Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12144/21.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: ADMISSIBILIDADE
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DIREITO DE RETENÇÃO
PRESSUPOSTOS
EMPREITEIRO
DONO DA OBRA
OBRAS
DESPESAS
DANOS
DIREITO REAL DE GARANTIA
DIREITO DE CRÉDITO
FISCALIZAÇÃO DE OBRA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
PERICULUM IN MORA
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Na interpretação que logrou posição maioritária na doutrina e na jurisprudência o empreiteiro goza de direito de retenção da obra se tiver um crédito contra o seu credor - dono da obra, a deve entregar a obra, se o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados, em conformidade com o disposto no art.º 754.º do código civil.

II. Estamos em face a um direito real de garantia, que é um direito real porque se exerce sobre uma coisa – o imóvel construído pela obra – e de garantia porque a sua génese está no direito de crédito cujo pagamento ele visa garantir.

III. A ligação genética do direito de retenção ao crédito que garante é de tal modo forte que aquele não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante, nos termos do disposto no art.º 760.º do código civil.

IV. Reter a coisa que deve ser entregue a coberto de um direito de retenção não é a mesma coisa que passar a ser seu possuidor com o correspondente desapossamento da coisa do dono da obra.

V. O dono da obra contra o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de empreitada tem os meios processuais adequados a forçar o cumprimento e até obter indemnização pelos danos que esse incumprimento lhe cause no âmbito do direito das obrigações, sendo inadequado o uso de meios processuais concebidos para acautelar o conteúdo de direitos reais de gozo e a posse que lhes possa estar subjacente.

VI. O dono da obra que tem o direito de fiscalizar a obra e sobre os imóveis onde ela se constrói tem poderes plenos inerentes ao seu direito de propriedade, se por actos do empreiteiro for impedido de fiscalizar a obra, ou de colocar nos imóveis bens que adquire, e, a urgência da situação o exigir poderá requerer em Procedimento cautelar comum que lhe seja garantido o acesso à obra para os indicados fins que se não confunde com entrega forçada da obra.

Decisão Texto Integral:
I – Relatório

I.1 – Questões a decidir

As empresas Requinte Executivo – Actividades Hoteleiras, S.A.. e Olhar Repousado – Actividades Hoteleiras, S.A., na qualidade de donos da obra, instauraram procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra Ferreira Construção, S.A., na qualidade de empreiteira, que foi decretada. A oposição à providência foi julgada improcedente e mantida a providência cautelar inicialmente decretada. Interposto recurso de apelação veio o Tribunal da Relação de Lisboa a julgar improcedente o pedido cautelar de restituição provisória de posse.

As requerentes, na qualidade de donos da obra, interpuseram recurso de revista desta decisão que foi admitido com fundamento no disposto no art.º 629º, n.º 2, a) e b) do Código de Processo Civil por estar invocada a ofensa de caso julgado e a contradição com dois acórdãos da Relação.
As recorrentes, na qualidade de donos da obra, requereram a revogação do acórdão recorrido, apresentando as correspondentes alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
I. Admissibilidade do recurso
1. Apesar de o artigo 370.º, n.º 2, do CPC dispor que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, tal preceito excepciona os casos previstos no artigo 629.º, n.º 2.

2. No caso sub iudice verificam-se as circunstâncias que permitem considerar que o presente recurso de revista será admissível ao abrigo do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 629.º, n.º 2, na medida em que, por uma parte, existe uma contradição da decisão recorrida com um anterior acórdão da Relação já transitado sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação e, por outro, um dos fundamentos do recurso é a violação do caso julgado.

A. O fundamento do artigo 629.º, n.º 2, d) do CPC
3. O acórdão recorrido seria insusceptível de recurso ordinário por razões estranhas à alçada da Relação na medida em que o seu valor é muito superior ao valor da alçada da Relação, estando por isso verificado o primeiro requisito de admissibilidade do recurso de revista ao abrigo daquela alínea.

4. Para além disso, verifica-se uma contradição de julgados, sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação.

5. Existe uma contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (o acórdão do TRL, de 7/5/2009, proc. 749/08.0TVLSB.L1-6 relativamente a duas questões de direito fundamentais para ambas as decisões, sendo que a matéria de facto que constitui a base dos dois acórdãos é equivalente, com a única diferença de que a posição das partes se inverte, o que não é relevante para o caso.

6. A primeira questão em que existe divergência fundamental prende-se com a determinação da relevância ou irrelevância da efectiva existência do direito de retenção do empreiteiro para decidir o procedimento de restituição provisória da posse.

7. O acórdão recorrido decidiu que é irrelevante analisar se a Recorrida tem um direito de retenção sobre as Recorrentes e, em particular, se detém algum crédito sobre estas como pressuposto principal do direito de retenção. Bastaria, para o acórdão recorrido, que a Recorrida tivesse actuado com a intenção/animus de exercer aquele direito para considerar que a sua actuação não foi de esbulho e que, como consequência, a restituição provisória da posse não pode proceder.

8. Por seu turno, o acórdão fundamento considerou central, para decidir o destino da restituição provisória da posse, avaliar se o empreiteiro seria titular de um crédito sobre o dono da obra, por este constituir pressuposto principal da existência efectiva do direito de retenção do empreiteiro.

9.  A segunda questão relativamente à qual existe contradição fundamental entre os dois acórdãos traduz-se na relevância ou irrelevância da forma de actuação da Recorrida no exercício do alegado direito de retenção.

10.  O acórdão recorrido, partindo do animus do direito de retenção, determina automaticamente a inversão do título da posse e a irrelevância da forma de actuação da Recorrida, desconsiderando, quer o facto de as Recorrentes estarem anteriormente presentes na obra, quer o facto de a retenção ter sido feita com recurso a violência.

11. Por seu turno, o acórdão fundamento confere relevo determinante, quer à circunstância de o dono da obra também estar na obra até ao momento em que terá sido impedido de entrar, quer à circunstância de tal impedimento ter sido efectuado através de violência.

12. Como consequência, o acórdão fundamento nega ao empreiteiro a restituição da obra,

13. Tendo em conta que são duas as questões essenciais em que existe contradição de acórdão, subsidiariamente, as Recorrentes invocam ainda um segundo acórdão fundamento (acórdão do TRL, de 16/7/2009, proc. 1345/08.7TVLSB-D.L1-1), que considera a relevância central da apreciação da efectiva existência do direito de retenção e, subsequentemente, da existência do crédito do retentor. E assim o considera aquele acórdão fundamento subsidiário, antes mesmo da apreciação do animus do retentor.

14. Caso o acórdão recorrido tivesse decidido no sentido dos acórdãos fundamento a decisão teria sido a de procedência da restituição provisória da posse, requerida pela Requerente nos presentes autos.

15. Para além da contradição de julgados, estão em causa as mesmas questões fundamentais de direito, como resulta do já exposto: (i) a questão de saber se a efectiva existência do direito de retenção e, em concreto, a existência do direito de crédito por ele garantido, é relevante para a decretação da restituição provisória da posse e (ii) a questão de saber se a existência do direito de retenção legitima qualquer forma de actuação do retentor.

16. Sobre nenhuma destas questões existe acórdão uniformizador de jurisprudência.

17. Por último, os acórdãos referidos foram proferidos no domínio da mesma legislação uma vez que em nada se alteraram os pressupostos para a decretação da restituição provisória da posse, onde se continua a incluir o esbulho e a violência, bem como em nada se alteraram os pressupostos do direito de retenção, onde se continua a incluir a existência de um crédito do credor sobre o devedor.


B. O fundamento do artigo 629.º, n.º 2, a) do CPC
18. O presente recurso é também admissível ao abrigo da disposição da alínea a) uma vez que, caso a restituição provisória da posse seja indeferida e atribuída à Recorrida a detenção da obra, tal acórdão acabaria contraria o caso julgado obtido num anterior procedimento cautelar de arresto da obra em curso requerido pela Recorrida, que foi indeferido.

19. Ambos os procedimentos cautelares são instrumentais relativamente a acção principal que tenha por objecto o direito de crédito alegadamente detido pela requerida e que, aliás, já está pendente em tribunal arbitral.

20. Seria, por conseguinte, materialmente contraditório com a negação do arresto requerido pela Recorrida com fundamento no seu direito de crédito sobre as Recorrentes, um eventual reconhecimento do direito de retenção da mesma sobre bens cujo arresto foi negado.

21. A Recorrida lograria assim obter, por uma via, o que lhe foi negado pela outra através de decisão já transitada em julgado, o que não pode ser admitido por violação do caso julgado, instituto que constitui fundamento do presente recurso e legitimação da respectiva admissibilidade.


II. A nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

a. A decisão-surpresa

22. Decorre do artigo 3.º, n.º 3 do CPC que não é lícito ao juiz decidir sobre questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

23. O n.º 3 do artigo 3.º do CPC visa banir as decisões surpresa e, por isso, se defende que o Juiz não pode decidir questões de conhecimento oficioso sem que previamente tenha sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, não podendo igualmente decidir com base em qualificação substancialmente inovadora que as partes não hajam considerado, sem antes lhes ter dado a possibilidade de produzirem as suas alegações, perspectivando o enquadramento jurídico vislumbrado pelo tribunal

24. Constitui decisão surpresa aquela que comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou até quando a decisão coloca a discussão jurídica num diferente plano daquele em que a parte o havia feito.

25. O Acórdão recorrido, contra a concepção jurídica configurada pelas partes e toda a prova produzida, considerou que, para a averiguação da existência de um esbulho, não releva a efectiva existência de um direito de retenção, bastando a mera invocação da intenção de exercer esse direito para afastar o esbulho.

26.  Como consequência deste entendimento, o Tribunal recorrido desconsiderou completamente a averiguação da existência de um crédito da Recorrida sobre as Recorrentes, requisito prévio e pressuposto basilar da constituição do direito de retenção, sendo certo que dos factos provados não resultou a demonstração de tal crédito.

27. Admitir a existência do direito de retenção do empreiteiro por oposição ao esbulho, por si só e apenas porque o empreiteiro actua com a intenção de o exercer, mas desgarrado da prova que dos créditos tenha sido feita, equivale a admitir a existência de um direito putativo e hipotético de retenção por parte do empreiteiro, solução jurídica que não foi perspectivada, sequer, pela Recorrida na sua oposição.

28. O Acórdão recorrido violou o princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa, que o artigo 3.º, n.º 3 do CPC pretende evitar.

29. A desconsideração da prova dos créditos feita no âmbito do presente processo foi, pura e simplesmente, uma solução que nunca foi perspectivada, não apenas pelas Recorrentes, mas também pela própria Recorrida.

30. A Recorrida fundamentou a existência do direito a reter os imóveis das Recorrentes nos créditos que supostamente detinha sobre esta (mas que não conseguiu demonstrar e provar), tanto que a esmagadora maioria da Oposição da Recorrida, como praticamente todo o esforço probatório promovido pela mesma, tiveram como objectivo a prova dos créditos invocados.

31. A própria Recorrida entendeu que a prova da existência do crédito é um requisito fundamental e um pressuposto para a existência do direito de retenção a que se arrogou.

32. Toda a argumentação jurídica da ora Recorrida foi ancorada nesta ligação incindível obrigatoriamente existente entre o crédito e o direito de retenção, nunca tendo sido concebida pela Recorrida uma interpretação do 754.º do CC que desconsiderasse a prova dos créditos invocados.

33. A tese da Recorrida sustenta-se não só na crença da existência de créditos por parte da Recorrida sobre as Recorrentes, mas também na tese de que tais créditos são um pressuposto do direito de retenção que a mesma invocou e que a existência efectiva desse direito de retenção seria determinante para a conclusão sobre a inexistência de um esbulho.

34. O apuramento da existência de créditos a favor da Recorrida foi efectuado, ainda que indiciariamente, pelo tribunal de primeira instância, quer na decisão de 21.06.2021, que ordenou a restituição, quer na decisão, de 2.12.2021, que manteve a providência.

35. Das decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância decorre que a Requerida não é titular de um crédito sobre as Recorrentes.

36. A Recorrida interpôs recurso da sentença que manteve a providência, impugnando a matéria de facto no que à verificação dos créditos diz respeito, pugnando pela sua verificação.

37. O Acórdão recorrido julgou improcedente o recurso de matéria de facto, pelo que os créditos invocados pela Recorrida mantiveram-se como não provados.

38. O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que à Recorrida assistia o direito de actuar ao abrigo do direito de retenção, independentemente da demonstração da existência desse mesmo direito e, consequentemente, dos créditos que o sustentam.

39. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação de Lisboa foi mais longe do que a própria Recorrida, ao conceber uma tese que lhe atribui a posse como se fosse titular de um direito de retenção que se basta com um mero animus, sendo irrelevante a prova que seja feita em tribunal relativamente aos pressupostos do direito de retenção, neste caso o putativo crédito da Recorrida sobre as Recorrentes.

40. Ambas as partes pautaram a sua actuação processual no pressuposto de que a efectiva existência do direito de retenção e, consequentemente, a prova da existência dos créditos, seria o aspecto determinante para a decisão da presente providência cautelar,

41. A desconsideração absoluta da existência de um eventual direito de retenção da ora Recorrida fundado na existência de um crédito sobre as Recorrentes (cuja inexistência, como vimos, consta da matéria de facto assente) não poderia, em momento algum, ter sido prevista pelas Recorrentes, uma vez que nem qualquer das decisões de primeira instância, nem a estratégia processual de qualquer das partes suscitou essa possibilidade.

42. A fundamentação do Acórdão com base num argumento jurídico totalmente novo e nunca antes suscitado nem abordado por nenhuma das partes (i.e. a irrelevância da (in)existência de um concreto e efectivo direito de retenção e, por conseguinte, de qualquer direito de crédito da Recorrida sobre as Recorrentes para a determinação da existência de um esbulho/exercício do direito de retenção) constitui uma decisão surpresa, por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º do CPC e garantido pelo artigo 20.º da CRP, sendo susceptível de configurar a nulidade do Acórdão recorrido por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC) por se ter pronunciado sobre uma questão relativamente à qual, sem a prévia audição das partes, não se poderia pronunciar.

  b. O meio de invocação da nulidade

43. A decisão-surpresa, por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, que afecta a sentença, é uma nulidade da sentença, neste caso, do acórdão, por excesso de pronúncia nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º do mesmo diploma, como o considera a jurisprudência recente dos tribunais superiores, a que se adere, nomeadamente, o Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 13.10.2020, proferido no âmbito do Processo 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1.

III. O erro de direito do Acórdão recorrido

a. A violação do caso julgado do procedimento cautelar de arresto – o Processo 2345/21.7T8LSB

44. Em momento prévio ao presente procedimento cautelar, a aqui Recorrida intentou contra as aqui Recorrentes uma providência cautelar de Arresto, no âmbito da qual peticionou a apreensão dos dois terrenos sobre os quais actualmente se encontram edificados os dois Hotéis (hoje em dia terminados, licenciados e em pleno funcionamento) assim como de todas as contas bancárias de que são titulares as Requerentes, invocando a existência das mesmas componentes de crédito que invoca nos presentes autos, de € 14.417.088,17 – Processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível ... - Juiz ..., sob o número 2345/21.....

45. Para fundamentar a existência dos créditos invocados, a aqui Recorrida, então Requerente desse arresto, invocou a existência dos mesmos trabalhos a mais e das mesmas alterações e definições tardias de determinados trabalhos, para além do pretenso direito ao reequilíbrio contratual, que invocou na presente providência.

