Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SOUSA FONTE | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ACORDÃO DA RELAÇÃO APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL NULIDADE SENTENÇA RECURSO PENAL OBJECTO DO PROCESSO REJEIÇÃO DE RECURSO PENA DE MULTA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL VALOR DO PEDIDO ALÇADA TRIBUNAL DA RELAÇÃO SUCUMBÊNCIA ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA | ||
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Data do Acordão: | 06/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Área Temática: | DIREITO COMUNITÁRIO - DIREITOS FUNDAMENTAIS DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS DIREITO INTERNACIONAL - DIREITOS FUNDAMENTAIS DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO - SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS - SENTENÇA – RECURSOS ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS - COMPETÊNCIA / ALÇADAS | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, Vol. 5 (Reimpressão, 1981), p. 113 e segs.. - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., 1985, pp. 57, 58, 59, 684, 686, nota 3. - Figueiredo Dias, Direito Penal - As Consequências Jurídicas do Crime (1993), pp. 114 e segs., 329 e segs.. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, 1º Vol., pp.418, 516. - Ireneu Cabral Barreto, “A Convenção…”, p.99. - José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p.189. - Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, “Código de Processo Penal”, Comentários e Notas Práticas, p. 1023. - Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Anotado, 17ª Edição, p.975. - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pp.473, 474. - Simas Santos e Leal-Henriques, “Código de Processo Penal”, Anotado, 2ª Edição, II Volume, p.576. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 666.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 5.º, N.º1 E Nº 2, ALÍNEA A), 71.º E SS., 379.º, 400.º, N.º 1, AL. E), N.º2 E N.º3, 411.º, N.º 3, 412.º, N.º1, 414.º, N.º 2 E N.º3, 420.º, N.º 1, AL. B), 425.º, N.º 4, 432.º, N.º 1, AL. B). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 43.º, N.º1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º, 32.º, N.º1. DL N.º 303/2007, DE 24-8: - ARTIGOS 11.º, N.º1, 12.º, N.º1. LEI N.º3/99, DE 13-01 (LOFTJ): - ARTIGOS 19.º, N.º2, 24.º. | ||
Legislação Comunitária: | CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 48.º. | ||
Referências Internacionais: | CEDH: - ARTIGO 6.º, NºS 2 E 3. CONVENÇÃO PARA PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS: - ARTIGO 2 DO PROTOCOLO Nº 7. DUDH: - ARTIGOS 8º E 11º, Nº 1. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS: - ARTIGO 14.º, N.º5. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 27.01.2009, Pº Nº 4031/08 -3ªSECÇÃO; -DE 24.02.2010, Pº Nº 151/99.2PBCLD.L1.S1-3ª SECÇÃO; -DE 29.03.2012, Pº 334/04.5IDPRT.P1.S1-3ª SECÇÃO. -*- ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2009, DE 18.02.2009, DR., 1ª SÉRIE, DE 19 DE MARÇO. | ||
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Sumário : | I - Nos termos do art. 666.º, n.º 1, do CPC, aplicável ao processo penal por força do art. 4.º do CPP, «proferida a sentença [leia-se, aqui, “acórdão”], fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa» - o que significa, segundo Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., 1985, p. 684)) que, «lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela». Mas, «respeitado, porém, esse núcleo fundamental (…), o juiz mantém ainda o exercício do poder jurisdicional para a resolução de algumas questões marginais, acessórias ou secundárias que a sentença pode suscitar entre as partes, (…) entre as quais (…) as nulidades nelas contidas». II - Em matéria de nulidades da sentença, o CPP tem um regime próprio, o consagrado no art. 379.º, que é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por via do disposto no art. 425.º, n.º 4 (que, por sua vez, acrescenta ao elenco do primeiro uma outra situação que fere de nulidade esses acórdãos: terem sido lavrados contra o vencido, ou sem o necessário vencimento). III - Ora, o n.º 2 daquele art. 379.º prescreve que «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações o disposto no n.º 4 do artigo 414.º». Por sua vez, este preceito admite, no caso de o recurso não ter sido interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, que o tribunal, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, possa sustentar ou reparar aquela decisão. IV - A remissão significa, assim, que o tribunal recorrido só pode sustentar ou suprir a(s) nulidade(s) arguida(s) se estivermos perante uma sentença ou um acórdão que não tenha conhecido, a final, do objecto do processo. Se a decisão não admite recurso, então o interessado deverá arguir a nulidade perante o próprio tribunal que a proferiu. V - Neste contexto, tendo o Tribunal da Relação admitido o recurso interposto nos autos para o STJ e tratando-se o acórdão recorrido de decisão que conheceu, a final, do objecto do processo, não podia a Relação ter conhecido da arguição das nulidades feita no processo. VI - Tendo-se pronunciado sobre as mesmas, depois de esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa, o Tribunal a quo proferiu um acórdão que está ab initio ferido de nulidade absoluta, nos termos do art. 425.º, n.º 4, por referência ao art. 379.º, n.º 1, al. d), ambos do CPP. VII - A anulação do acórdão pelo STJ torna o recurso interposto para o mesmo carente de objecto, razão por que é rejeitado por não ser admissível (arts. 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP). VIII - O acórdão do Tribunal da Relação impugnado pelo recorrente foi proferido em recurso e aplicou pena não privativa da liberdade (10 meses de prisão substituída por igual tempo de multa), pelo que não é susceptível de recurso para o STJ, na parte criminal, por força das disposições combinadas dos arts. 414.º, n.º 2, 432.º, n.º 1, al. b), e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP. IX - A aplicação da norma do n.º 2 do art. 400.º do CPP remete para conceitos cuja definição e regime não têm assento no CPP: o valor da alçada e da sucumbência. O n.º 2 do art. 24.º da Lei 3/99, de 13-01, diz que em matéria criminal não há alçada. No entanto, o valor da alçada e da sucumbência constituem, por via daquela remissão, pressupostos da recorribilidade da parte da decisão proferida em processo penal sobre a questão civil. X - Uma vez que o valor do pedido de indemnização civil é superior à alçada do Tribunal da Relação que estava estabelecida na data em que aquele foi deduzido, sendo a decisão deste Tribunal desfavorável ao recorrente em € 10 000 [ < a diferença entre a indemnização arbitrada (€ 50 000) e o valor que o arguido afirmou aceitar (€ 40 000) ] a sua sucumbência excede metade dessa mesma alçada, pelo que o recurso da parte civil é, no caso, admissível. XI - Nesse recurso, o recorrente apenas impugna o montante da indemnização. Mas mesmo com esse objecto restrito, o recurso cai claramente nas malhas da rejeição, por falta de motivação (arts. 411.º, n.º 3, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP). Como decorre do n.º 1 do art. 412.º do CPP, a motivação é a peça fundamental do recurso, em que o recorrente tem de enunciar especificamente os fundamentos da sua divergência em relação à decisão impugnada. Neste caso, o recorrente não fundamenta sequer por que razão entende que o direito dos recorrentes, «em termos de equidade e monetários não é superior a € 40 000». Afirmar, sem mais, sem qualquer esforço para o demonstrar, que o valor correcto é este e não aquele não constitui fundamento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório 1.1. O arguido AA, casado, médico, nascido em 26.10.1949 na freguesia de ..., concelho de ..., filho de ... e de ..., residente na Avenida ..., e com domicílio profissional no Hospital ..., respondeu, com outra, no processo em epígrafe, perante o tribunal singular do 4º Juízo Criminal da comarca de Lisboa, sob a acusação de ter praticado um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º, nº 1, por referência ao artº 15º, alínea a), ambos do CPenal, e foi absolvido, tanto do referido crime como do pedido cível deduzido pelos assistentes e demandantes BB e CC (sentença de 11.06.2008, de fls. 1593 e segs.). 1.2. Não conformados, os Assistentes e Demandantes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de 16.12.2009, fls. 2579 e segs., decidiu, no que para aqui interessa, a) alterar a decisão sobre a matéria de facto; b) revogar a sentença na parte em que absolveu o Arguido do crime e do pedido civil; c) condenar o Arguido pela autoria do crime que lhe ia imputado; d) ordenar a remessa do processo à 1ª instância para, com base nos factos que fixou, determinar a pena a aplicar ao Arguido e apreciar a responsabilidade civil dos Demandados. Desse acórdão interpôs recurso o Arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, fls. 2729 e segs., que, todavia, não foi recebido, conforme despacho de fls. 2816, decisão em sede de reclamação de fls. 3159 e acórdão do Tribunal Constitucional de fls. 3228. 1.3. Baixados os autos à 1ª instância, o Senhor Juiz proferiu, em 05.04.2011, fls. 3316 e segs., nova sentença, em conformidade com o determinado pelo Tribunal da Relação, em que condenou o Arguido - pela autoria do aludido crime, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; - a título de indemnização civil, a pagar aos demandantes BB e CC, solidariamente com o “Hospital Amadora-Sintra”, a quantia de €40.000,00, acrescida de juros à taxa de 4%, até «integral e efectivo pagamento». 1.4. Mais uma vez inconformados, os Assistentes e Demandantes interpuseram novo recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de 08.11.2011, fls. 3447 e segs., o julgou parcialmente procedente e condenou o Arguido - pela prática daquele crime, na pena de 10 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de €80,00, isto é, na multa global de €24.000,00; - a título de indemnização, a pagar aos Demandantes a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros que tinham sido fixados. 1.5. Pelo requerimento de fls. 3503 e segs., o Arguido - arguiu a nulidade daquele acórdão e - interpôs dele recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Terminou a respectiva motivação com as seguintes conclusões: «1.