Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
085442
Nº Convencional: JSTJ00024501
Relator: GELASIO ROCHA
Descritores: RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
GESTÃO CONTROLADA
Nº do Documento: SJ199406280854421
Data do Acordão: 06/28/1994
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N438 ANO1994 PAG416
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6308/92
Data: 11/04/1993
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC ESP.
Legislação Nacional: DL 177/86 DE 1986/07/02 ARTIGO 33 N1 N2 N4 ARTIGO 34 ARTIGO 49.
CPC67 ARTIGO 722 N2 ARTIGO 755 N2.
Sumário : A partir do momento em que uma empresa se apresenta em tribunal, dizendo-se em estado de não poder cumprir as suas obrigações e se sujeita a ser objecto de um meio de recuperação, que os credores entendam ser o melhor, não faz sentido discutir os seus não cumprimento, ou mora nos pagamentos, tudo se reduzindo, então, à análise das possibilidades ou não possibilidades da empresa em causa no cumprimento do plano de recuperação acordado pelos credores.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal da Justiça:

"Soprem - Sociedade de Conservação de Madeira, Limitada" vem, nos presentes autos apensos a acção especial da recuperação de empresa, nos mesmos identificado, agravar da decisão constante do acórdão proferido pelo tribunal da relação de Lisboa, que concluiu pela não violação de qualquer preceito legal no decidido a nível de primeira instância e, consequentemente, negou provimento ao agravo interposto.
Alega nos termos de folhas 96 a 103 que, aqui, se dão como integralmente reproduzidos e conclui que:
a) a consideração de se verificar se haviam frustrado os objectivos do acordo conseguido, em termos de gestão controlada da "Soprem", no processo especial da recuperação de empresas, pressupõe, sempre, duas realidades cumulativas.
A saber:
- a de que tais objectivos tem prazo certo;
- a de que se está perante um incumprimento definitivo.
b) Tais circunstancialismos não se verificam no caso concreto, porque se se entender que as obrigações em causa tem prazo certo, se verifica (cf. o alegado), por parte da recorrente, uma impossibilidade temporária, não culposa do cumprimento do acordo da gestão controlada em causa.
Se, ao contrário, se considerar que as referidas obrigações não possuem prazo certo, as mesmas não serão exigíveis, no quanto do seu cumprimento, até à sua determinação definitiva ou, até à interpretação devida que, na hipótese se não verificou, sendo de considerar que a mora na prestação ao exigir ao devedor não dá direito à resolução de contrato - no caso, a cessação da medida de gestão controlada - sem que seja, oportunamente, convertida em não - cumprimento definitivo.
Termos em que, face à violação, por erro de interpretação, do disposto no artigo 49, do Decreto-Lei 177/86, de 2 de Julho e, bem assim, do consignado nos artigos 280, 790, 792 e 804, do Código Civil, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído, por outro, em que se decida no sentido da não cessação da medida de gestão controlada, em causa.

Não houve contra-alegações.
O processo correu os vistos legais.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.

