Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2966/16.0T8PTM.E1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
FORMALIDADE AD SUBSTANTIAM
FORMA ESCRITA
CONHECIMENTO OFICIOSO
MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES / CONFISSÃO / PROVA DOCUMENTAL / PROVA TESTEMUNHAL.
Doutrina:
- Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., p. 436 e 610;
- Vaz Serra, RLJ, 113º, p. 147.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 351.º, 354.º, ALÍNEA A), 634.º, N.º 1 E 393.º, N.º 1.
INGRESSO E PERMANÊNCIA NA ACTIVIDADE DA CONSTRUÇÃO, APROVADO PELO DL N.º 12/2004, DE 09-01, E RESPECTIVAS REDACÇÕES PELO DL N.º 18/2008, DE 29-01, CONJUGADO COM A PORTARIA N.º 1371/2008, DE 02-12:- ARTIGO 29.º, N.ºS 1 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-05-1973, IN BMJ N.º 228º, P. 259;
- DE 15-03-1974, IN BMJ N.º 235, P. 152;
- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19.
Sumário :
I. O artigo 29.º, nº 1 do Dec.-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redação que lhe deu o art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, em conjugação com a Portaria nº 1371/2008, de 02.12, consagra a forma escrita para o contrato de empreitada e subempreitda de obra particular de construção civil, com o valor superior a € 16.600,00.

II. A inobservância dessa forma escrita, que constitui uma formalidade ad substantiam, determina, conforme prescreve o nº 4 do citado artigo 29º, a nulidade do contrato.

 III. Trata-se de uma nulidade atípica, que apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não podendo ser conhecida ex officio pelo Tribunal.

IV. A falta da forma escrita exigida pelo nº1 do citado artigo 29º como condição sine quo non da validade do contrato de empreitada com o valor superior a € 16.600,00 só pode ser suprida nos termos limitados do disposto no artigo 364º, nº1 do Código Civil, pelo que a prova da existência ou da outorga de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento disposto nos artigos 393º, nº1, 354º, al. a) e 351, todos do Código Civil.

V. As restrições probatórias do artigo 364º do Código Civil relevam apenas e tão só para efeitos de prova da celebração válida do contrato, não impedindo, por isso, a utilização, nem de documento de menor força probatória, nem de prova testemunhal, por confissão ou por presunções judiciais para a demonstração de que foi celebrado um contrato de empreitada nulo por falta de forma e, por essa via, fazer operar os efeitos decorrentes da respetiva nulidade.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL

I. Relatório



1. AA, veio intentar ação declarativa comum contra BB - Promoção Imobiliária, Ldª, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 205.269,88 e do IVA correspondente, acrescida de juros de mora devidos desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, ter celebrado com a ré contrato de empreitada para a construção de duas moradias unifamiliares, pelo preço ajustado de € 370.000,00 cada uma, e que apesar dos trabalhos executados, que incluíram trabalhos adicionais posteriormente adjudicados, a ré apenas pagou parte do preço acordado, o que forçou o A. a deixar a obra, sem a concluir.


2. A R. contestou, por exceção e por impugnação. Não obstante admitir ter acordado verbalmente com a autora a construção das duas moradias identificadas nos autos, invocou a nulidade destes contratos de empreitada, por não terem sido reduzidos a escritos, tal como impõe o art. DL nº 12/2004, de 09.01, na redação dada pelo Dl nº 18/2008, de 29.01, em conjugação com a Portaria nº 1371/2008, de 02.12.

Mais sustentou ter pago ao autor todas as faturas que lhe foram apresentadas e que corresponderam à obra que efetivamente efetuou, com exceção das quantias retidas em cada uma das faturas pagas, a título de garantia da boa execução da obra, e que, conforme refere o autor, totalizam € 7.800,00.

Concluiu pela procedência da invocada nulidade e pela improcedência da ação, exceto no que respeita à referida quantia de € 7.800,00.


3. Na sua resposta, o autor concluiu pela improcedência da invocada nulidade, mas, para a hipótese do tribunal vir a declarar nulo o contrato, por falta de observância da forma legal, pugnou pela condenação da ré no pagamento das quantias peticionadas.

Requereu, assim, em alternativa e ao abrigo do disposto no art. 265º do CPC, a condenação da ré a título de enriquecimento sem causa.


4. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho que fixou o valor da ação e indeferiu a requerida ampliação da causa de pedir.

Proferido despacho saneador, nele relegou-se para a sentença o conhecimento da invocada nulidade.

 

5. Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 143.220 (cento e quarenta e três mil, duzentos e vinte euros), acrescida de IVA, à taxa de 23%, nos termos do artº 18º, nº 1, c) do Código do IVA (no montante de € 32.940,60).


