Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
| Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SUB-ROGAÇÃO PRAZO DE PRESCRIÇÃO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO VENCIMENTO REVISÃO DE INCAPACIDADE REPARAÇÃO DO DANO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO ACIDENTE DE TRABALHO ANALOGIA ÓNUS DE ALEGAÇÃO ÓNUS DA PROVA | ||
| Data do Acordão: | 07/04/2019 | ||
| Nº Único do Processo: | |||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 498.º, N.ºS 1 E 2. REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELO DL N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO: - ARTIGO 54.º, N.º 6. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 04-11-2010, PROCESSO N.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1; - DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 1270/13.0TBALQ.L1.S1; - DE 21-09-2017, PROCESSO N.º 900/13.8TBSLV.E1.S1; - DE 02-04-2019, PROCESSO N.º 2142/16.1T8PTM-A.E1.S1. | ||
| Sumário : | I. — O art. 54.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, deverá considerar-se aplicável, por analogia, a situações semelhantes. II. — A sub-rogação tem como pressuposto o cumprimento da obrigação. III. — Como a obrigação de indemnizar cada lesado é unae única,a sub-rogação reportar-se-á, ou deverá reportar-se, ao cumprimento integral — terá, ou deverá ter, como pressuposto o cumprimento integral. IV. — O princípio de que o prazo de prescrição começa a contar-se da data do último pagamento deverá ser restringido pela autonomização de núcleos indemnizatórios ou de parcelas indemnizatórias correspondentes a danos normativamente diferenciados. V. — O direito de sub-rogação da entidade empregadora, ou da seguradora, abrange toda a indemnização que haja pago, incluindo a indemnização correspondente aos danos, despesas e encargos suplementares resultantes da revisão da incapacidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. — RELATÓRIO 1. AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede em …, demandou BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede em …, pedindo que a Ré I. — fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 22.588,72 €, acrescida dos juros de mora vincendos contados desde a data de citação da Ré e até integral pagamento, calculados dia a dia, às taxas de juros comercial, sobre o capital em dívida; II. — condenada a pagar as pensões e as prestações suplementares, designadamente com assistência médica e medicamentosa, transportes, etc., que viessem a ser liquidadas à e por conta da trabalhadora CC em data posterior à data da entrada da presente acção, a liquidar em execução de sentença. 2. A Ré BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. contestou, invocando a prescrição do direito da autora, além da defesa por impugnação que apresentou. 3. A Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., respondeu à excepção, defendendo que a prescrição não se verifica. 4. Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou procedente a excepção de prescrição, e, consequentemente absolveu a R. do pedido. 5. A Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. recorreu e, em consequência, o despacho saneador-sentença foi revogado, determinando-se o prosseguimento dos autos. 6. A Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. requereu entretanto a ampliação do pedido, em mais 10.678,66 euros, e ampliação foi admitida. 7. A 1.ª instância julgou procedente a acção e, em consequência: A. Condenou a R. a pagar à A. a quantia de 33.267,38 €, acrescida dos juros de mora vincendos contados desde a data de citação da R. e até integral pagamento, calculados dia a dia, às taxas de juros comercial, sobre o capital em dívida; B. Condenou a R. no pagamento das pensões e das prestações suplementares, designadamente com assistência médica e medicamentosa, transportes, etc., que venham a ser liquidadas à e por conta da trabalhadora CC em data posterior à data da entrada da presente acção, a liquidar em execução de sentença, com todas as consequências legais. 8. Inconformada, a Ré BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. interpôs recurso de apelação. 9. A Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida. 10. O Tribunal da Relação de Coimbra julgou o recurso parcialmente procedente, “condenando[] a R. a pagar à A. a quantia de 32.360,16 €, no demais se mantendo a sentença recorrida”. 11. Inconformada, a Ré BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., interpôs recurso de revista. 12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: I. O recurso que se subjuga à mui douta e criteriosa apreciação de Vossas Excelências, resulta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo supra epigrafado. II. Considerou-se no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que, in casu, estamos perante uma sub-rogação legal e que o prazo de prescrição é de três anos, o que não merece qualquer reparo. III. Porém, considerou que para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição releva a data do último pagamento, concluindo que os créditos da Recorrida não se encontram prescritos, o que merece especial censura, desde logo, porquanto, considerar o prazo do último pagamento conduzirá a uma quase imprescritibilidade do direito, obrigando a que a discussão ocorra em momento muito afastado do facto gerador da responsabilidade IV. Reproduzem-se, ora, os factos provados, nomeadamente, os