° - O Acórdão em crise alterou o número de meses da pena de prisão, substituiu a pena de prisão por multa, fixou o seu quantitativo e aumentou o valor da indemnização. 2.° - Aderiu aos considerandos do Tribunal de 1ª Instância, agravando o que este decidiu mas sem alargar a fundamentação, o que constitui nulidade, por violação do disposto nos art.ºs 97.°, n.° 5, e 425.°, n.° 5, do CPP. 3.° - A decisão impugnada não contém fundamentação para alterar a sanção e a indemnização, o que constitui omissão que viola os mais basilares princípios dos Direitos Penal e Processual Penal. 4.° - A falta de fundamentação não pode ser sanada pelo Tribunal ad quem, o que torna a decisão em causa nula e impossível de subsistência, pelo que deve ser revogada. 5.° - A decisão de substituição da pena de prisão por pena de multa não se encontra sustentada em factualidade sobre a situação económica e financeira concreta do Arguido e os seus encargos pessoais, conforme estatuem os n°s 1 e 2 do art.° 47.° do CP. 6.° - Nem tão pouco contém ponderação e fundamentação acerca da medida concreta da pena de multa aplicada. 7.°- Houve uma mera substituição automática da pena de prisão de 10 meses para igual período de tempo de pena de multa. 8.° - A fixação duma pena de multa tem que ser devidamente ponderada em face dos elementos de prova. 9.° - A omissão da recolha de factos acerca da situação económica e financeira concreta do Arguido e dos seus encargos pessoais constitui preterição duma formalidade essencial para a determinação concreta da medida da pena de multa, que foi fixada no valor total de € 24.000. 10.° - A substituição da pena de prisão, anteriormente suspensa, por pena de multa no valor total de €24.000, sem ponderação e sem consideração da situação económica e financeira do Arguido não é mais favorável e pode forçar ao cumprimento duma pena de prisão efectiva. 11.°- A omissão em causa é insusceptível de ser sanada, fere o processado de nulidade e determina a repetição do julgamento para conhecimento dessa factualidade, conforme o disposto no art.° 47.° do CP e art.° 371° do CPP, que foram violados. 12.° - A actuação do Arguido não justificava sanção penal mais grave do que aquela que foi fixada em 1ª Instância. 13.°- O Arguido viu a sua vida pessoal e profissional reduzida, de tal modo que hoje se encontra reformado de quase todas as suas actividades. 14.° - O Arguido já sofreu a mais grave das sanções: a condenação na praça pública. 15.° - Face às concretas circunstâncias em causa – actuação do arguido, a sua personalidade, o tempo decorrido desde a prática dos factos, a sua inserção pessoal, familiar e profissional, a conduta anterior e posterior aos factos – o aumento de 6 para 10 meses de prisão é exagerado. 16.° - O Acórdão não refere especificamente os fundamentos que levaram a alterar a medida da pena (art.° 71.°, n.° 3, do CP). 17.° - Devia ter havido atenuação especialmente da medida da pena, mantendo-se a pena nos 6 meses de prisão, tendo sido violado o disposto nos art.ºs 70.° a 73.° do CP. 18.° - A substituição da pena de prisão por pena de multa à taxa diária de € 80 pelo mesmo período da pena de prisão, no total de € 24.000, é excessiva e injustificada, nada constando nos factos provados que o Arguido consegue pagar aquele quantitativo. 19.°- O quantitativo diário de € 80 fixado aproxima-se mais do mínimo que do máximo — de € 1 a € 498,80 (na redacção anterior a 2007). 20.° - Mas o número de 300 dias fixado está mais próximo do máximo — de 10 a 360 dias. 21.° - Ora, a fixação do quantitativo diário e automática do número de dias, sem a devida ponderação e fundamentação na situação económica e financeira concreta do Arguido e dos seus encargos pessoais, viola frontalmente o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.° 47.° do CP. 22.° - A multa tem que ser fixada em função das concretas possibilidades financeiras e económicas do arguido e actuais! 23.° - A substituição de forma automática da pena de prisão de 10 meses em multa por igual período de tempo equivale a uma aplicação da pena de multa sem qualquer ponderação e em flagrante violação do previsto nos art.ºs 47.°, n.ºs 1 e 2, e 71.°, n.°1, do C. P. 24.° – A pena de prisão fixada é menos gravosa que a pena de multa. 25.° - A pena de prisão aplicável era de 1 mês a 3 anos (36 meses). 26.° - A pena de prisão fixada situa-se dentro do primeiro terço do limite máximo — 10 meses de prisão em 36 meses possíveis. 27.° - A pena de multa em substituição situou-se dentro do terceiro terço do limite máximo — 300 dias de multa em 360 dias possíveis. 28.° - É ilegal e injusta a conversão automática do período de tempo de prisão em igual período de tempo de multa, por não respeitar a necessidade de ponderar os vários elementos objectivos e subjectivos, maxime a culpa, que a lei faz depender para a fixação duma qualquer pena, entre elas a pena de multa. 29.° - Os limites das penas de prisão são distintos dos limites das penas de multa, sendo necessário proceder ao ajustamento da medida da pena de multa em função dos limites e dos vários aspectos a considerar para a sua fixação. 30.°- O art.° 43.°, n.° 1, do CP, não determina nem permite que a substituição da pena de prisão pela pena de multa se realize de modo automático e pelo mesmo período de tempo que a pena substituída. 31.° - Por remissão do art.° 43.°, n.° 1, tem que se aplicar a regra geral que consta do art.° 47.°, n.° 1, do CP, que fixa os limites mínimo e máximo entre os 10 e os 360 dias, e a fixação da multa em função dos critérios constantes do art.° 71.°, n.°1,do C. P. 32.° - Está em causa o próprio fim da pena, que deve ser determinado em função da culpa e os demais critérios objectivos e subjectivos do caso concreto. 33.° - Os princípios da culpa e da proporcionalidade obrigam a que a pena de multa seja aplicada dentro dos limites mínimo e máximo, ponderada a culpa do arguido e das exigências de prevenção, tudo nos termos dos art.ºs 43.°, n.° 1, 47.°, n.°1, e 71.°, n.°1, do C. P. 34.°- É inconstitucional a interpretação normativa do art.° 43.°, n.° 1, do C.P, na redacção introduzida pelo Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro (quer na anterior redacção, mas com referência ao art.° 44.°, n.° 1), segundo a qual, havendo substituição da pena de prisão por pena de multa, o período de tempo fixado para a pena de prisão seja automaticamente convertido em igual período de tempo da pena de multa, sem ponderação da culpa do agente e das exigências de prevenção, por tal interpretação violar o princípio da culpa, em sentido estrito e integrante do direito a um processo equitativo, e o princípio da proporcionalidade, consagrados nos art.ºs 1.°, 20.°, n.° 4, 27.°, n.° 1, da CRP. 35.° - A substituição automática realizada no Acórdão exceda os limites impostos pela culpa concreta do Arguido e reflectida na pena de prisão fixada. 36.° - Foram violados os art.ºs 1.°, 20.°, n.°4, 27.°, n.° 1, da CRP. 37.° - A tudo acresce, a quase inexistente necessidade de prevenção especial e geral, sendo que a reprovação pública inerente à pena aplicada e o castigo que ela envolve, aplicada num processo crime e em audiência, satisfizeram plenamente o sentimento jurídico da comunidade. 38.° - Só uma pena de multa fixada em número de dias contidos dentro do primeiro terço dos limites mínimo a máximo é que respeita os princípios constitucionais da culpa e da proporcionalidade, o que deve ser concedido revogando-se o Acórdão em crise. 39.° - Face aos factos apurados e aos danos que se visam ressarcir, bem como a jurisprudência mais recente dos nossos Tribunais Superiores, a indemnização civil devia ter-se mantido nos € 40.000. 40.° - Não houve nascimento completo e com vida, pelo que o que estava em causa era um direito próprio dos Assistentes. 41.° - E o direito dos infelizes Assistentes em termos de equidade e monetários não é superior a €40.000, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido. 42.° - Foi violado o disposto no art° 659.°, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, e nos art.ºs 66.°, 496.°, 563.°, 564.°, n.° 1, e 566.° do Código Civil. Por todo o exposto, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao Recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!» 1.6. A Senhora Procuradora-geral-adjunta do Tribunal da Relação respondeu, concluindo pela irrecorribilidade do acórdão, «por a pena imposta em 1ª instância e que foi confirmada “in mellius” neste Tribunal superior não ser uma pena detentiva e, consequentemente, não ser, muito menos, pena detentiva superior a 8 anos de prisão, o que deve conduzir à rejeição do recurso», nos termos das disposições conjugadas dos arts. 432º, nº 1-b), 400º, nº 1-e) e f), 417º, nº 6-b) e 420º, nº 1-b), todos do CPP. Acrescentou, por outro lado, que o acórdão recorrido não padecia de qualquer nulidade ou irregularidade. 1.7. O Senhor Desembargador-relator, do mesmo passo que remeteu os autos para “Vistos” e, depois, à conferência, admitiu o recurso, embora entendesse ser discutível a sua possibilidade (despacho de fls. 3536). E, realizada a conferência, o Tribunal da Relação, pelo acórdão de 07.02.2012, fls. 3540 e segs., julgou «improcedentes as nulidades arguidas». 1.8. Notificado desse acórdão, o Arguido, pelo requerimento de fls. 3571 e segs., - arguiu a sua nulidade, - interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e - extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões: «1ª- O Acórdão de 08/11/2011 alterou o número de meses da pena de prisão, substituiu a pena de prisão por multa, fixou o seu quantitativo e aumentou o valor da indemnização. 2ª - Aderiu aos considerandos do Tribunal de 1ª Instância, agravando o que este decidiu mas sem alargar a fundamentação, o que constituiu nulidade, por violação do disposto nos art.ºs 97.º°, n.° 5, e 425.°, n.° 5, do CPP. 3ª - Foram arguidas as nulidades de falta de fundamentação e ponderação do agravamento da pena, da alteração da pena, da fixação dos dias de multa por conversão automática e da determinação do quantitativo da taxa diária sem suporte fáctico. 4ª - Foi ainda interposto recurso penal e civil. 5ª- O Acórdão de 07/02/2012 omitiu qualquer decisão sobre a admissão do recurso interposto, o que constitui omissão de pronúncia, e violação dos art.ºs 379.°, n.° 1, al. c), ex vi do art.° 425.°, n.° 4,e 414.°, n.° 1, do C.P.P. 6ª - Essa mesma decisão indeferiu as invocadas nulidades. 7ª - A Essa douta Decisão, ora em crise, devia ter reconhecido a falta de fundamentação para alteração da pena, pois o aumento da pena de 6 para 10 meses de prisão não foi especificamente fundamentada (art.