Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM CÚMULO JURÍDICO CONCURSO DE INFRAÇÕES CONHECIMENTO SUPERVENIENTE PENA SUSPENSA PENA DE PRISÃO PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 01/20/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: |
§1. – RELATÓRIO. §1.(a). – ANTECEDENTES (ELEMENTOS PARA A DECISÃO) Sob promoção do Ministério Público – cfr. fls. – veio a ser submetido a julgamento (artigo 478º do Código de Processo Penal), o arguido/condenado, AA, para efectivação de um cúmulo de penas (de conhecimento superveniente) das penas que lhe foram impostas nos processos infra indicados, tendo a final o tribunal decidido (sic): “1) Efetuar o cúmulo jurídico das penas de prisão que lhe foram impostas nos processos supra referidos 31/14…., 2679/17…., 1163/17….. e 894/17…… supra identificados nos pontos 1.1 a 1.4 dos factos provados condenando o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão. 2) Não efetuar o cúmulo jurídico da pena de 18 meses de prisão que lhe foi imposta no processo supra identificado no ponto 6) -a) dos factos provados. 3) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 1 (um) ano e 10 (dez) meses, a contar da data em que o arguido recuperar a liberdade, findo o seu período de reclusão.” Dissentindo do julgado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que sob promoção do Ministério Público, mandou proceder à remessa do processo para este Supremo Tribunal de Justiça. Da motivação do recurso, dessumiu o arguido o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. §1.(a). – QUADRO CONCLUSIVO. §1.(a).1. – DO RECORRENTE. “1. Entende o recorrente AA que a, aliás, douta decisão “sub judice” que o condenou na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, não aplicou correctamente o Direito aos factos, no tocante a dois aspectos, que constituem o objecto do presente recurso: 1 - a inclusão no cômputo do cálculo das penas suspensas (não privativas da liberdade); e sem prescindir, 2 - o cálculo do cúmulo, no total de 5 anos e 8 meses; 2. O mesmo foi condenado, no âmbito do processo 34/14…, por Acórdão de 29/11/2017, já transitado em julgado, na pena única de 3 anos e seis meses de prisão, resultado das penas parcelares mencionadas em tal acórdão; tal pena foi suspensa, e sujeita a regime de prova; não tendo sido revogada, nem tendo decorrido o prazo da suspensão; 3. Foi cinda condenado no âmbito do processo 2679/17…, por Sentença de 30/01/2019, transitada em julgado, na pena de 18 meses; tal pena foi suspensa, e sujeita a regime de prova, não tendo sido revogada, nem tendo decorrido o prazo da suspensão; 4. Da condenação do recorrente pela prática dos crimes em que foi condenado nos processos 1163/17….. e 894/17….., não decorre necessariamente que aquele tenha violado quaisquer obrigações exigíveis para a manutenção da suspensão da execução das penas em que foi condenado naqueles processos; 5. Exige-se, como pressuposto material para a revogação da suspensão que, por culpa do agente, as finalidades que estavam na base da suspensão da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas (Ac. do Tribunal da relação de Coimbra – Proc. 5/15.7PTCTB, de 27/01/2016); 6. Trata-se de penas aplicáveis a crimes de natureza diferente, porquanto nuns se protegem e tutelam bens jurídicos diferentes (corpo, saúde mental, inocência de uma criança e outros de natureza sexual) e noutros, se protegem bens jurídicos associados à segurança rodoviária ou conexos com a mesma como foi o caso dos factos pelos quais o recorrente foi condenado nos proc. 1163/17….. e 894/17…..; 7. Entende o recorrente que, atentas as circunstâncias alegadas (a diferente natureza dos bens jurídicos protegidos, o facto de a suspensão de execução das penas em que o requerente foi condenado nos processos 31/14….. e 2679/17….. não ter sido revogada, não devem as mesmas ser englobadas no cúmulo jurídico; 8. E, no caso de assim se não entender, deverá a decisão recorrida salvaguardar que as mesmas poderão ou não ser mantidas, como tem sido decidido nos tribunais