível se estiver com uma peça de roupa de manga curta, e que provoca no Demandante algum desgosto e vergonha. Do pedido de indemnização civil do Instituto da Segurança Social, I.P.: 73. LL é beneficiário do I.S.S., através do C.D. de .…, inscrito sob o n.º … 74. EE é beneficiária do I.S.S., através do C.D. de …, inscrito sob o n.º … 75. DD é beneficiário do I.S.S., através do C.D. de …, inscrito sob o n.º … 76. Em virtude dos factos ocorridos em 20.04.2019, descritos em 1. a 20., LL, EE e DD estiveram temporariamente incapacitados para o trabalho. 77. O I.S.S., I.P. pagou a LL, a título de subsídio de doença, a quantia de 202,13 €, no período de ...04.2019 a ...05.2019. 78. O I.S.S., I.P. pagou a EE, a título de subsídio de doença, a quantia de 358,59 €, no período de ...04.2019 a ...05.2019. 79. O I.S.S., I.P. pagou a DD, a título de subsídio de doença, a quantia de 2.832,47 €, no período de ...04.2019 a ...12.2019. Da contestação do arguido: 80. Cerca das 20h30 o arguido deslocou-se sozinho, ao café “…” para beber um café. 81. Já no interior do estabelecimento, após ter recusado um aperto de mão do dono do mesmo, o arguido ouviu um cliente do estabelecimento, conhecido como PP, a rir da situação. 82. O arguido confrontou o PP com o seu comentário perguntando-lhe: “Estás a rir-te porquê? Tenho cara de palhaço? Se queres alguma coisa anda lá para fora!”. 83. O PP respondeu que não estava a rir-se do arguido e que estava bem dentro do estabelecimento e o arguido foi-se embora do café. 84. Por volta das 22h o arguido foi a casa do seu sobrinho NN e perguntou-lhe se este o acompanhava para irem beber um sumo juntos. No percurso para o café, o arguido parou o carro em frente da casa de uma vizinha e começou a berrar na direcção dessa casa. 85. Após esta situação, que durou uns minutos, o arguido entrou novamente no seu carro e foi beber um sumo com o sobrinho NN ao café “…”. 86. O arguido, quando saía à noite, costumava levar consigo uma faca de cozinha serrilhada, utilizada para cortar carne, com cabo castanho de madeira e lâmina de metal com aproximadamente 10 cm. Do relatório social: 87. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu junto da família de origem, tendo sido partilhado com os pais e seis irmãos mais velhos, numa freguesia periférica à cidade de … . 88. O arguido refere a dinâmica relacional como afectiva, mas negativamente condicionada pela emigração do pai, operário fabril na … . 89. O arguido teve um percurso escolar regular até à frequência do 8.º ano de escolaridade, grau de ensino que não concluiu por abandono. 90. Actualmente, em contexto prisional, o arguido frequenta o 3.º ciclo no âmbito dos Cursos de Educação e Formação de Adultos. 91. O arguido iniciou-se profissionalmente aos 13 anos de idade, que revelou mobilidade, tendo trabalhado para diferentes entidades patronais, quer antes quer depois de cumprir o serviço militar obrigatório, designadamente na área da serralharia civil, em decorações (obras para designers de interiores) e, mais recentemente, na da construção civil, quer por conta de outrem quer por conta própria, em Portugal e em vários países da Europa. 92. O arguido contraiu matrimónio aos 22 anos de idade, relação que manteve durante quinze anos, na constância da qual nasceram 2 filhos, hoje adultos, e que culminou em divórcio em 2005. 93. Posteriormente, o arguido refez a sua vida afectiva com SS, sua actual companheira, com quem tem três filhos, com idades compreendidas entre os 15 e 1 ano de idade. 94. Inicialmente, o casal subsistia com recurso ao RSI e, após se integrarem laboralmente, há oito anos, passaram a beneficiar de uma habitação da …, entidade gestora da habitação económica do município de …, onde ainda residem. 95. O arguido apresenta problemática cardíaca há cerca de 4 anos, sendo seguido no Centro de Saúde da sua área de residência e em consulta de Cardiomiopatia no Hospital …, em …, sendo referidas dificuldades na aceitação das orientações clínicas por parte daquele, que só cumpre as que o próprio considera importantes e razoáveis. 96. Em Outubro de 2018, o arguido passou a revelar maior instabilidade emocional, considerando-se vítima de perseguição e conspiração, com um discurso e reacções persecutórias, recusando ir a uma consulta de psiquiatria, não obstante a vontade da companheira, postura que mantém por não reconhecer qualquer necessidade nessa área. 97. À data dos factos, o arguido estava desempregado, alicerçando-se a subsistência do casal no vencimento líquido da companheira como assistente operacional do Hospital …, em …, no valor de 635,00 €, a que acresce o abono de família dos três filhos menores (incluindo o subsídio por doença crónica da filha e por parentalidade). 98. O agregado familiar apresenta como despesas fixas mensais as relativas à renda de casa (17,00 €) e aos serviços de abastecimento doméstico, despesas de saúde e de educação dos menores. 99. O arguido é considerado pela companheira um marido e um pai presente, mas que nos últimos anos tem vindo a apresentar maior instabilidade emocional e, ao nível laboral, não consegue manter qualquer trabalho, abandonando-os precocemente. 100. No meio comunitário, o arguido é conhecido pelas dificuldades de comunicação, pouca empatia, que não motiva ou facilita o diálogo com quem a ele se dirige. 101. O arguido não demonstra qualquer tipo de emoção face ao seu presente confronto judicial. 102. O arguido beneficia de apoio por parte da companheira e de familiares de origem, irmãs e mãe, com quem mantém uma relação afectiva e solidária. Do relatório de perícia psicológica: 103. O arguido apresenta um conjunto de sintomas associados ao diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranoide. 104. Em situações de conflitualidade e/ou frustração, o arguido apresenta uma elevada propensão para o uso da agressividade física. 105. O arguido apresenta uma tendência para reacções rápidas e não planeadas a certos estímulos, particularmente falta de controlo inibitório do comportamento. 106. O arguido exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos. Do C.R.C.: 107. Do C.R.C. do arguido nada consta. * B - FACTOS NÃO PROVADOS: Da instrução e discussão da causa resultaram não provados os seguintes factos: i. O arguido empunhava uma faca de cozinha, com cerca de 22 cm de lâmina. ii. As lesões ao nível do tórax causaram ao ofendido DD perigo efectivo de vida. iii. O arguido sabia também que ao usar a mencionada faca como instrumento de agressão, se tratava de um objecto particularmente perigoso em caso de agressão física. iv. A vítima FF vivia ainda com um irmão, TT, que padece da doença de esquizofrenia, o qual dependia da vítima para o orientar nos actos da sua vida corrente. v. Os demandantes perderam a vontade de conviver com a família e os amigos mais próximos. vi. Os demandantes não saíam de casa, vii. Os Demandantes necessitaram, por variadas vezes, de recorrer ao uso de calmantes e de medicamentos para dormir e combater a ansiedade, viii. O sucedido teve ampla divulgação nos diversos órgãos de comunicação social. ix. O assistente DD permanece, até à presente data, de baixa médica, desconhecendo quando poderá retomar a sua actividade profissional. x. O assistente DD sente dores constantes e deixou de poder fazer quaisquer movimentos bruscos. xi. Ainda em consequência de tais acontecimentos, o demandante DD passou a ser um homem de choro fácil, tornando-se uma pessoa recatada, triste, angustiada e taciturna, tendo necessitado de recorrer a apoio psicológico. xii. Nunca mais se sentido tranquilo de cada vez que tem de frequentar espaços públicos por temer que uma situação semelhante à dos autos volte a repetir-se. xiii. A demandante EE sofreu uma enorme perturbação emocional, tendo-se sentido deprimida, triste, angustiada e revoltada. xiv. A demandante EE não conseguiu ultrapassar a perda da sua sogra, FF, de quem se lembra todos os dias, chorando a sua ausência. xv. A demandante EE sente-se, assim, psicologicamente frágil e com fundado receio de frequentar locais públicos com receio de que tal situação volte a repetir-se. xvi. Passando a ter dificuldades em dormir ou descansar, com sérios prejuízos para a sua vida pessoal e profissional. xvii. Ainda em consequência de tais acontecimentos, a demandante EE passou a ser uma mulher de choro fácil e a ter receio de não estar à altura de responder às necessidades dos demais demandantes. xviii. A demandante que é pessoa alegre e divertida, apesar de recatada, tornou-se uma pessoa aborrecida e revoltada como consequência directa e necessária da actuação do demandado. xix. Ainda hoje, passados cerca de sete meses da agressão, no sítio da cicatriz o braço fica sensível ao toque, provocando no demandante LL uma dor ligeira. xx. Na tarde do dia 20 de Abril de 2019, o arguido teve uma discussão com os seus vizinhos, porquanto os mesmos estavam a fazer muito barulho e a ouvir música muito alto. xxi. Esta situação foi encarada pelo arguido como uma tentativa de gozar com ele, de perturbar o seu sossego e de o humilhar, deixando-o muito enervado. Numa tentativa de desanuviar e de se acalmar o arguido saiu de casa e foi dar uma volta de carro. xxii. Já no interior do estabelecimento e após pedir o seu café o arguido ouviu um cliente do estabelecimento, conhecido como PP., a fazer um comentário, em alto e bom som, sobre a falta de educação do arguido em não cumprimentar ninguém. xxiii. Estas duas situações provocaram no arguido uma grande revolta e exasperação, considerando o arguido que existia um complô contra ele, com várias pessoas a quererem envergonhá-lo e humilhá-lo. xxiv. Por volta das 21h, durante o percurso para o café, o arguido parou o seu carro em frente à casa dos seus vizinhos e gritou: “Vocês vão deixar de gozar comigo! A palhaçada acaba hoje! Deixem-me em paz! A mim e aos meus filhos!”