Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
150/10.5JB​LSB-CA.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HABEAS CORPUS
PENA DE PRISÃO
PRISÃO ILEGAL
LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 10/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDA A PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / PENA DE PRISÃO / LIBERDADE CONDICIONAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL - EXECUÇÃO DAS PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL E EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO.
Doutrina:
- J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Artigos 1.º a 107.º, 4.ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, 508, 510.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, (CEPMPL): - ARTIGOS 173.º, 176.º, 179.º, 180.º, N.º1, 182.º (NA VERSÃO DA LEI N.º 115/2009, DE 12-10),188.º-A, 188.º-B, 188.º-C.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 219.º, N.º2, 222.º, N.ºS 1 E 2, 223.°, N.º 1, IN FINE,N.º4, AL. A), 467.º, 468.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 27.º, N.º131.º, N.º1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 61.º, 62.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 24/09/2003, PROC. N.º 571/03.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26/10/2000, PROC. N.º 3310/00; 25/10/2001, PROC. N.º 3551/01; 24/10/2001, PROC. N.º 3543/01; 01/02/2007, PROC. N.º 350/07; 03/05/2007, PROC. N.º 1594/07;
-DE 29/05/2002, PROC. N.º 2090/02 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 20/12/2006, PROC. N.º 4705/06 - 3.ª SECÇÃO,
-DE 24/10/2007, PROC. N.º 3976/07, E DE 04/02/2009, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 325/09
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ACÓRDÃO N.º 14/2009, IN DIÁRIO DA REPÚBLICA, N.º 226, SÉRIE I, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2009.
Sumário :

I - Não é o mero pressuposto aritmético-formal de cumprimento de uma parte da pena que impõe necessariamente a libertação do condenado, embora tal pressuposto desencadeie obrigatoriamente a apreciação da concessão da liberdade condicional (art. 61.º, n.ºs 2 e 3, do CP). Ainda que o período de adaptação à liberdade condicional previsto no art. 62.º, do CP possa ser concedido a partir de um ano antes de o condenado perfazer metade, dois terços ou cinco sextos da pena, com o limite de cumprimento efectivo de um mínimo de 6 meses de prisão, tal só é possível desde que verificados os restantes pressupostos, como resulta dos arts. 62.º e 61.º, n.º 2, do CP.

II - A providência do habeas corpus como providência extraordinária que é, não se destina a sindicar as decisões judiciais ou decidir sobre os termos de cumprimento da pena, ou seus incidentes, e não é o critério do recorrente, que define a liquidação da pena, ou, a sua interpretação, sobre o modo e termos legais do seu cumprimento. Um acto processual destinado a produzir efeitos jurídicos no processo, sem prejuízo da discussão e decisão que aí possa suscitar e, do direito ao recurso, quando admissível, só pode desencadear a providência extraordinária de habeas corpus se gerar consequência que integre um dos pressupostos constantes do art. 222.º, n.º 2, do CPP.

III - A pena de prisão em cujo cumprimento o ora peticionante se encontra resulta de decisão válida e exequível e tem força executiva em todo o território nacional (arts. 467.º e 468.º, do CPP). Ainda não tendo decorrido o prazo de cumprimento da pena em que o requerente actualmente se encontra, não pode o mesmo ser restituído à liberdade, porque se encontra preso, por ordem judicial, em cumprimento de pena em que foi condenado, não tendo ainda decorrido os 5/6 da pena, pelo que não se prefigura a existência dos pressupostos de concessão da providência de habeas corpus.
Decisão Texto Integral:

     