46. Atenta natureza do procedimento cautelar em causa, o Arresto requerido foi decretado em audiência da parte contrária (no caso, as aqui Recorrentes), e, em consequência, arrestadas as contas bancárias das Requerentes, num montante total de € 308.250,07, relativamente à 1.ª Requerente, e num montante total de € 516.536,71, relativamente à 2.ª Requerente, assim como os terrenos onde se encontravam a ser construídos os hotéis objecto dos Contratos.

47. Porém, deduzida oposição por parte das aqui Recorrentes e produzida prova em sede de audiência de julgamento, o tribunal ordenou o levantamento do Arresto anteriormente decretado sobre os bens das aqui Recorrentes – Cfr. Sentença proferida em 21.04.2021 junta aos autos como DOC. 52 do Requerimento Inicial.

48. Para o efeito, o tribunal considerou que os factos indiciariamente assentes não permitiam concluir pela existência de qualquer direito de crédito da Requerente (ora Recorrida) sobre as Requeridas (ora Recorrentes) que careça de ser acautelado pelo requerido arresto.

49. Considerou ainda o tribunal de primeira instância que os factos apurados permitiam até, pelo contrário, concluir pela existência de atraso substancial na execução das empreitadas, da responsabilidade da Requerente (ora Recorrida) e, portanto, que as Requeridas (ora Recorrentes) serão titulares de direito de crédito sobre a Requerente por incumprimento contratual e consequente aplicação de penalidades.

50. A aqui Recorrida interpôs recurso dessa decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a decisão anteriormente proferida e, consequentemente, mantido o indeferimento do arresto, decisão essa que transitou em julgado em 12.08.2021, como consta da certidão junta aos autos em 12.10.2021.

51.  Da aplicação conjugada dos artigos 364.º, n.º 4 e 362.º, n.º 4 do CPC resulta que a decisão de improcedência sobre um procedimento cautelar impede que se repita aquela providência, o que permite concluir que tal decisão possui força de caso julgado.

52. A decisão de improcedência do procedimento cautelar de arresto deverá produzir efeitos de caso julgado sobre o procedimento cautelar de restituição provisória da posse.

53. O direito que a Recorrida visa acautelar através das duas providências cautelares é exactamente o mesmo - o alegado direito de crédito que detêm sobre as Recorrentes -, razão pela qual a causa relativamente à qual os dois procedimentos são instrumentais é necessariamente a mesma.

54. Verifica-se o primeiro pressuposto para que, nos termos do artigo 362.º, n.º 4 do CPC, tendo a primeira providência de arresto sido indeferida, a segunda também o seja, sob pena de violação do caso julgado.

55. Nos termos do artigo 580.º, n.º 1, do CPC, o caso julgado exige a repetição de uma causa relativamente a outra anterior com decisão insusceptível de recurso ordinário.

56. A decisão de improcedência do arresto já transitou em julgado, não sendo mais susceptível de recurso ordinário.

57. Quanto à repetição de uma causa, esta afere-se pela tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581.º, n.º 1, do CPC), o que acontece no caso dos autos.

58. Quanto aos sujeitos dos dois procedimentos cautelares em causa, embora em posições invertidas, o que para o caso não releva, as partes são as mesmas nos procedimentos cautelares de arresto e de restituição provisória da posse.

59. Subjacente às pretensões da agora Recorrida em obter o arresto de bens entre os quais se contavam os terrenos onde está edificada a obra e em ver declarado o seu direito de retenção sobre a obra no procedimento de restituição provisória da posse está exactamente o mesmo substrato de facto e, consequentemente, a mesma causa de pedir: o alegado crédito sobre as donas da obra.

60. É, por conseguinte, aquele crédito, que fundamenta as pretensões do empreiteiro em ambos os procedimentos cautelares

61. Muito embora a pretensão da empreiteira pareça ser diferente em ambos os procedimentos cautelares - o arresto da obra no arresto e a retenção da obra na restituição provisória da posse -, o efeito prático jurídico que se pretende alcançar é exactamente o mesmo.

62. O que a ora Recorrida pretende com a oposição ao presente procedimento e pretendeu com o anterior arresto é a restrição do direito de propriedade das agora Requerentes através do reconhecimento de um direito real menor para garantia dos direitos de crédito que invoca, seja ele o arresto no primeiro caso ou o direito de retenção no segundo.

63. se, por uma parte, com o indeferimento do arresto (onde se incluíam os terrenos em que foram incorporadas as obras em curso), a ora Recorrida viu ser-lhe negada a restrição ao direito de propriedade das Recorrentes através de um direito real menor de garantia do respectivo crédito,

64. Por outra parte, agora, caso a restituição provisória da posse seja julgada improcedente, a Recorrida acaba por ver reconhecido aquilo que lhe tinha sido anteriormente negado: a restrição do direito de propriedade das Recorrentes em consequência do seu pretenso direito real menor de retenção.

65. Se assim for, tal significa que a Requerida consegue obter através de um segundo procedimento cautelar, para garantia do mesmo direito e com base nos mesmos factos, exatamente o mesmo efeito prático-jurídico que lhe fora anteriormente negado.

66. Embora formalmente não exista uma identidade de pedido entre o primeiro e o segundo procedimento cautelar, materialmente essa identidade existe, que significa que dever considerar se existir a tríplice identidade de elementos, pressuposto do caso julgado.

b. A inexistência do direito de retenção por parte da Requerida
  i. A relevância do direito de retenção para a restituição provisória da posse

67. À ora Recorrente incumbiu, na qualidade de Requerente da providência, o ónus de alegar factos atinentes à posse, ao esbulho e à violência no desapossamento, pressupostos de facto da providência cautelar de restituição provisoria da posse.
68. A Recorrida excepcionou o preenchimento desses pressupostos invocando que lhe assistia um direito de retenção por ser alegadamente titular de créditos sobre a ora Recorrente, tendo a matéria de excepção –i.e., a existência ou não do direito de retenção – consumido a quase totalidade da actividade processual.

69. Para apurar quem tem a posse da coisa e se houve esbulho tem que se apurar se o direito de retenção invocado pelo retentor é, ou não, lícito.

70. Se se concluir pela existência do direito de retenção invocado, então há igualmente que se concluir pela inversão do título da posse e pela inexistência de esbulho.

71. Ao invés, se se concluir pela inexistência ou ilicitude do direito de retenção invocado, então há forçosamente que se concluir que não houve inversão do título da posse e, portanto, o putativo retentor continua mero detentor e não possuidor, e que, os actos que privem o proprietário de aceder à coisa configuram esbulho.

72. A violência, essa, poderá ou não existir, independentemente da licitude do direito de retenção.

73. Não é possível apurar os requisitos de que depende a procedência ou improcedência da providência cautelar de restituição da posse desgarrada do direito de retenção invocado pela Recorrida, tendo sido, aliás, a própria Recorrida quem invocou esse direito para sustentar a manutenção dos hotéis na sua posse.

74. Para averiguar se o direito de retenção invocado pela Recorrida existe efectivamente ou não, é necessário apurar se, no caso concreto dos autos, os pressupostos da constituição desse direito, previstos no artigo 754.º do CC, se verificam ou não, desde logo, o pressuposto atinente à existência dos créditos sobre as Recorrentes invocados pela Recorrida.

75. Ao contrário deste entendimento o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que para “a questão de saber se há esbulho, não é relevante saber se a requerida goza ou não do direito de retenção. Relevante é o animus, a intenção da requerida de reter os terrenos e as obras que neles estava a realizar”.

76. Para o Tribunal da Relação de Lisboa não interessou saber se assistia à Recorrida o direito de retenção a que a mesma se arrogou, importando apenas a intenção com que a mesma agiu de reter os terrenos – “relevante é o animus”.

77. Esta orientação não está correcta, pois que, a detenção da empreiteira só seria suficiente para constituir o direito de retenção se esta fosse credora, que não resultou provado que o fosse.

78.  E, seja como for, a posse em nome próprio do titular do direito de retenção, se dela se pode falar, é, como posse correspondente à titularidade dum direito real de garantia que tem função compulsória acessória, destinada a garantir a execução com preferência no concurso de credores e não pode resultar na supressão ou limitação da posse do proprietário, que permanece tal como existia durante a empreitada.

79. Orientação diversa, levaria à conclusão inaceitável de que qualquer esbulhador, desde que alegasse que estava a actuar com o animus de exercer determinado direito, estaria sempre a salvo de uma restituição provisória da posse.

80. Não se pode aceitar que a discussão sobre a efectiva titularidade do direito invocado para o desapossamento fique à margem do procedimento de restituição provisória da posse.

81. Tendo em conta que o direito de retenção, para existir, carece do preenchimento de deter-minados requisitos legais, esses pressupostos têm também que ser analisados pelo tribunal, não podendo ser desconsideradas as conclusões a que se chegue sobre a existência, ou não, dos mesmos.

82. A avaliação dos pressupostos do direito de retenção é assim um trabalho jurídico fundamental – diremos mesmo, o principal – para se concluir pela procedência, ou não, da providência requerida.

83. Pois que, se esse direito não existir ou se o seu exercício não for lícito, tem que se concluir que não houve inversão do título da posse, continuando a Recorrida como mera detentora, e que qualquer acto que prive ou iniba as Recorrentes de acederem e fruírem dos hotéis de que são proprietárias consubstancia um esbulho e, no caso, um esbulho violento,

84. A avaliação dos pressupostos do direito de retenção invocado foi totalmente desconsiderada pelo Acórdão recorrido, o que não se pode aceitar, pois que dessa avaliação resulta que o direito de retenção invocado pela Recorrida não é lícito.


ii. Os pressupostos do direito de retenção

85. Da conjugação dos artigos 754.º e 756.º do CC resulta que o direito de retenção pressupõe, cumulativamente, (i) a detenção lícita de uma coisa, susceptível de penhora, por alguém a quem ela não pertence; (ii) que esse detentor seja credor da pessoa a quem a coisa deve ser entregue; (iii) a detenção da coisa lhe tenha originado despesas, efectuadas de boa-fé, ou causado danos.

86. No caso dos autos, falha desde logo o primeiro pressuposto avançado pelo artigo 754.º, i.e. a existência de crédito da Recorrida, enquanto retentora.

87. Quando o reconhecimento do direito de retenção constitui pedido ou matéria de excepção no âmbito de um processo judicial, o tribunal não pode deixar de fazer uma análise, ainda que perfunctória, dos pressupostos dos quais depende a existência do direito de retenção invocado, entre os quais, do crédito alegado pelo retentor – cf. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.2009, 16.07.2009 e 22.05.2006, proferidos no âmbito dos processos 749/08.0TVLSB.L1-6, 1345/08.7TVLSB-D.L1-1 e 907/2006-1, respectivamente.

88. Tendo o tribunal sido chamado a pronunciar-se sobre a existência do direito de retenção, não pode depois desconsiderar-se a avaliação que venha a ser feita sobre os seus pressupostos (onde se inclui a existência do crédito).

89. Apesar de os créditos invocados pela Recorrida não terem resultado (sequer) indiciariamente provados, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, considerou que à recorrida assistia a posse correspondente ao direito de retenção, porque a mesma tinha o animus de reter os hotéis.

90. Este entendimento colide frontalmente com a lei, pois, no limite, significa que o direito de retenção se basta com a mear invocação abstracta, sendo irrelevante a prova que tenha sido feita sobre a verificação dos seus pressupostos, designadamente quanto à existência dos créditos.

91. O Tribunal de primeira instância entendeu que, do confronto das posições das partes não resultaria um crédito para a Recorrente que justificasse a invocação e o exercício do direito de retenção por banda da Recorrente, o que justificou a manutenção da providência anteriormente decretada.

92. As decisões proferidas no âmbito do presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse não foram as únicas que avaliaram a bondade dos créditos invocados pela Recorrida.


93. Previamente à presente providência cautelar, a aqui Recorrida intentou contra a aqui Recorrente uma providência cautelar de Arresto, invocando os mesmos créditos, onde se decidiu que os factos indiciariamente assentes não permitiam concluir pela existência de qualquer direito de crédito por parte da ora Recorrida, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

94. O próprio Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido, ao julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, manteve como não provados os créditos invocados pela Recorrida.

95. Os tribunais já expressaram por 5 vezes o seu entendimento de que inexistem créditos por banda da Recorrida sobre as Recorrentes: (i) Na decisão que revogou o arresto sobre as contas bancárias das Recorrentes e sobre os terrenos em que se encontravam a ser construídos os hotéis; (ii) Na decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa proferida no âmbito do procedimento cautelar de arresto que confirmou a sentença que ordenou o levantamento do arresto; (iii) Na decisão que ordenou a restituição dos imóveis às Recorrentes; (iv) Na decisão que confirmou o decretamento da providência de restituição provisória da posse; e (v) No próprio Acórdão recorrido.

96. O acórdão recorrido, contra todas as perspectivas jurídicas avançadas pelas partes, e desconsiderando toda a prova que se fez sobre a (in)existência dos créditos invocados pela Recorrida, revogou a providência bastando-se com a intenção de reter da Recorrida, não tendo efectuado um juízo básico que se impunha realizar a priori – saber se o direito de retenção existe, ou não.

97. Ao desconsiderar a prova feita no processo pelas partes relativamente à existência / inexistência de créditos a favor da Requerida/Recorrida - veja-se que tal matéria nem é referida na parte da fundamentação de direito do Acórdão recorrido! -, o Tribunal da Relação de Lisboa desenvolveu uma tese que não tem qualquer acolhimento da jurisprudência e, muito menos na lei, e que equivale a afirmar que poderá existir direito de retenção mesmo quando ficou provado que os créditos que serviram de base à sua invocação não existem.

98. No entender do Acórdão recorrido, mesmo apesar dos créditos que a ora Recorrida defende que lhe são devidos não terem resultado (sequer indiciariamente) provados, matéria inclusivamente confirmada no próprio acórdão recorrido, à Recorrida assistiria o direito de exercer poderes como se fosse titular do direito de retenção.

99. Determinante para a admissibilidade do exercício de poderes como se fosse titular do direito de retenção, por banda da ora Recorrida, parece ter sido apenas a invocação de créditos que a ora Recorrida, pasme-se, não logrou provar, provavelmente à mercê da tese sobre a qual ainda não existe jurisprudência uniformizada, de que ao empreiteiro assiste – em abstracto, claro está – o direito de retenção.

100.  Independentemente da posição doutrinária que se perfilhe sobre se ao empreiteiro assiste direito de retenção, o tribunal não pode desconsiderar a prova produzida em sede judicial relativamente à matéria dos créditos que fundamentam o direito de retenção, sob pena de se esvaziar por completo a ratio do artigo 754.º do CC, que expressamente exige a verificação do crédito como pressuposto do direito de retenção.

101. Entender o contrário seria considerar que tal direito emerge do contrato celebrado pelas partes, da mera qualidade de Empreiteiro, o que não é verdade, pois o direito de retenção é apenas uma garantia que a lei, por considerações de equidade, confere ao credor.

102. Diferente interpretação traduzir-se-ia numa inconstitucionalidade na medida em que violaria o direito fundamental de propriedade privada consagrado e tutelado no artigo 62.º da CRP.

103.  O direito de retenção é um direito de garantia, que emerge da existência de um crédito. Tendo o tribunal declarado que não existem créditos que justifiquem a actuação da ora Recorrida, esse direito de retenção pura e simplesmente não pode existir.