. xxv. O ofendido DD estava no exterior do café, virado na direcção do arguido a fazer gestos a imitar um macaco e a cantar “maluco, maluco, maluco!”. xxvi. Ora, se o arguido já estava exaltado e enervado com as situações anteriormente descritas, esta nova situação, percepcionada pelo arguido como um ataque pessoal e humilhante, foi a gota de água. xxvii. Desencadeando no arguido um acesso de desespero que o leva a contra-atacar, deslocando-se rapidamente em direcção ao DD e desferindo-lhe um murro nas costas. xxviii. O arguido não transportava consigo qualquer faca. xxix. Nunca foi intenção do arguido agredir nenhum dos outros ofendidos. xxx. A única e exclusiva intenção do arguido foi agredir ao murro o ofendido DD, como reacção à humilhação que sentiu, toldado por um acesso de raiva e descontrolo emocional/mental. xxxi. Esta era a terceira vez nesse dia que o arguido se sentia humilhado e gozado por atitudes de terceiros. Das outras vezes conseguiu controlar-se e não agredir quem o humilhava, desta vez, o copo transbordou e a raiva tomou conta dele. 2. Delimitação do objecto e âmbito dos recursos Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelos recorrentes, onde resumem as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objecto dos respectivos recursos. No caso presente, os recorrentes – o Ministério Público e o arguido – pretendem o reexame da decisão de direito no que concerne ao enquadramento jurídico dos factos e à determinação da medida concreta das penas parcelares e única. O Ministério Público discorda da qualificação jurídica dos factos integradores do crime de homicídio praticado pelo arguido na pessoa de FF e dos crimes de ofensa à integridade física praticados pelo arguido na pessoa de LL e de EE, entendendo que os factos dados como provados impõem que também quanto a estes crimes se considere verificada a circunstância qualificativa prevista na alínea e), do n.º 2, do artigo 132º, do Código Penal. Discorda também da medida da pena aplicada ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, e ainda da pena única, considerando-as “benevolentes”. Por sua vez, o arguido discorda da qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal recorrido quanto ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD , considerando que não se verifica a circunstância qualificativa prevista na alínea e), do nº 2, do artigo 132º, do Código Penal e, em consequência, entende que os factos integradores daquele crime deveriam ser subsumidos ao crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal. Discorda ainda o arguido das penas relativas ao crime de homicídio, na forma consumada, na pessoa de FF e aos crimes de ofensa à integridade física simples, na forma consumada, nas pessoas de LL e EE e, em consequência, da pena única, penas que considera “demasiado gravosas”[1]. 3. Apreciação 3.1. O crime de homicídio qualificado tentado Discorda o arguido da qualificação jurídica operada no acórdão recorrido quanto ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, sustentando que não se verifica a circunstância qualificativa prevista na alínea e), do nº 2, do artigoº 132º, do Código Penal e, em consequência, entende que os factos integradores daquele crime deveriam ser subsumidos ao crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal. 3.1.1. O crime de homicídio qualificado – motivo fútil Revisitando considerações expendidas nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 13-04-2016 e de 22-11-2017, proferido, respectivamente, nos processos n.º 61/15.8PFLRS.L1.S1 – 3.ª Secção, e n.º 980/15.1PRPRT.P1.S1 – 3.ª Secção, ambos relatados pelo agora relator[2], o crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 132.º do Código Penal, constitui uma forma agravada de homicídio. A qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no n.º 1 da disposição, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º. «O critério generalizador, lê-se no acórdão desse Supremo Tribunal de 21-01-2009, proferido no processo n.º 08P4030 (Relator: Cons. Henriques Gaspar), está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados - a especial censurabilidade ou perversidade do agente; as circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, assim, por esta mediação de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral. Sendo elementos constitutivos do tipo de culpa, a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão não significa, por imediata consequência, a realização do tipo especial de culpa e a directa qualificação do crime, como, também por isso mesmo, a não verificação de qualquer dos modelos definidos do tipo de culpa não impede que existam outros elementos e situações que devam ser considerados no mesmo plano de valoração que está pressuposto no crime qualificado e na densificação dos conceitos bem marcados que a lei utiliza. Mas, seja mediada pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão, ou por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que traduz e que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade, e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado. A qualificação do homicídio do artigo 132º do Código Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (cfr. FIGUEIREDO DIAS, "Comentário Conimbricense do Código Penal", vol. I, págs. 27-28). O modelo de construção do tipo qualificado - qualificado pelo especial tipo de culpa - através da enunciação do critério geral, moldado pela densificação através dos exemplos-padrão, não permitirá, por seu lado, salvo afectação do princípio da legalidade, «fazer um apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto [...] ou de uma situação valorativamente análoga» (cfr. idem, pág. 28)». Como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal de 30-03-2016, proferido no processo n.º 158/14.1PBSXL.L1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Santos Cabral): «O artigo 132 do Código Penal define o tipo de crime de homicídio qualificado constituindo uma forma agravada de crime em relação em relação ao tipo do artigo 131 do mesmo diploma. Objectivamente o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no artigo 131 funcionando a qualificação assente na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos padrão. O critério da qualificação está definido no nº 1 do artigo 132 e consiste em tirar a vida a outrem em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Algumas das circunstâncias que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade, ou perversidade, estão enumeradas no nº 1 do mesmo normativo. A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contem elementos da culpa que integra factores relativos á actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento. O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar especial censurabilidade àquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação [[3]]». Como se dá nota consigna em recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-09-2017, proferido no processo n.º 596/12.4JABRG.G2.S1 – 3. ª Secção, relatado pelo ora relator, o homicídio qualificado constitui, como tem sido unanimemente apontado, um tipo especial de culpa agravada, evidenciado nas circunstâncias enunciadas no n.º 2, que têm carácter exemplificativo, aí se referenciando contributos da doutrina e da jurisprudência relativos à qualificação do crime. Assim, segundo FIGUEIREDO DIAS, «a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos, uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2». E que «a verificação desses elementos, por um lado, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; por outro lado, a sua não verificação não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogos”!) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador», concluindo: «Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador - o Leitbildtatbestand (…) – que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º- 2»[4]. Convoque-se ainda o acórdão deste Supremo Tribunal de 27-05-2010, proferido no processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1 – 3-ª Secção (Relator: Cons. Pires da Graça), onde se considera que: «O tipo legal fundamental dos crimes contra a vida encontra-se descrito no art. 131.