6. Inconformados com esta decisão, dela apelaram o autor e a ré para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão proferido em 28.06.2017, julgou improcedentes as apelações, mantendo a decisão recorrida.


7. Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso de revista excecional com o fundamento no disposto no art. 672º, nº1, al. c) do CPC para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«l.a- O STJ só conhece, em princípio, de questões de direito, salvo, como nos casos como os dos autos, em que esteja em causa a violação pelas instâncias de regras imperativas sobre direito probatório, a chamada prova vinculada;

2.a- As instâncias deram como provado um preço para o (s) contrato (s) de empreitada dos autos, nulo (s) por vício de forma, socorrendo-se, para tanto de presunção judicial retirada da restante prova produzida nos autos;

3.a- A exigência legal de redução a escrito do contrato pelo empreiteiro é uma formalidade "ad substantiam" pelo que nos termos do art.° 364.°, n.° 1 do CC. a sua prova é vinculada á existência de documento de força probatória superior;

4.a- O mesmo se diga da declaração negocial relativa ao estabelecimento do preço do contrato de empreitada, como elemento essencial deste, nos termos do art.° 1207.° do C.C. e do art° 29.°, n.° 1, al. d) do DL. n.° 12/2004, de 29/01;

5.a - O documento junto como Documento n.° 1 com a petição inicial é um documento apócrifo, não está assinado, quer pelo A. quer pela R., nele esta não está identificada e não está datado, não podendo, sequer, ser considerado como documento particular, uma vez que a sua autoria nem sequer está estabelecida, como impõe o art.° 373.°, n.° 1 do CC;

6.a- O documento junto como Documento n.° 1 com a petição inicial não é idóneo a fazer a prova do preço acordado pelas partes para o preço da empreitada, não podendo ele ser dado como provado com fundamento em presunção judicial, como fizeram as instâncias;

7.a- Tendo a acção sido proposta no pressuposto da validade do contrato de empreitada, o que não é o caso, uma vez que já foi declarada a sua nulidade por falta do formalismo prescrito na lei, não podiam as instâncias ter dado como provado o preço dele, sem violação do regime previsto no art.° 289.°, n.° 1 do CC. e da jurisprudência do Assento n.° 4/95 de 28/03/1995;

8.a- Sendo o contrato de empreitada nulo por falta de forma e tendo essa nulidade efeitos retroactivos com "destruição" do negócio, como se ele nunca tivesse existido, no montante da restituição do que foi prestado pelo empreiteiro ao dona da obra, não está incluído o lucro que aquele esperava retirar de um negócio que a lei considera nunca ter existido, devendo aquela restituição seguir as regras do enriquecimento sem causa;

9.a- O Acórdão sob recurso é nulo, nos termos das alíneas b) e d) do art.° 615, ex vi do art.° 666.°, n.° 1, ambos do CPC, uma vez que nele não se especificaram quais as razões de direito que justificaram a decisão quanto à matéria de direito, por se ter limitado a aderir à fundamentação da decisão em l.a instância, nem se conheceu de questões de que deveria ter tomado conhecimento, designadamente, quanto à questão do lucro;

10.a- O Acórdão recorrido está em contradição com o Acórdão da Relação de Guimarães, de 12/07/2016, relatado pelo Juiz Desembargador Dr. João Diogo Rodrigues, já transitado, o qual foi proferido no domínio da mesma legislação - o D.L n.° 12/2004, de 09/01 e o art.° 364.°, n.° 1 do CC. - e sobre a mesma questão fundamental de direito - prova do preço do contrato de empreitada declarado nulo-;

ll.a- O Acórdão recorrido violou os artigos n.° 373.°, n.° 1, 364.°, n.° 1 e 289.°, n.° 1 do CC. e 615, alíneas b) e d) e 666.°, n.° 1 do CPC.

12.a- Deve o presente recurso excepcional de Revista ser julgado procedente e, em consequência, declarar-se nulo o Acórdão recorrido por falta de fundamentação da decisão de direito e por omissão de pronúncia quanto à questão do lucro, ordenando-se a sua reforma e, em qualquer caso, revogá-lo, substituindo-se por Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça que condene apenas a R. a restituir o que se vier a apurar dever ser restituído, segundo as regras do enriquecimento sem causa, a liquidar por recurso ao incidente previsto no art.° 609.° do CPC.»


8. A autora respondeu, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«l.ª - Constatamos que, quer a 1.° Instância quer a 2.° Instâncias apreciaram e julgaram de acordo com as regras do Direito e a sua livre convicção, não havendo qualquer reparo a fazer às decisões proferidas, que nos parecem adequadas à matéria de facto e de direito.

