Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P1668
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA FLOR
Descritores: ROUBO
CRIME QUALIFICADO
CIRCUNSTÂNCIAS QUALIFICATIVAS
ARMA APARENTE
MODO DE VIDA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
MEDIDA DA PENA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: SJ200306180016683
Data do Acordão: 06/18/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T J LOUSADA
Processo no Tribunal Recurso: 391/02
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. No 1.º Juízo do Tribunal da Comarca de Lousada, o Ministério Público acusou em processo comum com intervenção do tribunal colectivo o arguido A, imputando-lhe a prática, em concurso real e como reincidente, de um crime agravado de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2.º, alínea f), do Código Penal, e de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Efectuado o julgamento, por acórdão do Tribunal Colectivo de 13 de Fevereiro de 2003, o arguido foi absolvido da prática do crime de sequestro e condenado, como reincidente, pela prática de um crime de roubo previsto e punido nos artigos 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.
II. Não se conformando com a decisão , o Ministério Público dela recorreu, formulando na motivação do recurso as seguintes conclusões:
1ª Os factos provados no douto acórdão em apreço implicam a condenação do arguido pela prática, como reincidente, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art° 210°, n°s 1 e 2, al. b) do Código Penal, com remissão para o art° 204°, n° 1, al. h) do mesmo diploma.
2ª Na verdade, está provado que o arguido se dedicava de forma habitual e reiterada à prática de assaltos, com vista à apropriação de bens alheios e sempre usando armas de fogo para melhor assegurar o êxito das suas condutas.
3ª Facto que qualifica o crime de roubo por dele se fazer modo de vida, visto que para o preenchimento de tal circunstância agravante do tipo legal não se exige que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de tais assaltos, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja factor determinante para que se possa concluir que disse também faz modo de vida.
4ª assim sendo e por outro lado, dado o elevado grau de culpa do arguido na comissão dos factos, o não menor grau de ilicitude da conduta, a circunstância de ter agido com dolo directo e intenso, as fortes exigências de prevenção especial atento o passado criminal do arguido e, as ainda maiores exigências de prevenção geral a assinalar neste tipo de ilícitos, impõe-se que ao arguido seja aplicada uma pena nunca a inferior a 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
5ª Sem prescindir e entendendo-se que, porque não expressamente mencionada na subsunção legal da conduta realizada na acusação a al. h) do n.º 1 do art° 204° do Código Penal, a qualificação jurídica acabada de referir se traduz numa alteração não substancial dos factos, deverá ser anulado o douto acórdão ora em crise, que não o julgamento legalmente realizado, remeter-se o processo para a 1ª instância e seguir-se a tramitação processual prevista no art° 358° do Código de Processo Penal.
6ª Caso não colha a interpretação jurídica que vimos realizando e se considere que os factos provados no douto acórdão proferido integram apenas a comissão pelo arguido de um crime de roubo, p. e p. pelo art° 210°, n° l do Código Penal, atentos todos os factores definidos no art° 71° e referenciados no ponto 4° da conclusão, deverá ser revista a pena aplicada ao arguido no acórdão em crise, aplicando ao mesmo uma pena não inferior a 6 (seis) anos de prisão.
7ª Ao decidir pela forma plasmada no douto acórdão proferido a fls.307 e ss., violou o Exm° Tribunal Colectivo o disposto no art° 210°, n° 1 e n° 2 al. b), art° 204°, n° 1, al h) e 71° do Código Penal e, caso se entenda que os factos dados por provados configuram uma alteração dos descritos na acusação no que tange à sua qualificação jurídica, violou também o disposto no art° 358° do Código de Processo Penal.
Nesta conformidade, concedendo-se provimento ao recurso ora interposto pelo Ministério Público e alterando-se o douto acórdão proferido nos autos no que tange à qualificação jurídica dos factos provados e aplicando-se ao arguido uma pena de prisão não inferior a 9 anos e 6 meses de prisão, ou anulando-se o douto acórdão proferido e ordenando-se o cumprimento do art° 358° do Código de Processo Penal, ou ainda, sem prescindir, condenando o arguido como autor de um crime de roubo na pena de 6 anos de prisão e não de 4 anos como foi definido no douto acórdão sob recurso, nos moldes explanados, V.ªs Exªs farão, como sempre, inteira justiça.