º do CP, sendo desse preceito que a lei parte para, nos artigos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo acrescer ao tipo-base, circunstâncias que qualificam o crime, por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade. O crime de homicídio qualificado verifica-se: “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, (…)” artº 132º nº 1 do C.Penal As circunstâncias referidas no nº 2 do mesmo preceito, são meramente indicativas e, não taxativas, são circunstâncias de referência exemplificativa, mas não de abrangência exclusiva. O nº 2 apenas determina que: «É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância do agente (….) (sublinhado nosso) A especial censurabilidade ou perversidade, sendo conceitos indeterminados, são representadas por circunstâncias que denunciam uma culpa agravada e são descritas como exemplos-padrão. A ocorrência destes exemplos não determina, todavia, por si só e automaticamente, a qualificação do crime; assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos. (Ac. do STJ de 07-07-2005, Proc. n.º 1670/05 - 5.ª). No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191. Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado. A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, com “efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. Ac. do STJ de 15-05-2008, Proc. n.º 3979/07 - 5.ª Secção) O cerne do referido ilícito está, assim, na caracterização da acção letal do agente como de especial censurabilidade ou perversidade face às circunstâncias em que, e como, agiu, ou dito de outro modo, está nas circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade que integraram a acção letal do agente. Como conclui Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, p. 124: “3. O critério generalizador do artigo 132º integra um tipo de culpa fundamental que permite caracterizar de forma autónoma a atitude especialmente censurável ou perversa do agente. 4. Só no âmbito de um conceito material de culpa susceptível de graduação, tendo como objecto de referência próprio o maior ou menor desvalor da atitude do agente actualizada no facto, a função de tipos de culpa agravadores da moldura penal pode ser inteiramente compreendida.” O legislador apesar de optar pela técnica dos exemplos padrão, consubstanciados no artigo 132º funda-se porém “na combinação de um critério generalizador, constituído por uma cláusula geral de agravação penal, com uma enumeração exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático” Mesmo na construção do Leitbild dos exemplos padrão, é a partir de cada uma das concretas circunstâncias agravantes exemplificadas que se retira não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa ( idem, ibidem, p. 126 e 127)». Mais recentemente, afirma-se no acórdão de 02-10-2019, proferido no processo n.º 3622/17.7JAPRT.P1.S1 – 3.ª Secção (Cons. Lopes da Mota), no sentido apontado, que «[c]omo tem sido unanimemente afirmado, o crime de homicídio qualificado p. e p. nos termos dos artigos 131.º e 132.º do Código Penal constitui um tipo qualificado por um critério generalizador de especial censurabilidade ou perversidade, determinante de um especial tipo de culpa, mediante uma cláusula geral concretizada na enumeração não exaustiva dos exemplos-padrão enunciados no n.º 2 deste preceito, cuja confirmação se deve obter, no caso concreto, pela ponderação, na sua globalidade, das circunstâncias do facto e da atitude do agente» (do sumário). Efectivamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem mantido uma interpretação do tipo do artigo 132.º do Código Penal como sendo baseado estritamente na culpa mais grave, revelada pelo agente, tendo como fundamento o facto de o agente revelar especial censurabilidade ou perversidade no seu comportamento, sendo ainda entendimento uniforme o de que as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, os chamados exemplos-padrão, são meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente e devem ser compreendidas enquanto elementos da culpa. No que especialmente releva para o caso agora em apreço, cumpre insistir, quanto à cláusula geral do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, que, subjacente à especial censurabilidade ou perversidade está um maior grau de culpa que o agente manifesta nas circunstâncias elencadas, o que motiva a agravação. Como considera TERESA SERRA, «a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial, que existe quando “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores”. A especial perversidade supõe «uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade». Dominantemente, refere a autora, entende-se que só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto[5]. Para FIGUEIREDO DIAS, «[o] especial tipo de culpa do homicídio doloso é em definitivo conformado através da verificação da «especial censurabilidade ou perversidade» do agente. O pensamento da lei é o de pretender imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas[6]. Segundo FERNANDO SILVA, a especial censurabilidade prende-se essencialmente com a atitude interna do agente, traduzida em conduta profundamente distante em relação a determinado quadro valorativo, afastando-se dum padrão normal. O grau de censura aumenta por haver na decisão do agente o vencer de factores que, em princípio, deveriam orientá-lo mais para se abster de actuar, as motivações que o agente revela, ou a forma como realiza o facto, apresentam, não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico, vigente na sociedade, como ainda traduzem situações em que a exigência para não empreender a conduta se revela mais acentuada. A especial perversidade representa um comportamento que traduz uma acentuada rejeição, por força dos sentimentos manifestados pelo agente que revela um egoísmo abominável. A decisão de matar assenta em pressupostos absolutamente inaceitáveis. O agente toma a decisão sob grande reprovação atendendo à personalidade manifestada no seu comportamento. O agente deixa-se motivar por factores completamente desproporcionais, aumentando a intolerância perante o seu facto[7]. Por fim, o entendimento de AUGUSTO SILVA DIAS segundo o qual «[h]á unanimidade na doutrina e jurisprudência nacionais em torno da ideia de que, em último termo, a qualificação do homicídio assenta num especial tipo de culpa: toda a punição por homicídio qualificado tem de passar pela comprovação da especial censurabilidade ou perversidade do agente (n.º 1) e isso exige uma ponderação final da atitude deste»[8]. Retomando o caso presente neste recurso, verificamos que o acórdão recorrido considerou verificada a circunstância qualificativa referida na alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, segundo a qual, é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância do agente ser determinado por qualquer motivo fútil. Segundo FIGUEIREDO DIAS, «[o] exemplo-padrão constante da alínea [alínea e)] é, diferentemente do que sucede com os anteriores, estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente. (…) Ser determinado a matar por qualquer motivo torpe ou fútil significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana»[9]. Sendo no subjectivismo do agente que deverá ser encontrada a natureza da motivação do crime para efeitos de futilidade do motivo, circunstância concretamente considerada na decisão recorrida, motivo fútil é, segundo M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, o motivo «notoriamente desproporcionado ou inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado»; para além da desproporcionalidade, deve acrescer a insensibilidade moral, que tem a sua manifestação mais alta na brutal malvadez ou se traduz em motivos subjectivos ou antecedentes psicológicos que, pela sua insignificância ou frivolidade, sejam desproporcionados com a reacção homicida. (…) Será o «motivo de importância mínima», mas também o «motivo frívolo, leviano, a ninharia» que leva o agente à prática de um grave crime, «na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida»[10]. Motivo fútil é entendido por MAIA GONÇALVES como «um motivo sem relevo, sem importância mínima ou manifestamente desproporcionado segundo as concepções da comunidade, incapaz portanto de razoavelmente explicar e muito menos justificar a conduta»[11]. No comentário de LEAL HENRIQUES e SIMAS SANTOS, «Motivo fútil é o motivo de importância mínima». O motivo é fútil – prosseguem estes autores – «quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius, e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau particular de perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até à insensibilidade moral»[12]. Perante a censurabilidade que merece junto da comunidade, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE define o «motivo ou fútil» como o «motivo incompreensível ou inexplicável à luz do modo de agir do homem médio ou mesmo revelador de um baixo carácter»[13]. Também a jurisprudência, como se dá nota no citado acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-04-2016, se tem pronunciado neste sentido. Assim, no acórdão de 31-01.2012, proferido no processo n.