dos artigos 51., 52., 53.,56., 57. e 58. V. Os factos que constituem o fundamento do pedido da Recorrida ocorreram no pretérito dia 14 de agosto de 1999, data do sinistro dos autos, conforme resulta do alegado no artigo 3º da douta P.I. e do Doc. 1 junto com aquela, sendo, porém, o incidente de revisão da incapacidade formulado pela Sinistrada em 07 de setembro 2009, que motivou a presente ação, para a qual foi a Ré citada, em 07 de abril de 2015. VI. Aceita-se, desde logo, que no caso dos autos, independentemente da natureza da sub-rogação, existe na Lei norma expressa - artigo 498º do C.C. - aplicável quanto à prescrição do direito à indemnização nos casos de responsabilidade civil extracontratual, o qual prevê como prazo de prescrição três anos e, considerando-o, o mesmo já havia decorrido e, por isso, o eventual direito da Recorrida já se encontrava prescrito. Pois que, VII. O prazo prescricional aplicável conta-se sobre o primeiro dos pagamentos efetuados, no caso de prestações reiteradas no tempo, como é o caso, não sendo necessário aguardar pelo último deles, até porque a partir do momento em que o primeiro deles é feito, quem paga conhece o seu direito ao reembolso e está em condições de o exercer, independentemente da sua extensão integral (conforme expressamente previsto pelo artigo 498º, nº 1 do C.C.). VIII. Para além de não fazer, pois, qualquer sentido, que se conceda a terceiro sub-rogado mais direitos que aqueles que a Lei especificamente prevê para o lesado, a quem pagou, quando a própria Lei (artigo 306º, nº 1 do C.C.) refere que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito possa ser exercido e ele pode, indiscutivelmente, ser exercido em casos como o dos autos a partir do momento em que ocorre o primeiro pagamento. IX. Considerando a data do primeiro pagamento (31/10/2011 cfr. facto provado 58.), que a pensão anual e vitalícia (PAV), é paga sob a forma de renda mensal e que a Recorrente apenas foi citada para contestar a presente ação em 07/04/2015, encontra-se prescrito o direito da Recorrida requerer o reembolso das despesas alegadamente efetuadas à Sinistrada. X. As quantias pagas pela Recorrida à Sinistrada no âmbito do processo de acidente de trabalho, reportam-se à pensão que foi fixada nesse processo, a favor daquela, a qual é fixada em montante anual, cujo pagamento se processará mensalmente, cfr. artigo 51º do Regulamento, aprovado pelo DL 143/99 de 30/04 (aplicável por ser o em vigor à data do sinistro – vide facto provado 3). XI. Estamos, pois, perante uma prestação periódica ou reiterada, pelo que, há que distinguir entre o direito unitário e o direito a cada uma das prestações, valendo o disposto no citado artigo 307º. XII. Tendo a Recorrida iniciado o pagamento das pensões em 31.10.2011, pelo menos nessa data tomou conhecimento do direito que lhe competia, podendo livremente exercê-lo, impondo-se que o fizesse no prazo máximo de três anos a contar desse momento, o que não aconteceu. XIII. Se a Recorrida tivesse obrigação de pagar à Sinistrada uma quantia por inteiro, numa única prestação, e o tivesse feito em 31.10.2011 (como fez em relação ao 1º pagamento da prestação periódica devida), o seu direito, sob pena de prescrição, também teria de ser exercido/peticionado nos três anos subsequentes. XIV. O Acórdão sob sindicância violou o disposto nos artigos 306º, 307º e 498º do Código Civil e os mais que V. Exas., doutamente, vierem a considerar. Sem prescindir: XV. Quando V. Exas. assim não o considerem, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, entendendo que a prescrição apontada no artigo 498º do C.C. deverá ser aferida sobre cada um dos pagamentos efetuados, deveriam os mesmos ter sido aferidos por reporte aos documentos juntos aos autos e às declarações das testemunhas arroladas, devendo considerar-se prescritos todos os processados antes de 07.04.2012 (três anos antes da citação da Ré para os presentes autos). XVI. Ou seja, encontram-se prescritos, sem prejuízo do supra exposto, os pagamentos processados pelos recibos 073292, 259076, 260432, 261784, 263140 e 264478 (correspondentes aos primeiros seis recibos juntos como Doc. 11 com a P.I.), os quais correspondem aos pagamentos ocorridos há mais de três anos, considerando a data de citação da Ré. Ainda sem prescindir: XVII. O direito de requerer a revisão da incapacidade é próprio e exclusivo dos acidentes de trabalho, i.e., apenas no caso de Acidentes de Trabalho poderá a IPP anteriormente fixada sofrer alterações por via do incidente de revisão. XVIII. Este direito é totalmente alheio (e não aplicável) às Apólices do ramo automóvel, como a que vincula a ora Recorrente. XIX. Pois que, apenas no caso de o acidente ser de trabalho é que, de acordo com o artigo 25º da Lei 100/97 de 13 de setembro (legislação em vigor em à data do sinistro), poderá o sinistrado requerer a reavaliação da sua situação clínica, através do incidente de revisão da incapacidade, o qual poderá ditar o aumento, redução ou extinção da IPP anteriormente fixada. XX. O legislador quis dar um tratamento especial aos sinistrados vítimas de A.T. ao, somente, consagrar na Lei que os rege a possibilidade de reverem as incapacidades anteriormente atribuídas. XXI. Pelo que, não havendo possibilidade de requerer a revisão da incapacidade das IPP´s atribuídas a vítimas de acidentes de viação, não poderá a Apólice do ramo automóvel ser acionada a ressarcir danos que apenas a Apólice de acidentes de trabalho responde. XXII. A revisão da pensão é uma obrigação própria de Acidentes de Trabalho, não transferível para o Ramo Automóvel! XXIII. Ao não considerar o supra exposto, o Acórdão sob sindicância violou o disposto nos artigos 589º e seguintes do Código Civil e os mais que V. Exas., doutamente, vierem a considerar. TERMOS EM QUE, com o sempre mui Douto suprimento de Vossas Excelências deve o presente recurso de Revista ser admitido, julgado procedente e, em consequência, revogar-se a Decisão recorrida, substituindo-a por outra que conheça da prescrição invocada - considerando prescrito o crédito da A./Recorrida - e da inexigibilidade das quantias peticionadas, nos termos acima definidos, assim se fazendo JUSTIÇA. 