III. O arguido respondeu dizendo em síntese:
O arguido vinha acusado da prática do crime de roubo agravado em função da circunstância de trazer «no momento do crime, arma aparente e oculta», nos termos dos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal;
O recorrente pretende acrescentar à acusação aquilo que nela não se compreende, ou seja, que a o arguido já vinha acusado do crime de roubo agravado por disso fazer modo de vida o crime previsto no artigo 204.º, n.º 1, alínea h);
A acusação não faz referência a essa agravante nem indica a disposição legal respectiva;
Nem essa agravante ficou provada no acórdão;
Não está sequer em causa uma alteração não substancial dos factos;
O arguido não pode ser condenado pela forma agravada pretendida pelo recorrente, o que redundaria na violação dos princípios da legalidade e tipicidade, e das mais elementares regras de defesa;
No que se refere à medida concreta da pena, o acórdão também não merece censura;
Deve ser negado provimento ao recurso.
IV. Realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.
V. Do acórdão recorrido consta a seguinte decisão da matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
1. No início do ano 2002, o arguido atravessava uma fase de grandes dificuldades económicas e, por tal facto, resolveu realizar um assalto à agência de Lousada da "B", sita na Rua Eng° Amaro da Costa, com vista a passar a dispor dos meios financeiros que lhe permitissem fazer face a tais dificuldades, elaborando um plano em conformidade;
2. No desenvolvimento do mesmo, no dia 22 de Fevereiro de 2002, cerca das 12 horas, o arguido dirigiu-se para esta vila de Lousada conduzindo o veículo de marca "Volkswagen", modelo "Passat CL", com a matrícula "FM", e uma vez aqui chegado estacionou tal veículo em local não apurado;
3. Cerca das 12.25 horas, com o fito de analisar o espaço da agência
bancária, o movimento de clientes naquela ocasião, o número de funcionários presentes e respectiva localização, factores que poderiam condicionar a sua actuação, o arguido dirigiu-se ao interior da "B" e solicitou ao único funcionário que se encontrava presente, C, que lhe emprestasse uma caneta, ao que este acedeu;
4. Tendo observado e analisado todos os factos que pretendia, e sempre na execução do plano que previamente havia elaborado, o arguido, que usava um "blazer" em bombazina de cor creme com cotoveleiras em camurça de cor ligeiramente mais escura e transportava na mão uma pasta em nylon de cor azul, debruada a castanho, com fecho tipo «optilom», e que usava um bigode falso, esperou cerca de cinco minutos que o único cliente que se encontrava na referida agência bancária saísse e então voltou a entrar na "B" de Lousada;
5. Aí chegado, o arguido colocou a já descrita pasta azul que transportava em cima do balcão e do seu interior retirou um objecto em tudo semelhante a uma arma de fogo e, empunhou-o, apontando--o ao peito do funcionário C, dizendo-lhe "Mete o dinheiro da pasta, tudo o que tiveres aí";
6. O mencionado funcionário colocou todo o dinheiro que tinha na caixa em que trabalhava na pasta do arguido e, acto contínuo, este, por forma a confirmar que a caixa se encontrava já sem dinheiro, colocou as mãos na parte de cima e lateral do balcão e saltou para a parte interior do mesmo, área reservada aos funcionários da "B";
7. De imediato, retirou as notas e moedas que existiam numa outra caixa da agência bancária e ordenou novamente a C "Agora quero o filme de vídeo, vamos lá buscá-lo";
8. O "C" dirigiu-se então ao compartimento em que se encontrava tal aparelho, seguido do arguido, e retirou a cassete que realizava a gravação do movimento verificado no interior do Banco, entregando-a ao arguido como este lhe havia ordenado;
9. O arguido, por seu lado, simultaneamente retirou desse mesmo compartimento uns sacos que continham moedas de 50 cêntimos e um euro, que se encontravam guardadas numa caixa;
10. Na posse da aludida cassete de vídeo e do dinheiro, o arguido dirigindo-se ao C determinou-lhe que permanecesse naquele compartimento, senão lhe "estourava os miolos";
11. Acto contínuo o arguido abandonou o dita agência bancária, pondo-se em fuga, momento após o qual o C saiu do compartimento em que se encontrava;
12. Pela descrita forma, o arguido apoderou-se de Esc. 20.500$00 (vinte mil e quinhentos escudos) em notas do Banco de Portugal, ou seja, € 102,25, de uma cassete de vídeo, cujo valor ascende a cerca de 10 (dez) euros e de 3.341,60 euros (três mil, trezentos e quarenta e um euros e sessenta cêntimos), sendo que entre estas notas constavam cinco notas de 5 euros, com os números de série M 10828471756, M 10828471747, M 10828471738,M 10828471729 e M 10828471711;