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               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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Nos autos de processo comum com o nº 150/10.5JB​LSB, do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, Instância Central, 1ª Secção Criminal, Juiz 2, vem o condenado AA, recluso no E.P. da Carregueira, com os demais sinais dos autos, em petição manuscrita e assinada, requerer a concessão da providência extraordinária do "Habeas Corpus" com o fundamentos que se sintetizam, de que encontra-se detido ininterruptamente desde 9 de Março de 2012, e veio a ser condenado, nos referidos autos, na pena de seis anos e quatro meses de prisão e afastamento do território nacional por um período de dez anos. Porém, deve declarar-se ilegal a prisão e ordenar-se a sua libertação imediata, antecipando a execução acessória de expulsão, nos termos do artº 223º , nº 3, als B) C) e D) e do nº 2 al, B) do artº 188-A do CEPMPL, por estar preso para além dos prazos fixados por lei, pois nos termos do disposto no artº 62º do C.P,. a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada por um período máximo de um ano, sendo que quanto ao meio e aos dois terços da pena, tais datas já se mostram ultrapassadas.,

Alega:

“AA, cidadão romeno melhor identificado nos autos em epígrafe, foi condenado nos presentes autos, por acórdão de 01.08.2014, confirmada parcialmente pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.02.2015, transitado em julgado – “condicionalmente”.

Quanto ao condenado supra identificado, em 07.07.2015, foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão e na pena acessória de afastamento do território nacional pelo período de 10 (dez) anos.

Tendo sido detido no dia 09.03.2012 e, nesse seguimento, e após ter sido submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no dia seguinte foi sujeito a prisão preventiva, encontrando-se, assim, ininterruptamente detido desde a mencionada primeira data.

Excelência,

Muito respeitosamente vem pelo seu douto punho, pedir a providência de Habeas Corpus, e assim muito requer:

- Nos termos do nº2 da al. c) do artº 222º do C.P.P., está preso para além dos prazos fixados pela lei, conforme o nº 2 al. b) do artº 188º A do C.E.P.M.P.L. e da douta decisão judicial – Proc. nº 150/10.5JBLSB-CA Trib. Jud. Comarca de Lisboa – Inst. Central – 1ª Secª Criminal – Juiz 2 – V. Refe: 337675316” nos termos do disposto no artº 62º do C.P., a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada por um período máximo de um ano, sendo que quanto ao meio e aos dois terços da pena tais datas já se mostram ultrapassadas” Fls. 1044 – despacho.

O que faz nos termos e seguintes fundamentos:

O cidadão da nacionalidade romena, actualmente em reclusão no E.P. da Carregueira, está arrependido pelos seus actos ilícitos e pede perdão à República Portuguesa;

Concorda, na decisão da antecipação da execução da pena acessória de expulsão;

A liberdade do cidadão revela-se compatível com a defesa da ordem e da paz social, pois no seu país de origem – Roménia, o cidadão vai ingressar no núcleo familiar social e procurar ???? pelo facto de não querer incidir na prática de actos condenáveis e ilícitos;

Assim,

Do cômputo da pena, e com vista ao cumprimento da pena, indicam-se as seguintes datas:

-Início da pena – 09.03.2012;

-1/2 (metade) do cumprimento da pena (três anos e dois meses) – 09.05.2015;

E,

Nos termos do disposto no artº 62º do C.P., a convocação em liberdade condicional pode ser antecipada por um período máximo de um (1) ano;

Sendo que:

Quanto ao meio e aos dois terços da pena, tais datas já se mostram ultrapassadas conforme douto despacho:

“…, sendo que quanto ao meio e aos dois terços da pena tais datas já se mostram ultrapassados”.

Trib. de Lisboa – Inst. Central – 1ª Secção Criminal – Juiz 2, V. despacho: 337675316 -Fls. 1044.

Nestes termos,

O cidadão tem toda a legitimidade para requerer:

Habeas Corpus em virtude de se encontrar preso ilegalmente, pois a sua prisão mantem-se para além dos prazos fixados pela Lei, e por decisão judicial do: Trib. Jud. Lisboa –Inst. Central – 1ª Secção – Criminal -2:

Assim.

Pelo seu douto punho formula o pedido perante V.Exª., no gozo dos seus direitos, pois está ou a sua reclusão à data funda-se em ilegalidade de prisão preventiva de:

- Mantem-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial, al. c), nº2 – artº 222º do C.P.P.