portugueses, decisões, aliás, citadas no douto Acórdão recorrido; 9. A respeito do cômputo do cúmulo jurídico, consta da douta sentença recorrida que “na dosimetria da pena única é considerado o comportamento global” resultante da ponderação concorrente dos “factos” perpetrados e da “personalidade” do agente revelada no seu cometimento. As regras de determinação da pena não operam aqui por referência a um qualquer dos crimes em concurso, nem a todos como se de uma unidade de sentido punitivo se tratasse, mas por referência aos factos e à pena aplicada a cada um e a todos eles (Cfr. J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 277); 10. Em abono, refere a confissão parcial dos factos pelo recorrente e ainda as condições pessoais do mesmo, relatadas no douto Acórdão e que aqui se dão como reproduzidas para todos os efeitos legais; 11. Não são referidas, no douto acórdão recorrido, as condições de saúde do recorrente, mas este sofre efectivamente de doença …… que acarretou, aliás, como consequência, a sua reforma …… há cerca de 14 anos; 12. As necessidades de prevenção geral, como de prevenção especial, devem ser apreciadas, no conjunto dos factos apurados e das circunstâncias de cada processo e respectivas penas parcelares; e, de nuns processos são mais relevantes as exigências de prevenção geral, já nos outros serão mais relevantes as de prevenção especial; 13. Da apreciação conjunta de todos estes elementos, conjugadas com as disposições legais dos artigos 77 e 78 do Código Penal, entende o recorrente que a medida da pena, em cúmulo jurídico, deve ser diminuída em, pelo menos, 12 meses. (…) deve ser julgado procedente o presente recurso (…).” §1.(a).2. – RECORRIDO. “a) O acórdão recorrido, integrando no cúmulo jurídico, operado por conhecimento super-veniente de crimes, penas de prisão suspensas na execução com o período da suspensão ainda a decorrer à data da elaboração do mesmo, cumpriu a imposição estabelecida nos artigos 77º e 78º do CP; b) A pena conjunta fixada de 5 anos e 8 meses de prisão mostra-se justa e equilibrada, tendo em conta os factos em conjunto, a personalidade evidenciada pelo recorrente, o grau da sua culpa, os antecedentes criminais e as suas actuais condições pessoais; c) Foram cumpridos os dispositivos dos artigos 40º, 71º, 77º e 78º do CP.” §1.(b). – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. “Nestes autos de recurso penal que o arguido AA move ao douto acórdão cumulatório de 30.6.2020, proferido no PCC n.º … do Tribunal Colectivo do Juiz …. do Juízo Central Criminal ..... – doravante, Acórdão Recorrido –, diz o Ministério Público o seguinte: a. Nada obsta ao conhecimento do recurso, interposto em tempo, com legitimidade e interesse, da competência deste Supremo Tribunal de Justiça, exclusivamente de direito, per saltum e com efeito – suspensivo – e regime de subida – imediata e nos próprios autos – adequadamente fixados. Não se descortinam na decisão de facto vícios dos previstos no art.º 410º n.º 2 do CPP nem nulidades insanadas – n.º 3 do preceito –, pelo que se consideram os factos definitivamente fixados. b. Julgado pelo Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal …... para o efeito de cumulação superveniente de penas – arts. 472º do CPP e 78º e 77º do CP –, condenou o Acórdão Recorrido o arguido AA na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão e na pena acessória de 1 ano e 10 meses de proibição de conduzir veículos motorizados. c. Inconformado, move-lhe o arguido o presente recurso dizendo que não podiam ter sido englobadas na pena única as penas que foram objecto de cumulação nos processos chamados ao concurso superveniente e que, aí, foram suspensas na sua execução nos termos do art.