13. A Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão recorrido. 14. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: I. — se procede a excepção de prescrição do direito da Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., deduzida pela Ré BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (conclusões III a XVI das alegações de recurso); II. — se, em relação aos danos, despesas e encargos suplementares relacionados com a revisão da incapacidade, a Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., fica sub-rogada nos direitos da sinistrada contra a Ré BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (conclusões XVII a XXIII das alegações de recurso). II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 15. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes: 1. A Autora é uma Sociedade que se dedica à actividade seguradora. 2. No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com a sociedade “DD - Pastelaria e Padaria, Lda.”, o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 01 … 01, nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela indicados nas respectivas folhas de salários, conforme consta do documento que junto a fls. 30 e seguintes, e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 3. Em Dezembro de 1999, a referida Sociedade participou à Autora um sinistro ocorrido cerca das 16.00h do dia 14 de Agosto de 1999 com a trabalhadora ao seu serviço, CC (cfr. doc. fls. 30 e seguintes). 4. Tal acidente caracteriza-se simultaneamente como um acidente de trabalho (in itinere) e de viação. 5. O acidente de trabalho deu-se quando, na data e horas mencionadas, a referida trabalhadora regressava do seu local de trabalho, sito na Rua ..., em Tondela, para a sua residência, sita em …, …, Tondela. 6. O percurso efectuado pela trabalhadora sinistrada era efectivamente o percurso mais curto e directo a ligar os dois referidos pontos. 7. A participação do acidente de trabalho em causa foi efectuada cerca de quatro meses após a sua ocorrência uma vez que a Segurada da Autora entendeu que o mesmo se tratava de acidente de viação. 8. Na sequência da participação, a Autora verificou que a aludida sinistrada constava das folhas de salários que a sua Segurada lhe havia apresentado e que se encontrava transferido o salário de € 423,98 (à data 85.000$00), conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – Doc. de fls. 36. 9. Cerca das 15.40h, no dia 14 de Agosto de 1999, ocorreu um acidente de viação na E.M. Nandufe, em Tondela, em que foram intervenientes o ciclomotor de matrícula 1-GRD-...-..., à data conduzido por EE, e no qual CC seguia como passageira, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-IA, à data conduzido por FF – Doc. fls. 36. 10. No local do sinistro, a estrada configura uma recta, com boa visibilidade, com entroncamento à esquerda, atendo o sentido de marcha Tondela/Mosteiro. 11. A estrada tem dois sentidos de trânsito, encontrando-se dividida em duas hemifaixas de rodagem em cada um dos sentidos. 12. O piso é asfaltado e, na referida data, encontrava-se em bom estado de conservação e seco. 13. A via tem uma largura de cerca de 7,30 metros. 14. O local caracteriza-se como uma localidade, sendo a estrada ladeada por edificações com acesso directo à estrada. 15. Encontrando-se a velocidade máxima instantânea limitada a 50 kms/h. 16. Nas circunstâncias descritas, momentos antes da ocorrência do acidente, o ciclomotor 1-CRD-…-…, conduzido por EE, seguia na E.M. Nandufe, no sentido Tondela/Mosteiro. 17. No referido ciclomotor seguia como acompanhante CC. 18. O condutor do motociclo seguia a uma velocidade moderada e apropriada para o local e condições atmosféricas, não superior a 30 Kms, junto à berma direita, atento o seu sentido de marcha. 19. E com atenção ao demais trânsito existente no local. 20. Por seu turno, o veículo ...-...-IA, conduzido por FF, circulava igualmente na E.M. Nandufe, sentido Tondela/Mosteiro. 21. No entanto, o seu condutor circulava sem prestar atenção ao trânsito no local, designadamente ao trânsito da E.M. Nandufe, e a velocidade excessiva, superior a 100 Kms/hora. 22. Ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o sinistro, e pretendendo efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda, no entroncamento aí existente, o condutor do ciclomotor reduziu a velocidade que lhe imprimia, acto contínuo, assinalou manualmente a sua intenção de realizar a referida manobra, e aproximou-se do eixo da via, onde parou. 23. O condutor do ciclomotor verificou que não circulavam veículos na hemi-faixa de rodagem em sentido contrário ao seu, pelo que nesse momento, iniciou a referida manobra de mudança de direcção à esquerda. 