° 71.°, n.° 3, do CP). 8ª - Mais devia ter reconhecido que a substituição da pena de prisão por pena de multa não se encontrava sustentada em factualidade sobre a situação económica e financeira concreta e quantitativa do Arguido e os seus encargos pessoais, conforme estatuem os n.ºs 1 e 2 do art.° 47.° do CP. 9ª - Nem tão pouco continha ponderação e fundamentação acerca da medida concreta da pena de multa aplicada. 10ª- Houve uma mera substituição automática da pena de prisão de 10 meses para igual período de tempo de pena de multa. 11ª - A omissão da recolha de factos acerca da situação económica e financeira concreta do Arguido e dos seus encargos pessoais constituía preterição duma formalidade essencial para a determinação concreta da medida da pena de multa, que foi fixada no valor total de € 24.000. 12ª - A substituição da pena de prisão, anteriormente suspensa, por pena de multa no valor total de €24.000, sem ponderação e sem consideração da situação económica e financeira específica e actual do Arguido estava e está ferida de nulidade. 13ª - A omissão em causa é insusceptível de ser sanada, feriu o processado de nulidade e determinava a repetição do julgamento para conhecimento dessa factualidade, conforme o disposto no art.° 47.° do CP e art.° 371° do CPP, que foram violados. 14ª - Ora, a fixação do quantitativo diário e automática do número de dias, sem a devida ponderação e fundamentação na situação económica e financeira concreta do Arguido e dos seus encargos pessoais, viola frontalmente o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.° 47.° do C.P. 15ª- A multa tem que ser fixada em função das concretas possibilidades financeiras e económicas do arguido e actuais! 16ª - A substituição de forma automática da pena de prisão de 10 meses em multa por igual período de tempo equivale a uma aplicação da pena de multa sem qualquer ponderação e em flagrante violação do previsto nos art.ºs 47.°, n.ºs 1 e 2, e 71.°, n.°1, do C. P. 17ª - É ilegal e injusta a conversão automática do período de tempo de prisão em igual período de tempo de multa, por não respeitar a necessidade de ponderar os vários elementos objectivos e subjectivos, maxime a culpa, que a lei faz depender para a fixação duma qualquer pena, entre elas a pena de multa. 18ª - Os limites das penas de prisão são distintos dos limites das penas de multa, sendo necessário proceder ao ajustamento da medida da pena de multa em função dos limites e dos vários aspectos a considerar para a sua fixação. 19ª - Os princípios da culpa e da proporcionalidade obrigam a que a pena de multa seja aplicada dentro dos limites mínimo e máximo, ponderada a culpa do arguido e das exigências de prevenção, tudo nos termos dos art.ºs 43.°, n.° 1, 47.°, n.°1, e 71.°, n.°1, do C.P. 20ª - Tal fundamentação e ponderação foi omitida, pelo que o Acórdão recorrido deveria ter deferido a nulidade invocada. 21ª- Tudo nulidades que deviam ter sido reconhecidas pelo Acórdão em crise e determinado a anulação do Acórdão de 08/11/2011. 22ª- Mais, é inconstitucional a interpretação normativa do art.° 43.°, n.° 1, do C P, na redacção introduzida pelo Lei n.° 59/2007, de 4 de Setembro (quer na anterior redacção, mas com referência ao art.° 44.°, n.° 1), segundo a qual, havendo substituição da pena de prisão por pena de multa, o período de tempo fixado para a pena de prisão seja automaticamente convertido em igual período de tempo da pena de multa, sem ponderação da culpa do agente e das exigências de prevenção, por tal interpretação violar o princípio da culpa, em sentido estrito e integrante do direito a um processo equitativo, e o princípio da proporcionalidade, consagrados nos art.ºs 1.°, 20.°, n.° 4, 27.°, n.°1, da CRP. 23ª - A substituição automática validada no Acórdão exceda os limites impostos pela culpa concreta do Arguido e reflectida na pena de prisão fixada. 24ª - Houve violação dos art.ºs 1.°, 20.°, n.° 4, 27.°, n.° 1, da CRP. 25ª - Foram violadas as normas acima invocadas. Por todo o exposto, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao Recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!» 1.9. Verificando então que o Recorrente não havia sido notificado daquele despacho de fls.3536,oSenhor Desembargador- -relator mandou proceder a essa notificação e convidou-o a esclarecer se mantinha interesse no requerimento de fls. 3571. O Recorrente respondeu afirmativamente – fls. 3602. Sem qualquer outro despacho, o processo foi remetido a este Tribunal. 1.10. No Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer em que reiterou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, argumentando, - quanto à questão penal, no seguimento da jurisprudência fixada pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009, de 18.02.2009 (DR, 1ª série, de 19 do mês seguinte), que são aqui aplicáveis as alterações introduzidas no CPP, em matéria de recursos, pela Reforma de 2007 – porque, embora os factos imputados ao Arguido sejam de Março de 2002, a data da sentença da 1ª instância [da sentença que, pela primeira vez, se pronunciou sobre o caso, entenda-se] é de 11.06.2008, quando aquelas alterações já estavam em vigor –, cujos arts. 400º nº 1-e) e 432º, nº 1-c) vedam o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da relação, proferidos em recurso, que tenham aplicado pena não privativa da liberdade, como é a pena aplicada ao Recorrente pelo acórdão recorrido;. - quanto à questão civil, que a decisão impugnada é desfavorável ao Recorrente em valor inferior a metade da alçada do Tribunal recorrido. 1.11. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP o Recorrente respondeu que o parecer da Senhora Procuradora-geral- -adjunta «não afasta os fundamentos do recurso apresentado» no que toca ao pedido civil – só a este se refere expressamente –, com os seguintes argumentos: - «a admissibilidade do recurso por efeito da alçada ou em razão do valor é regulada pela lei em vigor na altura em que aquele pedido foi deduzido (artº 24º, nº 3, da Lei nº 3/99, de 13/01»; - «o pedido … foi apresentado em 28/03/2006»; - « nessa altura, o valor da alçada do Tribunal da Relação era de €14.963,94»; … . «assim, a sucumbência do Recorrente é superior a metade da alçada do Tribunal da Relação (artº 24º da Lei 3/99, de 13/01, e artº 400º, nºs 2 e 3, do CPP».
2. Tudo visto, cumpre decidir:
2.1. Da instância de recurso Antes de nos debruçarmos sobre a questão prévia suscitada pelas Excelentíssimas Magistradas do Ministério Público, importa que nos pronunciemos sobre a particularidade de, neste processo, terem sido interpostos os dois recursos que referimos. Recapitulemos: Depois de o Recorrente ter interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão final proferido pelo Tribunal da Relação – o acórdão de fls. 3447 e segs. – onde arguiu a sua nulidade, o Tribunal recorrido, do mesmo passo que levou o processo à conferência para apreciar essa arguição, recebeu o recurso. E, realizada a conferência, proferiu novo acórdão, o de fls. 3540 e segs., em que julgou improcedentes as nulidades arguidas. Desse novo acórdão interpôs o Arguido novo recurso. Ora bem. Nos termos do artº 666º, nº 1, do CPC, aplicável ao processo penal por força do artº 4º do CPP, «proferida a sentença [leia-se, aqui, “acórdão”], fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa» – o que significa, segundo Antunes Varela[1] que, «lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela». Mas, prossegue o mesmo Autor, «respeitado, porém, esse núcleo fundamental …, o juiz mantém ainda o exercício do poder jurisdicional para a resolução de algumas questões marginais, acessórias ou secundárias que a sentença pode suscitar entre as partes, … entre as quais … as nulidades nelas contidas». Em matéria de nulidades da sentença, o Código de Processo Penal tem um regime próprio, o consagrado no artº 379º, que é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por via do disposto no artº 425º, nº 4 (que, por sua vez, acrescenta ao elenco do primeiro uma outra situação que fere de nulidade esses acórdãos: terem sido lavrados contra o vencido, ou sem o necessário vencimento). Ora, o nº 2 daquele artº 379º prescreve que «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações o disposto no nº 4 do artigo 414º». Por sua vez, este preceito admite, no caso de o recurso não ter sido interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, que o tribunal, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, possa sustentar ou reparar aquela decisão. A remissão, significa, assim, que o tribunal recorrido só pode sustentar ou suprir a(s) nulidade(s) arguida(s) se estivermos perante uma sentença ou um acórdão que não tenha conhecido, a final, do objecto do processo[2]. Se a decisão não admite recurso, então o interessado deverá arguir a nulidade perante o próprio tribunal que a proferiu. Neste contexto – o das citadas disposições legais; o da admissão do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo despacho de fls. 3536 e o do objecto do acórdão recorrido que conheceu, a final, do objecto do processo – o Tribunal da Relação não podia ter conhecido da arguição das referidas nulidades. Tendo-se pronunciando sobre as mesmas, depois de esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa, o Tribunal a quo proferiu um acórdão que está ab initio ferido de nulidade absoluta[3], nos termos do artº 425º, nº 4, por referência ao artº 379º, nº 1-d), ambos do CPP. Termos em que anulamos o acórdão de fls.3540 e segs., que, assim, fica sem nenhum efeito. A anulação acabada de decretar torna o recurso interposto a fls. 3571 carente de objecto, razão por que é rejeitado por não ser admissível (arts. 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b) do CPP)
2.2. Da questão prévia suscitada pelo Ministério Público As Senhoras Procuradoras-gerais-adjuntas, como referimos, suscitaram a questão prévia da admissibilidade do recurso por, em síntese, estarmos perante um acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação de Lisboa que aplicou ao Recorrente uma pena não privativa da liberdade. A Senhora Procuradora-geral-adjunta do Supremo Tribunal de Justiça acrescentou que, também quanto ao pedido civil o acórdão não admite recurso porque a decisão impugnada é desfavorável ao Recorrente em valor inferior a metade da alçada do Tribunal recorrido. Vejamos, por partes.