2.ª - Ambas as decisões foram no mesmo sentido, não tendo havido voto de vencido, por parte de qualquer elemento que tenha feito parte do coletivo de juízes do tribunal da Relação de Évora,

3ª - Não se enquadrando o caso concreto em nenhuma das situação previstas no art.° 672 do C.P.C., deve o recurso de revista ser rejeitado com base na norma contida no n.° 3 do Art.° 671 do C.P.C.

4.ª - Finalmente, face ao exposto, devem assim improceder todas as conclusões vertidas nas alegações do recorrente».


Termos em que pugna pela manutenção do acórdão recorrido.



9. A Formação a que alude o art. 672º, nº3 do CPCivil, decidiu admitir a revista excecional.


10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as únicas questões a decidir, traduzem-se em saber se:


1ª- a prova do preço num contrato de empreitada declarado nulo, por falta de forma escrita, pode ser feita mediante prova testemunhal  ou qualquer outro meio de prova. 


2ª- o acórdão recorrido padece das nulidades previstas no art. 615º, nº1 , als. b) e d) do CPC. 


3ª- sendo nulo o contrato de empreitada, por vício de forma, existe fundamento para condenação da ré no montante de € 143.2200,00, acrescida de IVA, à taxa de 23%.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Factos provados:

 

1 - O A. exerce a profissão de construtor civil, realizando trabalhos de construção civil, sendo que, para o efeito, acontece celebrar contratos de empreitada escritos, mas também faz trabalhos de construção civil por contrato verbal com os proprietários da obras que estejam interessados nos trabalhos de construção civil a efetuar por si e pelos seus trabalhadores (resposta aos artºs 1º e 2º da p.i.).


2 - No âmbito dessa sua especialidade de construtor civil, o A. orçamentou e ajustou com a R. a construção de duas moradias na Urbanização …, sita em …, uma no lote nº 21–A e outra no Lote 23–A daquela urbanização (resposta ao artº 3º da p.i.).


3 - O preço ajustado entre as partes, foi no montante de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros) para cada vivenda a construir nos lotes 21-A e 23-A, montante esse acrescido do IVA à taxa legal em vigor (resposta ao artº 4º da p.i.).


4 - O A. não reduziu a escrito o contrato de empreitada acordado com a R., sendo que o documento denominado “Orçamento para construção de duas moradias nos lotes 21-A e 23-A da urbanização …”, junto aos autos pelo A. a fls. 9 e seguintes, não está assinado nem pelo A. nem pela R. (resposta aos artºs 3º, 4º e 5º da contestação e 4º, 5º e 6º do articulado de resposta/contraditório do A.).


5 - O A. iniciou aos trabalhos de construção e foi aplicando materiais seus que tinha em stock no seu armazém e estaleiro, nomeadamente tijolo cimento areias, ferro, britas, pedra, rede malha sol, mosaicos, madeiras, andaimes, bem como outros materiais que foi comprando junto de fornecedores (resposta ao artº 5º da p.i.).


6 - Ao longo da execução dos trabalhos, a R. ia entregando montantes parcelares, à medida que as obras iam avançando, montantes esses separados para cada uma das vivendas que iam sendo edificadas, implantadas nos lotes 21-A e 23-A da referida urbanização (resposta ao artº 6º da p.i.).


7 - A R., por conta da vivenda que estava a ser construída no lote 21-A entregou ao longo da execução dos trabalhos a quantia global de € 337.000,00 (trezentos e trinta e sete mil euros) (resposta aos artºs 7º, 8º e 9º da p.i.).


8 - Ao longo da execução da obra no lote 21-A, foram solicitados pela R. trabalhos adicionais, que estavam fora do orçamento (resposta aos artºs 10º e 20º da p.i.).


9 - O A., não acabou totalmente a obra no lote 21-A, face aos desentendimentos que surgiram por falta da pontualidade nos pagamentos faseados, ficando por executar trabalhos incluídos no orçamento inicial no montante de € 20.840,00, acrescidos de IVA (resposta aos artºs 11º e 20º da p.i.).


10 - No que diz respeito ao lote 23-A situado no mesmo loteamento, o A. iniciou igualmente a construção da moradia acordada construir (resposta ao artº 13º da p.i.).


11 - Por conta dos trabalhos executados no lote 23-A, a R. entregou à medida que a obra ia sendo construída a quantia global de € 187.000,00 (resposta aos artºs 14º e 15º da p.i.).


12 - Ao longo da execução da obra no lote 23-A, foram também solicitados pela R. trabalhos adicionais, que estavam foram do orçamento (resposta aos artºs 17º e 20º da p.i.).


13 - O A., também no lote 23-A, não acabou a obra face aos desentendimentos que surgiram por falta da pontualidade nos pagamentos faseados, ficando por executar trabalhos incluídos no orçamento inicial no montante de € 69.740,00, acrescidos de IVA (resposta aos artºs 18º e 20º da p.i.).