Nestes termos e fundamentos de facto e de direito requer, e:

Solicita que se proceda à ordem do STJ, às competentes averiguações da legalidade da prisão, mandar apresentar o preso no Tribunal competente no prazo de vinte e quatro horas, apreciar e declarar ilegal a prisão e ordenar a libertação imediata do cidadão, antecipando a execução acessória de expulsão, nos termos do artº 223º, nº 3 als. b), c), d) e do nº 2 al. b) do artº 188  A  C.E.P.M.P.L.?

O Habeas Corpus constitui uma providência excepcional, com assento constitucional – artº 31º C.R.P., destinado a garantir a liberdade individual contra os abusos de poder derivados da prisão ilegal. Destina-se, sim, a indagar da legalidade da prisão, de forma a pôr termo imediato às situações de ilegalidade manifesta directamente identificáveis a partir dos elementos de facto contidos nos autos.

Nestes termos e nos melhores de direito, muito respeitosamente, se requer a V.Ex.ª, que seja feita a devida Justiça!

Pede respeitosamente e espera deferimento.

AA

2015.10.06 “


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Foi prestada a informação a que alude o art° 223.°, n.º 1, in fine, do C.P.P. no sentido de que “o referido arguido encontra-se em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada nestes autos”


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Apresentados e distribuídos os autos neste Supremo Tribunal, acompanhados dos necessários elementos, convocou-se oportunamente a respectiva Secção Criminal e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.

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A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública.

O artigo 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

“Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito á liberdade”.(JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira,  CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1ºa 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508)

É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.

Atenta a natureza extraordinária da providência, para que o exame da situação de detenção ou prisão reclame petição de habeas corpus, há que se deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2003, proc. nº 571/03)

“Este abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas restritivas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrárias ou gravosas.” (J.J. Canotilho e V. Moreira, ibidem)

         A providência de habeas corpus, enquanto remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. (Ac. de 20-12-2006, Proc. n.º 4705/06 - 3.ª)

Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (cf..Ac. do STJ de 29-05-02, Proc. n.º 2090/02- 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).

Aliás, resulta do artigo 219º nº 2 do CPP, que mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas de coacção legalmente previstas, inexiste relação de dependência ou de caso julgado entre esse recurso e a providência de habeas corpus, independentemente dos respectivos fundamentos.

Com efeito, a excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação.

Como referem JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, (ibidem,. P. 508) “(…) o habeas corpus vale em primeira linha contra o abuso do poder por parte das autoridades policiais, designadamente  das autoridades de polícia judiciária; mas não é impossível conceber a sua utilização como remédio contra o abuso de poder do próprio juiz, em substituição da via normal do recurso ou em caso de inexistência de recurso.”

E escrevem os mesmos autores (ibidem, v, p. 510): “(…)(1) a providência do habeas corpus é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de acção cautelar e de recurso judicial. (…)”

Em suma:

A previsão - e precisão - da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação directa, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável.


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O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1, que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus.
Contudo, nos termos do nº 2 do preceito, esta providência “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;


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O peticionante alega que se encontra em prisão ilegal, por excesso de prazo, acolhendo-se  à alínea c) do art. 222º do CPP.

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Dos elementos constantes dos autos, sintetizados na informação judicial prestada nos termos do art. 223º nº 1 do CPP. resulta que.