13. Estas notas constituíam o "Isco Nacional" da agência de Lousada da "B". O "Isco Nacional" traduz-se em notas cedidas a esta instituição pela sua sede em Felgueiras, através do Tesoureiro, que individualizam apenas aquela instituição, cujas fotocópias existem no cofre da mesma agência em Felgueiras;
14. Os originais destas notas, existentes na agência que se destinam a identificar, não se destinam a ser entregues aos clientes, antes se mantendo na mesma instituição na perspectiva de permitir identificar o autor da prática de actos ilícitos contra a mesma;
15. Estas notas encontravam-se na caixa que não estava em funcionamento na ocasião e separadas de todas as demais quantias, dada a sua função específica, devidamente identificadas pelo funcionário que labora na respectiva caixa;
16. No total, o arguido apropriou-se de bens cujo valor global ascende a acerca de 3.453,85 euros (três mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), sem o consentimento e contra a vontade dos legítimos representantes da "B", agência de Lousada;
17. Entretanto, na execução de um mandado de busca emitido no decurso dos presentes autos, foram apreendidos na posse do arguido, mais concretamente na bagageira do veículo supra identificado que lhe pertence e que utilizava, os seguintes objectos:
uma pasta em nylon azul, com a inscrição "Bayer - Congress Service", que continha no seu interior a quantia de 2.715 euros (dois mil, setecentos e quinze euros), em 3 notas de 100 euros, 19 notas de cinquenta euros, 57 notas de 20 euros, 6 notas de 10 euros e 53 notas de 5 euros, sendo que cinco destas apresentavam os números de série M 10828471756, M 10828471747, M 10828471738, M 10828471729 e M 10828471711, ou seja constituíam o "Isco Nacional" da agência de Lousada da "B";
um telemóvel da marca "Siemens", modelo A 40, de cor preto e azul, comum cartão SIM da rede "Vodafone";
um talão de depósito da conta n° 001996730310001 do "Finibanco";
18. Por outro lado, no interior da habitação do arguido, sita na Rua Dr. Augusto Leite da Costa Faria, Ed. Brive, .... em Felgueiras, foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos:
45 notas de 10 euros;
um "blazer" em bombazina de cor beije, com cotoveleiras em pele de cor castanha;
195,70 euros em moedas;
18. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sempre na execução do plano por si previamente delineado, com intenção de fazer suas todas as quantias monetárias encontradas no interior da agência de Lousada da "B", assim como a cassete de vídeo que gravava as movimentações no interior da mesma e de a integrar no seu património, objectos esses de que se apoderou, não obstante saber que tais bens lhe não pertenciam e que actuava contra a vontade dos seus legítimos donos;
19. O arguido dedicava-se de forma habitual e reiterada à prática de assaltos, com vista à apropriação de bens alheios e sempre usando armas de fogo para melhor assegurar o êxito das suas condutas;
20. Tinha plena consciência de que todas as suas condutas eram proibidas e sancionadas por lei;
21. O arguido sofreu já as seguintes condenações em processos crime:
No processo comum colectivo n° 113/96 que correu os seus legais trâmites na 3.ª Vara Criminal do Porto, por douto acórdão proferido a 14 de Junho de 1996 e que transitou em julgado, foi o arguido condenado, para além do mais, na pena 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática em 4 de Outubro de 1995 de um crime de roubo, p. e p. pelo art.° 210°, n° 1, do Código Penal;
No processo comum colectivo n° 150/96 que correu os seus legais trâmites na 2.ª Vara Criminal do Porto, por douto acórdão proferido a 3 de Julho de 1996 e que transitou em julgado, foi o arguido condenado, para além do mais, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão maior pela prática em 13 de Setembro de 1995 de crime de roubo, p. e p. pelo art.° 210°, n° 1, Código Penal;
No processo comum colectivo n° 200/96, da 1.ª Vara Criminal do Porto, por douto acórdão proferido a 16 de Outubro de 1996 e que transitou em julgado, relativo a factos praticados em 21 de Setembro de 1995, foi o arguido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos art°s 306°, n°s 1 e 5, com referência ao art.° 297°, n° 2, al. g), do Código Penal de 1982, na sua versão originária;
No processo comum colectivo n° 211/96, da 2ª Vara Criminal do Porto, 2° Juízo, por douto acórdão proferido a 12 de Dezembro de 1996 e que transitou em julgado, relativo a factos praticados em 16 de Agosto de 1995, foi o arguido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática de crime de roubo, p. e p. pelo art.° 210°, n° 1, do Código Penal.