2.2.1. Quanto à questão criminal 2.2.1.1. A fase do inquérito do presente processo iniciou-se em 09.04.2002 e refere-se a factos praticados no mesmo ano; A decisão da 1ª instância que pela primeira vez se pronunciou sobre o objecto do processo foi proferida, como atrás dissemos, em 11 de Julho de 2008; O acórdão recorrido, em 08.11.2011. Isto é, os factos foram praticados e o processo foi aberto quando vigorava a versão do CPP resultante das alterações nele introduzidas até à Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro (12ª alteração). Mas tanto aquela decisão do 4º Juízo Criminal de Lisboa como, naturalmente, o acórdão da Relação de Lisboa foram proferidos depois de 15 de Setembro de 2007, data em que entrou em vigor a Reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto (15ª alteração)[4]. Não obstante a alteração legislativa verificada durante a vida do processo, atentas as datas em que foram proferidas aquelas decisões, e uma vez que, para efeitos da conjugação do regime dos recursos com o artº 5º, nº 2, alínea a), do CPP, o regime aplicável é o que vigorar na data em que, pela primeira vez, se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos do exercício do direito ao recurso, não há que considerar qualquer questão no âmbito da sucessão de regimes – cfr. a fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009, de 18.02.2009, DR., 1ª Série, de 19 de Março. Com efeito – e continuamos a louvar-nos na fundamentação deste Acórdão – «anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em 1.ª instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos do exercício do direito ao recurso que, como direito a recorrer de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual… [;] o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer….». O regime aqui aplicável é, portanto, o estabelecido pela Lei 48/2007 por ser o que vigorava na data em que foi proferida a decisão da 1ª instância, pois, insistimos, foi nesse momento que «se configur[ou] o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surg[iu] na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário»[5]. 2.2.1.2. A Lei 48/2007 modificou substancialmente os pressupostos e as condições dos recursos, em segundo grau, para o Supremo Tribunal de Justiça, restringindo-os, como muito claramente se proclama na Proposta de Lei que está na sua origem. Esta restrição não se traduz, porém, em violação da garantia constitucional do direito ao recurso, consagrada no artº 32º, nº 1, da CRP. Com efeito, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira[6], o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva consagrado no artº 20º da CRP «não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição». Mas a «dupla instância» em matéria penal, além de expressamente consagrada no artº 14º, nº 5, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos e no artº 2 do Protocolo nº 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, está igualmente inscrita no artº 32º, nº 1, da CRP. A consagração do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa, veio explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, isto é, o direito de o arguido ver a sua causa reapreciada por um tribunal superior [7]. Quer dizer, a garantia constitucional do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa consagradas no artº 32º, nº 1 da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal preveja um modelo de impugnação das decisões que possibilite, de maneira efectiva, a reapreciação por uma instância superior das decisões condenatórias e das que afectem directa, imediata e substancialmente os direitos fundamentais do arguido, como, por exemplo, as que, por qualquer modo, restrinjam a sua liberdade. Mas o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso. Salvaguardados estes limites, o legislador ordinário goza de larga margem de manobra na configuração do modelo de recursos, quanto aos respectivos pressupostos, condições e respectivos graus, desde que não suprima a própria faculdade de recorrer. O direito internacional e comunitário também não dizem nada de substancialmente diferente. Os arts. 8º e 11º, nº 1, da DUDH, referem-se, o primeiro, ao acesso ao direito e aos tribunais que, vimos, o artº 20º, nº 1, da CRP expressamente consagra, com o sentido indicado, e o segundo à exigência de que o processo assegure todas as garantias de defesa, nos termos que também vimos acolhidos pelo artº 32º, nº 1, da CRP. O artº 48º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia corresponde ao disposto nos nºs 2 e 3 do artº 6º da CEDH que não consagra o direito ao duplo grau de jurisdição[8]. Tal direito foi, já o dissemos antes, expressamente incluído no artº 2 do Protocolo nº 7 à Convenção Para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, acordada entre os Estados membros do Conselho da Europa, «decididos a tomar novas providências apropriadas para assegurar a garantia colectiva de certos direitos e liberdades pela Convenção…», como se lê no respectivo preâmbulo. Em consonância como o que antes dissemos ser a dimensão desse direito, este artº 2º preceitua que o seu exercício, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados na lei – nº 1; e que pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em 1ª instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição – nº 2. Ora, e por um lado, o legislador ordinário de 2007 não só não suprimiu o segundo grau de recurso como também não restringiu de forma arbitrária – porque o fez em função da gravidade dos crimes em julgamento – o direito de o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outro lado, no nosso caso, a causa já foi reapreciada por um tribunal superior, no seguimento de um recurso interposto pelo agora Recorrente. 2.2.1.3. As Excelentíssimas Magistradas do Ministério Público defendem a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação por via da alínea e) do nº 1 do artº 400º, conjugada com a alínea c) do nº 1 do artº 432º, ambos do CPP. Ou seja, o acórdão não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça porque aplicou ao Recorrente uma pena de 10 meses de prisão substituída por igual tempo de multa. Isto é, o acórdão do Tribunal da Relação, proferido que foi em recurso, aplicou pena não privativa da liberdade. A pena de prisão é, a par da pena de multa, uma das penas principais estabelecidas no Código Penal que, em determinadas condições, pode ser substituída por outro tipo de reacção criminal. Como dá nota Figueiredo Dias[9], é “de longe dominante”, na doutrina portuguesa, a concepção das penas de substituição como verdadeiras penas autónomas. O mesmo Autor agrupa as penas de substituição, em função das suas especificidades próprias, em três grandes classes, entre as quais, no que para aqui interessa, as penas de substituição em sentido próprio e as penas de substituição detentivas. As da primeira classe são caracterizadas por um duplo requisito: terem carácter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade e pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão para serem então aplicadas em vez desta. Na segunda categoria incluem-se formas especiais de cumprimento ou execução da pena de prisão, cumpridas «intramuros». Integra no primeiro grupo, além de outras, a pena de multa de substituição, distinta, do ponto de vista político-criminal e dogmático, da pena de multa principal. E se, quanto à pena de multa complementar, abandonada, aliás, pelo Código Penal na sequência da Reforma de 95 (DL 48/95, de 15 de Março), nenhuma dúvida é legítimo colocar sobre a sua natureza de pena não detentiva, também quanto à pena de multa de substituição se não pode deixar de aceitar a sua natureza de pena não privativa da liberdade, como vem ensinando Figueiredo Dias[10] e resulta directamente do artº 43º, nº 1, daquele Diploma – «a pena de prisão … é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade …». Concluímos, pois, que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa impugnado pelo Recorrente foi proferido em recurso e aplicou pena não privativa da liberdade. Como assim, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por força das disposições combinadas dos arts. 414º, nº 2, 432º, nº 1, alínea b) e 400º nº 1, alínea e), do CPP. O despacho do Senhor Desembargador que admitiu o recurso não vincula este Tribunal – artº 414º, nº 3, do CPP. Não sendo admissível, o recurso, neste segmento, é rejeitado – artº 420º, nº 1, alínea b), do CPP. (Neste sentido, cfr. os Acórdãos de 27.01.2009, Pº nº 4031/08-3ª e de 29.03.2012, Pº 334/04.5IDPRT.P1.S1, também desta Secção). 2.2.1.4. O regime legal que suporta a conclusão acabada de tirar é, como vimos, o que resulta da reforma do Código de Processo Penal introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto. Todavia, também a versão anterior a essa Reforma, vigente na data em que se iniciou o procedimento, não era mais favorável às pretensões recursivas do Arguido: o crime por que o Arguido respondeu e foi condenado é punível, desde a revisão do CPenal operada pelo DL 48/95, de 15 de Março, com prisão até 3 anos ou com pena de multa pelo que o acórdão do Tribunal da Relação sempre seria insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por força dessa versão da alínea e) do nº1 daquele artº 400º.
2.2.2. Quanto ao pedido civil A Senhora Procuradora-geral-adjunta do Supremo Tribunal de Justiça, além da questão prévia da inadmissibilidade do recurso da decisão sobre a questão penal, suscitou também a da irrecorribilidade da parte do acórdão que incidiu sobre o pedido civil, por «a decisão impugnada ser desfavorável ao arguido/recorrente em valor inferior a 15000,00€ (metade da alçada do Tribunal recorrido) – artº 400º, nº 2 do CPP» (a sua Excelentíssima Colega do Tribunal da Relação abordou apenas a irrecorribilidade da decisão sobre a questão penal). Vejamos, então, este segmento do acórdão recorrido. As normas do Código de Processo Penal que directa e autonomamente se referem ao recurso da decisão sobre o pedido civil deduzido em processo penal são as dos nºs 2 e 3 do seu artº 400º. O nº 3 foi introduzido pela Reforma de 2007 e veio revogar a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2002, de 14.03.2002, publicado no DR, I Série-A, de 21 de Maio de 2002, nos termos da qual, «no domínio do Código de Processo Penal vigente – nº 2 do artº 400º, na versão da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal». O legislador quis, assim, de modo inequívoco, quebrar a continuidade do modelo de processo adoptado até à fase do recurso – modelo de adesão, como decorre dos arts. 71º e segs., do CPP –, justificando essa opção com invocação do princípio da igualdade. Disse, com efeito, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X que está na origem da Reforma que, «para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da sentença relativa à indemnização civil, mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal». A partir daqui, alterou-se o paradigma do modelo de recurso, estabelecendo-se a recorribilidade autónoma da decisão cível, independentemente da sorte da decisão no segmento penal[11]. Chegados a essa fase do processo, «os caminhos separaram-se»[12]: o recurso da questão cível passou a ser autónomo em relação à questão penal e as possibilidades da sua recorribilidade, pela remissão, como veremos, para os pressupostos do recurso em processo civil (valor, alçada e sucumbência) passaram a ser as mesmas, independentemente de a acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta em separado, como processo civil. Trata-se, pois, de uma norma, a do nº 3 do artº 400º, que essencialmente incide sobre a estrutura e o modelo de uma fase do processo penal, a dos recursos. Seja como for, ou por aplicação imediata, por força do artº 5º nº 1, do CPP – porque não é caso para ponderar a doutrina do seu nº2, uma vez que dessa aplicação não resulta, em concreto, qualquer diminuição ou compressão das garantias de defesa, antes o seu alargamento; porque não vislumbramos agravamento sensível da situação processual do Arguido e porque da sua aplicação imediata não decorre qualquer quebra da harmonia e unidade dos vários actos processuais, visto que a fase de recurso «tem autonomia relativa, mas processualmente relevante, na estrutura e na dinâmica do processo»[13] – ou, por ser uma genuína norma sobre o regime dos recursos em processo penal (embora, em conjunto com a do nº 2, nos remeta para conceitos e pressupostos estranhos ao processo penal), por aplicação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009 atrás invocado (recordemos que à data da prolação tanto da decisão da 1ª instância – 11 de Julho de 2008 – como do acórdão agora em recurso – 08.11.2011 – já estava em vigor o preceito em questão), a norma em causa é aplicável ao recurso aqui em discussão, razão por que concluímos que o Recorrente/arguido podia ter interposto o presente recurso, ainda que não fosse admissível, como já concluímos não ser, o que recaiu sobre a questão penal. Quanto à norma do nº 2 do artº 400º: Trata-se do preceito – cuja redacção se mantém inalterada desde a Reforma de 1998 do Código de Processo Penal (Lei nº 58/98, de 25 de Agosto) – que traça os pressupostos propriamente ditos da recorribilidade da decisão sobre o pedido de indemnização[14], cujo teor é o seguinte: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada». Em si mesma, a sua aplicação não coloca qualquer problema de sucessão de leis no tempo, pois que já existia, com esta mesma formulação, desde data anterior à dedução do pedido e, até, do início do próprio processo (em 09.04.2002, a data da abertura do inquérito). Mas, como já dissemos, remete-nos para conceitos cuja definição e regime não têm assento no Código de Processo Penal: o valor da alçada e da sucumbência. O nº 2 do artº 24º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ) diz até que, em matéria criminal, não há alçada. O valor da alçada e da sucumbência constituem, assim, por via daquela remissão, pressupostos da recorribilidade destas decisões. E, durante a vida do nosso processo, o valor das alçadas foi alterado. Concretamente, a alçada dos tribunais da relação, fixada em 3.000.000$00 na versão inicial do nº 1 daquele artº 24º da LOFTJ, convertidos em €14.963,94 pelo DL 323/2001, de 17 de Dezembro, passou para os actuais €30.000,00, por força do DL 303/2007, de 24 de Agosto que entrou em vigor, no que para aqui interessa, no dia 1 de Janeiro de 2008 (nº 1 do seu artº 12º), quando ainda não tinham sido proferidos nem o acórdão recorrido nem a decisão da 1ª instância. Deste modo, acabamos, afinal, por nos depararmos com um efectivo problema de sucessão de leis no tempo que temos que resolver. Sobre a questão de saber qual o valor da alçada relevante para efeitos de recorribilidade da parte da decisão proferida em processo penal sobre a questão civil, no caso de, no decurso do processo, esse valor sofrer variações, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não é uniforme. Assim, e por um lado, a Decisão de 30.06.2010, proferida sobre a reclamação interposta no Pº nº 72/06.4GACBT.G1-A.S1, 5ª Secção, concluiu que a alçada a considerar para esse efeito é a que estiver fixada à data da formulação do pedido – entendimento que foi seguido, entre outros, nos Acórdãos de 10.11.2010, Pº nº 3891/03.0TDPRT.S1-3ª Secção, de 06.07.2011, Pº nº 243/03.5PDPST.L1.S1-5ªSecção e de 15.03.2012, Pº nº 870/07.1GTABF.E1.S1-3ª Secção. Já o Acórdão de 20.09.2010, Pº nº 1429/01.2TAVIS.C1.S1-3ª Secção (confirmativo da Decisão Sumária de 14.07.2010) entendeu que o valor da alçada a considerar «é o do momento em que é proferida a decisão recorrida, em face da qual se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso». Pois bem. Sem dúvida que a alçada, como diz aquela Decisão de 30.06.2010, constitui um elemento de determinação e formação da competência (em matéria civil) dos tribunais judiciais em razão da hierarquia. É exactamente isso, de resto, o que a lei expressamente consagra no nº 2 do artº 19º da LOFTJ – «em regra o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância» –, uma norma inserida no Capítulo II dessa Lei, relativo à “Competência dos Tribunais Judiciais”, com a epígrafe “Competência em razão da hierarquia”. Mas, como já referimos atrás, a alçada constitui igualmente, a nosso ver também de forma directa, um pressuposto da recorribilidade, em face do disposto no nº 2 do artº 400º do CPP. Do nosso ponto de vista, a circunstância de a aferição da competência em razão da hierarquia (poder) constituir um prius relativamente à admissibilidade do recurso[15] não retira ao regime das alçadas essa dupla natureza. Aliás, na lição de Antunes Varela o enfoque incide fundamentalmente, a nosso ver, sobre a sua natureza de pressuposto do recurso, por isso que define a alçada de um tribunal como o limite do valor das causas dentro do qual o tribunal julga sem admissibilidade de recurso ordinário[16]. E o próprio nº 3 do artº 24º da LOFTJ parece tributário da mesma ideia. Temos, pois, para nós que foi nesta veste de pressuposto do recurso que o conceito foi acolhido pelo nº 2 do artº 400º, o que não significa que a solução alcançada naquela Decisão não seja de seguir, embora prescindido do argumento de que «as modificações de facto e de direito posteriores ao momento em que a acção se propõe são irrelevantes para o efeito da fixação da competência, salvo a suspensão do órgão a que a causa estivesse afecta». De facto, a apontada discrepância não nos conduz à adopção da tese do Acórdão de 29.01.2010 quando, depois de reafirmar a fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência citado, conclui que «o valor da alçada a considerar … é o do momento em que é proferida a decisão recorrida em face da qual se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso». A consideração global do regime de admissibilidade consagrado no artigo 400º do CPP aí salientada não a pomos em causa. Mas apenas enquanto referida aos seus nº 2 e 3, as normas que efectivamente regem o recurso interposto da parte da decisão sobre o pedido civil. Todavia, a consideração global destes dois preceitos – enquanto estruturantes e reguladores de um recurso que ganhou autonomia relativamente ao recurso da parte criminal, como vem sendo entendido, sem divergências essenciais, neste Tribunal – significa, para nós, que, para resolvermos este problema, nos vemos remetidos para pressupostos e conceitos estranhos ao processo penal cujo significado, validade e aplicabilidade ao caso concreto se hão-de naturalmente ir buscar ao(s) corpo(s) de normas e ao(s) ramo(s) do direito que traçam o seu regime. Deste modo, a doutrina e a fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009 – que visou resolver um concreto conflito de jurisprudência centrado na aplicação no tempo da alínea f) do nº 1 do artº 400º, na redacção que lhe foi dada pela Lei 47/2008, de 29 de Agosto, referindo-se, portanto, à decisão sobre a questão penal e não à decisão sobre a questão civil que é a que agora nos interessa – não cobre, em nosso entender, a faceta do caso em discussão de que agora nos ocupamos. Aliás, para nós especialmente decisivo para afastar a sua aplicação ao caso presente é, ainda, a circunstância de, na sua fundamentação, o Acórdão ter partido do pressuposto, logo no início anunciado, de que o concreto problema da aplicação da nova lei no tempo aí suscitado não foi resolvido por disposições transitórias que a Lei 48/2007 efectivamente não contém. Só perante a falta daquela espécie de normas é que o Acórdão avançou para a solução a que chegou, erigindo como momento ou fase relevante o da prolação da decisão recorrida – o momento «capital», como o designa Antunes Varela[17]. Certo que, a propósito das alçadas, o mesmo Autor refere que a melhor doutrina tem entendido que a nova lei reguladora das alçadas se aplica a todas as decisões proferidas após a sua entrada em vigor, mesmo que se refiram a acções pendentes na data em que ela principia a vigorar[18]. Só que, no nosso caso, a doutrina, ainda que a melhor, e a jurisprudência fixada, ainda que continue respeitável, têm de ceder face à existência de uma norma transitória publicada para o resolver: a norma do nº 1 do artº 11º do DL 303/2007. Com efeito, se o artº 12º deste diploma legal que, além de outras matérias, alterou, como dissemos, as alçadas, situa no dia 1 de Janeiro de 2008 o momento da sua entrada em vigor, o nº 1 do artº 11º diz-nos que, sem prejuízo do disposto no número seguinte – irrelevante para o caso, por se reportar a preceitos do CPC também alterados –, «as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor». No mesmo sentido, vai, de resto, a norma transitória inscrita no nº 2 do artº 24º da LOFTJ: «a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção». Face ao exposto, a conclusão a tirar só pode ser a de que o valor da alçada aqui relevante é o que vigorava antes da alteração de 2007, isto é, o de €14.963,94. Posto isto, uma vez que - o valor do pedido, deduzido em 30.11.2004, era de €1.800.000,00 mas depois reduzido para €500.850,00; - o arguido foi condenado em 1ª instância a pagar aos Demandantes, solidariamente com outro, a quantia de €40.000,00, acrescida de juros moratório vincendos; - dessa decisão interpuseram os Demandantes recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa a pedir, além do mais, «o aumento do montante indemnizatório»; - o Arguido, na sua resposta concluiu que «a indemnização arbitrada mostra-se ajustada aos danos, … pelo que deve ser mantida» (conclusão 11. fls., 3425); - no provimento parcial do recurso interposto pelos demandantes, o Tribunal da Relação de Lisboa alterou o valor daquela indemnização para €50.000,00. - no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o Arguido reiterou que aquele valor de €40.000,00 «devia ter-se mantido» (cfr. conclusões 39ª e 41ª, transcritas no início), então, não só o valor do pedido é superior à alçada do Tribunal da Relação de Lisboa que estava estabelecida na data em que aquele foi deduzido, como, sendo a decisão deste Tribunal desfavorável ao Recorrente em €10,000,00 [ < a diferença entre a indemnização arbitrada (€50.000,00) e o valor que o Arguido afirmou aceitar (€40.000,00) ] a sua sucumbência excede metade dessa mesma alçada. Improcede, assim, a questão prévia, razão por que o recurso da parte civil é, no caso, admissível.