1 - O problema:
a "Soprem..", ora recorrente, interpôs, em tempo e junto do Tribunal da Relação de Lisboa, recurso do despacho proferido pelo Senhor Juiz do processo que, considerando ter havido, por parte daquela outra, incumprimento do plano de pagamento aprovado no âmbito da medida de gestão controlada da mesma, homologado judicialmente, por decisão de 27 de Julho de 1989, declarou cessada a medida de gestão controlada da "Soprem..", ao abrigo do disposto no artigo 49, do Decreto-Lei 177/86.
Importa referir que tal medida de gestão controlada fora aprovada na assembleia de credores na sequência de proposta nesse sentido feita (cf. folhas 43 à 49), sendo certo não ter a "Soprem..", em tempo, deduzido qualquer oposição ou reclamação, nomeadamente contra o plano de reembolso apresentado e, depois, aceite.
Assumem-se como pontos importantes da medida em causa, os seguintes:
a) a aprovação e aceitação pela "Soprem.." das contas de exploração provisionais para 10 anos, elaboradas pelo administrador indicial:
b) a fixação dos créditos em 692977000 escudos, ao para efeitos do plano de reembolso, dos quais pertencem à Banca 385775000 escudos;
c) o do perdão de juros vencidos e vincendos, excepto os vicendos devidos à Banca, fornecedores e trabalhadores, à taxa de 8,5 porcento e liquidação da divida em dez prestações anuais de capital;
d) a da liquidação de crédito do Banco, com garantias reais, (59825000 escudos), através de dação em pagamento de seis terrenos, libertos de quaisquer ónus, encargos e arrendamentos, excepto das hipotecas registadas a favor da mesma Banca; em alternativa (caso não sejam canceladas as hipotecas legais), haverá pagamento em numerário, no prazo de seis meses, a contar da homologação da proposta de gestão controlada;
e) a da liquidação das dividas às Instituições de Previdência e Instituto de Emprego e Formação Profissional, através de dação em pagamento de dois edifícios sitos na Pampilhosa (operação esta, conjugada com a da alínea d) para possibilitar o cancelamento dos registos das hipotecas a favor da Banca que oneram esses prédios; em caso de não aceitação desta dação, os referidos imóveis serão dados em pagamento à Banca;
f) o do pagamento dos valores dos créditos, de acordo com as percentagens anuais descriminadas a seguir, durante dez anos;
g) a da dação "pro solvendo", à Banca, dos restantes bens imóveis da "Soprem..", com formalização de tal dação no prazo máximo e seis meses, a contar da homologação e condicionada ao reembolso dos créditos referidos supra, em b e c;
h) a da nomeação da comissão de fiscalização e de um representante dos credores, designado por aquela, para integrar o conselho de administração da "Soprem..".
i) no plano de reembolso, a elaborar até 31 de Janeiro de 1990, serão "levados" em conta: os elementos já quantificáveis acima referidos; o valor da dação em pagamento a fazer às Instituições de Providência e Instituto de Emprego e Formação Profissional e os termos estabelecidos para o recebimento das dívidas do esc. CAR.
Foi, também, dado como assenta que:
- a comissão e credores (cf. ofício de folha 53) diz não ter sido possível, até à data (de então) determinar se as Instituições e de Previdência ou o Instituto de Emprego e Formação Profissional receberá, ou não, em pagamento de parte dos seus créditos, imóveis propriedade da empresa, presumindo a comissão que tal não sucederia sem prejuízo de que - caso, posteriormente, se viesse a acordar em tal dação - fosse apresentado novo plano, no qual aquela outra fosse contemplada;
- em 21 de Novembro de 1940, a comissão da fiscalização veio informar que a "Soprem.." não pagara a primeira prestação de capital indicada no plano;
- em 28 de Novembro de 1990, o representante dos credores nomeado para o conselho de administração da "Soprem.." veio informar que a mesma não procedera ao pagamento da referida primeira prestação, não revelando, capacidade de libertação de fundos para esse pagamento, porque os custos de funcionamento se revelaram significativamente superiores aos previstos no plano e, porque os pagamentos das empresas participadas vinham sendo efectuados com atraso e, ainda, porque o volume das rendas e de comissões facturadas tinha sido inferior ao previsto no plano. (completamentarmente, informava não se previa que, a curto prazo, a empresa pudesse cumprir o plano).