- O arguido AA foi detido no âmbito dos presentes autos no dia 09.03.2012;

- Foi presente a primeiro interrogatório judicial no dia 10.03.2012, tendo, por despacho da mesma data, lhe sido aplicada a medida de prisão preventiva em virtude de se mostrar indiciada a prática pelo mesmo de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art° 299°, nºs 1 e 3, do C. Penal, e de cinco crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art°s 203° e 204° do C. Penal - (Cfr. despacho de fls 6745 a 6763);

- Tal medida de prisão preventiva foi sendo reexaminada e mantida nos termos previstos no art° 213°, n° 1, do C.P.P.;

           - Em 18.07.2012 foi proferido despacho atribuindo excepcional complexidade aos presentes autos - (Cfr. despacho de fls 10682 a 10684);

- Acusado e pronunciado por diversos crimes, veio o arguido AA a ser julgado, tendo sido condenado, por decisão já transitada em julgado, pela prática, em co-autoria material e concurso real, de:

• 1 crime de associação criminosa, p. e p. no art. 299.°, n.ºs 1 e 3, do C.P., na pena de 2 (dois) anos de prisão;

• 1 crime de furto qualificado, p. e p. nos arts. 203.°, n.º 1, 204.º, n.º 2, aIs. a) e e) com referência ao art. 202.°, aIs. b) e d) todos do C.P. (NUIPC 1334/11.4PBLSB), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• 1 crime de furto qualificado, p. e p. nos arts. 203.°, n.º 1, 204.º, n.ºs 1, aI. a), 2, al.  e) com referência ao artº 202.°, aIs. a) e d) todos do C.P. (NUIPC 1394/11.8PBLSB), na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;

• 1 crime de furto qualificado, p. e p. nos artºs.  203.°, n.º 1, 204.°, n.ºs 1, aI. a), 2, aI. e) com referência ao art. 202.°, aIs. a) e d) todos do C.P. (NUIPC 2372/11.2PSLSB), na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;

• 1 crime de furto qualificado, p. e p. nos arts. 203.°, n.º 1, 204.°, n.º 2, aI. e) com referência ao art. 202.°, aI. d) todos do C.P. (NUIPC 38/12.5PCOER), na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;

• E, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos e 4 (Quatro) meses de prisão;

• O arguido foi ainda condenado na pena acessória de afastamento do território nacional pelo período de 10 (dez) anos.

- No seguimento de pedido de habeas corpus formulado pelo arguido AA, que veio a ser indeferido, proferiu o Supremo Tribunal de Justiça em 20.05.2015 decisão no sentido de considerar que, não tendo o mesmo interposto recurso da decisão de primeira instância, se formou caso julgado resolutivo quanto ao mesmo, encontrando-se assim tal arguido, preso ininterruptamente desde 09.03.2012, em cumprimento de pena, sem prejuízo de poder vir a beneficiar da decisão que viesse a ser proferida pelo STJ.

            - Nesse acórdão do STJ, de 20.05.2015, se explicitou:

           “Entende ele [o recorrente] que se encontra em prisão preventiva, medida essa cujo prazo máximo estaria ultrapassado desde 9.5.2015, atendendo a que foi condenado em 6 anos e 4 meses de prisão e que o art. 215°, n° 6, do CPP dispõe que, no caso de a pe¬na fixada em 1 a instância ter sido confirmada em sede de recurso, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade dessa pena.

Acontece, porém, que o requerente não está em prisão preventiva, mas sim em cumprimento de pena.

Na verdade, ele não interpôs recurso do acórdão da Relação, nem aliás esse recurso seria admissível, por força da aI. f) do n° 1 do art. 400° do CPP.

Por isso, esse acórdão deve considerar-se, quanto a ele, transitado em julgado. Não obsta ao trânsito o facto de ele poder vir a beneficiar, ao abrigo do art. 402°, nO 2, a), do CPP, da decisão a proferir neste Supremo Tribunal.

É que, nessas situações, forma-se caso julgado resolutivo sobre a decisão proferida, o que significa que o caso julgado se forma a partir do trânsito, sem prejuízo de a decisão poder vir a ser alterada na estrita medida em que tal for determinado pela decisão superveniente.

Consequentemente, há que concluir que o requerente se encontra na situação de cumprimento da pena de 6 anos e 4 meses de prisão em que foi condenado, cujo termo só ocorrerá em 9.7.2018.”