2.3. Apreciação do recurso da parte civil
2.3.1. Antes de nos pronunciarmos sobre o mérito do recurso, há que recordar a decisão das instâncias sobre a matéria de facto, do seguinte teor, tal como rectificada pelo Tribunal da Relação nos termos que constam do acórdão recorrido (cfr. 3455 e segs.): «1. No dia 2 de Março de 2002, pelas 3 horas e 15 minutos, BB, com 35 anos de idade, casada com CC, dirigiu-se ao “Hospital Fernando Fonseca”, na Amadora, a fim de ser assistida clinicamente no parto do feto de que estava grávida, por se ter dado rotura da bolsa de águas, pelas 3h00m desse dia; 2. BB tivera dois partos anteriores, ambos assistidos no “Hospital Fernando Fonseca”, a saber, um eutócito ocorrido em 23 de Fevereiro de 1999 de termo, com recém-nascido vivo de 37 semanas com 2250 gramas, polimalformado, tendo falecido nesse dia e um outro eutócito, ocorrido em 29 de Abril de 2000 de pré-termo com recém-nascido vivo de 33 semanas, com 2640 gramas, com trissomia fetal; 3. Durante a gravidez que a levou ao “Hospital Fernando Fonseca” em 2 de Março de 2002, BB foi seguida no mesmo hospital em doze consultas médicas, tendo a primeira delas ocorrido na 7ª semana e fez análises de rotina, ecografias, ecocardiograma fetal e amniocentese, cujos resultados não revelaram anomalias, designadamente do tipo cromossómico; 4. A última dessas consultas teve lugar em 28 de Fevereiro de 2002 e aí observou-se cardiotocografia reactiva, análises normais, colo multíparo permeável e apresentação cefálica apoiada, não tendo sido registadas perdas de líquido amniótico; 5. No dia 2 de Março de 2002, encontravam-se registados no “Hospital Fernando Fonseca” quer os partos anteriores de BB, contendo a informação referida no ponto n.º 2., quer a assistência médica prestada durante a gravidez que ali a levara naquele dia; 6. No momento do internamento no “Hospital Fernando Fonseca”, no dia 2 de Março de 2002, o feto apresentava-se de vértice e observou-se colo formado permeável a 1 dedo, líquido claro, cardiotocografiareactiva, com 140 batimentos por minuto, sem contractilidade; 7. A assistente ficou em vigilância, sem contracções uterinas e com avaliação do feto por cardiotocografia; 8. Pelas 8h00m do dia 2 de Março de 2002, DD iniciou a sua actividade no “Hospital Fernando Fonseca” na qualidade de chefe de equipa de ginecologia-obstetrícia, em serviço de urgência na sala de partos; 9. Os restantes membros da equipa de ginecologia-obstetrícia eram o arguido, a Dr.ª EE, a Dr.ª FF (que iniciou funções pelas 13h00m), o Dr. GG e a Dr.ª HH; 10. Pelas 8h30m, DD examinou BB pela primeira vez; 11. Cerca das 9h00m foi iniciada a indução do parto com meio comprimido de prostaglandina, com colo permeável a um dedo; 12. Às 10h25m, dá-se início de contractibilidade irregular, que passa a regular a partir das 11h30m; 13. A dilatação atingiu os 3-4 cm às 10h35m e os 5-6 cm pelas 11h00m e às 11h35m havia rebordo anterior, sendo a dilatação dada como completa pelas 13h40m; 14. O traçado do registo cardiotocográfico apresentou boa qualidade do registo da frequência cardíaca fetal, não apresentando anomalias, entre as 4h45m e as 7h20m; 15. O traçado do registo cardiotocográfico apresentou qualidade muito irregular do registo, com frequentes perdas de sinal, mas sem anomalias significativas da frequência cardíaca fetal, nos períodos interpretáveis, entre as 7h20m e as 10h20m; 16. Ocorreu total ausência do traçado do registo cardiotocográfico entre as 9h20m e as 10h20m; 17. O traçado do registo cardiotocográfico, com monitorização interna, directamente no escalpe fetal, com recolocação do cateter às 13h00m, apresentou, das 10h27m às 14h30m, uma qualidade prejudicada em alguns períodos de tempo devido a perdas de sinal – provavelmente relacionadas com os esforços expulsivos maternos –, que dificultavam a interpretação da variabilidade e da ocorrência de episódios desacelerativos e sua caracterização, sobretudo entre as 12h00m e as 14h00m; 18. Verificou-se, contudo, um padrão desacelerativo recorrente, presente ao longo das zonas legíveis do traçado e de morfologia variada sobretudo a partir das 11h00m e com um acidente de maior duração entre as 11h20m e as 11h30m, momento em que foi colocada a BB máscara de oxigénio, para recuperação da desaceleração; 19. Pelas 11h50m, BB é examinada pela Dr.ª EE, que observa o rebordo anterior do colo referido no ponto n.º 13 e que lhe prescreve petidina para alívio das dores, já após o acidente de desaceleração referido no ponto n.º 18, o qual foi comunicado àquela médica; 20. Pelas 11h55m é levada para a sala de partos, onde é mantida em decúbito lateral, fazendo esforços expulsivos e aí, BB relatou à Dr.ª EE, a pedido desta, o peso de ambos os recém-nascidos dos partos anteriores; 21. Pelas 12h30m, BB é examinada pela Dr.ª EE – que verifica a manutenção do rebordo anterior rijo, a existência de registo cardiotocográfico reactivo, com a desaceleração referida em nos pontos n.ºs 17 e 18, a qual lhe administra perfusão occitócica e mantém a posição de decúbito lateral com esforços expulsivos; 22. É desconectada a monitorização interna da cardiotocografia e passa a monitorização externa; 23. Pelas 12h50m, a assistente foi observada por DD que tentou passar o rebordo anterior, sem êxito, tendo dado indicações para que aquela mantivesse esforços expulsivos em decúbito lateral; 24. Às 13h40m foi observada pela Dr.ª FF, com dilatação completa, já sem rebordo anterior com cabeça apoiada e com líquido claro, mas com apresentação alta; 25. Foram mantidos os esforços expulsivos em decúbito lateral. 26. Pelas 14h00m foi examinada por DD pela última vez, encontrando-se com apresentação alta, tendo aquela decidido a manutenção dos esforços expulsivos em decúbito lateral; 27. Nesta altura, DD redistribui tarefas, na sua qualidade de chefe de equipa e mantém na sala de partos a Dr.ª FF, o Dr. GG e a Dr.ª HH tendo feito a pausa para almoço, na companhia da Dr.ª EE e do arguido; 28. Pelas 14h20m, o registo cardiotocográfico revela desacelerações, estando BB em esforços expulsivos; 29. Nessa altura, a enfermeira II sai da sala de partos, procura um médico e encontra o arguido que já voltara do almoço; 30. O arguido entra na sala de partos, onde não se encontrava nenhum outro obstetra e, após avaliar a parturiente, tomou a decisão de extrair o feto de imediato por via instrumental, sendo que nessa altura o mesmo se encontrava em apresentação alta, plano II; 31. O arguido, em execução da decisão que tomara, aplicou à apresentação ventosa com cúpula plástica montada e acoplada a dispositivo de vácuo manual (“mytivac”), para provocar a descida da apresentação; 32. A pressão do vácuo aplicada foi de 0,2 kg por 2 cm2, com intervalo de 1,5m em 1,5m; 33. Como a manobra não resultou por perda de pressão da ventosa e esta se desconectou, o arguido decidiu aplicar um fórceps “Naegele”, mantendo-se o feto em apresentação alta; 34. O arguido colocou o fórceps e com ele atingiu a região occipital da cabeça do feto tendo acabado por conseguir a extracção do feto pelas 14 horas e 42 minutos; 35. Após a extracção, o feto apresentava “depressed skull fracture” occipital associada a severa lesão hemorrágica da foice e tenda do cerebelo e lesões hemorrágicas com destruição da substância branca na face interna dos lobos occipitais; 36. As lesões traumáticas cranio-vasculo-encefálicas descritas no ponto n.º 35, associadas a asfixia por aspiração de vernix e mecónio, causaram a morte do feto; 37. Assim, o recém-nascido apresentou-se sem batimentos cardíacos, Apgar 0-0-0 ao 1º, ao 5º e ao 10º minuto, e com circular cervical largo; 38. Foi intubado [ ? ] no 1º minuto, com TET 3,5, fez por duas vezes adrenalina endotraqueal sem resposta, foi ventilado, fez adrenalina e bicarbonato sem resposta; 39. Pelas 15h05m, foram usadas manobras de reanimação por total ausência de resposta às medidas descritas anteriormente, sem resultado; 40. O feto era do sexo masculino, tinha o peso de 3390 gramas, sem malformações ou dismorfias, com o perímetro cefálico de 35,1cm, torácico de 30,6cm e abdominal de 28,9cm, com o comprimento crâneo caudal de 34,9cm, crâneo plantar de 49,6cm, da planta do pé direito de 8,1cm e da palma da mão direita de 6,4cm, biometria correspondente a 38 semanas e apresentava lesões de asfixia intra-uterina agudas, incluindo aspiração de vernix caseosa com hemorragias intra-alveolares, congestão generalizada e necrose tubular aguda; 41. Nem DD nem o arguido consultaram os registos dos partos anteriores de BB durante este parto; 42. DD tinha conhecimento das circunstâncias referidas nos pontos n.ºs 17 e 18, da apresentação alta do feto e da não ocorrência de descida da apresentação depois dos esforços expulsivos em decúbito lateral; 43. DD, pelas 14h00m, decidiu e quis continuar a intervenção médica até aí escolhida, ou seja, manter a grávida em esforços expulsivos em decúbito lateral, com vista ao parto por via baixa; 44. Decidiu também e quis, pelas 14h00, redistribuir tarefas com vista à pausa para almoço, retirando-se e retirando da sala de partos a Dra. EE, que havia seguido de perto a parturiente, ficando BB vigiada directamente pela Enfermeira II; 45. O arguido, ao realizar parto por via instrumental, não admitiu que desse modo pudesse vir a provocar a morte do feto; 46. Sabia o arguido que, ao utilizar fórceps numa apresentação alta como meio de obter o parto por via vaginal, poderia esmagar o crânio do feto por má colocação dos instrumentos e prever que, desse modo, lhe provocaria a morte; 46-A. Sabia o arguido que a sua actuação é proibida por lei; 47. O filho, caracterizado no ponto n.º 40, era desejado, desde logo pelo facto de, dos dois partos anteriores ter resultado, no primeiro, a perda de um filho e, no segundo, o nascimento de uma criança de sexo feminino de nome “JJ", completamente dependente dos pais, com um grau de deficiência de 99%; 48. Na sequência do facto referido no ponto n.º 36, os assistentes sentiram tristeza e revolta e à assistente foi diagnosticado síndrome depressivo grave, sendo que ambos ainda hoje sentem desgosto; 49. Os assistentes têm receio de virem a ter outro filho e a assistente nem equaciona tal possibilidade; 50. O filho caracterizado no ponto n.º 40 do elenco dos factos provados iria estimular a JJ a melhoras progressivas, através da sua presença diária; 51. DD e o arguido desempenharam as tarefas supra referidas para o “Hospital Amadora Sintra”; … 56. O arguido contactou, pela primeira vez, com o assistente a pedido de um irmão deste, LL, com quem aquele mantinha uma relação de cordialidade, por terem sido detectadas mal formações fetais numa anterior gravidez da assistente; 57. Neste sentido e com esse propósito, o arguido intercedeu em todo o processo hospitalar da referida senhora, tendo-a aconselhado posteriormente no âmbito daquela gravidez e da gravidez posterior; 58. No dia 2 de Março de 2002, o arguido estava de serviço, tendo visitado a sala de grávidas juntamente com toda a equipa médica de urgência; 59. O arguido não reconheceu a assistente a qual, porém, o cumprimentou sem que, mesmo assim, aquele se recordasse da parturiente; 60. Por volta das 14 horas e quando o arguido saía da enfermaria para onde foi escalado e entrava no bloco de partos, viu e reconheceu o assistente e, naturalmente, apercebeu-se de que a parturiente que antes tinha visto era BB; 61. Entre as 8 horas e 30 minutos e as 14.00 horas, o arguido esteve escalado para serviço na enfermaria, não tendo tido qualquer interferência na condução do trabalho de parto; 62. Seguidamente, o arguido foi almoçar com duas colegas; 63. Por consideração pelo casal e com o propósito de ajudar, o arguido abreviou o almoço, comendo à pressa e não bebendo café; 65 [do texto do acórdão recorrido não consta o nº 64]. De acordo com a leitura do cardiotocograma que efectuou, o arguido considerou que estava perante um traçado não tranquilizador e/ou traçado patológico numa grávida multípara com estada na sala de partos há 3 horas, sendo que o cardiotocograma mostrava desacelerações na ausência de contracções uterinas, desacelerações variáveis e desacelerações moderadas/graves e formulou a suspeita clínica de sofrimento fetal; 66. O arguido procurou verificar a existência de compatibilidade entre as dimensões do canal do parto e as dimensões do feto e, através do toque, procurou certificar a não proeminência das espinhas ciáticas, as