104.  Se o resultado da prova dos créditos feita no âmbito de um processo judicial fosse irrelevante, qualquer empreiteiro, a coberto dessa desnecessidade probatória, poderia invocar um crédito, por mais irreal e absurdo que fosse retendo a coisa até que a contraparte satisfizesse o suposto crédito invocado. Estava assim descoberto o caminho para empreiteiros que pretendessem enriquecer sem causa.

105.  O mecanismo da invocação do direito de retenção concebido pelo acórdão recorrido levaria a situações de completa chantagem jurídica por parte dos empreiteiros face aos donos de obra, absolutamente intoleráveis do ponto de vista legal e da justiça em geral.

106.  Quando o crédito invocado pelo empreiteiro é sindicado judicialmente pelo Dono da Obra e se conclui, como concluiu o tribunal de primeira instância e o próprio Tribunal da Relação de Lisboa, pela inexistência do crédito, não poderá o direito de retenção invocado ser considerado lícito.

107.  A irrelevância atribuída pelo Acórdão recorrido à prova relativa aos créditos invocados pela ora Recorrida traduz-se numa errada aplicação da lei que, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, exige a pré-existência de “créditos” para que o direito de retenção exista.

108.  À Recorrida não assiste qualquer direito de retenção porque, como resulta dos factos provados, não tem qualquer crédito sobre as Recorrentes, o que constitui o primeiro pressuposto para a existência daquele direito, nos termos do artigo 754.º do CC.

109.  Ainda que se considerasse, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite, que a Recorrida detinha um crédito sobre as Recorrentes, tal conclusão não seria suficiente para concluir sobre a existência de um direito da retenção da Recorrida.

110.  Para além da existência de um crédito por parte do retentor, a lei exige ainda que exista um dever de entrega da coisa pelo retentor e que esse crédito resulte de despesas efectuadas por causa da coisa ou de danos por ela causados, requisitos que também não se verificam neste caso.

111. Mesmo que tivessem resultados provados os pressupostos de que depende a existência do direito de retenção(que não resultaram), o exercício desse direito sempre seria abusivo, uma vez os imóveis de cuja posse as Recorrentes foram violentamente esbulhadas pela Recorrida, e cuja entrega às Recorridas foi decretada por sentença de 21/06/2021 e confirmada por sentença de 02/12/2021 – ou seja, os lotes de terreno para construção, incluindo a construção de edifícios destinados a hotel, a que aludem os pontos 1 e 2 da matéria de facto provada da sentença de 21/06/2021 – em rigor, já não existem como tal, nem no plano dos factos, nem juridicamente, pois já não existem dois “lotes de terreno para construção”, mas sim dois prédios urbanos edificados e destinados a hotel e licenciados como tal.

112. No caso concreto dos autos, do preço acordado para as Empreitadas, as Recorrentes já pagaram à Recorrida uma percentagem superior a 90%, pelo que é manifestamente desproporcional a retenção dos dois hotéis edificados, destinados a gerar lucro, para garantia de pretensos créditos de valor indeterminado e que são inferiores aos das Recorrentes, quando 90% do preço foi pago.

113.  Ainda que por mera hipótese a Recorrida fosse titular de direito de retenção face às Recorrentes – e não é – sempre o exercício desse direito nessas circunstâncias seria abusivo e, por isso não permitido, nos termos do artigo 334.º do CC.

114.  A jurisprudência tem entendido tem entendido que colhendo a figura do abuso de direito o seu fundamento em princípios de ordem pública (art. 334º do CC), a mesma constitui uma excepção de conhecimento oficioso (art. 579º do CPC), e que por tal razão pode ser invocada pela primeira vez em sede de alegações perante a Relação, no âmbito de recurso de apelação [vd. acs. STJ 01-07-2004 (Salvador da Costa), p. 04B4671; STJ 28-11-2013 (Salazar Casanova), p. 161/09.3TBGDM.P2.S1; STJ 14-07-2018 (João Camilo), p. 1530/15.5T8STS-C.P1.S1; e STJ 12-07-2018 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 2069/14.1T8PRT.P1.S1], ou mesmo perante o Supremo em alegações de recurso de revista [cfr. ac. STJ 04-04-2002 (Araújo de Barros), p. 02B749], pelo que deve ser conhecida essa mesma excepção.

115.  Como consequência, seria claramente violador do princípio da proporcionalidade e da finalidade com que o direito de retenção é atribuído, admitir o seu exercício sobre bens de valor desproporcionado relativamente às despesas em causa.

116.  O Tribunal da Relação de Lisboa não poderia decidir como decidiu, revogando a providência decretada, quer porque não podia desconsiderar a indagação sobre a existência do direito de retenção da Recorrida quer porque, a considerá-lo, deveria ter concluído que aquele não existe.

117. Impunha-se, por isso, a manutenção da mesma providência, por falha, desde logo, do pressuposto essencial de que depende a invocação do direito de retenção – a existência dos créditos a favor do pretenso retentor, a ora Recorrida.


c. A posse, o esbulho e a violência

118.  A restituição provisória constitui um meio de defesa da posse, ao serviço do possuidor, contra actos de esbulho violentos, de forma a garantir-se a reconstituição da situação possessória anterior, de modo célere e eficaz, e facultar-se ao lesado “a devolução da posse” e impedir-se “a persistência da situação danosa e o agravamento dos danos”.

119.  Um dos pressupostos da admissibilidade de recurso ao presente procedimento cautelar, com natureza antecipatória, pois assegura a satisfação provisória do possuidor, é a qualidade de possuidora das ora Recorrentes, por oposição à qualidade de mera detentora da Recorrida.

120.  As Recorrentes, no momento do esbulho violento perpetrado pela Recorrida, eram as únicas e legítimas proprietárias, quer dos terrenos, quer das construções que aí se iam realizando, não tendo a celebração dos Contratos de Empreitada, nem a execução dos trabalhos relativos aos mesmos, operado qualquer transferência da propriedade ou mesmo da posse para a Recorrida.

121.  As Recorrentes detinham não apenas a propriedade mas também a posse correspondente à propriedade dos imóveis, sendo a Requerida mera detentora dos mesmos durante a execução da empreitada.

122.  Assim é porquanto, nos termos do artigo 1251.º do CC, a posse pressupõe uma actuação correspondente ao exercício de um determinado direito real, sendo que, por sua vez, o possuidor goza da presunção de titularidade do direito real correspondente (cf. artigo 1268.º, n.º 1, do CC).

123.  O direito real associado à posse das Recorrentes é o direito de propriedade, tratando-se, portanto, a posse das Recorrentes, de uma posse titulada, nos termos do artigo 1259.º do CC.

124.  A titularidade do direito de propriedade inclui em si mesma o direito à posse do imóvel, como resulta dos poderes que são reconhecidos ao titular pelo artigo 1305.º do CC, poderes esses que as Recorrentes sempre exerceram e que nunca transferiram para a Recorrida.

125.  Com efeito, durante a execução da empreitada, as Recorrentes sempre actuaram como plenas proprietárias que são, não abdicando de exercer sobre os imóveis os poderes materiais próprios do proprietário.

126.  Tendo apenas contratado a Recorrida para realizar as construções de ambos os Hotéis, através de negócio jurídico pelo qual se não transmitiu a posse nem qualquer outro direito real sobre os imóveis em causa.

127.  Não obstante o permanente contacto material da Recorrida com a obra, eram as Recorrentes que sempre detiveram, em exclusividade, a posse – jurídica e material – dos imóveis objecto das empreitadas.

128.  Como segundo elemento, surge a necessidade de alegação, e prova, da existência de esbulho, sendo evidente que a privação do exercício da detenção ou fruição da coisa só constitui esbulho se for ilícita.

129.  Efectuada tal prova, independentemente da intencionalidade ou requisito psicológico presente na conduta do esbulhador, o julgador ordenará que o demandante seja reposto na posse, decisão esta que supõe sempre um momento declarativo: o reconhecimento da posse.

130.  E para o reconhecimento do esbulho, não pode o tribunal descurar a avaliação dos pressupostos do direito de retenção, pois é num deles – existência do crédito – que a Recorrida fundamenta a titularidade da sua posse enquanto putativa retentora.

131.  Os factos indiciariamente provados pelas Recorrentes num primeiro momento e não afastados pela contraprova da Recorrida na oposição revelaram que esta decidiu, repentinamente e sem que lhe assistisse um efectivo direito de retenção, apropriar-se dos terrenos e da obra, impedindo as Recorrentes de livremente aceder aos mesmos e de aí entrar, ou seja, numa palavra, impedindo o seu legítimo exercício da posse - cfr. pontos 14 a 18 da matéria de facto provada da sentença de 21/06/2021 e ponto 26 da matéria de facto provada da sentença de 02/12/2021.

132.  Com a sua actuação, a Recorrida privou as Recorrentes, contra a sua vontade, da fruição e do gozo dos imóveis que lhes pertencem e que até ali exerciam, alterando a situação de facto contra sua vontade.

133.  Assim aconteceu a partir do momento em que a entrada das Recorrentes na obra deixou de ser livre, ficando dependente de autorização da Requerida – cfr. ponto 26 da matéria de facto provada da sentença de 02/12/2021.

134.  Em suma, ocorreu um esbulho na medida e não um mero incumprimento contratual (contrariamente ao que o tribunal recorrido considerou) em que, unilateralmente, a Recorrida decidiu impedir as Recorrentes de exercer a sua posse nos termos em que até ali o faziam, provocando uma alteração objectiva da situação de facto até então existente.

135.  A restrição dos representantes das Recorrentes de acederem à obra sem autorização da Recorrida, impedindo-os de continuar a exercer os seus direitos de proprietárias e possuidoras, bem como a proibição, pelos seguranças e vigilantes, da entrada em obra dos representantes da Fiscalização (que em obra representam os Donos da Obra), consubstanciaram um esbulho violento.

136.  Ocorreu um desapossamento violento das Recorrentes pela Recorrida relativamente aos Hotéis em construção à data, o que justificou, não apenas a decretação, como a manutenção da providência de restituição provisória da posse, pelo que andou mal o Tribunal da Relação de Lisboa ao revogar a providência anteriormente decretada.
 
Nestes termos deve o presente Recurso ser admitido e julgado procedente devendo ser proferido Douto Acórdão que revogue o Acórdão recorrido e mantenha a providência decretada.

Foram apresentadas contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:
A. IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO

1. O recurso de revista, interposto pelas Recorrentes, da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa deve improceder, porque:

2. Em primeiro lugar, não estão verificados, in casu, os requisitos previstos na lei para que a revista seja admissível, designadamente, os requisitos previstos nas alíneas a) a d) do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, invocadas pelas Recorrentes;

3. Em segundo lugar, a eventual nulidade da decisão recorrida a existir – no que não se concede – deveria ter sido suscitada perante o Tribunal da Relação, nos termos do disposto n.º 4 do artigo 615.º do CPC, aplicável, ex vi o artigo 666.º do mesmo diploma legal;

4. Em terceiro lugar, mesmo que assim não fosse, então sempre terá de se considerar que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa não padece de qualquer nulidade, designadamente, não violou o princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, não consistindo, por isso, numa decisão supressa;

5. Em quarto e último lugar, o capítulo III das alegações de recurso das Recorrentes, intitulado «O erro de direito do acórdão recorrido», mais não é do que um recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa o que não é admissível neste caso, uma vez que se está no âmbito do procedimento.

B. FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL –NÃO EXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO DE JULGADOS (ARTIGO 629.º,N.º 2, ALÍNEA D) CPC)

6. Para que se entenda que existe contradição de julgados (i.e., oposição de decisões relativamente à mesma questão fundamental de direito) nos termos previstos no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do CPC, e para que, em consequência, se admita, em termos excecionais, o recurso do revista para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas em procedimentos cautelares, exige-se que seja idêntico o núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação díspar dos mesmos preceitos legais.

7. O acórdão fundamento (o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 7 de maio de 2009, no processo com o n.º 749/08.0TVLSB.L1-6, da Relatora Desembargadora Teresa Soares), invocado pelas Recorrentes para sustentar a existência da contradição de julgados parte de um núcleo factual totalmente distinto do caso dos autos, o que seria, por si só, suficiente para se concluir pela inexistência de contradição de julgados e, consequentemente, pela inamissibilidade do recurso interposto pelas Recorrentes, por falta de fundamento legal.

8. Contrariamente ao que pugnam as Recorrentes, o teor das decisões alegadamente em confronto evidencia inexistir entre elas contrição relevante para o efeito pretendido, porquanto as situações versadas em cada uma delas não apresentam qualquer similitude do ponto de vista fáctico.


9. A análise sobre o direito de retenção do empreiteiro e sobre os pressupostos da providência cautelar de restituição provisória da posse, em particular, a posse e o esbulho, assentam, num e noutro casos, em pressupostos factuais totalmente distintos.

10. Ao contrário do caso dos autos, no caso do acórdão fundamento, a empreiteira levou a cabo a obra, nela trabalhando, em simultâneo com outros elementos a ela estranhos que, por indicação do dono de obra, foram executando trabalhos que não foram incluídos na empreitada contratada à empreiteira. Por outras palavras, ao contrário do que ocorre no caso dos autos, no caso do acórdão fundamento, não estava em causa uma empreitada “chave na mão”.  

11. É claro que a empreiteira, no caso do acórdão fundamento, não tinha a posse da obra, nem sequer tinha a posição de mera detentora, ao contrário do presente caso, em que a Recorrida exercia a posse, verdadeira e própria, dos imóveis e das obras, entretanto edificadas, aquando do exercício do direito de retenção.

12.  No que se refere ao esbulho, também não há qualquer semelhança entre um e outro caso, uma vez que, no caso do acórdão fundamento, a empreiteira chegou à detenção do imóvel de forma ilícita, já que foi ela quem, em primeiro lugar, “esbulhou” o dono de obra.

13. É evidente que as duas questões indicadas pelas Recorrentes como “essenciais” para o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa de que não houve, neste caso, esbulho por parte da Recorrida e sobre as quais existe contradição entre a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa e o acórdão fundamento, é uma mera estratégia de distração para o óbvio: o núcleo factual de ambas as situações não é idêntico.

14. Quanto ao “acórdão fundamento (2)” – acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 16 de julho de 2009, no processo com o n.º 1345/08.7TVLSB-D.L1-1, do Relator Desembargador Afonso Henrique –, invocado, a título subsidiário, pelas Recorrentes para, supostamente, reforçar a contradição de julgados quanto à primeira “questão essencial” (a relevância da efetiva existência do direito de retenção para a existência do esbulho), também não procede, porque tão-pouco aqui se verifica identidade do núcleo factual face ao caso dos autos.

15.  Não ocorrendo qualquer identidade do núcleo fáctico essencial subjacente a cada uma das decisões alegadamente em confronto, não existe entre elas a oposição que as Recorrentes lhes pretendem assacar.

16. A solução de direito adotada em cada um dos arestos quanto à titularidade de direito de retenção e à existência (ou não) de esbulho e, em consequência, quanto à verificação (ou não) dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse, não decorre de entendimentos opostos acerca da mesma questão fundamental de direito ou, sequer, de diversa interpretação e aplicação de um mesmo normativo, antes resulta da diversidade dos pressupostos factivos em que as mesmas fizeram assentar as respetivas decisões.

17. Nestes termos, não se verifica a invocada contradição de julgados, pelo que não é admissível o recurso de revista interposto pelas Recorrentes, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º, alínea d) do CPC, devendo aquele ser julgado inadmissível por falta de pressuposto legal e, com consequência, ser mantida a decisão recorrida nos seus exatos termos.

C. FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL – NÃO OFENSA DO CASO JULGADO (ARTIGO 629.º, N.º 2, ALÍNEA A)

18. A figura do caso julgado não é adequada às providências cautelares, pois o legislador, pretendendo alcançar os mesmos efeitos práticos, senão todos, pelo menos alguns, previu a figura da repetição da providência no n.º 4 do artigo 362.º do CPC, onde se diz simplesmente que «não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado».

19. Por esta razão e com este fundamento, deverá considerar-se que o recurso de revista interposto pelas Recorrentes é inadmissível, por falta de fundamento legal, devendo, em consequência, a decisão recorrida manter-se nos seus exatos termos.

20. Mesmo que assim não se entendesse, no que não se concede e apenas por era cautela de patrocínio se equaciona, então sempre teria de se concluir que não se verifica, in casu, violação do caso julgado, como exigido na alínea a), do n.º 2, do artigo 629.ª do CPC.

21. Desde logo, não se está «na pendência da mesma causa», nos termos exigidos pelo n.º 4 do artigo 362.º do CPC, porque:
i. Estão em causa duas providências cautelares totalmente distintas – primeiro foi requerido o arresto e, posteriormente, foi requerida a restituição provisória da posse;
ii.Providências cautelares essas requeridas por partes distintas – o arresto foi requerido pela ora Recorrida e a restituição provisória da posse foi requerida pelas ora Recorrentes; e
iii. Destinadas a acautelar objetivos e direito distintos – com o arresto a Recorrida pretendia acautelar o direito crédito que detém sobre as Recorrentes, e com a restituição provisória posse as Recorrentes pretendem, ou, pelo menos, deveriam pretender, acautelar o direito de posse sobre os imóveis.

22.  Além disso, conforme esclarece o 581.º do CPC, para que se considere que existe repetição de uma causa e, como tal, exceção de caso julgado, é ainda necessário que exista identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

23. No que se refere aos sujeitos, ainda que as partes sejam, inegavelmente, as mesmas em ambos os procedimentos, a verdade é que a sua qualidade jurídica, i.e., a qualidade em que atuam num e noutro procedimentos, é distinta. Enquanto no procedimento cautelar de arresto a ora Recorrida atuou enquanto requerente e as Recorrentes atuaram enquanto requeridas, no presente procedimento cautelar as posições inverteram-se.

24. Essa inversão de posições jurídicas ocupadas pelas partes em ambos o procedimento tem consequências, desde logo, no efeito resultante, para cada uma das partes, da procedência ou improcedência de cada um dos procedimentos e é, como tal, suficiente para se entender que não há identidade de sujeitos em ambos os procedimentos.

25. No que se refere à causa de pedir, traduzida nos factos alegados para sustentar o pedido, verificamos que, no essencial, que os fatos alegados em cada uma das providências são distintos, i.e., as providências baseiam-se, pelo menos em parte, em factos cuja localização espácio-temporalmente é distinta, desde logo os factos respeitantes à posse, esbulho e violência.

26. Finalmente, no que se refere ao pedido, é evidente que não há identidade: no procedimento cautelar de arresto, a Recorrida pretendia ver reconhecido e acautelado o seu direito de crédito sobre as Recorrentes, enquanto no procedimento cautelar de restituição provisória da posse, as Recorrentes pretendem ver acautelado o seu direito à posse sobre os imóveis.

27.  Face a tudo quanto antecede, é evidente não que não se verifica, in casu, o requisito previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 629.ª do CPC, e, como tal, o recurso de revista interposto pelas Recorrentes deve ser julgado inadmissível por fata de fundamento legal.

28. Aqui chegados não restam dúvidas de que não verificam, in casu, os requisitos de que depende a revista e que, como tal, o recurso interposto pelas Recorrentes do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa carece totalmente de fundamento legal, devendo, por isso, improceder, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exatos termos.

D. ALEGADA NULIDADE – “DECISÃO SURPRESA”

29. Tudo quanto se deixou dito no que se refere à não verificação dos requisitos de que depende a revista seria, por si só, suficiente, para determinar a improcedência do recurso interposto pelas Recorrentes, por falta de fundamento legal, e para a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seus exatos termos. Assim, considerando que o recurso de revista não é admissível, não pode o processo prosseguir como revista apenas para conhecimento das alegadas nulidades (cfr. acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 3465/17.8T8VIS.C1.S1, da Relatora Conselheira Maria João Vaz Tomé e acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 8 de outubro de 2020, no processo com o n.º 2960/19.9T8VIS.C1-A.S1, do Relator Conselheiro Ferreira Lopes).

30. Seguindo a jurisprudência reiterada e assente deste Supremo Tribunal, não sendo admissível recurso, o conhecimento de eventuais nulidades que afetem a decisão recorrida é da competência do tribunal a quo – neste caso, o Tribunal da Relação de Lisboa –, não cabendo ao tribunal ad quem – neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça – pronunciar-se sobre a sua verificação, precisamente porque a decisão não admite recurso e, como tal, o tribunal ad quem não tem poder jurisdicional.

31. Considerando as Recorrentes que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa padeceria de eventual nulidade, deveriam tê-la arguido junto desse Venerando Tribunal, no prazo de 10 dias, após a notificação do acórdão (cfr. artigos 615.º, n.º 4 e 149.º, n.º 1 do CPC). Não o tendo feito, não pode agora o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a verificação dessa alegada nulidade, conforme já se deixou dito.

32. Nestes termos e com estes fundamentos, deverá ser julgada improcedente, por legalmente inadmissível, a arguição de nulidade do acórdão recorrido.

33. Em qualquer caso, admitindo, sem conceder, que é diverso o entendimento ste Supremo Tribunal sobre a questão ora em análise, sempre teria de se concluir que improcede a arguição da nulidade do acórdão recorrido, por não estar em causa uma «decisão-surpresa».

34. A arguição de nulidade do acórdão recorrido com fundamento na violação do princípio do contraditório por estar em causa uma «decisão-surpresa» tem por base uma leitura e interpretação enviesadas e fora de contexto de um excerto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

35. No excerto citado pelas Recorrentes nas suas alegações para sustentar que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa constitui uma «decisão surpresa», aquele Venerando Tribunal limita-se tão-só a referir que para efeitos de determinar a existência de esbulho (i.e., privação da posse, na sequência de um ato de apossamento ou de inversão do título da posse) é irrelevante saber se a Recorrida goza de direito de retenção.

36. O entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o animus está, assim, direta e imediatamente relacionado com o exercício da posse e com a existência ou não de esbulho por parte da Recorrida, e não com um qualquer juízo sobre a existência de um direito de crédito da Recorrida sobre as Recorrentes.

37. O Tribunal da Relação de Lisboa deu primazia a esta questão e a este prisma de análise – amplamente discutido pelas partes na pendência do processo – sem que, por causa disso ou em consequência disso, tenha desconsiderado a existência de um eventual direito de retenção da ora Recorrida fundado na existência de um crédito sobre as Recorrentes. Antes pelo contrário.

38. A análise do Tribunal da Relação de Lisboa centra-se no erro de julgamento em que o tribunal de 1.ª instância incorreu na sua decisão, uma vez que, após o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse, não houve reconstituição da situação possessória anterior, como se exigia.

39. Recorde-se que, antes de ter sido decretada a providência de restituição provisória da posse, era a Recorrida quem exercia a posse dos imóveis. Em resultado do decretamento da providência, foram as Recorrentes que passaram a exercer a posse.

40. Perante este cenário, o Tribunal da Relação de Lisboa faz então notar que para a questão de saber se há esbulho – requisito de que depende o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse – «(…) não é relevante saber se a requerida goza ou não de direito de retenção. Relevante é o animus, a intenção da requerida de reter os terrenos e as obras que neles estava a realizar».

41. É evidente que o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão recorrida, partiu do pressuposto de que a Recorrida detém um crédito sobre as Recorrentes ou que, pelo menos, considera detê-lo, e que essa questão foi discutida nos autos, mas (re)centra a discussão e a análise na existência (ou não) de esbulho, pressuposto de cuja verificação depende o decretamento da providência de restituição provisória da posse e que foi ignorado ou, pelo menos, negligenciado pelo Tribunal de 1.ª instância na análise que fez do caso e na decisão que proferiu.

42. O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a proibição de acesso aos prédios, sem autorização prévia, imposta pela Recorrida às Recorrentes, tem a ver com o incumprimento dos termos do contrato celebrado entre ambas, designadamente com a falta de pagamento do preço devido por parte das Recorrentes (i.e., o crédito que a Recorrida alega deter sobre as Recorrentes),

43. E que, como tal, essa limitação de acesso não pode ser considerada como esbulho, requisito essencial para o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse, que o Tribunal de 1.ª instância, erradamente, entendeu estar verificado.

44. Uma leitura atenta (e não enviesada) da decisão recorrida teria bastado para que as Recorrentes compreendessem aquilo que se afigura claro: o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu (e bem!) que, no caso dos autos, não existiu esbulho por parte da Recorrida, e, como tal, falhando um dos requisitos essenciais para o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse, outra não poderia ser a decisão que não a de revogar a providência erradamente decretada pelo Tribunal de 1.ª instância.

45. Sobre a verificação ou não, in casu, dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse, quais sejam a posse, o esbulho e a violência, as partes pronunciaram-se expressa e abundantemente ao longo de todo o processo, tanto nas suas peças processuais, como nas várias sessões de audiência de julgamento.

46. Na verdade, a atividade probatória de ambas as partes centrou-se, como não poderia deixar de ser, na (tentativa) de demonstração da verificação ou não desses requisitos, já que era da conclusão, por parte do tribunal, quanto à sua verificação ou não que estava depende a tomada de decisão que iria de encontro ao interesse de uma e outra partes.

47. É evidente que esta questão jurídica – i.e., a existência ou não de esbulho – foi discutida no mesmo plano pelas partes e pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, como tal, é indiscutível que as partes, em particular as Recorrentes, tiveram oportunidade de se pronunciar sobre ela, dando assim cumprimento ao exercício do contraditório.

48. É caso para dizer que as partes, em particular as Recorrentes, não só tinham obrigação de prever esta solução jurídica para a questão em discussão – i.e., a não existência de esbulho por parte da Recorrida –, como o recurso à providência cautelar de restituição provisória da posse, por parte das Recorrentes, pressupunha, como ponto prévio, a sua análise.

49. Não se compreende, por isso, como é que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a não verificação do requisito do esbulho possa ser entendida, pelas Recorrentes, como uma decisão surpresa.

50. As Recorrentes confundem o conceito de «decisão-surpresa» com a liberdade conferida ao tribunal para, segundo as várias soluções plausíveis para questão de direito, adotar um determinado prisma de análise e decidir em conformidade (cfr. o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 7 de junho de 2021, no processo com o n.º 2358/19.9T8VLG.P1, da Relatora Desembargadora Eugénia Cunha, e acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 12 de julho de 2018, no processo com o n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, do Relator Conselheiro Hélder Roque).

51. Neste caso o que está verdadeiramente em causa é a frustração de uma expetativa criada pelas Recorrentes quanto à decisão final, ou, por outras palavras, uma discordância, das Recorrentes, com o conteúdo e com o sentido, da decisão em si, e não a circunstância de o Tribunal da Relação de Lisboa ter decidido uma questão não conjeturada pelas partes no decurso do processo e a qual não poderiam prever.

52. Não assiste razão às Recorrentes e que a decisão recorrida não está ferida de nulidade, devendo, por isso, o recurso improceder também no que a essa parte se refere, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exatos termos.

E. ALEGADO ERRO DE DIREITO

53. No capítulo III das suas alegações de recurso, intitulado «O erro de direito do Acórdão recorrido», as Recorrentes extravasam, em absoluto, o que seria o âmbito do recurso de revista (que, in casu, como se viu carece de fundamento legal) e manifestam a sua discordância face ao teor da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

54. Por outras palavras, neste capítulo das suas alegações de recurso, as Recorrentes recorrem da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tentando, por esta forma, obter um terceiro grau de jurisdição o que, neste caso, lhes é legalmente vedado!

55. Recorde-se que estamos no âmbito de um procedimento cautelar e que, como tal, não cabe recurso da decisão proferida para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme expressa e indubitavelmente previsto no n.º 2 do artigo 370.º do CPC (cfr. o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 3465/17.8T8VIS.C1.S1, da Relatora Conselheira Maria João Vaz Tomé e acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 8 de outubro de 2020, no processo com o n.º 2960/19.9T8VIS.C1-A.S1, do Conselheiro Relator Ferreira Lopes).

56.  A ratio da referida norma prende-se, por um lado, com o relativo grau de provisoriedade das decisões tomadas em âmbito cautelar e, por outro, com a natureza perfunctória da indagação e prova dos pressupostos do direito cujo exercício se pretende acautelar, não se admitindo, por isso, a sindicância da decisão tomada nestes moldes perante um terceiro grau de jurisdição.

57. Não deixa de ser lamentável que as Recorrentes, à boleia da alegação de uma suposta contradição de julgados (que, como já se viu, é evidente que não se verifica) e de uma igualmente suposta violação do caso julgado (que, de forma talvez ainda mais evidente, também não se verifica) e, ainda, da arguição de uma nulidade da decisão recorrida (que é notório não existir) venham, na verdade, recorrer de uma decisão que não é passível de recurso.

58. Está, pois, em causa um uso manifestamente reprovável do processo que, em certos casos, é fundamento para condenação da parte que o faz como litigante de má-fé ou, até, com fundamento em abuso de direito.

59. Desenganem-se as Recorrentes se acharam que o recurso a este estratagema passaria despercebido. A Recorrida, está atenta e este Supremo Tribunal também o está não, nem uma, nem outro, podendo compactuar, em circunstância alguma, com uma atuação desta índole.

60. Por esta razão e sem necessidade de outras considerações sobre esta questão, deverá considerar-se legalmente inadmissível e, consequentemente, como não escrito o capítulo III da alegações de recurso apresentadas pelas Recorrentes, intitulado «O erro de direito do Acórdão recorrido».
Termos em que o recurso de revista deverá ser julgado inadmissível por falta de fundamento legal, ou, caso assim não se entenda, ser julgado improcedente, e, em consequência, deverá    ser mantido o Acórdão Recorrido, Assim Se Fazendo A Devida Justiça!
 

*


I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista foi admitido ao abrigo do disposto no art.º 629.º, n. 2, a) e d) do Código de Processo Civil por se mostrar invocada a contradição de julgados e a violação de caso julgado, cuja aplicação aos procedimentos cautelares apresente opiniões divergentes na jurisprudência e doutrina.

As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil para se pronunciarem, querendo, em 10 dias, sobre a possibilidade de conhecer do pedido de ser “ Ordenado que a requerida se abstenha de realizar quaisquer actos que impeçam ou dificultem o acesso e a entrada dos representantes das Requerentes, ou de pessoas por estas autorizadas, aos imóveis objecto da presente acção, assim como se abstenha de praticar quaisquer actos que impossibilitem o livre exercício do direito de propriedade das requerentes” formulado no requerimento inicial da providência cautelar, em redução do pedido de restituição provisória de posse.