           

- Em face disso, procedeu-se à liquidação da pena de prisão ao mesmo aplicada, liquidação que consta de fls 1043/44 e 1046/7 do Apenso BT, homologada por despacho de 15 de Julho de 2015, da qual resulta que o meio da pena ocorreu em 09.05.2015, os 2/3 da pena ocorreriam em 29.05.2016, os 5/6 da pena teriam lugar em 19.06.2017 e, o termo da mesma pena, em 09.07.2018.

- Entretanto transitou definitivamente em julgado – em 7 de Julho de 2015 - a referida condenação do arguido AA, tendo os autos baixado à 1ª Instância em 02.10.2015.


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            O que tudo visto:

A lei substantiva – Código Penal -, na secção IV do capítulo II do título III do livro I, refere-se à liberdade condicional, sobre os seus pressupostos e duração (artº 61º), adaptação à liberdade condicional (artº 62º); liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas (artº 63º) e regime da liberdade condicional (artº 64º).

Os pressupostos e duração de aplicação da liberdade condicional constam do artº 61º do Código Penal (CP), cujo nº 4 refere “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”, seguindo-se o nº 5 que diz:”Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falta cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”

            Nos termos do artº 62ºdo CP, sobre Adaptação à liberdade condicional :

Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no artigo anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

O art 173.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, (CEPMPL) relativamente á instrução do processo de concessão de liberdade condicional, determina o seu início: “Até 90 dias antes da data admissível para a concessão de liberdade condicional, […]”- vide nº 1 do preceito - sendo que nos termos do nº2 – “A instrução deve estar concluída até 60 dias antes da data admissível para a concessão da liberdade condicional.” 

 

O recluso é sempre ouvido nos termos do artº 176º do CEPMPL, e da decisão sobre ela pode haver recurso, conforme art. 179.º do CEPML que estabelece:

“1 - O recurso é limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional.

2 - Têm legitimidade para recorrer o Ministério Público e o recluso, este apenas quanto à decisão de recusa da liberdade condicional”

O artº 182.º do CEPMPL, na versão da Lei n.º 115/2009, de Outubro, incidia sobre a substituição da liberdade condicional pela execução da pena acessória de expulsão, determinando:

“1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o tribunal de execução das penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos dois terços da pena de prisão.

2 - O tribunal de execução das penas pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, em substituição da concessão de liberdade condicional, logo que julgue preenchidos os pressupostos desta.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, são seguidos os trâmites previstos na presente subsecção, devendo o consentimento do recluso abranger a substituição da eventual concessão da liberdade condicional pela execução da pena acessória de expulsão.

4 - A decisão que determine a execução da pena de expulsão é notificada às entidades referidas no n.º 3 do artigo 177.º e ainda ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

5 - O recurso interposto da decisão que decrete a execução da pena acessória de expulsão tem efeito suspensivo e reveste natureza urgente, nos termos do artigo 151.º”

Este normativo foi revogado pela Lei nº 21/2013, de 21 de Fevereiro (a qual procedeu à terceira alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, e alterado pelas Leis n.ºs 33/2010, de 2 de Setembro, e 40/2010, de 3 de Setembro.

Foram aditados ao CEPML vários artigos, entre os quais o artº 188--A sobre a Execução da pena de expulsão, que apenas dispõe.

“1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:

a) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas;

b) Cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.

2- O juiz pode, sob proposta e parecer fundamentado do diretor do estabelecimento prisional, e obtida a concordância do condenado, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que:

a) Cumprido um terço da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprido um terço das penas;

b) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas.

3 - Independentemente de iniciativa do diretor do estabelecimento prisional, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, solicita o parecer fundamentado ao diretor do estabelecimento.”

Por sua vez, dispõe o  artº 188.º-B do mesmo diploma sobre “Audição do recluso e decisão”:

“1 - Recebida a proposta ou parecer do diretor do estabelecimento prisional, o juiz designa data para audição do condenado, em que devem estar presentes o defensor e o Ministério Público.