dimensões do ângulo púbico e o paralelismo dos ossos ilíacos e efectuou a "manobra de Hillis–Muller" que lhe permitiu constatar a progressão da apresentação, simultaneamente, com a pressão fúndica; 68 [do texto do acórdão recorrido não consta o nº 67]. Com este exame, com todas as outras observações efectuadas pelos outros médicos o arguido concluiu que não havia incompatibilidade feto- pélvica; 69. Aquando do toque obstétrico, verificou-se a desconexão do eléctrodo do escalpe fetal, não se tendo procedido à recolocação do eléctrodo porque tal impossibilitaria o uso da ventosa e de fórceps; 70. Não se fez qualquer ecografia; 71. A parturiente encontrava-se muito ansiosa, esgotada e queixosa; 72. Perante toda esta situação, o arguido decidiu intervir para fazer a extracção fetal; 77 [do texto do acórdão não constam os nºs 73 a 76] Concluída a extracção, de imediato se verificou que o feto estava em paragem cardio-respiratória pelo seu aspecto, cor, perfil tónico-postural e cordão umbilical sem batimentos; 78. Verificou-se no cadáver do feto o seguinte: . Congestão moderada das meninges; . Múltiplas áreas de hemorragia subaracnóideia e subpiais, em ambos os lobos temporais; . Os pulmões com áreas múltiplas de edema e hemorragia intra-alveolar, associados a uma importante congestão e aspiração de vemix caseosa acompanhada por mecónio; . Os diferentes órgãos mostravam uma congestão severa, em particular os rins, com marcada congestão cortico-medular e papilar e lesões de necrose tubular aguda; . Timo com múltiplas petéquias; . Na zona do fórnix (zona intracraneana) existia uma micro área de leucomalácia com presença de "gitter cells"; . Observavam-se múltiplos grupos neuronais com picnose nuclear e eosinofilia citoplasmática; 79. Não havia no feto quaisquer sinais ou marcas resultantes de aplicação do fórceps nos termos descritos na pronúncia; 81. [No texto original não consta o nº 80] Mediante a apólice n.º RC54208394, a “MM, Companhia de Seguros, S.A.” declarou assumir perante a “Hospital Amadora Sintra, Sociedade Gestora, S.A.” “(...) a cobertura da responsabilidade civil legal extracontratual imputável ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros pela exploração do Hospital Prof. Doutor Fernando da Fonseca (...)”; 82. O limite do capital seguro pela apólice referida no ponto n.º 70. cifrava-se, no ano de 2002, em € 997.595,75; 83. No período compreendido entre as 8 horas e as 14 horas, o líquido amniótico mantinha-se claro; 84. Não obstante o referido no ponto n.º 71, a assistente logrou desenvolver ainda algumas contracções; 85. O arguido nasceu numa aldeia do concelho de ..., no seio de uma família de condição modesta, tendo a mãe assumido maior protagonismo na sua educação e lhe transmitido valores sociais e humanos rígidos; 86. O arguido completou o curso geral comercial e não prosseguiu a carreira académica devido às dificuldades económicas dos pais, tendo, depois, trabalhado como administrativo em empresas locais até ter ido cumprir o serviço militar obrigatório; 87. No regresso à vida civil e com o apoio dos pais, ingressou num curso de instrutor de educação física, obtendo um desempenho que lhe ingressar no Instituto Nacional de Educação Física; 88. Conseguiu ser colocado como professor no Liceu Passos Manuel e, após ter concluído o curso, foi convidado para leccionar naquela faculdade, tendo alcançado o estatuto de professor catedrático; 89. Inscreveu-se, depois, como aluno supra numerário no curso de Medicina por ter interesse nas áreas de fisiologia e anatomia e para ter maior suporte nas áreas que leccionava, tendo-o concluído em 1998 com especialização na área da Obstetrícia; 90. Passou a exercer a actividade clínica – tendo exercido no “Hospital S. Francisco Xavier” e, posteriormente, no “Hospital Amadora Sintra”, no âmbito de um estudo – em paralelo com a actividade académica, sem descurar a investigação; 91. O arguido é casado, tem uma filha e trabalha como médico no “Hospital CUF – Descobertas”; 92. A dinâmica familiar é caracterizada por entendimento e coesão, convivendo o casal, sobretudo, com amigos com o mesmo passado profissional; 93. O arguido é tido como uma pessoa cordata, conciliadora e de fácil convívio e, a nível laboral, como um profissional competente, cuidadoso, invulgarmente dedicado que granjeou respeito e consideração; 94. O arguido aposentou-se da actividade de docente em Setembro de 2009 e pretende reduzir a sua actividade como médico (sendo, no entanto, incentivado incondicional e consistentemente pela família, colegas e doentes no sentido de não o fazer), revelando revolta quando confrontado com os factos em causa nestes autos e, em algumas ocasiões, desalento; 95. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais». «E são os seguintes os factos não provados (acrescentando-se os que por lapso não foram exarados): - Na ocasião referida no ponto n.º 10 do elenco dos factos provados, DD consultou o processo clínico relativo ao acompanhamento daquela gravidez no Hospital Fernando Fonseca; - As deficiências registadas no ponto n.º 17 do elenco dos factos provados ocorreram, porventura, devido a interferências electrónicas; - O acidente de maior duração, entre as 11h20m e as 11h30m, deu-se já em fase de esforços expulsivos e constituía, juntamente com o padrão desacelerativo recorrente referido no ponto n.º 18, aspectos não tranquilizadores relativamente à possível ocorrência de asfixia fetal. - Pelas 11h50m, a Dr.ª EE administrou petidina para aumento da dilatação, após o acidente de desaceleração referido no ponto n.º 18 do elenco dos factos provados, o qual foi assistido por aquela; - Na sala de partos, BB relatou à equipa médica, a pedido desta, os factos relacionados com os seus partos anteriores; - A enfermeira II ficou a vigiar directamente BB por determinação da arguida; - Nas ocasiões referidas nos pontos n.ºs 31, 33 e 34 do elenco dos factos provados o feto manteve-se no plano III de Hodge; - Por aplicação de força de tracção no occipital, o arguido provocou esmagamento da zona occipital da cabeça do feto, produzindo assim moldagem da apresentação, o que permitiu a extracção fetal que não se teria conseguido de outro modo por existir incompatibilidade céfalo-pélvica; - As lesões referidas no ponto n.º 35 do elenco dos factos provados ocorreram devido à moldagem da apresentação referida no ponto antecedente; - Os antecedentes obstétricos de BB, nomeadamente o parto eutócito ocorrido em 29.4.00 de pré-termo com recém-nascido vivo com o peso de 2640 gramas, a apresentação alta do feto, as fases patológicas do registo cardiotocográfico, com acidente desacelerativo complexo às 11h30m, as fases frequentes de ausência de sinal do registo cardiotocográfico e a não ocorrência de descida da apresentação depois dos esforços expulsivos em decúbito lateral significavam má evolução do parto e faziam admitir como possível a existência de incompatibilidade céfalo-pélvica, com a consequente compressão da cabeça do feto no canal do parto; - DD, conhecendo as circunstâncias referidas no ponto n.º 42 e no parágrafo antecedente, interpretou-as como má evolução do trabalho de parto, possivelmente devida a incompatibilidade céfalo-pélvica com a consequente compressão da cabeça do feto no canal de parto; - DD tinha conhecimento das circunstâncias referidas no ponto n.º 42 do elenco dos factos provados e no penúltimo parágrafo e sabia que poderiam determinar a ocorrência de asfixia fetal; - Sabia DD que as “legis artis” lhe impunham que interrompesse a tentativa de parto por via baixa pelas 14h00m e que mantivesse a grávida, após as 14h00m, directamente vigiada por médico que conhecesse a evolução do parto enquanto fazia a pausa para almoço; - As decisões descritas nos pontos n.ºs 43 e 44 do elenco dos factos provados, tomadas nas circunstâncias referidas nos pontos n.ºs 41 e 42 do mesmo elenco, colocaram o feto em risco de asfixia intra-uterina, provocando perigo para a sua integridade neurológica permanente ou para a sua vida; - Sabia DD que, ao tomar as decisões descritas nos pontos n.ºs 43 e 44, estava a causar um perigo para a vida ou para a integridade neurológica permanente do feto, tendo querido, ainda assim, tomá-las; - Sabia DD que a sua actuação é proibida por lei, - O arguido deveria ter interpretado os antecedentes obstétricos de BB, a apresentação alta do feto, as fases patológicas do registo cardiotocográfico, com acidente desacelerativo complexo às 11h30m, as fases frequentes de ausência de sinal do registo cardiotocográfico e a não ocorrência de descida da apresentação depois dos esforços expulsivos em decúbito lateral como indiciadores da existência de uma incompatibilidade céfalo-pélvica, impeditiva da realização do parto por via baixa, interpretação que era capaz de fazer, mas que não fez; - A assistente revelava-se agressiva; - Os registos do traçado do CTG não apresentavam períodos de sofrimento fetal; - Os assistentes suportaram o pagamento das despesas de funeral no valor de € 850; - Nos dias seguintes à morte do filho, o demandante tentou junto do hospital saber qual o resultado da autópsia e do corpo do mesmo, mas só cerca de sete meses mais tarde é que os assistentes foram informados que o corpo tinha sido transferido a 9 de Julho para o Instituto de Medicina Legal de Lisboa, onde se encontrou até 12 de Novembro de 2002, data em que os demandantes puderam realizar o funeral no Cemitério do Alto de São João; - Os demandantes pretendiam colocar o nome de Jonhthon ao feto caracterizado no ponto n.º 40 do elenco dos factos provados; - A JJ sofre de cromossomopatia; - Na sequência do facto referido no ponto n.º 36 do elenco dos factos provados, os assistentes experimentaram sentimentos de consternação e de profunda depressão; - Os demandantes continuam a manter até hoje intactas a cama e as roupas que pretendiam dar ao filho caracterizado no ponto n.º 40 do elenco dos factos provados; - Até à presente data, os assistentes experimentam diariamente com uma sensação de desespero, angústia, frustração e revolta em relação a tudo o que sucedeu; - A convivência entre o filho caracterizado no ponto n.º 40 do elenco dos factos provados e a sua irmã evitaria a necessidade de a mesma ter de frequentar jardins-de-infância, por ser a única possibilidade para poder contactar com outras crianças, o que causa aos demandantes uma preocupação acrescida; - O desgosto sofrido pelos demandantes tem-se revelado, nomeadamente na diminuição da capacidade de trabalho, na ausência de felicidade e num quase total alheamento da vida; - Na sequência dos factos referidos no ponto n.º 36, a assistente sentiu revolta; - O facto de o caso dos autos ser objecto de tratamento e divulgação na comunicação social gera ificuldades emocionais acrescidas para os assistentes; - Pelas 14 horas e 30 minutos, o arguido estava na sala de partos e procedeu à avaliação clínica da parturiente; - Por volta das 14 horas e 35 minutos e quando o arguido observou a parturiente pela primeira vez, a apresentação já se encontrava no III Plano de Hodge; - De imediato, o arguido colheu informações sobre o decurso do trabalho de parto, tendo sido informado de que a grávida se encontrava, desde as 11 horas e 55 minutos, em decúbito lateral com a indicação expressa para fazer esforços expulsivos e com a dilatação completa em apresentação cefálica, tendo ainda se recordado dos dois partos anteriores da assistente; - Na ocasião referida no ponto n.º 66, o arguido procurou ainda certificar o diâmetro do conjugado obstétrico (diâmetros pélvicos), o perfil da curvatura do sacro e a apresentação fetal de vértice; - Aplicou a ventosa, tendo havido uma rotação interna espontânea de 45 graus e a descida do feto para o IV Plano de Hodge; - Como a manobra não resultou, por perda de pressão da ventosa, o arguido resolveu aplicar um fórceps de Naegele no sentido de terminar rapidamente o trabalho de parto; - Com a descida provocada pela ventosa, o bebé ficou numa apresentação occipito-púbica, ou seja, a zona occipital completamente referenciada; - A apresentação encontrava-se, nesse momento, à vulva; - Na sequência do referido no ponto n.º 78, a assistente estava incapaz de corresponder às instruções do obstetra, designadamente no desenvolvimento de esforços musculares voluntários; - Na ocasião referida no ponto n.º 34 a região occipital do feto estava referenciada e não foi sequer tocada pelo fórceps».