14 - Para além dos montantes não entregues ao A., a R. ainda reteve ao longo dos pagamentos que foram feitos ao mesmo, a quantia de € 7.800,00 como garantia de boa execução dos trabalhos, quantia essa que nunca entregou ao A., até à presente data (resposta ao artº 21º da p.i.).


15 - Como o A., face à falta de pagamentos pela R., não dispunha de dinheiro para adiantar o pagamento dos materiais e salários do seu pessoal, foi forçado a parar as obras (resposta aos artºs 16º, 19º e 22º da p.i. e 3º do articulado de resposta/contraditório do A.).


16 - O A. e efetuou reuniões com representante da R., no sentido de se alcançar um acerto de contas entre as partes, tendo pedido que a R. lhe pagasse o que considerava estar em dívida, mas não foi obtido acordo entre as partes, por a R. entender já ter pago tudo o que está em dívida e nada mais ter a pagar (resposta aos artºs 23º, 31º, 32º, 35º e 36º da p.i. e 22º da contestação).


17 - A moradia unifamiliar construída no lote 21-A, que o A. considerou “praticamente acabada” e está inscrita na matriz sob o art.º 7191-P situado em Urbanização …, …. e descrita sob o n.º 3367 na Conservatória do Registo Predial de … (resposta ao artº 25º da p.i.).


18- Quanto ao lote n.º 23-A o mesmo encontra-se ainda registado como lote de terreno para construção Urbana, por a construção iniciada não estar ainda registada (resposta ao artº 27º da p.i.).


19 - A R. tem a moradia do lote 21-A à venda, estando esta a ser promovida e publicitada, quer no país quer no estrangeiro, pela via Internet (resposta aos artºs 28º, 33º, 34º, 41º e 42º da p.i.).


20 - O A. suportou do seu bolso uma parte do pagamento dos salários dos seus trabalhadores, bem como ainda o pagamento de materiais aplicados nas obras, que adquiriu junto de fornecedores (resposta ao artº 29º da p.i.).


21 - A R. não tem outros imóveis registados em seu nome, encontrando-se os mencionados nos autos desonerados (resposta aos artºs 34º, 40º, 41º e 42º da p.i.).


22 - Foi decretado o arresto do lote 21-A nos autos de procedimento cautelar apensos à presente ação, mas o mesmo veio a ser substituído pelo arresto do lote 23-A (resposta ao artº 43º da p.i.)


23 - A R. contratou terceiras pessoas para efetuarem trabalhos, incluindo acabamentos nas duas moradias, e adquirindo materiais a fornecedores, o que ocorreu com o conhecimento e a aceitação do A. (resposta aos artºs 26º da p.i. e 18º da contestação).


24 - A R. considera a moradia construída no lote 21-A acabada, sendo que, quanto à moradia do lote 23-A, decidiu tomar uma medida de gestão de interromper a sua construção, tendo em conta a crise que se viveu no mercado imobiliário nacional e internacional nos últimos anos, optando por alienar primeiro a moradia do lote 21-A para depois, em função da evolução do mercado imobiliário, tomar a decisão de quando a acabaria (resposta ao artº 20º da contestação).



***



3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com as questões de saber se a prova do preço num contrato de empreitada declarado nulo, por falta de forma escrita, pode ser feita mediante prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova; se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas no art. 615º, nº1 , als. b) e d) do CPC e se, sendo nulo o contrato de empreitada, por vício de forma,  existe fundamento para condenação da ré  no montante de € 143.2200,00, acrescida de IVA, à taxa de 23%. 



3.2.1. Quanto à primeira das questões supra enunciadas, sustenta a ré que, sendo o contrato de empreitada nulo por falta de observância da forma legalmente prescrita, não podiam as instâncias dar como provado que as partes ajustaram o valor de € 375.000,00 para cada uma das empreitadas, com recurso a presunção judicial retirada da restante prova produzida nos autos.


*



A questão centra-se na factualidade dada como provada no ponto 3, ou seja, que:


 «O preço ajustado entre as partes, foi no montante de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros) para cada vivenda a construir nos lotes 21-A e 23-A, montante esse acrescido do IVA à taxa legal em vigor »,


Conforme resulta da motivação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância (cfr. fls. 97v. a 99 v), este tribunal formou a sua convicção sobre a veracidade destes factos com base no documento de fls. 9 e seguintes, denominado “orçamento”; nas declarações de parte do A.; nos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE e FF e na avaliação pericial levada a cabo em sede de procedimento cautelar (fls. 178 e segs. dos autos apensos), analisados  à luz das regras de experiência comum.