º 894/09.4PBBRR.S1 - 3ª Secção [Relator: Cons. Maia Costa), considera-se «motivo fútil» como o motivo sem valor, insignificante, ridículo, que não tem relevo, que não pode razoavelmente explicar a conduta do agente, que é notavelmente desproporcionado ou inadequado, na perspectiva do homem médio e em relação ao crime de que se trata, tendo em vista a situação concreta (vide neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 1989, in BMJ n.º 389). O motivo gratuito, frívolo, despropositado ou leviano, avaliado segundo os padrões éticos geralmente aceites na comunidade. Ele assenta, pois, numa ideia de desproporcionalidade flagrante entre a conduta da vítima e a atitude do agente, que choca frontalmente com o sentimento comunitário de justiça.» Como se lê nos acórdãos de 17-01-2007 - Proc. n.º 06P3845 – 3.ª Secção -, e de 26-09-2007 - Proc. n.º 07P2591 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Armindo Monteiro): «Na doutrina, tem sido atribuído ao motivo fútil o alcance de uma razão incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana. A nossa jurisprudência, a tal respeito, não se dissocia desse entendimento, identificando o motivo fútil não tanto pelo seu pouco relevo ou importância, mas sim pela «desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal em que ela se objectivou: no fundo o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade» – Ac. do STJ de 04-10-2001, Proc. n.º 1675/01 – 5.ª; motivo fútil é «o notoriamente desproporcionado ou inadequado aos olhos do homem médio, denotando o agente, com isso, o egoísmo, intolerância, prepotência, mesquinhez» – Ac. do STJ de 25-06-97, Proc. n.º 96P1253; motivo fútil será o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reacção homicida – Ac. do STJ, de 15-12-2005, Proc. n.º 05P2978.» Lendo-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2009, proferido no processo n.º 59/07.0GCVPA.S1 – 5.ª Secção (Relator: Cons. Simas Santos): «(…) VIII - Provando-se que o arguido, aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro, abriu a porta a pontapé e, aberta a mesma, acto contínuo, disparou um tiro de arma de fogo, em direcção do ofendido, atingindo-o na cabeça e provocando-lhe a morte, fica afastada a alegação de que se não apurou o motivo da acção, o que impediria a sua qualificação como fútil. IX - Mas, encontrado o motivo pelo qual agiu o recorrente – aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro –, importa ver se o mesmo, como entenderam as instâncias, é fútil. X - Não merece qualquer censura a qualificação do homicídio praticado pelo recorrente, designadamente por ter agido por motivo fútil, se ele matou a tiro de arma de fogo disparada a curta distância um velho de 89 anos, seu conhecido de muitos anos, de madrugada na casa deste, quando ele, frágil e indefeso, se encontrava apenas acompanhado da mulher, igualmente idosa, depois de a vitima o ter auxiliado emprestando-lhe uma ferramenta às 3h30, aborrecido com o facto de o ofendido lhe ter fechado a porta e não lhe ter dado dinheiro que lhe pedira agressivamente. XI - É um motivo claramente desproporcionado, inadequado face à génese do crime e ao modo de execução, que torna este incompreensível para a generalidade das pessoas, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) o crime, revelando o facto, inteiramente desproporcionado, repudiado pelo homem médio, profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana, insensibilidade moral traduzida na brutal malvadez do agente.» No acórdão de 27-05-2010, proferido no processo n.º 58/08.4JAGRD.C1.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Santos Cabral), caracteriza-se o «motivo fútil» como «o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática». No acórdão de 16-10-2013, proferido no processo n.º 455/12.0PCLSB.L1.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Armindo Monteiro), apresenta-se o «motivo fútil» como a circunstância qualificativa «com relação à motivação do agente, é a que surge fundada num profundo desprezo do valor da vida humana, acção que não pode razoavelmente explicar e muito menos justificar a conduta; é um motivo que de tão pouco ou imperceptível relevo, não revelador de adequação e que faz avultar a desproporcionalidade entre o que impulsiona a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que aquela se objectivou. Neste sentido e alcance, em data recente, se pronunciou o STJ nos seus ACs. de 27.6.2012, Rec.º n.º 127/10.0JABRG.G2.S1 e de 17.4.2013, P.º n.º 237/11.7JASTB.L1. S1. (…) O motivo fútil é incapaz de fornecer uma explicação em termos razoáveis, insignificante, mesquinho, demonstrando insensibilidade moral do agente - Jurisprudência Criminal, 288, RJ, 3402, 346. É aquele que se apresenta com antecedente psicológico desproporcionado com a reacção homicida, tendo em vista a sensibilidade normal média, assim Heleno Cláudio Fragoso. Significa que o motivo de actuação avaliado segundo as regras éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente baixo, repugnante, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pela vida humana, sintetiza abrangentemente o Prof. Figueiredo Dias, in Comentário citado, pág. 32». No acórdão de 19-02-2014, proferido no processo n.º 168/11.0GCCUB.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Santos Cabral), exprime-se igualmente o entendimento de que motivo fútil «é o motivo de importância mínima. Será, também, o motivo "frívolo, leviano, a “ninharia” que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida", o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática». Referindo-se ainda nesse acórdão que «o vector fulcral que identifica o "motivo fútil" não é pois tanto o que imprime a ideia de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas sim, aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: - no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva (Ac. do STJ de 4/10/2001, proc. nº 1675/01-5ª)». 3.1.2. Perante os elementos da doutrina e jurisprudenciais que se recensearam e os elementos de facto provados, consideramos juridicamente correcta a qualificação jurídica dos factos efectuada no acórdão recorrido. Vejamos: No caso presente, é indiscutível que a agressão ao ofendido DD foi produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade, tendo sido determinada por motivo fútil, como bem decidiu o Tribunal Colectivo. O que levou o arguido a praticar o crime assenta, na verdade, num motivo frívolo, leviano, uma ninharia que levou o arguido a praticar o crime que só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do arguido. No caso em apreciação, e como se refere no acórdão sob recurso: «Decorre da matéria de facto provada que o arguido atacou o ofendido DD em circunstâncias que evidenciam com clareza a futilidade do motivo. Com efeito, a actuação criminosa do arguido ocorreu relativamente a pessoas que não conhecia e com quem não tinha qualquer desavença; o catalisador da dita actuação foi uma música cantarolada no exterior do café “…” pelo ofendido DD para uma criança que se encontrava no grupo em que se inseria e que o arguido entendeu, erroneamente, ser dirigida a si com a intenção de o humilhar; e a desproporcionalidade manifesta da reacção do arguido, irrompendo de forma inesperada e sem aviso para os ofendidos, sobretudo DD, numa espiral de violência intencionalmente destinada a causar-lhes dano à vida, mediante o uso de um instrumento corto-perfurante. Todo este circunstancialismo torna a motivação do arguido incompreensível e inaceitável para uma consciência jurídica sã. Como se lê no Ac. RP de 21.03.2018 [Proc.º n.º 2917/16.1JAPRT.P1, relatora Elsa Paixão, em www.dgsi.pt], “o que identifica o motivo fútil é o que realça a inadequação e faz avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou”. É, pois, inequívoca a especial censurabilidade pressuposta no art.º 132.º, n.os 1 e 2, al. e), parte final, do Código Penal, revelando o exacerbado desvalor da atitude do arguido.» Os factos provados, relativos à agressão do ofendido DD integram a apontada qualificativa do homicídio: o «motivo fútil». O motivo que levou o arguido a desferir nesta vítima, utilizando um instrumento corto-perfurante, «vários golpes com força em várias partes do corpo» foi insignificante, de tão pouco relevo que a sua conduta surge como não expectável, ilógica, irrazoável, e, por isso, particularmente censurável, moralmente repugnante, constituindo um motivo fútil. E esta conclusão não é prejudicada pelos sintomas e situações observados na perícia psicológica – factos provados n.os 103-106, aspectos que foram justamente e bem considerados pelo Tribunal na fixação da medida da pena, designadamente a personalidade do arguido, com diagnóstico de Personalidade Paranóide, «enquanto circunstância ambivalente que, por um lado, reduz o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial» enquanto factor. Pelo que, a este propósito, carece de fundamento o alegado pelo recorrente já que tais factos e sintomas não assumem relevo bastante para afastar o preenchimento da qualificativa considerada. Como ficou provado (facto 19), «O arguido sabia ainda ao agir do modo supra descrito, movido apenas pela circunstância do ofendido DD estar a cantarolar uma música que ele achou ser a gozar consigo tal facto lhe era especialmente censurável, por consistir num motivo insignificante e irrelevante». E no ponto subsequente, dá-se como provado que «O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal». Sabe-se, como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-06-2012, proferido no processo n.