No âmbito deste último processo, o arguido acabou por ser condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
22. A pena global em que o arguido foi condenado foi declarada extinta por douta decisão de 20 de Fevereiro de 2002 e foi concedida a liberdade definitiva ao arguido;
23. Apesar de o arguido ter sofrido as supra descritas condenações, estas não constituíram suficiente reprovação e advertência para o mesmo evitar novas práticas delituosas;
24. O arguido confessou, ainda que parcialmente, os factos que lhe são imputados, tendo contribuído para a descoberta da verdade material;
25. O arguido, à data dos factos, havia iniciado a actividade de empresário há cerca de um mês, vivia na companhia de sua avó e partilhava a casa com um amigo;
26. O arguido tem recebido apoio familiar, tendo visitas no Estabelecimento Prisional, onde se encontra a laborar como responsável pela rouparia, pelo que aufere a remuneração de € 65;
27. O arguido diz-se arrependido.
FACTOS NÃO PROVADOS
1. O arguido estacionou o veículo automóvel referido em 2) dos factos provados na Rua Eng. Amaro da Costa, a cerca de 100 metros da agencia de Lousada da "B", sita naquela artéria;
2. O arguido, nas condições referidas em 5) a 10) dos factos provados, utilizou uma pistola cromada de pequenas dimensões, cujo calibre não foi possível apurar em concreto;
3. O arguido, nas condições referidas em 10) dos factos provados fechou a porta da divisão do Banco em que se encontravam, mantendo o C no seu interior, sem o seu consentimento e contra a sua vontade, e, dessa forma quis cercear a liberdade do C, mantendo-o enclausurado num espaço fechado, onde funcionava o sistema de vídeo vigilância;
4. O arguido utilizou uma arma de fogo para melhor assegurar o êxito das suas intenções;
5. O arguido agiu com a intenção concretizada de privar o ofendido C da sua liberdade, obrigando-o a dirigir-se para um compartimento fechado das instalações da "B" e posteriormente aí o enclausurando, impedindo-o de abandonar tal espaço.

VI. As conclusões da motivação do recurso fixam o objecto deste, pelo que, como resulta das mesmas, as questões a decidir são as seguintes:
Determinar se, face aos factos provados, o arguido deve ser condenado pela prática, como reincidente, de um crime de roubo agravado previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência ao artigo 204.º, n.º 1 alínea h), do mesmo diploma, com aplicação da pena de 9 anos e 6 meses de prisão;
Se se entender que essa qualificação jurídica se traduz numa alteração não substancial dos factos, determinar se o acórdão recorrido deve ser anulado para cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código Penal;
Caso se mantenha a qualificação jurídico-penal dos factos constante do acórdão recorrido, determinar se a pena deve ser agravada, fixando-se a mesma em medida não inferior a 6 anos de prisão.
VI.1 1.ª Questão
Está em causa saber se, face à matéria de facto provada, deve considerar-se verificada a circunstância qualificativa referida na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal e, consequentemente, se o arguido devia ter sido condenado pela prática de um crime de roubo agravado previsto e punido no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e não como autor de um crime de roubo simples, previsto e punido no artigo 210.º, n.º 1.