2 - O decidido:
a) Face ao informado, o Senhor Juiz do processo, a nível da primeira instância, proferiu o despacho de folhas 1230 a 1233 dos autos (certificado a folhas 23 e seguintes, que, aqui, se dá como transcrito).
Da tal decisão agravou a "Soprem..", alegando dificuldades várias que a tinham levado no não pagamento da referida primeira prestação do plano de reembolso e considerando que as normas teriam justificado a não obrigatoriedade do pagamento do numerário referido na cláusula 4, do acordo.
Para além disso alegou que - partindo do pressuposto de que o plano de pagamento aprovado o fora a título definitivo - se verificava uma impossibilidade não-culposa, por parte da empresa, no cumprimento do clausulado, face à não verificação, até ao momento o pagamento, dos pressupostos que o permitiam.
Esclarecendo, por último que, se eventualmente se viesse a entender que o plano de pagamento em causa assumia um carácter provisório, havia que se concluir que, então, as referias prestações a que se referia o plano de reembolso não seriam exigíveis até à elaboração definitiva daquele, sendo certo que tal só poderia vir a acontecer com a possibilidade de consideração de todos os elementos mencionados nos autos.
b) O senhor Juiz, do processo, oportunamente, sustentou o despacho recorrido, mantendo-o, afirmando, para além disso, constatar-se achar-se esgotado o prazo de dois anos previsto no artigo 49, o Decreto-Lei 177/86, pelo que o agravo interposto perdia o seu efeito útil, uma vez que os credores poderiam já, então, exercer livremente os seus direitos.
c) Decorre dos autos (cf. acórdão Relação e Lisboa - folha 88 e seguintes) que a questão suscitada no despacho de sustentação mencionado - qual seja a da inutilidade subsequente do recurso - foi motivo de agravo específico que mereceu provimento (cf. folha 76 a 84).
d) Assim, no recurso perante ela interposto, a Relação de Lisboa entendia que duas questões essenciais haveria que decidir:
- a de se saber se o acordo estabelecido no plano de pagamento (reembolso) se assumiu com carácter provisório, ou definitivo;
- a de se verificar se - a aceitar-se a última hipótese - nela, teriam sido estabelecidas condições para o seu cumprimento.

Analisando o decidido na primeira instância, na perspectiva referenciada, a relação considerou, no acórdão, ora, posto em causa, não ter havido qualquer violação da lei, no mesmo, acrescentando ter-se, nele, sido feito uma correcta apreciação da situação.
E, como tal, negou provimento ao agravo interposto.