º 127/10.0JABRG.G2.S1 - 3.ª Secção (Relator: Cons. Santos Cabral), «o homicídio pode ter na sua origem uma situação que face à experiência comum poderia conduzir aquele desenlace. Porém, casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável, em que são mínimos os motivos que lhe estão causa. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis». No caso em apreciação, lê-se nessa decisão da 1.ª instância, «os factos provados integram a apontada qualificativa do homicídio "motivo fútil". O motivo que levou o arguido o efectuar na vítima três golpes com uma faca no final de uma refeição que ambos efectuaram num restaurante - o facto de a vítima lhe ter dito para não beber um segundo bagaço porque tinham de ir trabalhar de tarde - constitui um motivo insignificante, de tão pouco relevo que a sua conduta surge como não expectável, ilógica, irrazoável, e, por isso, particularmente censurável, moralmente repugnante, constituindo um motivo fútil». Ora, o quadro factual relativamente aos golpes deferidos na vítima DD é claramente revelador de uma elevadíssima censurabilidade e perversidade e, portanto, enquadrável no artigo 132.º, n.os1 e 2 alínea e) do Código Penal, na forma de tentativa: homicídio qualificado tentado determinado por motivo fútil. Do exame do circunstancialismo concreto em que os factos foram praticados resulta não só que o sentimento que determinou o arguido é claramente desproporcionado relativamente à gravidade do crime que cometeu na pessoa daquela vítima, mas também que o motivo que despoletou a prática do crime não é, de forma alguma, capaz de explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a sua actuação. Não se vislumbra a mínima razão que justifique a brutalidade com que o arguido agiu. A conduta do arguido revela, pois, sem margem para dúvidas, uma especial censurabilidade e perversidade, atenta a forma despropositada e atacou aquele ofendido, revelando um instinto de agressividade invulgar, desferindo-lhe, com utilização de objecto corto-perfurante, vários três golpes em várias partes do corpo, provocando-lhe as lesões referenciadas no n.º 11 dos factos provados, uma das quais «potencialmente ameaçadora da vida, se não identificada e tratada atempadamente». Examinando o circunstancialismo concreto em que os factos foram praticados resulta, reafirma-se, não só que o sentimento que determinou o arguido é claramente desproporcionado relativamente à gravidade do crime que cometeu, mas também que o motivo que despertou a prática do crime não é capaz de explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do arguido. A conduta, os sentimentos e motivação que lhe subjazem resultam dos factos provados e revelam um despropósito e uma desproporção inadmissível face à gravidade do crime que foi cometido, traduzindo sentimentos de egoísmo, intolerância, insensibilidade moral, mesquinhez e intenso desprezo pelo valor da vida humana, tornando evidente que, em concreto, o arguido agiu por motivo fútil, qualificando-se, por essa via o homicídio que praticou. Na verdade, a «imagem global do facto», tal como resulta do complexo dos factos provados contextualmente interpretados, revela que o arguido-recorrente agiu por motivo fútil, motivado pela mera circunstância de o ofendido DD cantarolar uma música com o refrão «maluco, maluco, maluco» para uma criança que aí se encontrava e que o arguido entendeu que aquele ofendido «estaria a gozar consigo», sem a ocorrência de qualquer desavença ou situação anterior com significado relevante. A futilidade do motivo da actuação do arguido-recorrente insere-se plenamente na descrição e caracterização que a doutrina e a jurisprudência vem fazendo sobre tal circunstância ou exemplo-padrão, já referenciadas supra. Na leitura compreensiva dos factos provados, o contexto de conflito revela uma actuação com intenção de matar, sangue frio na execução, insensibilidade e indiferença, um móbil da actuação despropositada, um motivo sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação ao facto, sem explicação racional plausível. O arguido-recorrente praticou tão grave crime por «motivo de importância mínima», por uma «ninharia» numa total e incompreensível desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, por um motivo, convocando a impressiva expressão de FIGUEIREDO DIAS, «pesadamente repugnante, baixo ou gratuito». O modo de actuação do arguido e o «motivo fútil» por que se moveu, por ser claramente desproporcionado e inadequado à acção, que é ilegítima, injustificada e objectivamente censurável, são reveladores de uma especial censurabilidade ou perversidade. Observa-se, pois, uma correcta avaliação e valoração global dos factos praticados pelo arguido, integrando a conduta do arguido-recorrente relativamente à agressão infligida ao ofendido DD a qualificativa de motivo fútil, pelo que se constituiu como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea e), do Código Penal. Pelo exposto, não merece qualquer censura a qualificação do homicídio, na forma de tentativa, praticado pelo arguido agora recorrente operada na decisão recorrida. Improcede, assim, a sua pretensão no sentido da condenação pelo crime de homicídio simples, na forma tentada, negando-se provimento ao recurso nesta parte. 3.2. O crime de homicídio na pessoa de FF e os crimes de ofensas à integridade física na pessoa de LL e de EE Considerou o Tribunal Colectivo que a agressão letal praticada pelo arguido na pessoa de FF integra a prática do crime de homicídio simples, assim afastando a verificação da qualificação do crime. Afastou igualmente a qualificação dos crimes de ofensas à integridade física em que foram ofendidos LL e de EE. Discorda o Ministério Público da qualificação jurídica operada neste segmento já que, conclui, «atentos os factos dados como provados verifica-se a circunstância qualificativa prevista na alínea e) do nº 2 do artº 132º do Código Penal e, em consequência, o tribunal deveria ter condenado o arguido também pela prática do crime de homicídio qualificado na pessoa de FF p. e p. pelos arts. 131.º, e 132.º, nºs 1 e 2, al. e), do Código Penal; e pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de LL e de um crime de ofensa à integridade física qualificado, na forma consumada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal». Afirmando que, «[c]omo se alcança da matéria de facto dada como provada não existiu qualquer hiato nem interrupção da actuação do arguido entre o momento que agride o ofendido DD e o momento em que agride os ofendidos LL, EE e mortalmente a FF. Os ofendidos encontravam-se todos juntos no exterior do café a conviver uns com os outros e o arguido saiu do interior do café e dirigiu-se a esse grupo e munido com o objecto corto perfurante agrediu-os. É certo que se dirigiu primeiro ao ofendido que cantarolava a música, mas de seguida e sem qualquer hiato atacou e agrediu os ofendidos LL e EE e a vítima FF. O motivo que o determinou a dirigir-se repentina e violentamente ao grupo foi o cantarolar da música pelo ofendido DD que o fazia dirigido a uma criança que também ali se encontrava e era filho do ofendido LL. Dir-se-á ainda que a criança e a mãe desta, a testemunha MM, que também ali se encontravam não foram agredidas porque se afastaram do local, ou seja, o arguido atacou e agrediu todos aqueles que ali se encontravam motivado apenas por ter entendido que a música cantarolada era dirigida a si e a gozar consigo. A ofendida EE foi agredida pelo arguido porque também se encontrava no local e junto ao ofendido DD e demais ofendidos; o arguido agrediu corporalmente esta ofendida motivado pelo cantarolar da música pelo ofendido DD a uma criança filha do ofendido LL, pois foi esse o motivo que o determinou a sair do café e a dirigir-se ao grupo. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se verifica qualquer ausência de motivo na agressão exercida pelo arguido na pessoa de EE como considerou o tribunal. A agressão do arguido na pessoa do ofendido DD e na pessoa dos ofendidos LL e EE e na pessoa da FF diz respeito à única resolução do arguido de atacar o grupo onde os ofendidos se encontravam, não se vislumbrando qualquer interrupção da actuação do arguido após ter iniciado o ataque ao grupo onde todos se encontravam, correspondendo a actuação do arguido desde o inicio e quanto à agressão física aos ofendidos ao mesmo pedaço de vida.» No acórdão recorrido, referenciando-se pertinentes contributos da doutrina e da jurisprudência sobre o conceito da especial censurabilidade ou perversidade e do exemplo padrão referente à «futilidade do motivo», entendeu-se, como já se disse, não se vislumbrar na actuação do arguido contra os ofendidos FF, DD e EE a especial censurabilidade pressuposta no artigo 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal, justificando-se tal conclusão nos seguintes termos: «Vejamos, pois, a circunstância qualificativa que é imputada ao arguido e se a mesma constitui indício válido da especial censurabilidade ou perversidade pressuposta no art.