24. Quando se encontrava já na hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, súbita e inesperadamente surgiu a circular na sua traseira o veículo IA. 25. O condutor do veículo IA imprimia-lhe uma velocidade excessiva, superior a 100 kms/h, completamente desadequada às características da via e demais trânsito no local. 26. O veículo IA circulava completamente desgovernado, pelo que não se tendo apercebido atempadamente da manobra entretanto iniciada pelo condutor do ciclomotor, entendeu iniciar manobra de ultrapassagem, imediatamente antes do referido entroncamento. 27. Acto contínuo, passou o eixo da via, passando a circular na hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, ou seja, Mosteiro/Tondela. 28. Quando o condutor do ciclomotor se apercebeu da presença do veículo IA na sua traseira a ocupar a hemi-faixa de rodagem onde se encontrava não teve qualquer hipótese de evitar o embate. 29. O veículo IA embateu violentamente com a sua parte frontal na parte lateral esquerda do ciclomotor. 30. O embate deu-se na hemi-faixa de rodagem destinada à circulação do trânsito no sentido contrário ao do ciclomotor e do veículo automóvel. 31. Na sequência da violência do embate, o ciclomotor foi projectado, de forma oblíqua, a cerca de 30 metros do local do embate, onde ser veio a imobilizar, junto à berma. 32. Antes da ocorrência do embate, o condutor do IA nem sequer travou. 33. Após o embate o veículo IA deixou, no local, um rasto de travagem de cerca de 44 metros. 34. O rasto de travagem se encontra na hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, ou seja, Mosteiro-Tondela. 35. (conclusão de direito). 36. Em consequência do sinistro, a trabalhadora CC sofreu diversos e graves ferimentos, designadamente TCE com estado comatoso e confusional, traumatismo abdominal com provável lesão do rim esquerdo, traumatismo toráxico com hemotórax, etc., conforme doc. de fls. 42 a 49. 37. Que lhe provocaram Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho desde a data do acidente (14.08.2009) até 16.04.2001 (data da alta clínica). 38. Na sequência da ocorrência do acidente a trabalhadora sinistrada passou a apresentar sequelas encefálias pós-traumáticas, manifestando-se com dor, sensação de peso, instabilidade no equilíbrio, concentração e emocional, amnésia quase total e redução funcional do rim esquerdo com função normal do rim direito. 39. A trabalhadora sinistrada foi assistida em diversas instituições, públicas e privadas, destacando-se o Hospital …, Hospital de Viseu, Hospitais Universidade de Coimbra e os Serviços Clínicos da Ré. 40. E durante todo o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos. 41. Dada a natureza do acidente em apreço, correu termos pelo … Juízo do Tribunal do Trabalho de Viseu, sob o n.º 568/2000, o respectivo processo de acidente laboral, no qual a ora Autora foi Ré. 42. Verificando-se que à data do sinistro se encontrava transferido para a Autora o salário de € 423,98 x 14, por Auto de Conciliação, foi a “AA – Companhia de Seguros, S.A.”, condenada a pagar a CC “a pensão anual e vitalícia de 260.563$00 (…) “com início a 17.04.01”, acrescida da quantia de “4.000$00 de despesas de transportes pelas diversas deslocações obrigatórias (…)” (cfr. doc. fls. 30). 43. Ainda nos termos do aludido processo, à trabalhadora sinistrada foi fixada uma Incapacidade Permanente Parcial de 36,38458% a partir de 17.04.2001 (cfr. doc. n.º 1). 44. Com fundamento na aludida sentença, a Autora procedeu ao pagamento à trabalhadora sinistrada da quantia de € 23.000,25 a título de capital de remição. 45. Verificado o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice 01 … 01, a Autora, honrando os compromissos assumidos e em consequência do acidente de trabalho em apreço, despendeu, até àquela data, a quantia global de € 27.470,55, correspondente às seguintes importâncias parcelares: - € 5.923,27, a título de ITA referente ao período de 14.08.1999 a 15.04.2001; - € 3.848,99, a título de pensão; - € 14.154,58, a título de capital de remição; - € 646,72, a título de despesas com transportes; - € 533,37, a título de despesas com medicamentos; - € 1.340,77, a título de despesas com assistência médica; - € 189,54, a título de despesas com honorários médicos e enfermeiros; - € 833,31, a título de despesas com assistência médica. 46. À data dos factos em apreço nos autos, o proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-IA havia transferido o risco emergente da circulação do mesmo para a ora Ré “BB - Companhia de Seguros, S.A.”, através do contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice 63…5. 47. Verificando que a culpa pela produção do acidente em apreço nos autos recaiu, única e exclusivamente, sobre o condutor do aludido veículo, a Ré, na sequência de comunicação remetida pela Autora e, bem assim, o reembolso dos valores assumidos, até aquela data, pela Autora. 48. Nessa sequência, a Autora apresentou à Ré os respectivos recibos de indemnização, e a Ré procedeu ao pagamento do valor de € 27.470,55, correspondente às seguintes importâncias parcelares: - € 5.923,27, a título de ITA referente ao período de 14.08.1999 a 15.04.2001; - € 3.848,99, a título de pensão; - € 14.154,58, a título de capital de remição; - € 646,72, a título de despesas com transportes; - € 533,37, a título de despesas com medicamentos; - € 1.340,77, a título de despesas com assistência médica; - € 189,54, a título de despesas com honorários médicos e enfermeiros; - € 833,31, a título de despesas com assistência médica. 