º 50º do CP, que – sustenta – devem continuar a aguardar, autonomamente, o decurso dos respectivos prazos suspensivos por não haver fundamento para revogar as penas substitutivas . E – acrescenta – ainda que assim não venha a ser, a pena única de 5 anos e 8 meses de prisão não se poderá manter, por em medida excessiva, «deveendo ser diminuída em, pelo menos doze meses». d. O Senhor Procurador da República …... respondeu ao recurso. Defendeu douta e esclarecidamente o julgado, chamando a atenção para a legalidade/obrigatoriedade da cumulação superveniente das penas anteriormente suspensas na sua execução, desde que – como tudo é o caso – os crimes correspondentes estejam em relação de concurso nos termos dos arts. 78º e 77º do CP e estejam ainda em curso os prazos suspensivos. E quanto ao, pretenso, excesso da pena de 5 anos e 8 meses de prisão, refutou as críticas do Recorrente, afirmando-a «justa e equilibrada, tendo em conta os factos em conjunto, a personalidade evidenciada pelo recorrente, o grau da sua culpa, os antecedentes criminais e as suas actuais condições pessoais», e dizendo-a conforme às regras e critérios prescritos nos art.os 40º, 71º, 77º e 78º do CP. e. O signatário acompanha, nos seus termos gerais, a douta contramotivação de recurso. E antes dela, e com devida vénia, subscreve, na sua generalidade, o próprio Acórdão Recorrido que, com um cuidado, clareza e completude acima do mais comum, justifica proficientemente as suas opções e decisões e responde, aliás, por antecipação ao que, ora, são objecções do Recorrente, em termos de, aqui, dispensar quaisquer acrescentamentos. f. Razões, assim, por que o signatário é pelo não provimento do recurso.” §1,(c). – QUESTÕES SOLVENTES PARA A DECISÃO. O texto da decisão não alberga erros, contradições e/ou falhas de fundamentação que o invalidem para a decisão a proferir, daí que para a solução da pretensão recursiva alentada pelo recorrente sobre a questão de (i) inserção no cúmulo de penas “as penas que foram objecto de cumulação nos processos chamados ao concurso superveniente e que, aí, foram suspensas na sua execução nos termos do art.º 50º do CP, que – sustenta – devem continuar a aguardar, autonomamente, o decurso dos respectivos prazos suspensivos por não haver fundamento para revogar as penas substitutivas”; e (ii) “ainda que assim não venha a ser, a pena única de 5 anos e 8 meses de prisão não se poderá manter, por em medida excessiva, «deve[endo] ser diminuída em, pelo menos doze meses».” §2.- FUNDAMENTAÇÃO. §2.(A). – DE FACTO. “Com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1) O arguido sofreu as seguintes condenações transitadas em julgado: 1.1. No processo comum colectivo n.º … do Juízo Central Criminal de ... – J…, por acórdão de 29.11.2017, transitada em julgado no dia 28.05.2018, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 3 anos e 6 meses, com sujeição a regime de prova, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. no artigo 171º, n.º 3, al. a) do Código Penal, cometido entre Março e Novembro de 2013, na pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão, um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. no artigo 171º, n.º 3, al. a) do Código Penal, cometido em … de Janeiro de 2016, na pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão, dois crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. no artigo 171º, n.º 3, al. a) do Código Penal, cometidos em … de Maio de 2015 e … de Janeiro de 2016, na pena parcelar de cada um de 1 ano e 6 meses de prisão e de dois crimes de importunação sexual, ps e ps. no artigo 170º do Código Penal, cometido em Julho de 2014 e 18 de Maio de 2015, na pena parcelar de cada um de 6 meses de prisão. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: No período compreendido entre Março e Novembro de 2013, em datas concretamente não apuradas, mas quase diariamente aos dias de semana, ao final da tarde, o arguido AA, quando a menor BB, então com 11 e 12 anos de idade, efectuava o percurso a pé entre a Escola ….... e a sua residência sita em ..., ..., tirou o pénis para fora das calças, caminhou atrás dela, seguindo-a, ao mesmo tempo que mantinha as mãos no pénis, fazendo movimentos de masturbação, o que foi visto pela menor. No dia … de Novembro de 2013, pelas 16.30 horas, na Rua ..., em ..., uma vez mais, o arguido tirou o pénis para fora das