º 132.º, n.º 1, do Código Penal. Refere o art.º 132.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, que é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, a circunstância de o agente “ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil”. O Prof. Figueiredo Dias entende que “qualquer motivo torpe ou fútil” significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, dever ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (...) de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana” [Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 32-33]. A jurisprudência tem vindo a considerar que “motivo fútil é o móbil da actuação despropositada do agente sem sentido perante o senso comum, por ser totalmente irrelevante na adequação ao facto, sem explicação racional plausível, radicando num egoísmo mesquinho e insignificante do agente” [Ac. STJ de 10.12.2008, Proc.º 08P3703, relator Pires da Graça, sumariado em www.dgsi.pt]; é “o motivo frívolo, leviano, ou mesmo o motivo que não tem qualquer relevo” [Ac. STJ de 18.09.2013, Proc.º 110/11.9JAGRD.C1.S1, relator Arménio Sottomayor, em www.dgsi.pt]; “é aquele que não pode razoavelmente explicar e, muito menos, justificar a conduta do agente. (...) É “aquele que não tem importância, é insignificante, irrelevante” [Ac. STJ de 18.10.2007, Proc.º n.º 07P2586, relator Santos Carvalho, em www.dgsi.pt]. É importante advertir, por fim, como faz grande parte da doutrina e da jurisprudência, que o motivo fútil não equivale nem se confunde com a inexistência de motivo. Isto dito, no caso vertente, apurou-se que o arguido iniciou as agressões atacando o ofendido DD. O motivo do ataque foi uma música cantarolada no exterior do café “…” pelo ofendido DD para uma criança que se encontrava no grupo em que se inseria e que o arguido entendeu, erroneamente, ser dirigida a si com a intenção de o humilhar. Na sequência da agressão inicial, a ofendida FF tentou interpor-se entre o arguido e o ofendido DD, seu filho, visando salvaguardar a vida e a integridade física deste. É, pois, neste cenário, que surge a agressão mortal à ofendida FF. Ora, neste quadro, não parece ser possível afirmar que o motivo subjacente à agressão mortal seja fútil, no sentido pressuposto pela lei. Tal motivo radica na intenção do arguido de prosseguir na agressão ao ofendido DD, necessitando para tanto de vencer a oposição da aludida FF. Sendo um comportamento profundamente censurável, não se vislumbra, no entanto, na actuação do arguido contra a ofendida FF a especial censurabilidade pressuposta no art.º 132.º, ns. 1 e 2, al. e), parte final, do Código Penal. Também não se vislumbra que a conduta do arguido possa estar a coberto de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa. Cometeu, pelo exposto, um crime de homicídio simples, na pessoa de FF, p.p. pelo art.º 131.º do Código Penal.» E, no que especificamente se refere à agressão sofrida pelos ofendidos LLe EE, diz no mesmo acórdão: «No que tange às circunstâncias qualificativas. Em relação à circunstância qualificativa prevista no art.º 132.º, n.º 2, al. e), ex vi art.º 145.º, n.º 2, do Código Penal [“motivo fútil”], dão-se aqui novamente por reproduzidas as considerações tecidas supra […]. Tal como em relação à ofendida FF, também na sequência da agressão inicial, o ofendido LL tentou socorrer o ofendido DD, visando evitar as agressões de que este estava a ser vítima por parte do arguido. Foi, portanto, neste cenário, que surgiu a ofensa à integridade física ao aludido LL. Como tal, pelos motivos já expendidos supra a propósito da desqualificação do homicídio cometido na pessoa de FF, que aqui se aplicam, mutatis mutandis, impõe-se, também aqui, considerar não verificada a ocorrência de motivo fútil na actuação do arguido, afastando-se, em consequência, essa circunstância qualificativa. No que respeita à ofendida EE, não foi possível determinar a motivação que presidiu à actuação do arguido. Como tal, dado que o motivo fútil não equivale nem se confunde com a inexistência (ou desconhecimento) de motivo, haverá que afastar, também relativamente a esta, a aludida circunstância qualificativa.» Na consideração das concretas em que a actuação do arguido se processou, mostra-se fundado concluir pela não verificação do exemplo-padrão previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal ou de qualquer situação indiciadora de especial censurabilidade. Para a qualificação nos termos do artigo 132.º do Código Penal, exige-se que o agente tenha agido com culpa agravada, ou seja, que as concretas circunstâncias da sua conduta permitam justificar um especial juízo de censura, pela particular gravidade do facto revelada nessas circunstâncias, as quais, na ausência de motivo susceptível de, em concreto, diminuir ou neutralizar a sua valoração, a verificarem-se, se deve considerar preencherem o critério de especial censurabilidade ou perversidade para efeitos de realização do tipo qualificado do crime de homicídio. Acompanhando-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 15-01-2019, proferido no processo n.º 4123/16.6JAPRT.G1.S1 -3.ª Secção (Relator: Cons. Lopes da Mota): «E sobre o tipo de culpa agravado do artigo 132.º considerou-se no acórdão de 19.2.2014 (Proc. 168/11.0GCCUB.S1, cit.): «Refere Silva Dias [Direito Penal - Parte Especial: Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, AAFDL, 2005] que a verificação do exemplo padrão do n.º 2 do art. 132.º não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício, e não mais do que isso, tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. (...) O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível». A apreciação e valoração dos factos requer a necessária ponderação de todas as circunstâncias de contextualização da acção do arguido, para que se possa concluir, com apelo aos elementos subjectivos relacionados com a especial motivação do mesmo, se ela foi determinada ou não por um motivo fútil, por um motivo gratuito, insignificante, sem qualquer importância, desprezível ou repugnante. Ora, de acordo comos factos que o Tribunal Colectivo considerou provados, é possível concluir que a actuação do arguido desenvolve-se por vários estádios, numa energia criminosa sucessivamente exercida. Julgando que o ofendido DD ao cantarolar o refrão de uma música «maluco, maluco, maluco» estaria a gozar consigo, «[a]cto seguido, o arguido dirigiu-se em passo apressado ao ofendido DD, empunhando um objecto corto-perfurante e começou a desferir-lhe vários golpes com força em várias partes do corpo, fazendo com que este caísse no chão». «Ao aperceberem-se da situação, os ofendidos FF e LL aproximaram-se rapidamente do mesmo, tentando parar as agressões, tendo o ofendido LL agarrado o arguido pelas costas, altura em que este desferiu também naqueles ofendidos e, logo após, também na ofendida EE vários golpes com o dito objecto corto-perfurante, os quais os atingiram em diversas partes do corpo. O arguido conseguiu libertar-se e correu na direcção do ofendido DD, sendo que nessa altura a ofendida FF (mãe do DD) colocou-se à frente do arguido para o impedir de alcançar o seu filho, tendo o arguido lhe desferido novamente vários outros golpes com dito objecto corto-perfurante, os quais a atingiram em diversas partes do corpo, principalmente na cabeça» (factos n.os 3, 4, 5 e 6). A dinâmica e cadência dos factos provados afastam, claramente, a verificação da situação suposta pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente, de que não existiu qualquer «hiato» na actuação do arguido e de que o arguido «”atacou” o grupo», nem «irrompeu sobre o grupo» de pessoas que ali se encontravam. A conduta homicida do arguido relativamente à vítima FF ocorreu sem preparação prévia, sem estabelecimento de plano, sem propósito sedimentado, num contexto da ofensa perpetrada sobre o ofendido DD, pessoa que o arguido visou porque entendeu (futilmente) que estaria «a gozar» com ele. E o mesmo sucedeu com as agressões que o arguido infligiu aos ofendidos LL e EE. Tendo essas agressões ocorrido nesse contexto, na sequência da agressão praticada sobre o ofendo do DD, sendo indiscutível a futilidade do motivo reveladora da especial censurabilidade com que o arguiu nesta agressão, relativamente aos actos praticados sobre os outros ofendidos é de ter por inaplicável no caso tal circunstância ou qualquer outra reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, sendo de manter a qualificação jurídico-penal pelo crime de homicídio simples e pelos crimes de ofensas à integridade física simples efectuada no acórdão recorrido. Assim, improcede, nesta parte, o recurso interposto pelo Ministério Público. 