A requerida veio manifestar a sua oposição considerando que apenas era possível conhecer os fundamentos tidos em conta para a admissão da revista e as recorrentes indicaram que na sequência da execução imediata da decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª instância a empreiteira abandonou a obra e retirou todos os seus bens e as recorrentes procederam às obras e diligências necessárias a colocar em funcionamento os hotéis pelo que a obra está terminada, não há qualquer empreitada em curso, os hotéis estão em pleno funcionamento pelo que mantendo-se a sua a posse aceitam que seja suprimido o ponto III da al. a) do requerimento inicial.


                                                   *

I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:
1. Contradição de julgados:
- Relevância do direito de crédito para a constituição do direito de retenção.
- Esbulho.
2. Caso julgado
3. Nulidade do acórdão da Relação de Lisboa
     – decisão surpresa
     – excesso de pronúncia
                                                            
                                                *


I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
Antes da audiência da requerida, foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:

1. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...33, da freguesia ..., composto por lote de terreno para construção, em construção um edifício destinado a hotel, com 16 pisos acima do solo, 2 dos quais de embasamento e 5 pisos abaixo do solo, mostra-se inscrito a favor da 1ª Requerente, por compra na proporção de ½, em 08-01-2007, pela Ap. ...4, e por permuta na proporção de ½, em 13-08-2008, pela Ap. ...7.

2. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...58, da freguesia ..., composto por lote de terreno para construção, em construção um edifício destinado a hotel, com 15 pisos acima do solo, 2 dos quais de embasamento e 5 pisos abaixo do solo, mostra-se inscrito a favor da 2ª Requerente, por compra na proporção de ½, em 08-01-2007, pela Ap. ...4, e por permuta na proporção de ½, em 13-08-2008, pela Ap. ...6.

3. A 1ª Requerente foi constituída em 27-12-2006, tem por objecto: aquisição, construção, alienação, exploração e gestão de hotéis e de estabelecimentos similares de hotelaria, bem como a compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, tem o capital social de 50.000,00€, e administrador único AA.

4. A 2ª Requerente foi constituída em 27-12-2006, tem por objecto: aquisição, construção, alienação, exploração e gestão de hotéis e de estabelecimentos similares de hotelaria, bem como a compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, tem o capital social de 50.000,00€, e administrador único AA.

5. Em 29-11-2016, por escrito, a Requerida, identificada como empreiteiro, e a 1ª Requerente, identificada como dono da obra, acordaram na execução de um empreendimento turístico de tipo Hotel, com a categoria de cinco estrelas, no prédio da 1ª Requerente referido no ponto 1., pelo preço de 17.343.274,57€

6. Em 29-11-2016, por escrito, a Requerida, identificada como empreiteiro, e a 2ª Requerente, identificada como dono da obra, acordaram na execução de um empreendimento turístico de tipo Hotel, com a categoria de três estrelas, no prédio da 2ª Requerente, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...58, da freguesia ..., e inscrito a favor da 2ª Requerente, pelo preço de 15.056.725,43€.

7. Em cada um dos escritos referidos nos pontos 5. e 6., lê-se, para o que ora releva:
“(…) Cláusula Terceira
(Obrigações do Empreiteiro)
Para efeitos do Contrato e sem prejuízo das demais obrigações previstas no mesmo, o empreiteiro obriga-se a: (…)
Facultar ao Dono da Obra ou a quem este indicar acesso ao Terreno sem qualquer restrição.
(…)”.
8. As Requerentes contrataram a empresa V..., S.A. (V...) para efectuar a fiscalização das duas referidas obras.

9. As obras de ambos os hotéis tiveram início em 17-12-2016.

10. Desde que se iniciaram as obras de construção dos Hotéis, as Requerentes têm acompanhado os trabalhos no local, entrando e saindo livremente dos prédios quer através dos seus representantes, quer através dos funcionários da empresa V....

11. Em carta datada de 23-04-2021, a Requerida informa a 1ª Requerente de que iria suspender os trabalhos de construção e que apenas os retomaria quando “fosse ressarcida dos créditos e despesas em que incorreu na construção da empreitada”, e que até lá “irá manter na sua posse o imóvel objecto da empreitada”.

12. Em carta datada de 23-04-2021, a Requerida informa a 2ª Requerente de que iria suspender os trabalhos de construção e que apenas os retomaria quando “fosse ressarcida dos créditos e despesas em que incorreu na construção da empreitada”, e que até lá “irá manter na sua posse o imóvel objecto da empreitada”.

13. No dia 26-04-2021 estava agendada, entre as Requerentes e a Requerida, a solicitação desta, vistoria conjunta à obra para efeitos de atestar a conclusão dos trabalhos.

14. Em tal data, a equipa de fiscalização da V..., composta, dentre outros, por BB, engenheira civil, foi impedida de aceder ao interior da obra por CC, funcionários da empresa JL Segurança, contratada pela Requerida, que se encontrava à entrada da vedação, que referiu ter instruções da Requerida para não deixar entrar ninguém da fiscalização na obra.

15. Na mesma data, DD, representante das Requerentes, foi impedido de aceder ao interior da obra pelas mesmas pessoas.

16. Igualmente na mesma data, a equipa da empresa fornecedora das cozinhas do Hotel 5 estrelas, que se deslocou à obra para entrega e montagem dos equipamentos, foi impedida de aceder ao interior da obra.

17. No dia 27-04-2021, EE, representante das Requerentes, que se apresentou como tal, BB e FF, engenheiras civis e funcionárias da empresa de fiscalização V... tentaram aceder à obra, tendo sido impedidos de o fazer pelos referidos vigilantes.

18. Os referidos BB, DD e EE não entraram na obra naquelas ocasiões por temerem que os vigilantes os agredissem fisicamente.

19. A aqui Requerida deduziu contra as aqui Requerentes e o Banco 1..., S.A. procedimento cautelar que corre os seus termos pelo J 13 deste Juízo Central Cível ..., como Proc. nº 26881/20...., pedindo:

19.1. Que o 3º Requerido se abstenha de efectuar qualquer pagamento à 1ª Requerida no âmbito das garantias prestadas na sequência do contrato de empreitada até ao trânsito em julgado da acção principal de que esta providência cautelar depende;

19.2. Que o 3º Requerido se abstenha de efectuar qualquer pagamento à 2ª Requerida no âmbito das garantias prestadas na sequência do contrato de empreitada até ao trânsito em julgado da acção principal de que esta providência cautelar depende;

19.3. Caso o 3ª Requerido venha a pagar à 1ª Requerida qualquer valor por conta das garantias bancárias na pendência dos autos, a 1ª Requerida proceda à devolução desse montante ao 3º Requerido, ou coloque o mesmo em depósito à ordem do tribunal, até trânsito em julgado da acção principal.

19.4. Caso o 3ª Requerido venha a pagar à 2ª Requerida qualquer valor por conta das garantias bancárias na pendência dos autos, a 2ª Requerida proceda à devolução desse montante ao 3º Requerido, ou coloque o mesmo em depósito à ordem do tribunal, até trânsito em julgado da acção principal.

20. Em 15-04-2021, após oposição dos aí Requeridos, foi proferido despacho julgando liminarmente indeferida a providência por manifesta improcedência, o qual ainda não transitou em julgado.

21. A aqui Requerida deduziu contra as aqui Requerentes procedimento cautelar de arresto que corre os seus termos por este ..., como Proc. nº 2345/21...., das contas bancárias das aqui Requerentes e dos referidos prédios.

22. Alegou para tanto em tais autos que: celebrou com cada uma das Requeridas contratos de empreitada para construção de um hotel, de cinco estrelas com a primeira requerida e de três estrelas com a segunda; levou a cabo a construção dos hotéis, nos termos do acordado, e ainda trabalhos a mais a solicitação das Requeridas, que identifica; descontando os trabalhos a menos, que não foram realizados a solicitação das Requeridas, que igualmente enuncia, verifica-se que efectuou trabalhos para a 1ª Requerida, e que foram pela mesma aprovados, no valor de 1.082.149,54€, e para a 2ª Requerida no valor de 193.536,71€. Não obstante ter facturado tais valores, e, nos termos do acordado, as Requeridas estarem obrigadas a efectuar o seu pagamento, não o fizeram nem pretendem fazê-lo. As Requeridas foram criadas apenas para a construção dos preditos hotéis, não tendo outra actividade, e têm por única accionista sociedade que tem dificuldades financeiras e está a desfazer-se do seu património.

23. Em 21-04-2021, após oposição das aí Requeridas, foi por nós proferido despacho final julgando improcedente o arresto, o qual ainda não transitou em julgado.

24. Em tal decisão, foram julgados provados os seguintes factos:

A. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...33, da freguesia ..., composto por lote de terreno para construção, em construção um edifício destinado a hotel, com 16 pisos acima do solo, 2 dos quais de embasamento e 5 pisos abaixo do solo, mostra-se inscrito a favor da 1ª Requerida, por compra na proporção de ½, em 08-01-2007, pela Ap. ...4, e por permuta na proporção de ½, em 13-08-2008, pela Ap. ...7.

B. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...58, da freguesia ..., composto por lote de terreno para construção, em construção um edifício destinado a hotel, com 15 pisos acima do solo, 2 dos quais de embasamento e 5 pisos abaixo do solo, mostra-se inscrito a favor da 2ª Requerida, por compra na proporção de ½, em 08-01-2007, pela Ap. ...4, e por permuta na proporção de ½, em 13-08-2008, pela Ap. ...6.

C. A 1ª Requerida foi constituída em 27-12-2006, tem por objecto: aquisição, construção, alienação, exploração e gestão de hotéis e de estabelecimentos similares de hotelaria, bem como a compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, tem o capital social de 50.000,00€, sendo sua accionista única a sociedade H..., S.A., com sede em ..., nº 58, ..., e administrador único AA.

D. A 2ª Requerida foi constituída em 27-12-2006, tem por objecto: aquisição, construção, alienação, exploração e gestão de hotéis e de estabelecimentos similares de hotelaria, bem como a compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, tem o capital social de 50.000,00€, sendo sua accionista única a sociedade H..., S.A., com sede em ..., nº 58, ..., e administrador único AA.

E. Em 29-11-2016, por escrito, a Requerente, identificada como empreiteiro, e a 1ª Requerida, identificada como dono da obra, acordaram na execução de um empreendimento turístico de tipo Hotel, com a categoria de cinco estrelas, no prédio da 1ª Requerida referido no ponto 1., pelo preço de 17.343.274,57€

F. Em 29-11-2016, por escrito, a Requerente, identificada como empreiteiro, e a 2ª Requerida, identificada como dono da obra, acordaram que a primeira na execução de um empreendimento turístico de tipo Hotel, com a categoria de três estrelas, no prédio da 2ª Requerida, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...58, da freguesia ..., e inscrito a favor da 2ª Requerida, pelo preço de 15.056.725,43€.

G. Em cada um dos escritos referidos nos pontos 5. e 6., lê-se, para o que ora releva:
“(…) Cláusula Terceira
(Obrigações do Empreiteiro)
Para efeitos do Contrato e sem prejuízo das demais obrigações previstas no mesmo, o empreiteiro obriga-se a:
1.  Assumir todas as responsabilidades relativas à adequação do local de execução da Empreitada (…).
2. Assumir todas as responsabilidades relativas à implementação do Projecto e à adequação do mesmo à Finalidade (…).
(…)
8. Assumir todos os custos inerentes a quaisquer trabalhos, actividades ou tarefas que não estejam expressamente mencionados no Contrato, mas que sejam necessários ao seu integral e pontual cumprimento, como sucede, entre outras, com despesas de transporte, taxas alfandegárias ou outras, armazenagem, segurança ou outros.
(…)
13. Respeitar o Orçamento relativamente a todas as medidas ou acções que venham a praticar ao abrigo do Contrato.
(…)
Cláusula Quarta
(Obrigações do Dono da obra)
O Dono da obra obriga-se a pagar ao Empreiteiro o preço previsto na Cláusula Sexta, bem como, cumprir as obrigações que para si emergem ao abrigo do presente Contrato e da Lei aplicável.

Cláusula Quinta
(Prazo)

1.   O Empreiteiro encontra-se obrigado a executar a Empreitada nos termos previstos no Plano de Trabalhos e nos demais documentos que estabelecem as suas obrigações, no estrito cumprimento dos prazos, parciais e total que se encontram fixados no Plano de Trabalhos e qualquer das suas modificações.

2. O prazo total da Empreitada será, em qualquer caso, de 480 (quatrocentos e oitenta) dias corridos, incluindo-se nesses sábados, domingos e feriados, iniciando-se o prazo total da Empreitada no dia seguinte ao da consignação da empreitada.
Cláusula Sexta
(Preço)
1.  A Empreitada considera-se como uma empreitada por preço global, fixo e não revisível (…).

Fica também esclarecido e acordado entre as Partes que não existirá direito a qualquer compensação, indemnização ou por qualquer modo pagamentos adicionais ou complementares ao Empreiteiro, por quaisquer Trabalhos a Mais, alterações, modificações, revisões ou quaisquer vicissitude, incluindo por erros e omissões ou acréscimo de onerosidade na execução, sem prejuízo do disposto na Cláusula Oitava, para o que as partes consideram o presente Contrato, para os trabalhos considerados e compreendidos no mesmo, como “chave na mão”.
Cláusula Sétima
(Plano de Trabalhos)
  (…) 2. O Empreiteiro obriga-se a executar a Empreitada nos termos e nos prazos (incluindo parciais ou intercalares) previstos no Plano de Trabalhos e no Contrato.
8. A consignação das empreitadas ocorreu no dia 17-12-2016.
9. O Plano de Trabalhos previa, designadamente:
9.1. A execução das fundações e da estrutura de betão armado (estabilidade) até ao piso 0, em Abril de 2017;
9.2. A execução da estrutura acima do solo, até à laje de cobertura, em Setembro de 2017;
9.3. A execução dos trabalhos de arquitectura entre Julho de 2017 e Maio de 2018;
9.4. A apresentação dos desenhos de preparação do quarto modelo, para aprovação, entre 1 e 15 de Agosto de 2017;
9.5. A conclusão do quarto modelo até 10-10-2017.
9.6. A conclusão das obras em 04-05-2018.

10. Para garantir as obrigações contratuais assumidas pela Requerente, no acordo referido no ponto 5., esta entregou à 1ª Requerida garantia bancária à primeira solicitação «on first demand», emitida pelo Banco 1..., S.A., da qual a 1ª Requerida é beneficiária, até ao montante de 1.734.327,45€.

11.Para garantir as obrigações contratuais assumidas pela Requerente, no acordo referido no ponto 6., esta entregou à 2ª Requerida garantia bancária à primeira solicitação «on first demand», emitida pelo Banco 1..., S.A., da qual a 1ª Requerida é beneficiária, até ao montante de 1.505.672,54€.

12. Para financiar a construção das Empreitadas, as Requeridas contraíram financiamento junto de um sindicato bancário composto pelo Banco 1..., S.A, pela Banco 2... e pelo Instituto Oficial de Crédito.

13. Em 29-11-2016, a Requerente, por escrito, em 1º Aditamento aos contratos referidos nos pontos 5. e 6., acordou com as Requeridas que:

13.1. As minutas das garantias referidas nos pontos 7. e 8. seriam alteradas em conformidade com o que viesse a ser imposto pelo sindicato bancário;

13.2. E que qualquer valor decorrente da execução das garantias referidas nos pontos 7. e 8. deveria ser pago ao sindicato bancário.