calças, exibindo-o à menor BB, que saíra da escola e caminhava para casa, após o que a seguiu, no percurso, ao mesmo tempo que manipulava o pénis, masturbando-se, o que foi visto pela menor. Em dias indeterminados do mês de Julho de 2014, mas situados na primeira quinzena deste mês, quase diariamente, o arguido, quando a ofendida CC, então com 19 anos de idade, irmã da menor BB, fazia o percurso entre a Junta de Freguesia ….... e a sua residência, caminhou atrás dela, seguindo-a, ao mesmo tempo que mexia no pénis, por dentro das calças que vestia, facto do qual a ofendida se apercebeu. Em dia não apurado do mês de Julho de 2014, mas situado na segunda quinzena deste mês, nos ..., o arguido, ao ver a ofendida CC a caminhar na via pública, seguiu-a, olhando fixamente para a mesma e mexendo no pénis, por dentro das calças que trajava, o que foi visto pela ofendida. No dia … .05.2015, pelas 18.00 horas, na Rua ... de …, em ..., o arguido, junto ao n.º …, correspondente à morada da menor DD, colocou-se em frente à janela do quarto desta e, perante a menor que ali se encontrava, tirou o pénis para fora das calças e começou a masturbar-se, o que foi visto pela menor. No dia … .05.2015, pelas 18.00 horas, a ofendida CC caminhava na Av. …... e ao passar junto de um campo de cultivo ali existente, propriedade do arguido, este, ao vê-la, abeirou-se da estrada e começou a manipular o pénis, dentro das calças que vestia, conduta que foi vista pela ofendida. No dia … .01.2016, à tarde, o arguido dirigiu-se ao recreio da Escola …..... e, junto do gradeamento existente na Av. ....., perante as menores EE e DD, tirou o pénis para fora das calças e começou a masturbar-se em frente àquelas, olhando-as fixamente, o que foi visto pelas menores. O arguido sabia que as ofendidas DD, BB e EE tinham idade inferior a 14 anos. O arguido agiu com o propósito concretizado de chocar e atemorizar as menores, praticando perante elas e contra a vontade, os descritos actos de masturbação e de exibição de pénis, visando violar o direito das menores à sua autodeterminação sexual e prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da respectiva personalidade, par satisfação dos seus desejos e necessidades sexuais. Por força da conduta do arguido as menores ficaram assustadas, perturbadas e constrangidas. Ao praticar os descritos actos de masturbação perante a ofendida CC, o arguido agiu com o propósito concretizado de ser visto por esta a praticar um acto de natureza sexual, contra a vontade dela, assim a atemorizando, perturbando e violando a sua liberdade sexual. O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei. * O arguido encontra-se em cumprimento da pena de prisão suspensa sujeita a regime de prova, não tendo a suspensão sido objecto de revogação. A pena de prisão imposta ao arguido não foi declarada extinta por ainda não ter decorrido o prazo de suspensão da execução da pena de prisão. * 1.2 No processo comum singular n.º 2679/17….. do Juízo Local Criminal de ... – J…, por sentença de 30.01.2019, transitada em julgado em 01.03.2019, pela prática em ... de Agosto de 2017, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 3, al. a) do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: No dia … de Agosto de 2017, pelas 11h30, o arguido encontrava-se na paragem ……junto a um estabelecimento de restauração sito em ..., .... A dada altura, o arguido apercebeu-se da presença da ofendida DD e da mãe desta que também se encontravam no local. Acto contínuo, sem que nada o fizesse prever, o arguido pôs uma das mãos no resguardo das calças e agarrou o seu órgão genital erecto e fez movimentos ascendentes e descendentes, enquanto fixava o seu olhar na ofendida e na mãe desta e se ria. Nessa altura, o arguido tinha a percepção de que a ofendida DD e a mãe desta se tinham apercebido da sua presença e que estavam a olhar para si, obrigando as mesmas, contra as respectivas vontades, a presenciar os actos acima descritos. Com essa conduta, o arguido originou desconforto, medo e desagrado na ofendida DD, tanto mais que