49. Na sequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente ocorrido no dia 14 de Agosto de 2009, a trabalhadora sinistrada CC deduziu, junto do processo de Acidente Laboral, Incidente de Revisão da Incapacidade/Pensão. 50. Na sequência da realização do competente Exame por Junta Médica, nas especialidades de Otorrinolaringologia, Urologia, Neurologia e Psiquiatria, constatou-se que, na sequência do descrito acidente, a Autora se encontrava “clinicamente curada mas afectada de uma incapacidade permanente e parcial de 11% na especialidade de otorrinolaringologia, 5% na especialidade de urologia, 12% na especialidade de neurologia, 45% com incapacidade permanente absoluta para a profissão habitual – IPATH na especialidade de psiquiatria (fls. 288 a 296) e de 10%, na especialidade de ortopedia (fls. 301 a 302)”. 51. Por sentença proferida no âmbito do referido Incidente, transitada em julgado, decidiu-se “que a sinistrada se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectada com uma IPP de 63,17%, com IPATH desde 07-09-2009 data da entrada do requerimento para revisão, pelo que a partir dessa data tem direito a uma pensão anual de € 2.754,08 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros e oito cêntimos), actualizada para € 2.788,51 (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos) a partir de 01/01/2010 e para € 2.821,97 (dois mil oitocentos e vinte e um euros e noventa e sete cêntimos) a partir de 01/01/2011”. 52. Em cumprimento da referida sentença, a Autora procedeu, até à presente data, ao pagamento do valor global de € 17.884,85, a título de pensões. 53. De igual forma, até à presente data, a Autora despendeu, ainda, a quantia de € 4.703,87, correspondente às seguintes importâncias parcelares: - € 840,89, a título de despesas com transportes; - € 699,33, a título de despesas com medicamentos; - € 1.561,52, a título de despesas com assistência médica; - € 275,00, a título de despesas com honorários médicos e enfermeiros; - € 420,00, a título de despesas com juntas médicas; e - € 907,22, a título de despesas judiciais. 54. Na sequência dos pagamentos indicados, a Autora interpelou a Ré para que, na sequência do reembolso efectuado, procedesse ao pagamento dos aludidos valores (incluindo a provisão matemática). 55. A Ré não procedeu ao pagamento. 56. Desde 15 de Março de 2015 até à data de julgamento a autora pagou a título de indemnização a CC a quantia de 10.678,66 €, por conta do referido sinistro, correspondendo a: - € 10.144,71, a título de pensões, até ao dia 31-05-201, - €533,95, a título de despesas com medicamentos. 57. A presente acção deu entrada em 31-03-2015. O DIREITO 16. A Autora, agora Recorrida, AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., deduziu como fundamento da sua pretensão o art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, em vigor à data do acidente (14 de Agosto de 1999), cujo teor é o seguinte: A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente [1]. Entre os pontos consensuais está o de que o direito de regresso de que fala o art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97 é um direito de sub-rogação [2] e o de que o prazo de prescrição do direito de sub-rogação é de três anos, devendo aplicar-se, por analogia, o art. 498.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil [3]. 17. A primeira questão suscitada pela Ré, agora Recorrente, BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., relaciona-se com a prescrição do direito de sub-rogação da Autora, agora Recorrida, AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.. Como a obrigação da Autora, agora Recorrida, AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., foi cumprida fraccionadamente, em pagamentos parciais sucessivos, o caso está em determinar se o prazo de prescrição de três anos deve contar-se da data de cada um dos pagamentos parciais sucessivos ou, tão-só, da data do último pagamento. 18. O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado, consistentemente, que no sentido de que o prazo deve contar-se da data do último pagamento [4]. O acórdão de 2 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 2142/16.1T8PTM-A.E1.S1, é o último de uma série relativamente extensa em que se sustenta que “[e]stando em causa pagamentos parcelares, a contagem do prazo de prescrição do direito de reembolso inicia-se na data do cumprimento integral da obrigação (i.e., na data do último pagamento parcelar), a não ser quando seja possível a autonomização de um ou mais dos pagamentos, por dizerem respeito a ‘danos normativamente diferenciados’”. 19. Entre as razões por que o prazo deve contar-se da data do último pagamento estão sobretudo duas: Em primeiro lugar, a sub-rogação tem como pressuposto o cumprimento da obrigação e, como a obrigação de indemnizar cada lesado é una e única, a sub-rogação reportar-se-á, ou deverá reportar-se, ao cumprimento integral — terá, ou deverá ter, como pressuposto o cumprimento integral [5]. Em segundo lugar, a sub-rogação parcial, contada de cada pagamento parcial, teria como resultado uma pluralidade de acções, de todo em todo desrazoável. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, explicava que “… há que ponderar os efeitos práticos daquela posição de cisão das datas dos pagamentos para os efeitos que vimos abordando. Por cada pagamento ou grupo de pagamentos, a seguradora poderia ter de intentar uma acção e vir sucessivamente com acções relativamente a cada pagamento ou grupo de pagamentos posteriores, o que só complicaria a apreciação judicial do caso, correndo-se mesmo o risco de, numa das acções, se condenar o lesado e noutra ou noutras se absolver (de acordo, por exemplo, com a prova ou não da relação de causalidade entre o grau de alcoolémia e a verificação do acidente). As regras de elasticidade do processo civil (nomeadamente quanto a apensação de processos) já constituiriam um mero remendar do que, à partida, com outro entendimento, corresponderia a uma tramitação linear”. O raciocínio é retomado, designadamente, pelo acórdão de 21 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 900/13.8TBSLV.E1.S1: “seria pouco, senão mesmo nada, razoável que o exercício do direito de regresso tivesse lugar a cada pagamento parcelar. Sendo vantajoso o exercício do direito de regresso de uma só vez, designadamente por razões de segurança jurídica, será a partir do último pagamento da indemnização, coincidente com o momento do cumprimento da obrigação de indemnizar, que se conta o prazo da prescrição do direito de regresso”. 20. Os dois argumentos deduzidos são hoje confirmados pelo art. 54.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto: “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do art. 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”. O art. 54.º, n.º 6, deverá considerar-se aplicável, por analogia, a situações semelhantes [6]. 21. O acórdão considera-o como o critério decisivo, ao dizer que “a chave do problema se encontra, por aplicação analógica, por idêntica razão de decidir, no art. 54.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 (regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), que dispõe no n.º 1 sobre a sub-rogação legal do Fundo de Garantia Automóvel nos direitos do lesado, após satisfeita a indemnização, e que determina, depois, no seu nº 6, a aplicação do disposto no art. 498.º, n.º 2, do Código Civil, quanto ao prazo da prescrição, […] e mais importante e decisivamente estabelece que em caso de pagamentos fraccionados por lesado a data do último pagamento efectuado a que conta para efeitos de início da contagem do prazo da prescrição”. Embora seja porventura excessivo qualificar-se o art. 54.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 como “a chave do problema”, o argumento é adequado para explicar / justificar por que não procede nem a alegação principal da Ré de que o prazo de prescrição se conta a partir do primeiro pagamento (conclusões VII e VIII), nem a alegação subsidiária de que o prazo se conta a partir de cada um dos pagamentos (conclusões XV e XVI das alegações de recurso). 22. O alcance do princípio de que o prazo de prescrição começa a contar-se da data do último pagamento é restringido pela autonomização de núcleos indemnizatórios [7] ou de parcelas indemnizatórias [8] correspondentes a danos normativamente diferenciados [9]. Entre os casos em que os danos seriam normativamente diferenciados encontrar-se-iam aqueles em que estivesse em causa, p. ex., a indemnização de danos patrimoniais e de danos não patrimonais, ou a “indemnização de danos que correspondam à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens da personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas”: “… tal autonomização ou diferenciação, operada funcionalmente em razão da natureza dos bens lesados, poderá tornar razoável uma consequencial autonomização do início dos prazos de prescrição do direito de regresso: assim, por exemplo, não vemos razão bastante para que, - tendo a seguradora assumido inteiramente perante o lesado o ressarcimento de todos os danos decorrentes da destruição e privação do uso da viatura sinistrada – possa diferir o exercício do direito de regresso quanto a essa parcela autonomizável e integralmente satisfeita da indemnização apenas pela circunstância de, tendo o acidente provocado também lesões físicas determinantes de graves sequelas, ainda não inteiramente avaliadas e consolidadas, estar pendente o apuramento e a liquidação da indemnização pelos danos exclusivamente ligados à violação de bens da personalidade do lesado” [10]. 23. Em todo o caso, o devedor — em toda a regra, o réu — terá o ónus de alegar e de provar que havia núcleos indemnizatórios ou parcelas indemnizatórias correspondentes a danos normativamente diferenciados. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011, di-lo de forma explícita: “… incumbirá ao R. que suscita a prescrição o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas pagas pela seguradora até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na acção de regresso corresponderam a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa — não lhe bastando, consequentemente, alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos”. O critério enunciado tem como consequência que “[a] excepção peremptória [de prescrição deve] improceder se [a Ré] se limitou a alegar, genericamente, tal facto extintivo relativamente a todos os valores peticionados pela Autora, já que se trata de omissão que é impassível de ser judicialmente suprida” [11]. Ora a Ré, agora Recorrente, BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., não alegou e não provou que houvesse nucleos indemnizatórios ou parcelas indemnizatórias autónomas e não provou, em relação a cada um dos núcleos indemnizatórios, ou a cada uma das parcelas indemnizatórias, que estavam preenchidos os pressupostos da prescrição. 