14. Em 04-12-2018, a Requerente, por escrito, em 2º Aditamento aos contratos referidos nos pontos 5. e 6., acordou com as Requeridas, designadamente:

14.1. Fixar o prazo de conclusão das Empreitadas em 02-01-2020;

14.2. Pagamento, pelas Requeridas, de facturas emitidas pela Requerente que, à data, se encontrassem por pagar pelas Requeridas;

14.3. Submeter os litígios emergentes dos acordos referidos nos pontos 3. e 4. e do 2º Aditamento a Tribunal Arbitral;

14.4. Que as Garantias Bancárias Iniciais manter-se-ão em vigor até ao trânsito em julgado da última das acções arbitrais a respeito dos contratos.

14.5. Reforçar as garantias bancárias prestadas pela Requerente para servir de caução do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas pela Requerente nos Contratos e no 2º Aditamento.

14.6. Que as garantias bancárias seriam reduzidas e libertadas pelas Requeridas do seguinte modo:

14.6.1. Pelo valor de 500.000,00 (quinhentos mil euros), na data em que a Requerente facture, em quaisquer 2 meses consecutivos do prazo de prorrogação, uma quantia igual ou superior a 2.000.000,00 € (dois milhões de euros), no somatório das facturações do Hotel de 5 estrelas e do Hotel de 3 estrelas, obrigando-se as Requeridas a comunicar de imediato essa redução ao Banco emitente das Garantias de Reforço;

   14.6.2. Pelo valor de 500.000 € (quinhentos mil euros), na data do pedido de emissão da licença de utilização de qualquer um dos Hotéis.

15. A Requerente entregou à 1ª Requerida garantia bancária à primeira solicitação «on first demand», emitida pelo Banco 1..., S.A, e da qual a 1ª Requerida é beneficiária, até ao montante de 1.000.000,00€.

16. A Requerente entregou à 2ª Requerida garantia bancária à primeira solicitação «on first demand», emitida pelo Banco 1..., S.A, e da qual a 2ª Requerida é beneficiária, até ao montante de 1.000.000,00€.

17. Nos meses de Março e Abril de 2019, a Requerente facturou às Requeridas o valor de 2.252.023,44€ (dois milhões, duzentos e cinquenta mil, vinte e três euros e quarenta e quatro cêntimos).

18. Nos meses de Outubro e Novembro de 2019, a Requerente facturou às Requeridas o valor de 2.939.751,54€ (dois milhões, novecentos e trinta e nove mil, setecentos e cinquenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos).

19. As Requeridas não procederam à redução das garantias.

20. A Requerente, em 16-07-2018, em 30-12-2019 e em 07-08-2020 apresentou à requerida pedidos de prorrogação do prazo de conclusão das obras.

21. As Requeridas recusaram a prorrogação do prazo de conclusão das obras.

22. A Requerente reiterou o pedido de prorrogação dos prazos em 20-08-2018 e em 17-03-2020.

23. Em execução do acordo a que se refere o ponto 5., a Requerente efectuou os seguintes trabalhos a menos:

1621 - TM-09/00: Alteração da marca do caminho de cabos de OBO para BASOR;

1621 - TM-19/00: Substituição de cabos de cobre por alumínio;

1621 - TM-20/00: Alteração da marca do Posto de Transformação e Seccionamento;

1621 - TM-28/01: Alteração das armaduras LX;

1621 - TM-32/00: Alteração das armaduras L4;

1621 - TM-33/01: Substituição de válvulas macho esférico de bronze para latão;

1621 - TM-34/00: Supressão da parede de bloco no local da PCA1;

1621 - TM-36/00: Alteração de condutas de AVAC e rede de incêndios nos quartos;

1621 - TM-71/00: Alteração do PT;

1621 - TM-79/00: Menor valia pela alteração das torneiras de corte e sifões dos lavatórios dos quartos;

1621 - TM-81/00: Alteração das telas das coberturas de acesso automóvel 3.6.3 para 3.6.1;

1621 - TM-85/00: Alteração dos quadros eléctricos dos quartos;

1621 - TM-99/00: Alteração dos purgadores de ar - H5

1621 - TM-128/00: Menor Valia para a Actualização das Workstations da CCTV.

24. Em execução do acordo a que se refere o ponto 6., a Requerente efectuou os seguintes trabalhos a menos:

1622 - TM-09/00: Alteração da marca do caminho de cabos de OBO para BASOR;

1622 - TM-19/00: Substituição de cabos de cobre por alumínio;

1622 - TM-20/00: Alteração da marca do Posto de Transformação e Seccionamento;

1622 - TM-32/00: Alteração das armaduras L4;

1622 - TM-33/01: Substituição de válvulas macho esférico de bronze para latão;

1622 - TM-34/00: Supressão da parede de bloco no local da PCA1;

1622 - TM-55/00: Alteração de parede na zona do PT - H3;

1622 - TM-72/00: Redução do Vão VI323; 24.9. 1622 - TM-79/00 Menor valia pela alteração das torneiras de corte e sifões dos lavatórios dos quartos;

1622 - TM-81/00: Alteração das telas das coberturas de acesso automóvel 3.6.3 para 3.6.1;

1622 - TM-85/00: Alteração dos quadros eléctricos dos quartos;

1622 - TM-86/00: Alteração das lajes das mezzanines;

1622 - TM-99/00: Alteração dos purgadores de ar;

1622 - TM-128/00: Menor Valia para a Actualização das Workstations da CCTV.

 25. A Requerente apresentou, à 1ª Requerida, pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, alegando que tal quantia ascende a 6.543.478,21€ (seis milhões, quinhentos e quarenta e três mil, quatrocentos e setenta e oito euros e vinte e um cêntimos), que a 1ª Requerida não pagou, não obstante a Requerida o ter solicitado em 31-03-2020.

26. A Requerente apresentou, à 2ª Requerida, pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, alegando que tal quantia ascende a 5.418.724,96€ (cinco milhões, quatrocentos e dezoito mil, setecentos e vinte e quatro euros e noventa e seis cêntimos), que a 2ª Requerida não o pagou, não obstante a Requerida o ter solicitado em 31-03-2020.

27. Em 13-11-2020, a Requerente, por carta registada com aviso de recepção, notificou as requeridas do pedido de submissão a arbitragem dos litígios emergentes da execução dos acordos referidos acima, designadamente no que concerne à prorrogação dos prazos para execução das obras acordadas – Doc. 31.

 28. Em 14-12-2020, as Requeridas accionaram as garantias referidas nos pontos 7., 8., 12. e 13.

29. Em 28-12-2020, as Requeridas solicitaram à Requerente o pagamento de penalidade alegando atraso na conclusão dos trabalhos, no montante de 3.468.654,91€, no Hotel de 5 estrelas, e de 3.011.345,08€, no Hotel de 3 estrelas.

30. As obras ainda não se encontram concluídas.»

*
        
Depois da audiência da requerida, foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:

1 - «O pedido de submissão do conflito a arbitragem foi apresentado em 13 de Novembro de 2020 (art. 133º da oposição).

2 - Em 14 de Dezembro de 2020, as Requerentes solicitaram ao Banco 1..., S.A o accionamento das garantias bancárias no valor de €2.734.327,45, no caso da 1ª Requerente, e no valor de €2.505.672,54, no caso da 2ª Requerente (arts. 85º, 141º, e 142º, da oposição).

3 - Invocando o atraso na conclusão dos trabalhos, por cartas de 28/12/2020, a 1.ª e 2.ª Requerentes aplicaram à Requerida o montante máximo de penalidades contratualmente previstas, respectivamente, €3.468.654,91 e €3.011.345,08, (art. 60º, 99º, 1ª parte, e 100º, 1ª parte, da oposição).

4 - Nos contactos previamente havidos com a Requerida, as Requerentes não mencionaram a possibilidade de vir a aplicar penalidades contratuais por conta dos atrasos (art. 77º da oposição).

5 - A Requerida respondeu à aplicação das penalidades, por cartas datadas de 11 de Janeiro de 2021, contestando essas penalidades e refutando qualquer responsabilidade pelos atrasos (art. 61º da oposição).

6 - A 1ª Requerente não pagou à Requerida o valor total de €1.767.731,92 a título de trabalhos contratuais executados pela Requerida, reclamados nas facturas emitidas entre 14/10/2020 e 16/04/2021, juntas à oposição como doc. nº 5 (art. 52º da oposição). 

7 - A 2.ª Requerente não pagou à Requerida o montante total de €1.315.146,19 a título de trabalhos contratuais executados pela Requerida, reclamados nas facturas emitidas entre 14/10/2020 e 16/04/2021, juntas à oposição como doc. nº 6 (art. 53º da oposição).

8 - Em resposta às cartas da Requerida de 17/02/2021, 05/04/2021 e 14/05/2021, as Requerentes invocaram a compensação entre o valor das penalidades contratuais aplicadas e os valores mencionados em 6. e 7. (art. 64º da oposição).

9 - Na cláusula 20ª, nº 2, de ambos os contratos, a propósito das penalidades contratuais, pode ler-se: “2. As multas aplicadas ao Empreiteiro serão deduzidas no primeiro pagamento efectuado ou devido logo após a sua aplicação ou, não havendo pagamentos a efectuar e caso o mesmo não proceda ao respectivo pagamento no prazo de 5 (cinco) dias a contar da respectiva notificação para o efeito enviado pelo Dono da obra, através do accionamento de qualquer das garantias contratualmente existentes.” (art. 80º da oposição).

10 - Para além dos trabalhos contratuais não pagos referidos em 6. e 7., a Requerida realizou até Março de 2021 outros trabalhos contratuais não validados pela fiscalização que invocou falhas nos mesmos, e não pagos, que a mesma contabilizou no valor total de €1.033.324,34, sendo €582.243,37 relativos à 1ª Requerente, e €451.080,97 respeitantes à 2ª Requerente (art. 58º da oposição em parte).

11 - No âmbito da empreitada, foram definidas ou discutidas com a fiscalização as seguintes alterações ao projecto relativamente aos dois hotéis (H5 e H3), parte das quais resultaram de reparações e da falta ou desactualização de materiais ou equipamentos inicialmente previstos:
° Definição das Lajetas do bar (H5);
° Definição das Fachadas em Painéis de Alumínio;
° Alteração dos Layouts das Cozinhas;
° Alteração das alvenarias Piso 0 (H5);
° Alteração do Separador de Gorduras;
° Alteração do Gradil Passadiços de Fachada;
° Alteração do painel retro iluminado (H5);
° Alteração do revestimento AI307;
° Alteração posicionamento radiadores (H5);
° Alteração rodapé corredores RP515 (H5);
° Introdução de Corte Laje piso 2 na E2A (H3);
° Alteração da Impermeabilização do Piso 2 (H5);
° Alteração Pavimento Lobby (H5);
° Alteração das Alcatifas;
° Alteração do Pavimento SPA;
° Alteração Zona Refúgio Corredor-Carretel (H5);
° Alteração Cor Armário MF316 Quartos C e D (H3);
° Alteração do Sistema CCTV;
° Alteração registos transferência corredores (H5);
° Alteração da estrutura metálica apoio deck (H5);
° Alteração do Pavimento dos Quartos (H3);
° Equipamentos SPA (H5);
° Alteração da Piscina (H5);
° Bar na Cobertura (H5);
° Alteração do Pátio Interior (H5);
° Alteração dos Portões de Garagem (H3);
° Alteração dos Postos de Transformação;
° Definição da Sala dos Geradores;
° Definição da Climatização Salas dos Bastidores;
° Definição das Imagens para Painéis Retro Iluminados / Papel Parede;
° Definição da Fachada Cortina - Vão Ve546 (H5);
° Alteração do Revestimento Interior dos Elevadores Triplex (H5);
° Alterações dos QE na Cobertura (H5);
° Alteração da Sala de CCTV no Piso -1 (H5);
° Alteração dos Contactos Magnéticos das Janelas;
° Definição dos Acabamentos das Salas dos Bastidores;
° Alteração da Sala de Refúgio no Piso 7 (H5);
° Alteração da Pérgula da Cobertura do Bar (H5);
° Alteração das Divisórias Amovíveis no Piso 1;
° Alteração do Acabamento das Carpintarias (H5);
° Ventilação do Compartimento das Válvulas RSU (H5);
° Alteração do MF 525 (H5);
° Limitação Abertura Vãos Exteriores;
° Lacagem Grelhas nos Quartos (H3);
° Alteração dos Espelhos das IS nos Quartos (H5);
° Reforço Estrutural do Elevador Triplex nos Pisos 0 e -1 (H5);
° Alteração do Revestimento da Porta CF do VI307 (H3);
° Alteração da Localização da UTA 5UTAN -1.1 (H5);
° Alteração da Forra das Paredes dos Quartos Tipo A (N.º 12) (H5);
° Alteração do Pavimento das Cozinhas;
° Novo Compartimento C1.07 (H5);
° Ventilação do Sistema RSU (H5);
° Iluminação das Salas Técnicas dos Bastidores (H3);
° Alteração do Vão VT503 (H5);
° Rectificação de acabamentos do Piso -1 Espaço C1.21 (H5). (art. 147º da oposição).

12 - Em consequência das alterações aos projectos/ materiais iniciais, de reparações solicitadas e da falta ou desactualização de materiais ou equipamentos inicialmente previstos, a Requerida realizou os seguintes trabalhos para a 1ª Requerente, ou seja, no Hotel de 5 estrelas:

° Alteração da base dos depósitos, maior escavação e execução de base drenante e enchimento com material britado;
° Impermeabilização da laje térrea do piso -5;
° Aterro no tardoz do muro central;
° Alterações introduzidas ao projecto de instalações hidráulicas (recebido em 18/12/2017), alteração dos traçados das redes de Incêndio em aço galvanizado, drenagem de águas residuais domésticas em polipropileno e ferro fundido;
° Alterações em condutas de extracção da cozinha (resposta a PE-104.AVAC), alteração do tipo das tubagens circulares em aço galvanizado para aço galvanizado com protecção ignífuga;
° Alteração da rede de drenagem (recebido em 18/12/2017), alteração da rede de drenagem das águas residuais domésticas, com aumento de metros e alteração de diâmetros, incluindo introdução de caleiras;
° Electrobombas circuladoras AQS (Conforme esclarecimento a PE-073.A&E);
° Alteração das condutas de AVAC - PE 99 e 100;
° Alteração dos registos motorizados (Resposta a PE-127.AVAC);
° Isolamento de tectos falsos;
° Alteração dos RCF's no piso -1;
° Alteração dos modelos e referências de alcatifas;
° Remoção de isolamento acústico aderido às lajes nos quartos de hotel 5 estrelas;
° Alteração dos tectos falsos previstos no interiorismo;
° Alteração das armaduras LG503;
° Alteração do acabamento das carpintarias;
° Alteração da armadura das lajes da rampa;
°  Alteração das lajes de fundo e extra curso dos elevadores;
° Execução de betonilha autonivelante em lajes técnicas (mezanines);
° Alteração da lacagem do RAL 9010 para 9003 das grelhas dos quartos nos pisos 2 a 14;
° Alteração dos contactos magnéticos das janelas;
° Alteração do posicionamento do Sprinkler no corredor dos quartos;
° Maior valia para a alteração do acabamento do rodapé dos corredores RP515;
° Alteração da localização do Radiador toalheiro;
° Alteração do painel retro iluminado;
° Alteração pavimento PERGO;
° Ventilação da caixa do elevador EL7;
° Ventilação do compartimento das válvulas RSU;
° Alteração do VT503 da courette;
° Alteração do gradil dos passadiços metálicos;
° Alteração dos espelhos das I.S quartos;
° Alteração do Pátio;
° Alteração da base de duche do quarto PMR;
° Arranque dos pilares na parede moldada;
° Alteração das ancoragens na Limpeza de Fachada;
° Layout áreas técnicas piso -1;
° Fornecimento radiadores seca toalhas;
° Alteração revestimento 8.1.6 - "Chalet OAK F6053 Mate 58 para Mission OAK F6051;
° Alteração do tecto da antecâmara escada clientes;
° Alteração das lajes das mezzanines;
° Alteração dos batentes na zona dos resguardos de duche;
° Compartimento Novo no C1.07 (mail de 18/03/2019);
° Alteração do vão VE546;
° Alteração da piscina do hotel 5 Estrelas – EUROSTARS
° Alteração dos painéis acústicos (Reiter);
° Solução acústica nas salas dos geradores;
° 3 Rasgos nos peitoris;
° Alteração de extintores de 5kg para corpo alumínio;
° Alteração da forra das paredes dos quartos tipo A nº 12;
° Alteração da localização da UTA 5UTAN -1.1;
° Acabamentos nas salas de bastidores;
° Alteração da sala de refúgio Piso 7;
° Alteração das serralharias dos PT;
° Alteração do pavimento das cozinhas;
° Alteração do Pavimento PI501 e PI308;
° Alteração do Pavimento PI501 e PI308;
° Alteração do painel MF525;
° Alteração das paredes dos corredores junto à escada E3;
° CCTV - Alteração do compartimento C1.29;
° Colocação de ralo na escada E2;
° Alteração dos Acabamentos do C1.21;
° Acesso às mezaninos do piso 0;
° Alteração da Estrutura Metálica do Bar na Cobertura;
° Alteração da rede de incêndio da cave 1;
° Alteração do Vídeo Porteiro (art. 158º da oposição).