o arguido já tinha praticado factos de natureza idêntica contra a vítima a … .05.2015 e … .01.2016, o que originou o processo 31/14.... contra ele. DD nasceu em …..2005. O arguido tinha plena consciência da natureza pública da via onde se encontrava, sabendo que os actos que praticava eram da esfera íntima. Aos realizar actos de masturbação em local público, não obstante ser conhecedor eu a ofendida tinha 12 ano e não tinha prestado o seu consentimento para a tal assistir, o arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos libidinosos, insensível à falta de consentimento da vitima e à idade da mesma, obrigando-a a sofrer tais actos, ciente que violava a liberdade sexual da mesma e que com isso prejudicava a sua saúde física e psicológica. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. * A pena de prisão imposta ao arguido não foi declarada extinta por ainda não ter decorrido o prazo de suspensão da execução da pena de prisão. ** 1.3 No processo comum singular n.º 1163/17.... do Juiz Local Criminal de ... – J…, por sentença de 23.05.2019, transitada em julgado em 25.06.2019, pela prática em … de Novembro de 2017, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1 do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 8 meses de prisão, executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: No dia … de Novembro de 2017, pelas 10h32, o arguido conduziu o motociclo com a matrícula …-QQ-…, na Av. ..., em ..., ..., sem estar habilitado com carta de condução ou outro documento legal que o habilitasse à condução deste tipo de veículos. O arguido agiu de forma livre, consciente e deliberadamente, ao conduzir o referido veículo, bem sabendo que não podia conduzir, por não ter habilitação legal que o autorizasse. O arguido sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei criminal. * O arguido iniciou o cumprimento da pena em regime de OPH em 10.08.2018 e interrompeu o cumprimento da mesma em 10.10.2019, data em que foi conduzido ao E.P. para cumprimento da pena de prisão à ordem do processo n.º 894/17.... * 1.4 No processo comum colectivo n.º 894/17.... do Juízo Central Criminal de … –J…, por acórdão de 13.02.2019, transitado em julgado em 16.09.2019, pela prática em … de Agosto de 2017, em concurso real, de dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, ps. e ps. pelo artigo 347º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano e 8 meses de prisão para cada um deles e de um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, al. b) do Código Pena, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, tendo sido fixada a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva. Mais foi condenado na pena acessória de proibição de condução de veículos automóveis pelo período de 1 ano e 10 meses. Tal condenação reporta-se aos seguintes factos: Na manhã de … de Agosto de 2017, os agentes da GNR FF e GG, que se encontravam uniformizados e em missão de patrulha em viatura caracterizada, deslocaram-se à Rua ..., nos ..., ..., em .... Cerca das 12h40 os referidos agentes viram o arguido a retirar da garagem do condomínio onde habita, situado no n.º … da Rua ..., em ..., em ..., o veículo automóvel com a matrícula …-EG Sabendo que o arguido não era possuidor de carta de condução direccionaram o carro patrulha da GNR em direcção ao mesmo. Quando se apercebeu da presença da entidade policial, em vez de imobilizar a marcha do veículo de matrícula ....-EG, o arguido colocou-se em fuga ao volante do mesmo. Os mencionados agentes da GNR, mediante a utilização dos sinais luminosos e sonoros do veículo policial e de um megafone, ordenaram várias vezes ao arguido que imobilizasse a marcha do veículo em que se fazia transportar. O arguido, em vez de acatar a ordem dada, imprimiu mais velocidade ao veículo com a matrícula ...-EG, atravessando o parque de estacionamento ….... existente no local, a uma velocidade entre 50 a 70 Km/hora, local, onde, para além de viaturas, circulavam peões. A seguir entrou na Rua ... sem que imobilizasse a marcha, não parando num sinal STOP aí existente. Quando passou nos entroncamentos da Rua ..., Rua .