4. Medida das penas parcelares O Ministério Público questiona a medida da pena aplicada pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada e, bem assim, a medida das penas singulares aplicadas pelos restantes crimes em decorrência, aliás, da qualificação jurídico-penal pretendida e a medida da pena única Também o arguido pugna pelo «desagravamento» das penas parcelares e da pena única. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código. Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal). Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1 – 5.ª Secção (Relator: Cons. Rodrigues da Costa), convocado nos acórdãos de 27-05-2015, proferido no processo n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1 – 3.ª Secção (Relator: João da Silva Miguel), e de 09-03-2016, proferido no processo n.º 26/14.7GAAMR – 3.ª Secção, relatado pelo agora relator, e que se acompanha neste segmento expositivo: «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.» A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se orientado no sentido de que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do CP), então a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens»[14]. A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida»[15]. Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social, competindo à culpa, para além de suporte axiológico-normativo da repressão penal, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar no caso concreto. Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Justificando as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes praticados pelo arguido, lê-se na decisão recorrida: «O art.º 131.º, n.º 1, do Código Penal, estabelece, para o crime de homicídio, pena de prisão de 8 a 16 anos. O art.º 132.º, n.º 1, do Código Penal, estabelece, para o crime de homicídio qualificado, pena de prisão de 12 a 25 anos. A tentativa é punida com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada – arts. 23.º, n.º 2, e 73.º do Código Penal. Assim, a moldura penal do crime de homicídio qualificado tentado situa-se entre 2 anos, 4 meses e 24 dias e 16 anos e 8 meses. O art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, prevê, para o crime de ofensa à integridade física simples, pena de prisão até 3 anos ou pena de multa. De acordo com o art.º 70.º do C.P., o nosso sistema jurídico-penal dá preferência às reacções criminais não detentivas sobre as penas privativas da liberdade, desde que aquelas satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as quais se encontram plasmadas no art.º 40.º do C.P. Ora, não obstante o disposto no art.º 70.º do C.P., no caso concreto, o julgador não dispõe da liberdade de, ab initio, poder optar entre uma pena detentiva e uma não detentiva, dado que a valoração legislativa entendeu que só aquela satisfaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente por a considerar mais conveniente do ponto de vista da defesa do ordenamento jurídico, ou seja, da tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas violadas - prevenção geral de integração. * Nos termos do disposto no art.º 71.º do C.P., a determinação da medida concreta aplicável tem como critérios a culpa do agente e exigências de prevenção. A função desempenhada por cada um destes critérios é definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico, que é a que melhor se adequa às intenções do legislador penal. A prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo da moldura, que tem como fasquia superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar. A culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva. Dentro destes limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena. Está aqui em causa, em princípio, a função de socialização do delinquente, mas quando esta, em concreto, não for possível, relevará sobretudo a função de intimidação. Quanto ao crime de homicídio consumado. A este respeito, depõe em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, revelada pelo número de golpes desferidos em zonas vitais do corpo da ofendida e ausência de motivo justificativo para a agressão; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso e na presença de uma criança de 16 meses; o modo de execução do crime, através de um instrumento corto-perfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa da ofendida; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranóide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso, sendo patente a repulsa social quanto a este tipo de crimes, a reclamar reacção visível e severa por forma a repor a confiança da comunidade na vigência da norma violada; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização. Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais. Da conjugação de todos estes factores, afigura-se-nos justa e adequada a pena de 13 (treze) anos de prisão. * Quanto ao crime de homicídio qualificado tentado. A este respeito, depõe em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, revelada pelo número de golpes desferidos numa zona do corpo do ofendido onde se alojam órgãos vitais, não tendo havido outros em virtude da defesa daquele com o braço esquerdo, onde sofreu diversos cortes; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso; pelas costas do ofendido e na presença de uma criança de 16 meses; o modo de execução do crime, através de um instrumento corto-perfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa do ofendido; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranóide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso, sendo patente a repulsa social quanto a este tipo de crimes, a reclamar reacção visível e severa por forma a repor a confiança da comunidade na vigência da norma violada; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização. Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais. Da conjugação de todos estes factores, afigura-se-nos justa e adequada a pena de 7 (sete) anos de prisão. * Quanto aos crimes de ofensa à integridade física simples. A este respeito, depõe em desfavor do arguido, no tocante à culpa, o elevado grau de intensidade da vontade criminosa, traduzida pela actuação com dolo directo; o exasperado grau de ilicitude do facto, traduzido numa agressão de surpresa, sem qualquer pré-aviso, na presença de uma criança de 16 meses, filha de um dos ofendidos; o modo de execução do crime, através de um instrumento corto-perfurante, reduzindo significativamente as possibilidades de defesa dos ofendidos; a personalidade do arguido, com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Paranóide, circunstância ambivalente que, por um lado, contribui para reduzir o grau de culpa e, por outro, contribui para aumentar as exigências de prevenção especial, sobretudo tendo em conta a elevada propensão para o uso da agressividade física, a falta de controlo inibitório do comportamento, correspondendo a alguém que exibe um risco de violência elevado, associado a estados de desrealização face à exposição a certas situações/estímulos; as elevadas exigências de prevenção geral verificadas no caso; a situação de desemprego e de instabilidade profissional e afectiva; a inexistência de qualquer espécie de remorso ou arrependimento activo, designadamente revelado pela ausência de qualquer conduta destinada a reparar as consequências do crime, de empatia pelas vítimas e pela opção por um discurso de vitimização. Em favor do arguido militam a modesta condição económica e a ausência de antecedentes criminais. Da conjugação de todos estes factores, afigura-se-nos justa e adequada a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para cada um dos crimes.» Concordamos com a transcrita fundamentação que respeita inteiramente os ditames legais já expostos. Impressiona no caso sub judice a violência e energia criminosa da conduta do arguido sobre as pessoas atingidas. Todo o quadro em que a sua actuação se desenvolveu assume uma gravidade extrema, quer ao nível da ilicitude, quer ao nível da culpa, ainda que, neste campo, se deva ter em conta, como sucedeu, as características da personalidade diagnosticadas. Efectivamente, cumpre dar nota de que na fundamentação das concretas penas aplicadas, teve o Tribunal em devida consideração as patologias da personalidade do arguido observadas. Elas, podendo contribuir para uma redução do grau de culpa, assumem, no entanto, particular relevo para o aumento das exigências de prevenção especial. Os crimes assumem indiscutível gravidade pois atingiram bens pessoais e, num caso, a perda do maior bem: a vida. As exigências de prevenção geral assumem elevado grau de relevância. Como bem se sublinha na decisão recorrida, é patente a repulsa social quanto a este tipo de crimes, a reclamar reacção visível e severa por forma a repor a confiança da comunidade na vigência da norma violada. Consideramos, pois, justas e adequadas as penas parcelares aplicadas pela prática dos apontados crimes pois assentam em fundamentação clara e juridicamente correcta, na qual nos revemos. Na verdade, sempre que o procedimento adoptado na determinação da medida das penas se mostre correctamente efectuado, se tenham registado os factores a ter em conta para a respectiva quantificação, se tenha feito a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, então o quantum concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado. Como este Supremo Tribunal tem frequentemente afirmado, em entendimento expresso no acórdão de 21-12-2011, proferido no processo n.