13 - Em consequência das alterações impostas aos projectos/ materiais, de reparações solicitadas e da falta ou desactualização de materiais ou equipamentos inicialmente previstos, a Requerida realizou os seguintes trabalhos no Hotel de 3 estrelas:

Execução de ensaio de compressão axial sobre mico estaca;
Parede PCA1;
Camada drenante - alteração da base dos depósitos;
Impermeabilização da laje térrea do piso -5;
Aterro no tardoz do muro central;
Alterações introduzidas ao projecto de instalações hidráulicas (recebido em 18/12/2017);
VT309 no compartimento 0.07;
Electrobombas circuladoras AQS (Conforme esclarecimento a PE-073.A&E);
 Alteração das condutas de AVAC - PE 99 e 100;
Alteração dos registos motorizados (Resposta a PE-127.AVA)
Isolamento de tectos falsos; (xii) Alteração dos RCF's no piso -1;
Alteração dos modelos e referencias de alcatifas;
Alteração dos tectos falsos previstos no interiorismo;
Alteração nos quartos;
Alteração do pré-esforço;
Reparação da parede moldada ao nível do piso -1 junto à escada E2A;
Selagens sapata S2A;
Alteração da armadura das lajes da rampa;
Alteração da malha geral da laje do piso 0 zona do grupo gerador;
Alteração das lajes de fundo dos elevadores;
Execução de betonilha autonivelante em lajes técnicas (mezanines);
Execução de betonilha de enchimento no piso -1;
Alteração da laje de cobertura do núcleo N2B;
Alteração da lacagem do RAL 9010 para 9003 das grelhas dos quartos nos pisos 2 a 14;
Alteração do revestimento do vão Vi307;
Alteração dos contactos magnéticos das janelas;
Corte da laje na escada E2A;
Ventilação do compartimento das válvulas RSU;
Alteração do gradil dos passadiços metálicos;
Alteração das ancoragens na Limpeza de Fachada;
Pavimento EGGER;
Layout áreas técnicas piso -1;
Alteração revestimento 8.1.6 - "Chalet OAK F6053 Mate 58 para Mission OAK F6051;
Alteração do pavimento da antecâmara da escada E5.01 no piso 1
Alteração das luminárias LG300 nos quartos modelo;

Alteração pintura armários MF316 nos quartos tipo C e D;
Solução acústica nas salas dos geradores;
3 Rasgos nos peitoris;
Alteração de extintores de 5kg para corpo alumínio;
Acabamentos nas salas de bastidores;
Alteração aos portões da Hormann;
Alteração das serralharias dos PT;
Alteração do pavimento das cozinhas;
Alteração do Pavimento PI501 e PI308;
Tratamento ignífugo nas circunferências Naturtex (art. 159º da oposição).

14 - No início da obra, em reunião realizada em 10/08/2017, foi acordado, entre a Requerida e a Fiscalização, um valor de €278.058,11 por conta dos primeiros trabalhos a mais executados nas empreitadas (art. 166º da oposição).

15 - Esse valor de €278.058,11 não foi pago pelas Requerentes à Requerida (art. 167º da oposição).

16 - A Requerida apresentou às Requerentes pedidos de prorrogação de prazo para conclusão das empreitadas em 16 de Julho de 2018, em 30 de Dezembro de 2019 e em 7 de Agosto de 2020, juntando relatórios com vista a fundamentar os seus pedidos de prorrogação global de prazo, conforme docs. n.º 14 a 19 juntos à oposição e que se dão por reproduzidos (arts. 149º e 150º da oposição).

17 - Por meio de cartas de 30/07/2018, 12/02/2020, e de 28/09/2020 (juntas ao req. inicial como docs. 25, 32, 33, 34, e 35), as Requerentes recusaram os pedidos de prorrogação de prazo apresentados pela Requerida, recusaram pagar os custos dos trabalhos a mais, e recusaram ainda os pedidos de reequilíbrio financeiro dos contratos apresentados pela Requerida, com a justificação que delas consta e se dá por reproduzida (arts. 148º e 154º da oposição).

18 - Por cartas datadas de 17 de Março de 2020, a Requerida sumariou e reclamou os trabalhos que a mesma considerava serem “a mais” executados ao longo da execução das obras, conforme docs. nºs 20 e 21 juntos à oposição, cujo teor se dá por reproduzido (arts. 160º e 161º da oposição).

19 - O valor dos trabalhos considerados a mais pela Requerida foi contabilizado pela Requerida no total de €994.602,39 para o hotel de 5 estrelas, e no valor total de €560.518,43 para o hotel de 3 estrelas, de acordo com o mapa de controlo junto à oposição como doc. nº 22 (art. 163º da oposição em parte).

20 - Esses valores foram facturados pela Requerida, conforme facturas juntas à oposição como doc. nº 23, emitidas entre 30/10/2017 e 22/01/2021, e não foram pagos pelas Requerentes (art. 164º da oposição).

21 - A Fiscalização não validou os valores dos trabalhos a mais realizados pela Requerida ao longo da execução da obra, com exceção dos primeiros trabalhos a mais realizados nas obras (art. 165º da oposição em parte).

22 - A par dos custos dos trabalhos elencados nos pontos 14. e 15., a Requerida suportou custos decorrentes dos mesmos com:

- Encargos com mão de obra própria ou alugada;

- Encargos com equipamento alugado;

- Encargos de estaleiro, seguros e garantias (por maior permanência em obra);

- Estrutura central e custos de oportunidade (por maior permanência em obra);

- Custos financeiros;

- Custos com elaboração de projecto (art. 181º da oposição).


23 - Estes custos foram contabilizados pela Requerida nos montantes de €6.543.478,2, no caso do Hotel de 5 estrelas, e de €5.418.724,96, no caso do Hotel de 3 estrelas (arts. 182º e 183º da oposição).

24 - No dia 12 de Abril de 2021 a Engenheira BB, da Fiscalização, dirigiu-se à obra, e após lhe ter sido pedida a identificação por um dos vigilantes que já a conhecia, o que a mesma recusou, envolveu-se numa discussão e confronto físico com a mulher de um dos seguranças que ali se encontrava para deixar o almoço ao seu marido (arts. 222º e 227º da oposição).

25 - Os vigilantes presentes no local separaram a Engenheira BB e a esposa do segurança (art. 228º da oposição).

26 - Quando, por cartas de 23 de Abril de 2021, juntas aos autos (doc nºs 16 e 17 do req. inicial), a Requerida informou as Requerentes de que se iria manter “na posse” dos imóveis objecto da empreitada até que “os créditos e despesas” lhe fossem ressarcidos, a Requerida informou a empresa de segurança por si contratada que apenas pessoas que se encontrassem previamente autorizadas pela Requerida, incluindo as Requerentes e a fiscalização, poderiam aceder à obra (art. 232º da oposição).

27 - No dia 18 de Maio de 2021 o representante das Requerentes remeteu o seguinte email à Requerida:

«Apreciados Senhores, Informamos que o Sr. GG e o Sr. HH da companhia O... e o Sr. II e Sr. JJ da companhia C... irão visitar os hotéis situados no ... durante o dia de hoje às 15h30, tendo que ter acesso a todas as partes dos edifícios que solicitem, nomeadamente quartos modelos e outros locais» (art. 239º da oposição).


28 - Nesse mesmo dia 18 de Maio de 2021, a Requerida respondeu a esse correio electrónico do representante das Requerentes nos seguintes termos:
«Estimado EE
A visita será acompanhada pelo Eng. KK» (art. 241º da oposição).

29 - As pessoas indicadas pelas Requerentes visitaram a obra e acederam a todas as partes dos edifícios que desejaram, tendo sido acompanhados nessa visita pelo Engenheiro KK, colaborador da Requerida (art. 243º da oposição).»

*

Após a audiência da requerida, foi considerado que não se provou:

«1. A matéria alegada pela Requerida nos arts. 147º (na parte em que as alterações tenham sido solicitadas pelas Requerentes e no sentido em que também não estejam em causa erros e incompletudes), 158º (na parte em que as alterações tenham sido solicitadas pela 1ª Requerente e no sentido em que também não estejam em causa correcções, e que enquanto trabalhos a mais tenham o valor facturado pela Requerida), e 159º (na parte em que as alterações tenham sido solicitadas pela 2ª Requerente e no sentido em que também não estejam em causa correcções, e que enquanto trabalhos a mais tenham o valor facturado pela Requerida) da oposição.»

*



II – Fundamentação

O direito processual civil apenas estabelece, no art.º 608.º, aplicável ao recurso de revista por força das disposições conjugadas dos artigos 663.º, n.º 2 e 677.º do Código de Processo Civil, que “Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”, devendo resolver “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Assim, seguiremos a análise das questões objecto de recurso tendo em conta a sua ordenação lógica cuja procedência determine a mais estável e eficaz tutela dos interesses em discussão nestes autos de procedimento cautelar.

 
1. Contradição de julgados
- Relevância do direito de crédito para a constituição do direito de retenção.
- Esbulho.

O acórdão recorrido partindo da situação de facto antes explanada em que as recorrentes contrataram a recorrida, na qualidade de empreiteira para construir em terreno das recorrentes dois hotéis, nos termos e condições indicadas nos dois contratos de empreitada celebrados entre as partes, um para cada hotel e que, num dado momento da construção da obra esta se arroga credora daquelas por determinadas quantias, quando as recorrentes não só dizem não estarem em dívida tais quantias por corresponderem a trabalhos que a empreiteira teve que executar para colmatar defeitos da obra, mas ainda se arrogam credoras da empreiteira de valores consideravelmente superiores a título de penalizações contratualmente previstas pelo atraso na execução da obra, atraso este não discutido nos autos, tendo a empreiteira impedido fisicamente o acesso à obra das recorrentes e das pessoas que em sua representação ali se dirigiram para fiscalizar a obra, entendeu que:
“(…) O procedimento cautelar nominado de restituição provisória de posse visa conferir tutela provisória ao possuidor que, por seu intermédio, alcança a reconstituição da situação possessória anterior ao esbulho violento” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 19 de Outubro de 2016, processo 487/14.4T2STC.E2.S1).
No presente procedimento cautelar, não houve reconstituição da situação possessória anterior.
Na verdade, as donas da obra que exerciam a posse por intermédio da empreiteira passaram, com o decretamento da providência de restituição provisória de posse, a poder exercer a posse pessoalmente, uma vez que, com o decretamento da providência, obtiveram a entrega da obra no estado em que esta se encontrava.
Esta consideração só por si evidencia que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento.
Analisemos com mais detalhe a questão da posse.
Nos termos dos arts. 1251º e 1253º do C.C., são elementos essenciais da posse o corpus e o animus.
O corpus consiste na possibilidade de exercer poderes sobre a coisa. Não é necessário um exercício efectivo, constante, mas também não basta um contacto passageiro ou fugaz com a coisa. É necessário que a coisa se encontre na zona de efectiva disponibilidade.
Conforme estipulado pelas partes, “o empreiteiro obriga-se a… facultar ao Dono da Obra ou a quem este indicar acesso ao Terreno sem qualquer restrição”.
Daqui decorre que era a requerida quem detinha os terrenos e as obras que neles estava a realizar.
O animus consiste na intenção de exercer poderes sobre a coisa como se fosse titular do direito real sobre essa coisa.
Nos termos do art. 1212º nº 2 do C.C., “no caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a coisa é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais; estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados no solo”.
Importa, pois, concluir que a requerida detinha os terrenos e as obras que neles estava a realizar em nome das requerentes. Contudo, por cartas datadas de 23 de Abril de 2021, a requerida informou as requerentes «de que iria suspender os trabalhos de construção e que apenas os retomaria quando “fosse ressarcida dos créditos e despesas em que incorreu na construção da empreitada”, e que até lá “irá manter na sua posse o imóvel objecto da empreitada”.»
A requerida manifestou a sua intenção de reter os terrenos e as obras que neles estava a realizar enquanto não for satisfeito o que acha que lhe é devido.
A partir desse momento, a requerida passou de mera detentora a possuidora. No entanto, não exerceu poderes como se fosse titular do direito de propriedade, mas como se fosse titular do direito de retenção, que é um direito real de garantia (www.dgsi.pt Acórdãos do STJ proferidos a 10 de Maio de 2011, processo 661/07.0TBVCT-A.G1.S1; e a 16 de Maio de 2019, processo 61/11.7TBAVV-B.G1.S1).
Poderá esta mudança ser qualificada de esbulho?
“Como princípio geral, pode dizer-se que o acto é de turbação, quando diminui, altera ou modifica o gozo e o exercício do direito, sem destruir a retenção ou a fruição existente, ou a sua possibilidade…
O esbulho, contrariamente, supõe a privação, total ou parcelar, da posse” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, anotação ao art. 1278º).
Como referido atrás, a requerida não exerceu poderes como se fosse titular do direito de propriedade, mas como se fosse titular do direito de retenção.
O direito de retenção é um direito real menor, em comparação com o direito de propriedade, considerado o direito real maior.
Conforme resulta do art. 754º do C.C, “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
(…)
Para a questão de saber se há esbulho, não é relevante saber se a requerida goza ou não do direito de retenção. Relevante é o animus, a intenção da requerida de reter os terrenos e as obras que neles estava a realizar.
Nos termos do art. 1209º nº 1 do C.C., “o dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada”. “Para que se torne efectivo o direito de fiscalizar, incumbe ao empreiteiro pôr à disposição do dono da obra o que, para tal fim, for necessário, e tornar-lhe possível o acesso ao local de trabalho” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, anotação ao art. 1209º).
Conforme estipulado, a requerida estava obrigada a “facultar ao Dono da Obra ou a quem este indicar acesso ao Terreno sem qualquer restrição”.
As requerentes que entravam e saiam “livremente dos prédios quer através dos seus representantes, quer através dos funcionários da empresa V...”, passaram, a partir do momento em que a requerida manifestou a sua intenção de reter os terrenos e as obras que neles estava a realizar enquanto não for satisfeito o que acha que lhe é devido, a carecer de prévia autorização para aceder aos prédios.
O acesso aos prédios pelas requerentes tem a ver com a relação contratual entre dona da obra e empreiteira e não com posse ou direito de propriedade.
A limitação a esse acesso tem a ver com incumprimento contratual e não com esbulho.”