2.3.1. Vejamos, então, o mérito do recurso 2.3.1.1. O Tribunal da 1ª instância fixou a indemnização em €40.000,00 depois de ter convocado a doutrina dos arts. 494º e 496º, do CCivil e de ter tecido, além de outras, as seguintes considerações: «… A quantia arbitrada a título de indemnização por danos não patrimoniais assume o cariz de uma compensação por esses danos, sendo encarada como um lenitivo capaz de auxiliar a ultrapassar o desgosto adveniente dos factos nos quais se consubstanciam esses danos. Por outro lado, a par desta função, descortina-se nesta indemnização, a ideia de uma reprovação do acto lesivo por via da aplicação dos meios próprios do direito civil. No que toca à determinação do montante da indemnização, o tribunal deverá decidir equitativamente, tendo em conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste último e do lesado e as circunstâncias do caso (contando-se, entre estas, a idade e sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, etc.; cfr. n.º 3 do artigo 496º e artigo 494º, ambos do Código Civil). São igualmente atendíveis “os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e as flutuações do valor da moeda”, a gravidade do dano, as regras da prudência, do bom senso e da justa medida das coisas. Por seu turno, a jurisprudência tem vindo a decidir que a indemnização em causa não pode assumir um cariz miserabilista, de molde a que possa constituir uma efectiva compensação por esses danos. … Por seu turno, cabe considerar que a descrita conduta constitui uma acção humana, dominada pela vontade, culposa, ilícita e à qual são imputáveis os danos sofridos pelos assistentes e tidos por demonstrados – atente-se na factualidade provada inscrita nos pontos n.ºs 35, 36 bem como no teor dos pontos n.º 47 a 50 –. Nessa medida, há que concluir pela verificação integral dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual subjectiva, o que implica o nascimento da obrigação de indemnizar na esfera jurídica do arguido (artigo 483º do Código Civil). A obrigação de indemnizar deve ser satisfeita em dinheiro, na medida em que é impossível a reconstituição natural (n.º 1 do artigo 566º do Código Civil). Cabe, pois, quantificá-la, tendo presente o âmbito delimitado da causa de pedir e do pedido e a data em que se profere esta decisão (n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, entendido em conjugação com o entendimento professado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2002). A este respeito, cabe salientar que os demandantes são os únicos titulares do direito a tutela indemnizatória, pois, infelizmente, não se assistiu a um nascimento completo e com vida (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 66º do Código Civil) mas antes a um parto de um feto já morto. …Assim, conclui-se que só a verificação daquele evento – o nascimento completo e com vida – permitiria que os seus pais demandassem a satisfação da obrigação de indemnizar com base nos danos sofridos pelo feto (sejam eles de índole patrimonial ou não patrimonial), sem prejuízo, obviamente, dos danos não patrimoniais decorrentes, para aqueles, da perda do feto. Deste modo, impõe-se que nos debrucemos apenas sobre estes últimos Considera-se que os factos provados, plasmam, por si só (atente-se no circunstancialismo familiar e pessoal que rodeou a gravidez da assistente e a índole pessoalíssima das esperanças depositadas no nascimento deste filho), a “gravidade” objectivamente apreciável, a que alude o n.º 1 do artigo 496º do Código Civil, sendo que os danos sofridos pelos assistentes demandam a tutela do direito em termos eficazes. Os factos ocorreram há cerca de nove anos, o arguido agiu negligentemente e exerce a profissão de médico num hospital privado. Demonstrou-se que o filho dos assistentes era desejado, desde logo pelo facto de, dos dois partos anteriores ter resultado, no primeiro, a perda de um filho e, no segundo, o nascimento de uma criança de sexo feminino de nome “JJ", completamente dependente dos pais, com um grau de deficiência de 99%.Por seu turno, na sequência da morte, os assistentes sentiram tristeza e revolta e à assistente foi diagnosticado síndrome depressivo grave, sendo que ambos ainda hoje sentem desgosto, têm receio de virem a ter outro filho e a assistente nem equaciona tal possibilidade. Acresce que a presença do filho iria estimular a JJ a melhoras progressivas, através da sua presença diária. Atendendo a todos estes elementos factuais, aos demais factores atrás referidos na enunciação desta questão, valorando a conduta do arguido, o circunstancialismo em que actuou e as suas capacidades, reputa-se adequada a fixação do montante da indemnização devida aos demandantes em virtude dos danos não patrimoniais por eles sentidos em virtude da perda do feto (n.º 1 do artigo 495º e n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 496º, ambos do Código Civil) em € 40.000,00…». 2.3.1.2. No recurso para o Tribunal da Relação, os Demandantes impugnaram esse valor por entenderem que «… a sentença a quo (também viola) os critérios determinantes de uma fixação equitativa, quanto ao seu montante, previstos nos artigos 494º e 496º, nº 4, do Código Civil (CC), já que não tomou em consideração, ou que tomou em consideração de forma deficiente e, por via disso, ofendeu igualmente o próprio direito à indemnização previsto no artigo 483º do CC, uma vez que € 40.000,00 não é um valor apto a compensar a perda da vida de uma criança que vem a morrer em condições trágicas e evitáveis, devidas a erro e a desvelo de um médico, não sendo mais possível a estes pais poderem ter a felicidade de viver com um filho normal, como o que perderam, pela incompatibilidade cromossomática que existe entre o casal, que tem de cuidar para o resto da sua vida de uma única filha com graves deficiências motoras e psíquicas». E concluíram que «o aumento do montante indemnizatório será equitativamente mais proporcionado aos factos lesivos e, ao mesmo tempo, mais razoável como meio acrescido de punição do arguido, que nunca sofrerá consequências minimamente equiparáveis à perda que levianamente causou». 2.3.1.3. O acórdão recorrido, depois de ter transcrito aquelas considerações da 1ª instância, sentenciou que, «também quanto ao pedido de indemnização civil concordamos, basicamente, com a análise efectuada pelo Tribunal recorrido. Apenas, considerando que em causa está a perda de um filho, que poderia ser o único amparo dos pais e, por isso [ ? ] motivo representa uma perda ainda maior, entendemos que a indemnização deverá ser, equitativamente, fixada em 50.000,000 €». 2.3.1.4. Alega agora o Recorrente que, «independentemente das questões da culpa e do nexo de causalidade é necessário chamar à colação que não houve nascimento completo e com vida (artº 66º do Código Civil) [pelo que] … não está em causa o direito à vida mas sim um direito dos Assistentes», direito este que «em termos de equidade e monetários não é superior a €40.000,00, pelo que se impõe a revogação do acórdão recorrido». Como normas violadas indica as dos arts. 66º, 496º, 553º 564, nº 1 e 566º, do CCivil. Desta singela motivação extraiu as conclusões que transcrevemos sob os nºs 39º, 40º e 41º.
2.3.1.5. Como se vê do relato que antecede, o Recorrente apenas impugna o montante da indemnização. Mas, mesmo com esse objecto restrito, o recurso, nesta parte, cai claramente nas malhas da rejeição, por falta de motivação (arts. 411º, nº 3, 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b), todos do CPP). Como decorre do nº 1 do artº 412º do CPP, a motivação é a peça fundamental do recurso em que o recorrente tem de enunciar especificamente os fundamentos da sua divergência em relação à decisão impugnada. Ora, neste caso, o Recorrente não fundamenta sequer por que razão entende que o direito dos recorrentes, «em termos de equidade e monetários não é superior a €40.000,00». Afirmar, sem mais, sem qualquer esforço para o demonstrar, que o valor correcto é este e não aquele não constitui, há que reconhecê-lo, fundamento. E se o corpo da motivação nada adianta, as conclusões dela tiradas não são, nem podiam logicamente ser, mais esclarecedoras. Com efeito, do ponto de vista do referido objecto – apenas o da reposição do valor da indemnização arbitrado pela 1ª instância, como vimos – é absolutamente inócua a alegação de que não houve nascimento completo e com vida ou que o que está em causa não é o direito à vida, «mas sim um direito próprio dos Assistentes». E é irrelevante pela razão simples de que, como consta dos excertos transcritos, as decisões das instâncias e, portanto, também o acórdão recorrido assentam exactamente a indemnização na violação de um direito dos Assistentes, radicado na perda do feto. Do mesmo modo, quando conclui que esse é o montante que está em conformidade «com a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores», sem tentar, ao menos, ilustrar a proposição com qualquer decisão desses Tribunais. Termos em que rejeitamos este segmento do recurso.
3. Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: 3.1. Declarar nulo e de nenhum efeito o acórdão de fls. 3540 e, consequentemente, rejeitar o recurso interposto pelo Arguido a fls. 3571, por carência de objecto; 3.2. Rejeitar o recurso interposto da parte do acórdão recorrido relativo à questão penal; 3.3. Rejeitar o recurso interposto da parte do acórdão recorrido relativa à questão civil; E, consequentemente, 3.4. Confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) UC’s O Recorrente pagará ainda a soma de 8 (oito) UC’s nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP (não se incluindo nesta sanção, naturalmente, a rejeição do recurso referido em 3.1.). Lisboa, 20 de Junho de 2012 Processado e revisto pelo Relator
Sousa Fonte (relator) Santos Cabral («revendo posição em relação à admissibilidade do recurso e assumindo posição de vencido em relação à rejeição uma vez que entendo que, não havendo lugar à mesma e inexistindo a relação de causalidade apontada pelo Tribunal da Relação, mantinha a decisão de primeira instância») Pereira Madeira _______________________________________________________ |