Contra o uso destes meios de prova, insurgiu-se a ré na impugnação da matéria de facto deduzida em sede da apelação que interpôs da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, sustentando, no essencial, que ante a nulidade do contrato de empreitada em causa, por falta de observância da forma escrita, tal como impunha o art. 29º, nº1 do DL nº 12/2004, de 9 de janeiro, a prova daquele preço apenas pode ser feita por via documental (de força probatória superior) - o que não acontece com o “denominado orçamento”, por ser um documento apócrifo, que não se mostra datado nem assinado - , não sendo admissível a sua demostração, nem por prova testemunhal, nem por confissão ou por presunção judicial, nos termos  do disposto nos arts. 364º, nº1, 393º, nº1, 354º, al. a) e 351, todos do C. Civil.

 

Por sua vez, na apreciação dessa impugnação, o Tribunal da Relação, validando o uso dos meios de prova de que o Tribunal de 1ª Instância lançou mão na formação da convicção e formando, com base neles, também a sua própria convicção, afirmou, no essencial, que:


«(…) não se pode confundir prova da materialidade do contrato nulo por inobservância de forma legal, com prova da observância da forma legal.

A prova dessa materialidade pode, evidentemente, ser feita mediante prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova atendível para, precisamente, se concluir e declarar a nulidade do negócio fundado nessa materialidade.

De outro modo não haveria nunca possibilidade de declarar a nulidade do negócio por inobservância de forma legal, por impossibilidade de prova da correspondente materialidade.

Ademais, importa evidenciar que a posição da ré no processo, tal como claramente o entendeu o Tribunal a quo assenta fundamentalmente na nulidade do contrato invocado pelo autor, embora reconheça a existência de um acordo e a realização, ao abrigo do mesmo, de obras, alegando mesmo o respectivo pagamento.

Aliás em relação ao valor de cada empreitada, limitou-se à impugnação genérica do montante - ver artº 16º da contestação -.(…) ».


Persiste, porém, a ré, em defender que, sendo nulo o contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, estava vedado às instâncias darem como provado o preço ajustado pelas partes no âmbito deste contrato, com recurso a presunção judicial retirada da restante prova por confissão, documental, pericial e testemunhal produzida nos autos.


Vejamos, então, se lhe assiste razão, tendo em conta, no que concerne à reapreciação da decisão de facto, que incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência de erro de julgamento.

E que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação, no desempenho daquela sua função, observou, quer a disciplina processual a que aludem os arts. 640º e 662º, nº 1, quer o método de análise crítica da prova prescrito no art. 607º, nº 4,  aplicável por força o disposto no art. 663º, nº 2, todos do CPC, sem imiscuir-se na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo o critério da sua  livre e prudente convição.

De salientar ainda que não compete ao Tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade, ofensivo de qualquer norma legal ou extraído a partir de factos não provados.

Pode, assim, o Supremo Tribunal de Justiça verificar se a prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial foi, eventualmente, admitida em casos em que a lei proíbe (cfr. arts. 364º, nº1, 393º, nº1, 354º, al. a) e 351, todos do C. Civil).

E este poder é particularmente relevante nos casos em que, como acontece nos presentes autos, está em causa um contrato de empreitada para cuja validade a lei impõe a observância de forma escrita.



*



Posto que a ré arguiu, na sua contestação, a nulidade, por vício de forma, do contrato de empreitada em que o autor fundamentou a propositura da presente ação, importa decidir da procedência, ou não, desta nulidade e definir quais as restrições probatórias dela decorrentes.

E a este respeito, diremos, desde logo, que, apesar da ré não ter indicado a data de celebração do referido contrato, a verdade é que a mesma invoca o art.º 29.º, o Dec.-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redação que lhe deu o art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que, no seu nº1, impõe a forma escrita aos contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a “classe 1” , pela Portaria n.º 1371/08, de 2 de Dezembro, ou seja, aos contratos de empreitada, com o valor superior a € 16.600,00 ( 10% do valor de € 166.000,00, fixado pela referida portaria).

Assim sendo e porque nem o autor nem as instâncias questionam a aplicação, ao caso dos autos, destes diplomas legais, que regulam o ingresso e permanência na atividade da construção civil[2], é à luz do citado art. 29º que apreciaremos a invocada nulidade bem como as consequências daí decorrentes, visto estabelecer o art.º 30.º do citado DL nº 12/2004, que o disposto naquele artigo «prevalece sobre o regime  jurídico das empreitadas previstas no Código Civil, na parte em que o mesmo  não se conforme».  

Em matéria de forma e conteúdo dos contratos de empreitada  de obra particular,  dispõe o art. 29º, nº1 do Dl nº 12/2004, na redação introduzida pelo Dl n.º 18/2008, que « Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a classe 1 são obrigatoriamente reduzidos a escrito e devem ter o seguinte conteúdo mínimo:

a) Identificação completa das partes outorgantes;

b) Identificação dos alvarás;

c) Identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver;

d) Valor do contrato;

e) Prazo de execução;

f) Forma e prazos de pagamento».