º 595/10.0GFLLE.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Raul Borges), reafirmado em abundante jurisprudência aí referenciada, «[a] intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”». Em face do exposto, improcedem, igualmente, nesta parte, os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido. 5. Medida da pena única O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes». Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico»[16]. A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente. No entendimento sucessivamente afirmado do Supremo Tribunal de Justiça, «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Por seu lado, como se lê no acórdão de 20-12-2006, proferido no processo n.º 06P3379 (Relator: Cons. Henriques Gaspar), que se vem acompanhando neste segmento expositivo, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente». Neste domínio, dá-se nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. João Silva Miguel), «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)»[17]. Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”[18], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”, sem esquecer, que “[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”»[19]. Perante as penas singulares aplicadas ao arguido, de acordo como disposto no citado artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, verificamos que a pena conjunta a fixar se deve situar entre o mínimo de 13 anos de prisão e o limite máximo legal de 23 anos de prisão. O Tribunal Colectivo justificou a pena única de 18 anos de prisão nos seguintes termos: «Do cúmulo de penas: Atendendo a que, na situação concreta, nos encontramos perante um caso de concurso de crimes, cumpre determinar a pena única resultante desta circunstância - art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. As regras da punição do concurso mandam que este se faça, determinando, em primeiro lugar, a moldura penal do mesmo, a qual terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Para a definição da pena concreta, deve levar-se em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Assim, a moldura penal do concurso cifra-se entre o mínimo de 13 (treze) anos de prisão e o máximo de 23 (vinte e três) anos de prisão. Atendendo à muito elevada gravidade geral dos factos, bem como à personalidade perturbada e perigosa do arguido, com tendência para o recurso fácil à violência física, apresentando ausência de mecanismos inibidores desse comportamento violento, com pouco ou nenhum sentido auto-crítico e sem qualquer empatia para com as suas vítimas, conclui-se que este é pessoa muito carenciada de ressocialização. Consequentemente, entende o tribunal como justa a pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.» Esta fundamentação merece a nossa concordância. A ilicitude global do comportamento do arguido, traduzido na execução dos crimes é assaz elevada. A motivação da sua conduta também é muito censurável, sendo muito acentuadas as exigências preventivas. Quanto à prevenção especial, há a necessidade de impor uma pena suficientemente dissuasora de repetição criminosa. No que respeita à prevenção geral, as exigências também são evidentes e elevadas. Considerando globalmente os factos e a personalidade do arguido AA, manifestado na actuação do mesmo, consideramos adequada e proporcional à gravidade do ilícito global a pena única de 18 anos de prisão aplicada pelo Tribunal Colectivo, improcedendo também neste segmento os recursos interpostos. III – DECISÃO Nos termos expostos, acordam em conferência os juízes que compõem a 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido AA, confirmando integralmente o acórdão recorrido. Sem custas pelo Ministério Público, atenta a isenção prevista no artigo 522.º do CPP. Custas pelo arguido com 3UC de taxa de justiça. (Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP, que assina digitalmente) Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Dezembro de 2020 Manuel Augusto de Matos (relator) António Pires da Graça – Presidente da Secção (com desempate) Conceição Gomes (com voto de vencida que se anexa) ________ Voto de Vencida Salvo o respeito devido pela posição que fez vencimento, daria provimento parcial ao recurso do Ministério Público, porquanto: Atentos os factos dados como provados, no acórdão recorrido considero que a qualificativa agravante prevista no artº132º, nº2, al. e) do Código Penal se verifica relativamente a todos os crimes: o crime de homicídio na forma consumada na pessoa de FF e os crimes de ofensa à integridade física na pessoa de LL e EE, e não apenas quanto ao crime de homicídio na forma tentada praticado pelo arguido na pessoa de DD. Os crimes foram cometidos com uma única resolução criminosa quanto a todos os ofendidos por parte do arguido, com uma única dinâmica, pelo que, não se pode compartimentar a justificação da conduta do arguido, relativamente a cada ofendido, individualmente, e nesta medida, o motivo abrange toda a atuação do arguido. Os factos provados nos pontos 1 a 6 e 19 são os seguintes: 1. No dia 20 de Abril de 2019, cerca das 22h00m, no café “…”, situado na Travessa …, … – …, o ofendido LL, a esposa e a filha encontravam-se, juntamente com outras pessoas, no exterior desse estabelecimento, quando chegaram e se lhes juntaram os ofendidos FF, DD e EE, que aí ficaram a confraternizar. 2. Após pedir um café no interior, o ofendido DD voltou para o exterior e começou a cantarolar uma música com o refrão “maluco, maluco, maluco” para uma criança que aí se encontrava, filha do ofendido LL. 3. Nessa altura, o arguido, que se encontrava no interior do estabelecimento, entendeu que o ofendido DD estaria a gozar consigo. 4. Acto seguido, o arguido dirigiu-se em passo apressado ao ofendido DD, empunhando um objecto corto-perfurante e começou a desferir-lhe vários golpes com força em várias partes do corpo, fazendo com que este caísse no chão. 5. Ao aperceberem-se da situação, os ofendidos FF e LL aproximaram-se rapidamente do mesmo, tentando parar as agressões, tendo o ofendido LL agarrado o arguido pelas costas, altura em que este desferiu também naqueles ofendidos e, logo após, também na ofendida EE vários golpes com o dito objecto corto-perfurante, os quais os atingiram em diversas partes do corpo. 6. O arguido conseguiu libertar-se e correu na direcção do ofendido DD, sendo que nessa altura a ofendida FF (mãe do DD) colocou-se à frente do arguido para o impedir de alcançar o seu filho, tendo o arguido lhe desferido novamente vários outros golpes com dito objecto corto-perfurante, os quais a atingiram em diversas partes do corpo, principalmente na cabeça. 19 «O arguido sabia ainda que ao agir do modo supra descrito, movido apenas pela circunstância do ofendido DD estar a cantarolar uma música que ele achou ser a gozar consigo, tal facto lhe era especialmente censurável por consistir num motivo insignificante e irrelevante». Pelo que, sendo assim, como efetivamente resulta dos factos provados, não há outra solução juridicamente admissível que não seja a de incluir na mesma circunstância e na clausula geral qualificativas, Diferente entendimento constitui patente contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. O citado ponto 19) dos factos provados inviabiliza que se aponte qualquer outro motivo para o homicídio consumado e para as ofensas à integridade física. Do exposto se conclui que, como refere o Ministério Público, na motivação de recurso, o motivo que originou a agressão dirigida pelo arguido aos elementos do grupo, constituído por todos os ofendidos, que se encontravam no exterior do café foi só e apenas um e o mesmo, ou seja, o cantarolar de uma música pelo ofendido DD a uma criança do mesmo grupo, que o arguido pensou, erroneamente, que lhe era dirigida e que era a gozar consigo. Assim sendo, daria provimento parcial ao recurso do Ministério Público e aplicaria as seguintes penas: - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pessoa de FF p. e p. pelos artsº131º e 132º, nº1 e nº2, al. e) do Código Penal, a pena de 16 anos de prisão - pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, p.p. pelos arts. 131.º, e 132.º, nºs. 1 e 2, al. e), do Código Penal, a pena de 8 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na pessoa de LL, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal a pena de 2 anos de prisão; - pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, na pessoa de EE, p.p. pelos arts. 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) do Código Penal a pena de 2 anos de prisão; E, em cúmulo jurídico, a pena única de 20 anos de prisão. *** Lisboa, 09 de dezembro de 2020 _______________________________________ Maria da Conceição Simão Gomes __________ [1] Seguiu-se a definição do objecto dos recursos efectuada pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal no seu douto parecer. |