Atentemos nos dispositivos legais.
Estabelece o artigo 210.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, que é aplicável a pena de prisão de 3 a 15 anos pela prática do crime de roubo se se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
Interessam, no caso, as circunstâncias qualificativas referidas nas alíneas f) do n.º 2, e da alínea h) do n.º 1, do artigo 204.
A primeira consiste em o agente trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta. A segunda consiste em fazer da prática de furtos modo de vida.
A acusação fora deduzida pela prática de um crime de roubo qualificado pela circunstância referida na alínea f) do n.º 2, que o tribunal colectivo não deu como provada.
Sustenta o Ministério Público recorrente que, tendo-se provado o facto constante da acusação de que «o arguido dedicava-se de forma habitual e reiterada à prática de assaltos com vista à apropriação de bens alheios e sempre usando armas de fogo para melhor assegurar o êxito das suas condutas», devia o arguido ter sido condenado pelo crime de que vinha acusado, embora com remissão para outra alínea do artigo 204.º.
Salvo o devido respeito, afigura-se que não é legítima tal construção.
E por duas razões: por um lado, porque não é líquido que aquele facto preencha o requisito da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º; por outro, porque, tendo a acusação sido deduzida pela prática de um crime de roubo qualificado em função da verificação de uma determinada circunstância modificativa, não era lícito condenar pela prática de um crime de roubo qualificado por outra circunstância, a não ser com recurso ao mecanismo regulado no artigo 358.º do Código de Processo Penal, se fosse caso disso.
Quanto ao primeiro ponto, não se pode afirmar sem que subsistam incontornáveis dúvidas, que o referido facto considerado provado dedicar-se o arguido, de forma habitual reiterada à prática de assaltos com vista à apropriação de bens e sempre usando armas de fogo para melhor assegurar o êxito das suas condutas preenche aquela circunstância. Com efeito, trata-se uma formulação bastante sintética, em que o núcleo do facto é a habitualidade na prática do crime, não significando inequivocamente que o arguido fazia dela modo de vida, embora se reconheça que na realidade da vida os dois aspectos frequentemente coexistam e estejam interligados.
E, de forma concreta, o que se deu como provado foi que, anteriormente, entre 16 de Agosto e 4 de Outubro de 1995, o arguido cometeu 4 crimes de roubo, com recurso à utilização de armas de fogo, tendo sido condenado a uma pena única de 7 anos e 6 meses de prisão. Daí não se pode concluir, como parece evidente, que fazia da prática de crimes de roubo modo de vida.
Como refere o Prof. Faria Costa, em anotação ao artigo 204.º, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, pg. 70, exige-se de maneira insofismável que a prática de furtos corresponda a um modo de vida.
E a história do preceito inculca que o mesmo tem um sentido restritivo que aponta para a mesma conclusão.
Na redacção originária do Código Penal de 1982, dispunha o artigo 297.º, n.º 2, alínea e), que seria punido com prisão de 1 a 10 anos quem praticasse o furto «habitualmente ou fazendo da sua prática, total ou parcialmente modo de vida». Com a reforma de 1995 a circunstância correspondente passou a constituir a referida alínea h) do n.º 2 do artigo 204.º, com a actual redacção: «fazendo da prática de furtos modo de vida». Como refere o Dr. Maia Gonçalves no Código Penal Português, 14.ª edição, pg. 644, o texto da redacção da versão originária do Código era mais abrangente. E, a propósito de idêntica evolução em relação ao crime de burla qualificada, o mesmo autor refere, na obra citada, pg. 708, que a expressão o agente fizer da burla modo de vida tem um conteúdo menos abrangente que o da versão originária do Código alínea b) do artigo 314.º, que se referia à entrega habitual do agente à burla. Prevendo-se na redacção originária do Código, quanto ao crime de furto, a dicotomia da habitualidade e do modo de vida, e desaparecendo na redacção vigente a habitualidade, forçoso é concluir que esta só por si não integra a referida circunstância qualificativa.