Mas, para além disso, estabelece o nº 2 do citado art. 29º que: «Incumbe sempre à empresa que receba a obra de empreitada, ainda que venha a celebrar um contrato de subempreitada, assegurar e certificar-se do cumprimento do disposto no número anterior», prescrevendo, o seu nº 4, que «A inobservância do disposto no nº 1 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta ser invocada pela parte obrigada a assegurar e a certificar-se do seu cumprimento».

Decorre, assim, deste regime legal, por um lado, que a exigência da forma escrita contida no nº1 deste art. 29º, constitui uma formalidade ad substantiam, sem a qual o negócio não é válido, radicando a sua ratio na necessidade de «precaver os declarantes contra a sua precipitação e ligeireza, dar maior segurança à conclusão do negócio e ao conteúdo negocial, facilitar a prova…. facilitar o controlo no interesse geral, garantir a sua reconhecibilidade por terceiro, dar às partes a oportunidade de obter o conselho de peritos»[3].

E, por outro lado, que a nulidade com que o nº4 deste mesmo artigo comina a preterição da forma legal escrita apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não podendo ser conhecida ex officio pelo Tribunal.

Trata-se, pois, de uma nulidade atípica, que só pode ser arguida pelo dono da obra e que tem como pressuposto a consolidação do negócio na ordem jurídica se não invocada, configurando uma invalidade mista[4].

De sublinhar que a preterição da forma legal escrita para a celebração deste tipo de contrato não acarreta apenas a sua nulidade, mas tem também consequências em sede de direito probatória, impondo limitações/proibições quanto aos meios admissíveis para a sua prova.

Com efeito, exigindo o citado art. 29º, nº1 a forma escrita como condição sine quo non da validade do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, a sua falta não pode ser suprida senão nos termos limitados do disposto no art. 364º, nº1 do C. Civil, ou seja, o documento não pode «ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior», à do documento exigido.

Significa isto, no caso dos autos, que, exigindo a lei a celebração do contrato de empreitada através de documento escrito, assinado pelas partes, a prova da existência ou da outorga de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo esta prova documental ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento disposto nos arts. 393º, nº1, 354º, al. a) e 351, todos do C. Civil.

De realçar, contudo, que as restrições probatórias do citado art. 364º têm apenas que ver com a validade substancial do negócio, pelo que a impossibilidade de recurso ao uso de outra prova documental ou à prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, releva apenas e tão só para efeitos de prova da celebração válida do contrato, ou seja, para não permitir que se façam valer os efeitos do contrato como se fosse válido.

Mas já não releva para impedir a prova efetiva e real do negócio nulo por falta de forma, e, através daqueles meios probatórios, fazer prova da sua existência e correspondente materialidade e, por essa via, alcançar os efeitos decorrentes, não do negócio, mas da respetiva nulidade[5].

E bem se compreende que assim seja.

É que, nos termos do disposto no art. 289º, nº1 do C. Civil, um dos efeitos da declaração de nulidade do negócio é a obrigação de restituição (em espécie ou, não sendo esta possível, do valor correspondente) de tudo o que tiver sido prestado.

E, como refere Carlos Mota Pinto[6], a prova desta obrigação de restituir pode «ser feita por qualquer meios de prova admitidos em geral pela lei».

Vale tudo isto por dizer que, no caso em apreço, nada impede o recurso a documento de menor força probatória, à confissão, a prova testemunhal ou até mesmo a presunções judiciais para a demonstração de que foi celebrado um contrato de empreitada nulo, por falta de forma, bem como do seu conteúdo.

Daí nenhuma censura merecer o acórdão recorrido ao socorrer-se do documento de fls. 9 e seguintes, denominado “orçamento”; nas declarações de parte do autor, dos depoimentos das testemunhas e da avaliação pericial levada a cabo em sede de procedimento cautelar (fls. 178 e segs. dos autos apensos), analisados à luz das regras de experiência comum, para dar como provados os factos constantes do ponto 3, improcedendo, desta forma, a pretensão da recorrente, de ver eliminada do acervo factual apurado estes mesmos factos.



*



3.2.2. Sustenta a recorrente que, tendo o acórdão recorrido se limitado a aderir à fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, sem especificar as razões de direito que justificaram a decisão e sem ter conhecido da suscitada impossibilidade de incluir, no montante a restituir ao autor, o lucro que este retiraria com a realização das obras, padece o mesmo das nulidades previstas no nº1, alíneas b) e d), do 615.º, ex vi art. 666º, nº1, ambos do CPC.


Segundo as referidas als. b) e d), é nula a sentença quando, respetivamente «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» e «o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia  tomar conhecimento».