            No acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 07/05/2009 no processo 749/08.0TVLSB.L1-6 proferido num procedimento cautelar especificado de restituição provisória instaurado pelo empreiteiro contra o dono da obra, estava em causa um contrato de empreitada, para construção de uma moradia unifamiliar. Foi invocado pelo empreiteiro que quando a obra estava praticamente concluída, o dono da obra deixou de pagar várias facturas, existindo um crédito a favor do empreiteiro num total de €148.703,24. A certa altura o empreiteiro tomou posse da obra e não permitiu a entrada do dono da obra e outras pessoas nela. O dono da obra conseguiu alterar as fechaduras e impedir o empreiteiro de a ela aceder e, finalmente, o empreiteiro, aproveitando uma distracção dos serviços de segurança do dono da obra, substituiu as fechaduras e passou a impedir o dono da obra de nela entrar. Invocando o direito de retenção e que o dono da obra, contra a vontade do empreiteiro, tomou posse da moradia, arrombando-a e mudando as fechaduras, impedindo assim o acesso deste à obra, pretende que o tribunal a restitua à posse da moradia.
A questão fundamental de direito no acórdão recorrido e no acórdão fundamento é saber se o empreiteiro tem direito de retenção da obra e o pode exercer contra o dono da obra. No acórdão fundamento considera-se existir esse direito de retenção se o empreiteiro tiver um crédito sobre o dono da obra, e lançar mão dos meios possessórios por causa desse crédito e se detiver licitamente a coisa dado que o art. 756.º al a) Código Civil nega o direito de retenção àqueles que tenham obtido por meios ilícitos a coisa a entregar.
Além de ter sido considerado que o empreiteiro obteve a detenção da obra por meios ilícitos, perdendo, por isso, a tutela possessória, acrescentou-se ainda que:
“(…) Do confronto dos factos provados não se afigura líquido que a recorrente detenha um crédito sobre o recorrido.
Estando em sede de providência cautelar não se exige um aprofundamento exacto dos direitos invocados mas que exista uma probabilidade séria desses direitos existirem. No caso, dado os atrasos, os defeitos, a obra por acabar, as sanções constantes do contrato para os incumprimentos contratuais, tanto é provável que a recorrente tenha um crédito sobre o recorrido como o contrário.
Por isso, ainda que outros pressupostos não obstassem, sempre a falta de clareza da existência ou não do crédito impedia que se desse seguimento à providência.”
No acórdão recorrido, não se curou de saber se existia ou não um crédito da empreiteira sobre o dono da obra considerando-se que bastava a manifestação por parte da empresa empreiteira da sua intenção de reter os terrenos e as obras que neles estava a realizar enquanto não for satisfeito o que acha que lhe é devido.
A partir desse momento, a requerida passou de mera detentora a possuidora. No entanto, não exerceu poderes como se fosse titular do direito de propriedade, mas como mas como se fosse titular do direito de retenção
As requerentes que entravam e saiam “livremente dos prédios quer através dos seus representantes, quer através dos funcionários da empresa V...”, passaram, a partir do momento em que a requerida manifestou a sua intenção de reter os terrenos e as obras que neles estava a realizar enquanto não for satisfeito o que acha que lhe é devido, a carecer de prévia autorização para aceder aos prédios.
O acesso aos prédios pelas requerentes tem a ver com a relação contratual entre dona da obra e empreiteira e não com posse ou direito de propriedade.
A limitação a esse acesso tem a ver com incumprimento contratual e não com esbulho.”
No acórdão recorrido é pedida a restituição provisória de posse pelo proprietário do imóvel contra o empreiteiro que a retém e invoca direito de retenção do imóvel para garantia dos créditos que tem sobre o proprietário gerados pelo contrato de empreitada.
No acórdão fundamento o empreiteiro quer que o imóvel, em posse efectiva do proprietário, lhe seja provisoriamente restituído para que o possa reter, invocando direito de retenção do imóvel para garantia dos créditos que tem sobre o proprietário geradas pelo contrato de empreitada. Apesar de as situações poderem parecer diametralmente opostas, por o empreiteiro ser autor no acórdão fundamento e réu no acórdão recorrido, e, o proprietário ser réu no acórdão fundamento e autor no acórdão recorrido há uma questão de direito essencial para a decisão que se repete em ambos os acórdãos: – tem o empreiteiro direito de retenção do imóvel por créditos sobre o proprietário geradas pelo contrato de empreitada se não demonstrar a existência destes créditos?
A situação de facto subjacente é substancialmente idêntica dado que em ambas as situações o empreiteiro invoca ter um crédito sobre o dono da obra que legitima a retenção e o dono da obra diz ter um crédito superior sobre o empreiteiro pela execução defeituosa da obra, que aniquila aquele direito de retenção.
Em ambas as situações analisadas pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento foram provadas dívidas da obra a cargo do dono da obra, mas também dívidas do empreiteiro para com este por má execução da obra.
Todavia a identidade fáctica entre a situação analisada nos acórdãos fundamento e recorrido não impõe uma coincidência completa entre uma e outra, apenas a identidade necessária a demandar a resolução da mesma questão de direito.
As soluções encontradas em ambos os acórdãos são diametralmente opostas.
No acórdão fundamento não é concedida a pretensão cautelar ao empreiteiro de que lhe seja restituída provisoriamente a posse do imóvel onde executou o contrato de empreitada porque não fez ele prova de ter um crédito sobre o proprietário e, nessa medida não é titular de qualquer direito de retenção.
No acórdão recorrido é negado ao proprietário a pretensão cautelar de que lhe seja restituída provisoriamente a posse do imóvel não porque o empreiteiro provou ter créditos sobre ele por força do contrato de empreitada, mas por ter sido entendido que as dívidas emergentes do contrato eram questões atinentes à responsabilidade contratual e delas nada decorria para este processo, pois para não decretar a restituição provisória de posse a favor do dono da obra basta que empreiteiro tenha o animus de reter a coisa, exista ou não crédito sobre o dono da obra.
Tanto basta para poder ser afirmada a admissibilidade do presente recurso de revista no presente processo.


Como se refere no acórdão recorrido o art. 1212º nº 2 do código civil define que “no caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a coisa é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais; estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados no solo”.”. Assim, à medida que os hotéis foram sendo construídos em terreno das requerentes eles passaram a ser coisa sua, porque seus proprietários se converteram, tendo, por isso a posse da coisa inerente ao direito de propriedade.
A estipulação contratual de que o empreiteiro tinha sempre de facultar ao dono da obra o completo acesso a esta, não pode ser entendido como uma restrição nem àquele direito de propriedade nem à posse que lhe está imanente. O empreiteiro é mero detentor da obra, e o acesso à obra, por parte do dono da obra não pode ter obstáculos colocados por aquele na medida em que se trata de um bem deste.
Na interpretação que logrou posição maioritária na doutrina e na jurisprudência o empreiteiro goza de direito de retenção da obra se tiver um crédito contra o seu credor - dono da obra - a cuja entrega está obrigado se o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados, em conformidade com o disposto no art.º 754.º do código civil.
Estamos em face de um direito real de garantia, que é um direito real porque se exerce sobre uma coisa – o imóvel construído pela obra que se pretende reter, isto é, não entregar – e de garantia porque a sua génese está no direito de crédito cujo pagamento ele visa garantir. A ligação genética do direito de retenção ao crédito que garante é de tal modo forte que aquele não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante, nos termos do disposto no art.º 760.º do código civil.
Na sua concepção originária, estava subjacente ao direito de retenção uma finalidade compulsória e coerciva a que o legislador actual sobrepôs uma função de garantia. Trata-se de uma garantia acessória de um crédito, regulado no Livro do Direito das Obrigações, na Secção VII do capítulo VI que define o regime legal aplicável às “ garantias especiais das obrigações”.
O direito de retenção é um instrumento de autotulela de um crédito, um mecanismo provisório, defensivo e, nos termos definidos no art. 759º Código Civil destina-se a permitir que o retentor possa executar a coisa retida, nos termos permitidos ao credor hipotecário, e obter o pagamento do seu crédito por força do produto dessa venda coerciva, com preferência sobre os demais credores, mas não visa proporcionar ao retentor o gozo ou fruição da coisa.
Sem que a sua invocação operante dependa de reconhecimento judicial ele só se constitui se a detenção da coisa retida – em termos de posse, detenção ou detenção precária – for licita. Uma vez constituído pode ser oposto quer ao dono da obra quer a terceiros.
O direito de retenção extingue-se, entre outras causas comuns ao direito de hipoteca, pela entrega da coisa.
Mas não basta a vontade que o empreiteiro tenha de reter a obra, é necessário que a sua retenção se apresente legitimada pela titularidade de um crédito sobre o dono da obra, gerado pela execução dessa obra porque o direito de retenção é um direito real de garantia de créditos e não de vontades.
A extensa matéria de facto permite-nos apenas concluir que o empreiteiro é credor do dono da obra por trabalhos a mais que realizou, sendo que pelo menos parte desses trabalhos ocorreram apenas para reparar defeitos da obra, e que a mesma se desenvolveu com atrasos que permitiram ao dono da obra, nos termos contratuais, aplicar-lhe penalizações de valor muito superior. Não resulta claro que efectivamente, levando em linha de conta o deve e o haver de cada uma das partes neste contrato, o empreiteiro seja credor do dono da obra em qualquer montante, sendo certo que apenas uma análise técnica e cuidada quer da obra projectada quer da executada poderá, na acção principal e com uso de prova pericial vir a determinar, com exactidão se o recorrido reúne as condições legais para poder invocar contra o dono da obra qualquer direito de retenção.
Não estando demonstrada a real existência do direito de crédito e, por isso, não podendo o empreiteiro invocar qualquer direito de retenção, a atitude que adoptou de impedir, até pela força, o acesso ao imóvel por parte do dono da obra e dos seus representantes não pode deixar de ser tida como ilícita.
Por força do contrato de empreitada, contrato bilateral e oneroso assumiu o empreiteiro a obrigação de realizar as obras nos termos e tempo acordados e o dono da obra a obrigação de pagar a obra realizada. Outra das obrigações do empreiteiro é entregar a obra, coisa que se recusa a fazer invocando o seu direito de retenção, em termos que, como vimos, face à prova produzida e dentro dos limites de investigação próprios dos procedimentos cautelares não logrou demonstrar existir.
Um dos direitos do dono da obra é a possibilidade de fiscalização da obra, sendo certo que também contratualmente estava estabelecido que o “empreiteiro obriga-se a: (…)
Facultar ao Dono da Obra ou a quem este indicar acesso ao Terreno sem qualquer restrição”.
Mesmo que estivesse demonstrado nos autos a existência do direito de retenção do empreiteiro, e, não está, reter a coisa significa não a entregar, não significa, nem pode significar impedir o acesso do proprietário e seus representantes ao terreno em que a obra está a ser construída, à obra, ou impedir a fiscalização da obra.
Nestes termos, a decisão recorrida não pode manter-se por carecer de fundamento legal uma vez que não basta o “animus de retenção” desligado de qualquer existência de crédito que suporte a invocação do direito de retenção.
Todavia a não entrega da obra em si é um incumprimento contratual que não pode servir de suporte à procedência do pedido de restituição provisória de posse. Estamos em face de um incumprimento contratual relativamente ao qual o dono da obra terá, como se indica que já iniciou, nos termos contratuais, que submeter o litígio a arbitragem, obter até a resolução do contrato, mas não a restituição provisória de posse.
Apesar de impropriamente o empreiteiro ter indicado que com base no direito de retenção passaria a possuir o imóvel a sua posição jurídica é igual à que era antes dessa declaração, a de detentor do imóvel em nome do proprietário – do imóvel e da obra – a que ele pretendia aduzir a retenção da coisa, que, como vimos, face aos factos provados, tão pouco tem, em concreto, fundamento legal para levar a cabo.
Reter a coisa que deve ser entregue a coberto de um direito de retenção não é a mesma coisa que passar a ser seu possuidor com o correspondente desapossamento da coisa do dono da obra. O dono da obra contra o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de empreitada tem os meios processuais adequados a forçar o cumprimento e até obter indemnização pelos danos que esse incumprimento lhe cause no âmbito do direito das obrigações, sendo inadequado o uso de meios processuais concebidos para acautelar o conteúdo de direitos reais de gozo e a posse que lhes possa estar subjacente. A situação resulta mais clara se a compararmos com a situação do contrato de arrendamento em que, por força do contrato de arrendamento, o arrendatário se converte num mero detentor da coisa locada, por regra propriedade do locador. No caso de incumprimento do contrato imputável ao arrendatário, o locador pode obter a resolução do contrato de arrendamento, que além de lhe conferir outros direitos – pagamento de rendas e indemnização – lhe confere o direito de receber a coisa locada. Neste caso, quando o arrendatário não proceda à entrega da coisa locada não pode o locador obter essa entrega através do procedimento de restituição provisória de posse. Haverá que lançar mão do Procedimento especial de despejo – art.º 15.º e seguintes do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) – aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02 – concebido actualmente como um incidente da acção executiva, que integra, quando seja deduzida oposição pelo arrendatário uma fase declarativa tendente à criação do título executivo que permitirá o despejo. Em causa estão relações obrigacionais, contratos cumpridos ou incumpridos que têm por objecto a coisa locada, mas não direitos reais ou posse a eles inerente, não um acto de desapossamento, mas apenas o incumprimento de um dever obrigacional.
O arrendatário, como o empreiteiro porque são meros detentores da coisa gozam de tutela possessória em certas situações que podem exercer contra o dono da coisa locada e da obra, respectivamente. Gozam de tutela possessória, em certas situações, como se possuidores fossem, exactamente porque o não são, mas a lei lhes confere essa protecção especial. Por seu turno o dono da coisa não pode obter o cumprimento daqueles contratos ou a sua resolução usando acções possessórias. O dono da obra que tem o direito de fiscalizar a obra e sobre os imóveis onde ela se constrói tem poderes plenos inerentes ao seu direito de propriedade, nestes autos completamente incontestado, se por actos do empreiteiro for impedido de fiscalizar a obra, ou de colocar nos imóveis bens que adquire – como mencionado nos autos a propósito do equipamento das cozinhas dos hotéis não contemplados pelo contrato de empreitada -  e a urgência da situação o exigir poderá requerer em Procedimento cautelar comum que lhe seja garantido o acesso à obra para os indicados fins que se não confunde com entrega forçada da obra.
Assim, não pode proceder o pedido de restituição provisória de posse dos prédios identificados nos autos, com recurso, se necessário à força pública, ainda que a requerida não tenha fundamento legal para invocar o direito de retenção.

Face ao exposto, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso e antes enunciadas, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 2.ª parte, aqui aplicáveis por força dos artigos 679.º e 663.º, todos do Código de Processo Civil

* * *



III – Deliberação

Pelo exposto, nega-se a revista.
Custas pelas recorrentes.

*

Lisboa, 15 de Dezembro de 2022
Ana Paula Lobo (Relatora)
         
Afonso Henrique Cabral Ferreira

Maria da Graça Trigo