… e Rua .… continuou à mesma velocidade entre 50 e 70 Km/hora, sem que abrandasse e tomasse as precauções necessárias à sua passagem e à ocorrência de um embate com os demais veículos que por aí circulavam. O arguido prosseguiu a marcha e passou pelo cruzamento formado pela Rua … e pela Av. ..., em ..., ..., sem que parasse no sinal STOP aí existente, encaminhando-se para a Rua .... Quando alcançou esta artéria, passou a circular na rotunda aí existente sem que abrandasse e desse prioridade de passagem aos veículos que aí circulavam, obrigando-os a abrandar e mesmo parar, para evitarem um embate. Na Rua ..., o arguido circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, contrário ao trânsito de veículos. O arguido não respeitou a ordem de paragem existente na citada artéria e não sinalizou a mudança de direcção, quando abandonou a mesma, circulando sempre a uma velocidade compreendida entre os 50 e os 70 Km/hora. Ao chegar à entrada do prédio por si habitado, o arguido imobilizou a marcha do veiculo ….-EG e abandonou-o, continuando a fuga apeado. A seguir, saltou o muro de acesso ao condomínio. Os agentes FF e GG encetaram perseguição ao arguido, saltaram o muro e lograram alcançá-lo. No momento em que o abordaram, o arguido, com o intuito de evitar a sua identificação e detenção, gesticulou com os braços e pernas contra os mesmos, fazendo força em sentido contrário àquela que eles exerciam contra si para tentarem imobilizá-lo e empurrou o agente GG. Entretanto, agentes conseguiram algemar o arguido e com a ajuda de outra patrulha policial que compareceu no local, lograram conduzi-lo para a viatura policial e para o posto da GNR. Em consequência resultaram ao agente FF diversos ferimentos no antebraço direito e no mesmo punho que determinaram cinco dias de doença, sem incapacidade para o trabalho geral ou profissional. Em consequência resultaram ao agente GG dores no ombro e antebraço esquerdos que lhe determinaram cinco dias de doença, sem incapacidade para o trabalho geral ou profissional. Ao agir como se descreveu o arguido quis conduzir o veículo de matricula ….-EG na via pública mediante a violação grosseira das regras da circulação rodoviárias relativas à prioridade, à obrigação de parar, ao limite de velocidade e à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita, bem sabendo que, ao fazê-lo, colocava em perigo a saúde e integridade física dos demais utentes da via o que, em concreto sucedeu. O arguido quis, como conseguiu, durante alguns minutos, empregar a força física, a intimidação e a violência contra os agentes policiais FF e GG que sabiam exercerem autoridade pública e serem funcionários devidamente uniformizados no exercício das suas funções, para evitar a identificação e a sua detenção. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente e sabia que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis. O arguido confessou parcialmente os factos provados. O arguido encontra-se em cumprimento da pena de prisão. 2) Sobre as condições pessoais e percurso de vida do arguido apurou-se o seguinte: O arguido possui o 4º ano de escolaridade. O arguido trabalhou como ……. Está reformado …… há cerca de 14 anos, recebendo uma pensão mensal no valor de € 312,00. Da constância do seu matrimónio nasceram três descendentes, com 26, 33 e 39 anos de idade. À data da sua reclusão o arguido vivia com a sua mulher e o seu filho de … anos de idade. A sua mulher está desempregada e o seu filho de …. idade começou a trabalhar este ano. Os outros dois filhos casaram e são autónomos. O arguido adquiriu a habitação onde residia com o seu agregado familiar, mediante empréstimo bancário, pagando uma mensalidade de € 430,00. À data da sua reclusão o arguido dedicava-se a biscates no sector …... O arguido está preso desde 10 de Outubro de 2019, em cumprimento da pena de prisão imposta no processo 894/17.... No E.P. o arguido trabalha nas …. e, antes da pandemia, recebia visitas da sua mulher e filhos. Actualmente, estando as visitas suspensas no EP por causa da pandemia, o arguido mantém contacto telefónico com os seus familiares. O arguido ainda não tirou a carta de condução. Já tentou fazê-lo mas chumbou no exame do código estradal. 