Corresponde o primeiros dos mencionados vícios à omissão de cumprimento do dever contido no art. 205º, nº 1 da CRP que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão e, tal como é jurisprudência pacífica[7], traduz-se na falta absoluta de motivação, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e não na motivação deficiente, medíocre ou errada.

Assim, ocorre falta de fundamentação de direito quando não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.

Por sua vez e também conforme jurisprudência unânime, o segundo vício traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.º 2 do art. 608º do CPC (aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no nº 2 do art. 663º do mesmo diploma), de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras, e de ocupar-se tão somente das questões suscitadas pelas partes e/ou daquelas que a lei lhe impuser o conhecimento oficioso.


 Ora, a este respeito, o que ressalta do acórdão recorrido é que, em sede de fundamentação de direito, o Tribunal da Relação limitou-se a afirmar que:


«(…) a sentença objecto do recurso não merece qualquer reparo ou censura, já que fez boa e correcta, aplicação do Direito aos factos, os quais apreciou com assertividade e ponderação, pelo que deverá ser mantida na íntegra, improcedendo claramente as conclusões da apelante, nomeadamente o putativo lucro que inexplicavelmente a apelante pretende agora ver apreciado, bem assim como a putativa dedução do valor dos materiais que adquiriu, questão claramente nova, que como tal não cumpre apreciar».


Assim, analisadas neste contexto as invocadas nulidades do acórdão recorrido, diremos que se é certo não ter o Tribunal da Relação apreciado a questão da impossibilidade de incluir a margem de lucro que o autor obteria com a negócio no montante a restituir ao autor, por via da declaração da nulidade do contrato de empreitada, a verdade é que agiu deste modo por considerar (ainda que, a nosso ver, incorretamente) estar perante questão nova, o que significa, ainda assim, que não deixou de pronunciar-se sobre a mesma, pelo que não ocorre a alegada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

E o mesmo vale dizer quanto à alegada falta de fundamentação de direito, na medida em que a Relação, agindo certamente ao abrigo do disposto no art. 663º, nº5 do CPC, justificou a sua total adesão aos fundamentos da decisão da 1ª instância, por considerar que os mesmos, do ponto de vista de aplicação do direito estavam corretos e não mereciam qualquer censura, o que tudo significa que fez seu todo o enquadramento jurídico contido na sentença apelada.   

  

Improcedem, por isso, as alegadas nulidades.



*



3.2.3. Mas a verdade é que, não obstante tudo isto, afigura-se-nos assistir alguma razão à ré, pois, na nossa maneira de ver, a questão da alegada impossibilidade de incluir a margem de lucro que o autor retiraria do negócio no montante a restituir ao autor, por via da declaração da nulidade do contrato de empreitada, não só não pode ser tida como “questão nova”, porquanto ela emergiu da solução jurídica dada ao presente litígio na sentença apelada, como não se nos afigura correta, do ponto de vista jurídico. 

É que declarada a nulidade do contrato de empreitada, por vício de forma, impõe-se, apenas e tão só, nos termos previstos no nº1 do art. 289º do C. Civil, determinar a restituição daquilo que tiver sido prestado pelo autor à ré – no caso o valor das obras realizadas até à data em que abandonou a obra e não pagas, por não ser possível a sua restituição em espécie -, tudo se passando como se o negócio não tivesse sido realizado.

Ora, o que aconteceu no caso dos autos foi que, apesar da sentença apelada ter também assim concluído, nela acabou-se por calcular o valor destas obras como se de um contrato válido se tratasse, considerando-se, para tanto, que:

« Efetivamente, provou-se que o preço ajustado entre as partes, foi no montante de € 375.000  para cada vivenda a construir nos lotes 21-A e 23-A (montante esse acrescido do IVA à taxa legal em vigor), que a R., por conta da vivenda que estava a ser construída  no lote 21-A entregou ao longo da execução dos trabalhos  a quantia global de € 337.00, sendo que o A. não acabou totalmente os trabalhos que propunha fazer no lote 21-A, face aos desentendimentos que surgiram por falta da pontualidade nos pagamentos faseados, ficando por executar trabalhos incluídos no orçamento inicial no montante  de € 20.840,00, acrescidos de IVA.

Mais se provou que por conta dos trabalhos executados no lote 23-A, a R. entregou à medida que a obra ia sendo construída a quantia global de € 187.00 e que o A. também no lote 23-A. não acabou a obra face aos desentendimentos que surgiram por falta da pontualidade nos pagamentos faseados, ficando por executar trabalhos incluídos no orçamento inicial no montante de € 69.740,00, acrescido de IVA.

Assim, do lote 21-A, dos €375.000 acordados foram pagos 337.000, ficando por entregar ao A. € 38.000. Descontado deste valor o dos trabalhos que o autor reconheceu não ter realizados, € 20.840, obtém-se o valor de € 17.160, que se considera ser o devido pelos trabalhos efetuados no lote 21-A.