3 - Apreciação:
a) Neste Supremo Tribunal conhecer-se-à de direito (cf. artigo 722, n. 2, e artigo 755, n. 2, Código de Processo Civil), na base do factualismo dado como assente pelas Instâncias, da alegada violação dos dispositivos legais aplicáveis, "máxima", dos do Decreto-Lei 177/86.
Importa, todavia, antes, face ao decidido no acórdão em crise e aos termos do recurso interposto, situar, em termos de enquadramento legal em que surge, a chamada medida de gestão controlada da empresas, e, em concreto, esta última, no quanto suspeita à acordada quanto à "Soprem..", nomeadamente, nos eventuais condicionantes que dela constem.
b) Do preâmbulo ao Decreto-Lei 177/80 resulta - aliás, no seguimento das afirmações transcritas no BMJ n. 300 página 9, do Ministério a Justiça, da altura, onde, o mesmo, diz "da incomportável senectude do nosso sistema jurídico no direito de falências, onde o instituto falimentar constituía uma forma expedita e quási fatal de destruir empresas" - ter-se instituído todo um processo de recuperação das mesmas em que se prevêem três modalidades: a concordata; o acordo de credores e a gestão controlada da empresa.
Mais precisamente, no quanto respeita à novidade da gestão controlada da empresa, em causa, considera-se, no dito preâmbulo, que ela se destina a salvar a empresa, salvaguardando, simultaneamente, os legítimos interesses dos credores, através de uma vasta gama de medidas económicas, financeiras e jurídicas.
c) Dentro destas últimas, integra-se todo o processo de definição, actuação e controle da medida de gestão controlada a que se referem os artigos 33 a 41, do Decreto-Lei 177/86, citado.
Da análise destes dispositivos legais (alias, cf. preâmbulo) infere-se, desde logo, uma caracterização da referida medida:
qual seja a de que .." a medida concreta de gestão controlada que veio a ser definitivamente homologada, não carecerá de concordância da empresa.." embora se faculte aos seus titulares a possibilidade de abandonar a sua posição, sem prejuízo da responsabilidade pessoal que hajam voluntariamente contraído;
outra, a de que o plano de reembolso acordado na medida de gestão em causa, não se assume, como um contrato (no sentido de acordo vinculativo assente em declaração de vontade - entre os quais, a da empresa - equiparado à cessação da medida de uma resolução dos contratos.
Em verdade, a partir o momento em que uma empresa se apresenta em tribunal, dizendo-se em estado de não poder cumprir as suas obrigações e, se sujeita a ser objecto de um meio de recuperação - que os credores entendem ser o melhor - não faz sentido trazer-se à colação a eventual discussão dos seus não - cumprimentos, ou da mora nos pagamentos.
Tudo se reduz, então, à análise das possibilidades ou não possibilidades da empresa em causa no cumprimento do plano da recuperação aprovado pelos credores.
(cf. artigo 33, n. 1, Decreto-Lei 177/86).
d) No caso concreto a medida de gestão controlada da "Soprem.." foi definitivamente homologada por decisão judicial, depois de devidamente aprovada pela assembleia de credores.
(cf. artigo 33, n. 2, Decreto-Lei 177/86, citado).
Na medida em questão indicam-se, além do mais, os meios propostos para a sua prossecução e as fases do seu processamento. Contra tais meios e fases não reagiu a "Soprem.." (vid. acta da assembleia de credores a proposta de gestão - folhas 52 a 75).
E assim é que, quando, depois a comissão de fiscalização instituída (cf. artigo 34, Decreto-Lei 177/86) vem informar, em 21 e Novembro e 1990, do não cumprimento do plano referenciado, por parte da "Soprem.." e o representante dos credores no conselho de administração o confirma, acrescentando não se prever que, a curto prazo, a empresa o possa cumprir, ao decidir-se, como se decidiu, actuou-se em conformidade com a lei instituidora da medida em causa, já que os pagamentos tinham de ser efectuados de acordo com o plano, sob pena de não se dar viabilidade ao fim principal da medida aplicada, qual seja a da recuperação económica da empresa.
Também, dentro do circunstancialismo descrito, surge, conforme a lei, a declaração e falência da mesma empresa.
No caso, a "Soprem.."(cf. artigos 33, n. 1 e 4 e 49, Decreto-Lei 177/86).
e) Disse-se (vid. alínea d), supra) que a medida de gestão controlada da "Soprem.." foi "definitivamente" homologada por decisão judicial, depois de devidamente aprovada pela assembleia de credores.
Contra tal homologação definitiva reage a recorrente, considerando-a, outrossim, como homologação provisória, porque - no seu entender - dependentes do condicionalismo de facto que aponta nos ns. 3, 4 e 5 das conclusões do alegado no seu recurso.
Não tem qualquer razão o agravante.
Na matéria, conforme a lei, não há planos definitivos e provisórios. Há planos homologados que se têm de cumprir.
(vid. Decreto-Lei 177/86).
Aliás, no plano em causa, não se verificam condicionantes que, de algum modo "condicionem" (repete-se) a sua aplicação.
Daí, a necessidade do seu cumprimento.
Dir-se-à, melhor, "a "obrigação" do seu cumprimento, em tempo, por parte a "Soprem..".
Obrigação que não foi tida em conta, pela mesma.
E, se, em verdade - como lucidamente se refere no acórdão recorrido algo se julgava deveria ser alterado no plano, pois bem, tal haveria de ser motivo de análise "ante mare, undae".

4 - Decisão:
considera-se, assim, não ter havido qualquer violação - nomeadamente, por erro da interpretação - disposto no artigo 49, do Decreto-Lei 177/86 e, bem assim, do consagrado nos artigos 280, 790, 792 e 804 do Código Civil.
Pelo que se nega provimento ao agravo interposto pela "Soprem..".

Custas pela agravante.
Lisboa, 28 de Junho, de 1994.

Gelásio Rocha;
Silva Caldas;
Correia de Sousa.