2 - O juiz questiona o condenado sobre todos os aspetos relevantes para a decisão em causa, incluindo o consentimento para a execução antecipada da pena acessória de expulsão, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor para, querendo, requererem ao juiz a formulação de perguntas ou oferecerem as provas que julgarem convenientes, decidindo o juiz, por despacho irrecorrível, sobre a relevância das perguntas e admissão das provas.

3 - Não havendo provas a produzir, ou finda a sua produção, o juiz dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor para se pronunciarem sobre a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, após o que profere decisão verbal, decidindo a expulsão quando esta se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

4 - A audição do condenado, as provas produzidas oralmente e a decisão são documentadas mediante registo audiovisual ou áudio, ou consignadas no auto quando aqueles meios técnicos não estiverem disponíveis.

5 - O dispositivo é sempre ditado para a ata. “

Dispõe ainda o art. 188.º-C do CEPMPL: sobre “Notificação da decisão e recurso “

“1 - A decisão que determine ou recuse a execução da pena de expulsão é notificada ao condenado, ao defensor e ao Ministério Público.

2 - A decisão que determine a execução da pena acessória de expulsão, após trânsito em julgado, é comunicada aos serviços prisionais, aos serviços de identificação criminal, através de boletim de registo criminal, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e demais serviços ou entidades que devam intervir na execução da medida.

3 - A requerimento do condenado ou do Ministério Público, é sempre entregue cópia da gravação ou do auto no prazo máximo de 48 horas.

4 - O recurso interposto da decisão que decrete ou rejeite a execução da pena acessória de expulsão é limitado à questão da concessão ou recusa da execução da pena acessória de expulsão.

5 - Têm legitimidade para recorrer o Ministério Público e o condenado.

6 - O recurso tem efeito suspensivo e reveste natureza urgente, nos termos do artigo 151º”

 

Do exposto resulta que a exequibilidade ou execução da expulsão implica um processo, um conjunto de actos judiciais, e embora a final seja proferida decisão verbal, decidirá a expulsão quando esta se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Não consta a existência de decisão de execução de expulsão.

Por outro lado, não é o mero pressuposto aritmético-formal de cumprimento de uma parte da pena que impõe necessariamente a libertação do condenado, embora tal pressuposto desencadeie obrigatoriamente a apreciação da concessão da liberdade condicional (v. nºs 2 - corpo do preceito - e 3  do artº 61º do C.Penal).

Para que a liberdade condicional seja possível, há sempre dois pressupostos de natureza substancial, legalmente verificáveis ou procedentes e, obrigatórios, constantes das seguintes alíneas do nº 2 do citado artº 61º:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

            b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e paz social.

           O que supõe legal e necessariamente a averiguação da verificação concreta de tais  pressupostos,  com vista a decisão de concessão ou não da liberdade condicional.

            Ainda que a o período de adaptação à liberdade condicional previsto no artº 62º do CP possa ser concedido a partir de um ano antes de o condenado perfazer metade, dois terços ou cinco sextos da pena, com o limite de cumprimento efectivo de um mínimo de 6 meses de prisão, tal só é possível desde que ”verificados os restantes  pressupostos”, como resulta do atº 62º e 61º nº 2 do C.P. e Acórdão deste Supremo Tribunal, nº 14/2009, in Diário da República, nº 226, Série I, de 20 de Novembro de 2009.

Aliás,  o artº 180.º do CEPML contempla a “Renovação da instância” determinando no nº 1::

“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 61.º do Código Penal, nos casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano, a instância renova-se de 12 em 12 meses a contar da data em que foi proferida a anterior decisão.”

Não consta a existência de decisão sobre apreciação de colocação do requerente em liberdade condicional.

O requerente encontra-se em cumprimento de pena de prisão, como aliás ele próprio reconhece, sendo que o meio da pena ocorreu em 09.05.2015, os 2/3 da pena ocorreram em 29.05.2016, os 5/6 da pena terão lugar em 19.06.2017 e, o termo da mesma pena, em 09.07.2018.