Quanto ao lote 23-A, dos 375.000 acordados foram pagos € 187.000, ficando em falta €188.000. Descontado deste valor o dos trabalhos que o A. reconheceu não ter realizado, € 69.740, obtém-se o valor de € 118.260, que se considera ser o devido pelos trabalhos efetuados no lote 23-A.

Note-se ainda que também se não provou que, para além dos montantes não entregues ao A., a R. ainda reteve ao longo dos pagamentos que foram feitos ao mesmo, a quanta de € 7.800,00 como garantia de boa execução dos trabalhos, quantia essa que nunca entregou ao A. até à presente data.

Assim, somando os três valores acima referidos (€ 17.160 + 118.260 + 7.800), obtém-se o total de € 143.220 (cento e quarenta e três mil, duzentos e vinte euros), que será o valor dos trabalhos efetuados pelo A. e não pagos pela R.. A este valor há de acrescer o do IVA, à taxa de 23% nos termos do art. 18º, nº1, al. c) do Código do IVA (no montante de € 32.940,60)».


E, com base neste cálculo, concluiu-se que «a obrigação de suportar o custo do trabalho realizado pelo A., a título de restituição decorrente  da nulidade do contrato de empreitada deve recair  sobre o valor acima referido, de € 143.220, acrescido de IVA » e decidiu  julgar parcialmente procedente a presente ação e condenar  a ré «  a  pagar ao autor a quantia de € 143.220 (cento e quarenta e três mil, duzentos e vinte euros), acrescida de IVA, à taxa de 23%, nos termos do artº 18º, nº 1, c) do Código do IVA (no montante de € 32.940,60) ».


Verifica-se, assim, ter o acórdão recorrido acolhido uma metodologia que, no fundo, tem como pressuposto a celebração válida do contrato de empreitada, e que, por partir do preço ajustado para a construção das duas moradias, inclui  a margem de lucro  que o autor retiraria do negócio caso este fosse considerado válido, para além de ser acrescido de  IVA, que no caso julgamos não ser devido.

Afigura-se-nos, por isso, que a metodologia seguida pelas instâncias, para além de se revelar contraditória com o regime por nós defendido em matéria probatória, não se mostra conforme com o regime da nulidade do contrato definido no citado art. 289º.

Com efeito, o que resulta do disposto neste artigo, conjugado com a matéria de facto dada como provada, é apenas e tão só que deve ser restituído ao autor o valor das obras por ele realizadas em cada uma das ditas moradias, à data em que abandonou a obra e que não chegaram a ser pagas pela ré, acrescido do valor de € 7.800,00, retido pelo ré.

Excluídos desta restituição fica o valor correspondente ao IVA e ainda, tal como decidiram as instâncias, qualquer valor relativo a “trabalhos adicionais”.

Todavia e ante a impossibilidade de determinar o valor daquelas obras, impõe-se, nos termos do disposto no art. 609º, nº 2 do CPC, relegar para posterior liquidação, o apuramento do seu valor que não poderá ultrapassar o valor de € 17.160,00, relativamente ao lote 21-A, e o valo de € € 118.260, 00, quanto ao lote 23-A.


Termos em que procedem apenas parcialmente as razões da recorrente. 



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IV – Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em conceder parcial provimento à revista e, revogando parcialmente o acórdão recorrido, em julgar parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenar a ré, BB, Ldª, a restituir ao autor, AA, a quantia de € 7.800,00 bem como o valor das obras por ele realizadas em cada uma das ditas moradias, localizadas nos lotes 21-A e 23-A, à data em que abandonou a obra e que não foram pagas pela ré, que vierem a ser apurados em ulterior liquidação mas que não poderão exceder o valor de € 17.160,00, relativamente ao lote 21-A, e o valor de € € 118.260, 00, quanto ao lote 23-A.

Sobre a referida quantia de € 7800.00, são devidos juros de mora desde o trânsito em julgado do presente acórdão até efetivo e integral pagamento.

As custas da ação e dos recursos ficam a cargo do autor e da ré na proporção do vencido.



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Supremo Tribunal de Justiça, 16 de maio de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relator)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Atualmente regulada na Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho.
[3] Neste sentido, Vaz Serra, in, RLJ, 113º, pág. 147.
[4] Neste sentido, Carlos Alberto Mota Pinto, in “ Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed. Atualizada, pág. 610.
[5] Acessível in www dgsi.pt/stj. 
[6] In “ Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed. Atualizada, pág. 436.
[7] Neste sentido, vide, entre muitos outros,  Acs.. do STJ, de 10.5.1973, in, BMJ, n.º 228º, pág. 259 e de 15.3.1974, in, BMJ, n.º 235, pág. 152.