24. Como se escreve no acórdão recorrido, em termos que se subscrevem, “a recorrente efectuou múltiplos pagamentos parcelares que fazem parte de uma mesma prestação, a qual era devida à lesada ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho. A apelante tinha o ónus, face à sua invocada prescrição, de provar que estava em causa apenas o ressarcimento antecipado de danos ligados às lesões físicas sofridas pelo sinistrado — reparação dos períodos de incapacidade temporária e de IPP, despesas médicas e de tratamentos clínicos, custo das deslocações, etc. — pelo que obviamente tais pagamentos parcelares seriam susceptíveis de integrar um núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, relativamente ao qual pudesse iniciar-se e correr de modo autónomo um prazo de prescrição do direito de sub-rogação, e qual a data do último pagamento. Ora, a mesma, em relação aos pagamentos referidos nos factos 52. e 53. apenas alegou e provou a data do primeiro pagamento (facto 58.) que não releva para a referida contagem final da prescrição. Deste modo, o direito invocado pela A. não está prescrito, ao invés do que propugnava a apelante, indo o recurso improcedente, nesta parte”. 25. Face ao exposto, não procede a excepção de prescrição em relação a nenhuma das quantias pagas pela Autora, agora Recorrida, AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.. 26. A segunda questão suscitada pela Ré, agora Recorrente, prende-se com os danos, despesas e encargos suplementares relacionados com a revisão da incapacidade. A Ré, agora Recorrente, BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. alega que a revisão da incapacidade está prevista para os acidentes de trabalho [12] e não está prevista para os acidentes de viação. Ora o seguro, por que o proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-IA transferiu para a BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. o risco emergente da circulação do veículo era um seguro do ramo automóvel (cf. facto dado como provado sob o n.º 46). A Ré, agora Recorrente, conclui que não está obrigada a pagar a indemnizar os danos, despesas e encargos suplementares relacionados com a revisão da incapacidade. 27. O problema está em averiguar se os efeitos da revisão da incapacidade são, ou não, oponíveis à Ré, agora Recorrente — e, por isso, o caso sub judice é semelhante ao caso apreciado e decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2016, proferido no processo n.º 1270/13.0TBALQ.L1.S1, em pelo menos quatro elementos. O acórdão citado pronunciava-se sobre o direito de regresso ou de sub-rogação (no caso, o direito de regresso ou de sub-rogação da Caixa Geral de Aposentações, previsto no art. 46.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro); a seguradora, contra a qual o direito de sub-rogação era actuado ou exercido, concluíra um contrato de seguro do ramo automóvel; a incapacidade do lesado tinha sido revista, em termos de constituir a sub-rogada em despesas ou encargos suplementares; e a seguradora, contra o qual o direito de sub-rogação era actuado ou exercido, sustentava que “a primeira decisão [sobre a incapacidade parcial pemanente] dev[ia] ser tida como decisão definitiva ‘sob pena de se comprometer a certeza e segurança jurídicas que aquele preceito legal visa introduzir no sistema de responsabilidade civil subjectiva, e admitir a permanente incerteza no que à posição do responsável diz respeito a qual perduraria por todo o período [10 anos] em que é permitida a revisão da incapacidade do lesado”. O Supremo Tribunal de Justiça concluiu, em termos que subscrevemos sem reserva, que “não pode entender-se […] que a primeira seja a decisão definitiva” e que a segunda, “limitando-se a segunda a ampliar o quantum das prestações”, é inoponível à seguradora. 28. O texto do art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, em ligação com o art. 593.º do Código Civil, depõe em favor de que o direito de regresso ou de sub-rogação da entidade empregadora, ou da seguradora, abrange toda a indemnização que haja pago. O acórdão recorrido fala de um princípio, do princípio da integralidade da reparação, para sustentar que “[a] Autora [se encontra] sub-rogada legalmente, o que a coloca na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo (art. 593.º, n.º1, do Código Civil). Tem, por isso, direito a exigir ao devedor tudo o que pagou e que cabia ao lesado reclamar como credor. […] A posição da recorrente de que o decidido no incidente de revisão de incapacidade/pensão no processo laboral […] e respectivos pagamentos não lhe é oponível não tem assim fundamento legal”. O argumento deduzido do texto do art. 31.º, n.