A providência do habeas corpus como providência extraordinária que é, não se destina a sindicar as decisões judiciais ou decidir sobre os termos de cumprimento da pena, ou seus incidentes, e não é o critério do recorrente, que define a liquidação da pena, ou, a sua interpretação, sobre o modo e termos legais do seu cumprimento.

Como remotamente já decidiam os acórdãos deste Supremo e desta Secção, de 24 de Outubro de 2007, proc. 3976/07, e de 4 de Fevereiro de 2009, proferido nos autos 325/09,). - O habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões – para isso servem os recursos ordinários - mas tão só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou, erro grosseiro) enquadrável no disposto das três alíneas do nº 2 do artº 222ºdo CPP.,

Com efeito, um acto processual destinado a produzir efeitos jurídicos no processo, sem prejuízo da discussão e decisão que aí possa suscitar e, do direito ao recurso, quando admissível, só pode, porém, desencadear a providência extraordinária, de habeas corpus, se gerar consequência que integre um dos pressupostos constantes do artigo 222º nº 2 do Código de Processo Penal.

Por outro lado, como é jurisprudência consolidada deste Supremo, além dos fundamentos taxativamente previstos no nº 2 do artº 222º do CPP, para que possa colher o pedido de habeas corpus, é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é necessário apreciar aquele pedido: incompetência da entidade donde partiu a prisão [art. 222.º, al. a)], motivação imprópria [al. b)] e excesso de prazos [al. c)]. – v.g  desde logo, entre outros, acórdãos de: 26-10-00, proc. n.º 3310/00; 25-10-01, proc. n.º 3551/01; 24-10-01, proc. n.º 3543/01; 01-02-2007, Proc. n.º 350/07; 03-05-2007, proc. n.º 1594/07;

O habeas corpus, é assim e, apenas, um meio extraordinário de controlo da legalidade actual da prisão, estritamente vinculado aos pressupostos e limites determinados pela lei.


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O Código de Processo Penal no título II do Livro X, trata da execução da pena de prisão.

Ao Ministério Público compete promover a execução das penas e ao tribunal competente para a execução decidir as questões relativas à execução das penas e medidas de segurança e à extinção da responsabilidade, conforme artº 473º e 474º do CPP..

A Constituição Política da República Portuguesa no artº 27º nº 1, permite a privação da liberdade, entre outras situações, “em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.”

A pena de prisão em cujo cumprimento o ora peticionante se encontra resulta de decisão válida e exequível e tem força executiva em todo o território nacional (artºs 467º e 468º do CPP).

“Os presos são libertados por mandado do juiz, no termo do cumprimento da pena de prisão ou para início do período de liberdade condicional.”- artº 480º nº 1 do CPP.

A contagem da pena de prisão obedece ao disposto no artº 479º do CPP.

A liquidação da pena não foi impugnada, tendo o despacho que a homologou transitado em julgado.

Ainda não tendo decorrido o prazo de cumprimento da pena, em que o requerente actualmente se encontra não pode assim ser restituído à liberdade, porque se encontra preso, por ordem judicial, em cumprimento da pena supra referida, em que foi condenado, não tendo ainda decorrido os 5/6 da pena, que só ocorrerão em.19 de Junho de 2017.

     

Pelo exposto, sendo a prisão do peticionante ordenada por entidade competente, (a autoridade judiciária), por facto pelo qual a lei permite (cumprimento da pena de prisão em consequência de ilícitos criminais cometidos pelo condenado)) e mantendo-se a prisão dentro do prazo máximo da duração da pena, não se encontra o condenado em situação de prisão ilegal, não se prefigurando a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus, mormente o invocado pelo requerente.


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Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção -, em indeferir a petição de habeas corpus apresentada pelo condenado AA,, por falta de fundamento bastante, nos termos do artigo 223º nº 4 al. a) do CPP:

Tributam o requerente em 2 UC nos termos da tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Outubro de 2015

  Elaborado e revisto pelo relator

Pires da Graça

Raul Borges

Pereira Madeira