E, se o Ministério Público, ao deduzir a acusação, a considerasse como tal, decerto a teria mencionado na qualificação jurídica dos factos, porventura com uma formulação diferente, que não deixasse lugar para dúvidas, a par da circunstância da alínea f) do n.º do n. 2, já que nenhuma razão existia para excluir aquela e mencionar apenas esta como circunstância do tipo legal agravado. Antes se impunha que o fizesse, dado que na alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º, do Código Penal, se estabelece, como elemento do crime, a verificação, singular ou cumulativa, de quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2.º do artigo 204.º.
Resulta do exposto que não se pode considerar provada a referida circunstância qualificativa do crime de roubo.
Abordemos o segundo ponto saber, no caso de se entender que se deve que considerar verificada a referida circunstância, se o tribunal colectivo podia condenar o arguido pela prática do crime de roubo qualificado sem accionar o mecanismo do artigo 358.º do Código de Processo Penal, se fosse caso disso.
Consideramos que tal não era possível.
Está em causa o direito do arguido a defender-se da imputação da prática de um crime que não corresponde em toda a plenitude ao constante da acusação.
Com efeito, a não imputação ao arguido de que a circunstância de fazer da prática de crimes de roubo modo de vida era modificativa do crime, convertendo, o crime de roubo simples num crime de roubo qualificado, a par da outra circunstância que afinal não se veio a provar, podia prejudicar seriamente a sua defesa.
As garantias de defesa dos arguidos e os princípios do acusatório e do contraditório, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição, não seriam nesses casos cabalmente assegurados.
O n.º1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal regula o procedimento a adoptar quando no decurso da audiência se verificar um alteração não substancial dos factos descritos na acusação com relevo para a decisão da causa. O n.º 3 manda aplicar o disposto no n.º 1 quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
O regime previsto no referido n.º 3, introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, estabelecendo o procedimento a adoptar nos casos de alteração da qualificação jurídica dos factos, confere claro suporte legal ao entendimento de que o tribunal colectivo não podia livremente condenar o arguido pela prática do crime de roubo qualificado com referência à mencionada circunstância, como se o relevo jurídico de agravação dos limites da pena inerente à mesma tivesse sido omitido na acusação apenas por lapso susceptível de correcção.
VI.2 2.ª Questão
Sustenta o recorrente que, a entender-se que a condenação do arguido pela prática do crime de roubo qualificado com referência à circunstância da alínea h) do n.º 2 do artigo 204.º, do Código Penal, envolve uma alteração não substancial da acusação, haveria que anular o acórdão do tribunal colectivo para cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.
O tribunal colectivo não condenou o arguido pela prática de um crime de roubo qualificado, considerando apenas verificado um crime de roubo simples, por falta de prova da circunstância qualificativa referida na acusação, não alterando a qualificação jurídica dos factos nela descritos, no sentido em que tal expressão é utilizada no artigo 358.º do Código de Processo Penal, na medida em que o crime de roubo simples representa apenas um minus em relação ao crime de roubo qualificado.
Entendendo-se, pelas razões expostas, que não se pode considerar verificada a circunstância qualificativa mencionada, e, consequentemente, que não se está perante uma alteração não substancial consistente em diversa qualificação jurídica dos factos, inexiste fundamento legal para anular o acórdão do tribunal colectivo e ser accionado o mecanismo do n.º 1, por força do n.º 3, do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
VI.3 3.ª Questão
Não havendo lugar à alteração da qualificação jurídico-penal dos factos, resta apreciar a questão da dosimetria penal.
O arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo simples, previsto e punido no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, como reincidente, na pena de 4 anos de prisão.
O recorrente sustenta, subsidiariamente às outras pretensões, que lhe deve ser aplicada uma pena não inferior a 6 anos de prisão, atendendo: ao elevado grau de ilicitude, face ao modo como preparou e executou o crime; à acentuada intensidade do dolo, na medida em que agiu com dolo directo e de forma muito intensa; às fortes necessidades de prevenção geral, dado que se assiste actualmente a uma enorme proliferação da ocorrência de factos ilícitos contra o património com banalização do recurso à violência; às fortes necessidades de prevenção especial, face à circunstância de no espaço de pouco mais de um mês, em 1975, ter praticado 4 crimes de roubo pelos quais foi condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, e, dois dias depois da declaração da extinção de tal pena pelo cumprimento, ter praticado factos subsumíveis ao mesmo ilícito penal, ao mesmo tempo que apresenta fortes carências de ressocialização e de necessidade de fidelização ao direito e às normas vigentes; à conduta anterior ao facto, revelada pelos seus antecedentes criminais; e à conduta posterior ao facto, por ter confessado apenas parcialmente a factualidade apurada, com pouco relevo para a descoberta da verdade.