º 4, é reforçado pela constatação de que a inoponilidade da revisão da incapacidade à entidade empregradora, ou à seguradora, fustraria a finalidade da lei — a entidade empregadora, ou a seguradora, suportaria em definitivo a diferença entre o valor devido em resultado da primeira e da segunda avaliações da incapacidade. Em lugar de uma sub-rogação total, como pretende o art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97 haveria tão-só uma sub-rogação parcial; em lugar de uma sub-rogação total, por que a entidade empregadora, ou a sua seguradora, transferisse todas as despesas e todos os encargos para a pessoa responsável pelo acidente, ou para a sua seguradora, como pretende o art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97 haveria tão-só uma sub-rogação parcial, por que a entidade empregadora, ou a sua seguradora, transferiria para a pessoa responsável tão-só algumas das despesas e alguns dos encargos — as despesas e os encargos resultantes da primeira avaliação da incapacidade. 29. Face ao exposto, a Autora AA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.., fica sub-rogada nos direitos da sinistrada contra a Ré BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. III. — DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pela Recorrente BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. Lisboa, 4 de Julho de 2019 Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator) Paula Sá Fernandes Maria dos Prazeres Beleza ______________ [1] A Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, foi entretanto revogada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, e o art. 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97 foi substituído pelo art. art. 17.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009: “O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente”. [2] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 25 de Março de 2010 — processo n.º 2195/06.0TVLSB.S1 —, de 18 de Outubro de 2012 — processo n.º 56/10.8TBCVL-A. C1.S1 —, de 31 de Janeiro de 2017 — processo n.º 850/09.2TVLSB.L1.S1 —, de 31 de Janeiro de 2017 — processo n.º 850/09.2TVLSB.L1.S1 —, de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1 —, de 3 de Julho de 2018 — processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 — e de 2 de Abril de 2019 — processo n.º 2142/16.1T8PTM-A.E1.S1 —, em cujo sumário se escreve: “O direito que a entidade empregadora exerce contra a seguradora para reaver o pagamento efectuado ao lesado (o ‘direito do pagador’) não é um direito de regresso em sentido próprio mas um ‘direito de reembolso’, que promana da sub-rogação (normalmente de origem legal) daquelas entidades nos direitos do lesado”. [3] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1 —, de 21 de Setembro de 2017 — processo n.º 900/13.8TBSLV.E1.S1 —, de 2 de Novembro de 2017 — processo n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 1195/08.0TVLSB.E1.S1 — e de 3 de Julho de 2018 — processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 —, em cujo sumário se escreve: “o prazo de prescrição deve ser contado a partir do cumprimento, por aplicação analógica do art. 498.º, n.º 2, do Código Civil”. [4] Cf. acórdãos do STJ de 4 de Novembro de 2010 — processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1 —, de 7 de Abril de 2011 — processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1 —, de 19 de Maio de 2016 — processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1 —, de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1 —, de 21 de Setembro de 2017 — processo n.º 900/13.8TBSLV.E1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 1195/08.0TVLSB.E1.S1 —,de 5 de Junho de 2018 — processo n.º 4095/07.8TVLSB.L1.S1 —, de 3 de Julho de 2018 — processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 — e de 2 de Abril de 2019 — processo n.º 2142/16.1T8PTM-A.E1.S1. [5] Cf. a fundamentação do do STJ de 4 de Novembro de 2010 — processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1 —: “Ainda que, do carácter uno da obrigação, não resulte necessariamente que o dies a quo da contagem do prazo prescricional, nos casos em que as respectivas prestações se vão cumprindo ao longo do tempo, se situe em data que abranja todas estas, temos aqui um argumento muito forte a favor da não cindibilidade, para estes efeitos, do pagamento. Por regra, sendo a obrigação una e simples, quando se fala em cumprimento, está-se a reportar ao cumprimento integral”. [6] Como se admite, p. ex., no acórdão do STJ de 3 de Julho de 2018 — processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1. [7] Expressão usada nos acórdãos do STJ de 7 de Abril de 2011 — processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1 —, de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 1195/08.0TVLSB.E1.S1 — e de 3 de Julho de 2018 — processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1. [8] Expressão usado no acórdão do STJ de 7 de Abril de 2011 — processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1. [9] Cf. acórdãos do STJ de 7 de Abril de 2011 — processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1 —, de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 1195/08.0TVLSB.E1.S1 — e de 3 de Julho de 2018 — processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1. [10] Cf. acórdão do STJ de 7 de Abril de 2011 — processo n.º 329/06.4TBAGN.C1.S1 —, citado designadamente pelos acórdãos de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 1195/08.0TVLSB.E1.S1. [11] Cf. acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1. [12] Cf. art. 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, em vigor á data do acidente (14 de Agosto de 1999): “1. — Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada. 2. — A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos. 3. — Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano”. |