Nesta parte assiste alguma razão ao recorrente.
A moldura penal prevista no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, é de prisão de 1 a 8 anos.
Considerando que o arguido deve ser considerado reincidente, ponto não questionado, por força do disposto no artigo 76.º, n.º 1, a pena deve ser fixada entre o mínimo de 1 ano e 4 meses e o máximo de 8 anos de prisão.
A determinação da medida da pena é feita segundo as regras estabelecidas no artigo 71.º, tendo presente que a mesma não pode ultrapassar a medida da culpa artigo 40.º, n.º 2.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, em Direito Penal Português, Parte geral, III, pg.128, propondo uma interpretação para o artigo 71.º, a determinação concreta da pena a aplicar está naturalmente condicionada pelos fins que o sistema jurídico lhes assinale e esses resultam hoje expressos no artigo 40.º: 1.º A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2.º Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A protecção dos bens jurídicos realiza-se através da prevenção, geral e especial.
No caso, tanto o grau de ilicitude como o de culpa são muito elevados.
Com efeito, o arguido planeou antecipadamente o crime e executou-o de forma a evitar que viesse a ser descoberto, usando um bigode falso e tendo tido o cuidado de ordenar ao funcionário do banco que retirasse do aparelho de vídeo a cassete de gravação do movimento verificado no interior do banco.
E, tendo sido condenado, por acórdão de 12 de Dezembro de 1996, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, que cumpriu, pela prática de 4 crimes de roubo no período de 16 de Agosto a 4 de Outubro de 1995, sendo-lhe concedida a liberdade definitiva por decisão de 20 de Outubro de 2002, com declaração de extinção da pena, dois dias depois cometeu o crime objecto destes autos.
A sua conduta anterior ao crime está manchada pela prática desses crimes e também pela circunstância de se ter provado que se dedicava de forma habitual e reiterada à prática de assaltos, com vista à apropriação de bens alheios e sempre usando armas de fogo para melhor assegurar o êxito das suas condutas.
O valor dos bens de que se apropriou foi de 3 453,85 euros.
Depõe a seu favor a circunstância da confissão parcial dos factos, com relevo para descoberta da verdade.
Havia iniciado a actividade empresário havia cerca de um mês, atravessando uma fase de grandes dificuldades económicas. E vivia na companhia de sua avó.
A circunstância de se ter considerado provado que «o arguido diz-se arrependido» não assume relevo atenuativo, pois isso não significa necessariamente que houve arrependimento. O que poderia relevar era o facto provado do arrependimento, com base nas declarações do arguido e/ou outros elementos de prova.
Na determinação da medida da pena deve atender-se às necessidades de prevenção geral e especial. Os crimes de roubo, pela sua frequência, são actualmente geradores de um sentimento geral de insegurança, pelo que não se justifica no caso um abrandamento das preocupações de prevenção geral. E a conduta do arguido, revelando alguma insensibilidade em relação à anterior condenação em pesada pena de prisão, e uma forte diluição do dever de respeitar valores fundamentais da sociedade, como o património alheio e a integridade física das pessoas, reclama uma firme ponderação dos fins de prevenção especial.
Considerando o que dito ficou e o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, tem-se por ajustada a pena de 5 anos de prisão.
Deste modo, o recurso deve proceder em parte.
VII. Nestes termos, julgando o recurso em parte procedente, condenam o arguido pela prática de um crime de roubo previsto e punido no artigo 410.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão.
Por ter decaído em parte na oposição ao recurso, condena-se o arguido a pagar 2 Ucs. de taxa de justiça.
São devidos honorários ao defensor nomeado nos termos da tabela legal.

Lisboa, 18 de Junho de 2003
Silva Flor
Franco de Sá
Armando Leandro
Virgílio Oliveira