3) À data dos factos o arguido tinha sido condenado pela prática dos seguintes ilícitos criminais: a) No processo 121/02…, por decisão transitada em julgado em 28.02.2002, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, extinta por prescrição; b) No processo 401/03…, por decisão transitada em julgado em 03.04.2003, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 230 dias de multa, extinta pelo cumprimento; c) No processo 378/01…, por decisão transitada em julgado em 25.11.2003, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, extinta pelo cumprimento; d) No processo 258/13…, por decisão transitada em julgado em 30.09.2003, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 365 dias de multa, extinta pelo cumprimento. 4) Após a data de alguns dos factos descritos no ponto 1.1. dos factos provados e à data de alguns dos factos descritos no ponto 1.1. e à data de todos os factos descritos nos pontos 1.2. a 1.4 dos factos provados o arguido sofreu as seguintes condenações: a) No processo 717/14…, por decisão transitada em julgado em 30.09.2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, extinta pelo cumprimento; b) No processo 1209/15…, por decisão transitada em julgado em 25.01.2016, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, extinta nos termos do artigo 57º do C.P.. 5) Após a data dos factos descritos nos pontos 1.1., 1.2 e 1.3 dos factos provados e à data dos factos descritos no ponto 1.3. dos factos provados o arguido sofreu a seguinte condenação: a) No processo 4503/17…, por decisão transitada em julgado em 18.10.2017. pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 72 períodos de prisão por dias livres, declarada extinta pelo cumprimento. 6) Após a data dos factos descritos nos pontos 1.1. a 1.4 dos factos provados o arguido sofreu a seguinte condenação: a) No processo 776/17… do JL Criminal de ... – J…, por decisão transitada em julgado de 02.02.2018, pela prática em … .07.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova. A pena não foi declarada extinta, nem o prazo de suspensão, tendo-se esgotado, foi revogado ou prorrogado. 2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO O tribunal formou a sua convicção nos seguintes meios de prova: A) Quanto às condenações sofridas pelo arguido descritas no ponto 1) dos factos provados teve em conta as certidões de fls. 1-14, 15-48, 92-104 e 105-119 e a informação de fls. 120-131. B) No que concerne às condições pessoais do arguido fundou-se nas declarações por si prestadas na audiência de julgamento. C) Relativamente às condenações sofridas pelo arguido referidas nos pontos 3) e 4) dos factos provados teve em consideração o certificado de registo criminal de fls. 71-79 e a informação de fls. 89-91.” §2.(B). – DE DIREITO. §2.(B).(i). – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO JURÍDICA DO CASO. §2.(B).(ii). – Inclusão das Penas cuja Execução se encontrava Suspensa. Na pretensão do recorrente, as penas de prisão cuja execução se encontrava suspensa quando foi operado o cúmulo jurídico, não deviam integrar o cúmulo de penas porquanto “atentas as circunstâncias alegadas (a diferente natureza dos bens jurídicos protegidos, o facto de a suspensão de execução das penas em que o requerente foi condenado nos processos ... e ... não ter sido revogada, não devem as mesmas ser englobadas no cúmulo jurídico.” A temática da inclusão das penas, cuja execução haja sido suspensa, no cúmulo jurídico mereceu análise aprofundada no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Março de 2018, proferido no processo nº 180/13.5GCVCT.G2.S1, pelo Conselheiro Raúl Borges, que, com a devida vénia, aqui deixamos transcrito, nas partes interessantes, para a solução da qustão. “A posição predominante é no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução. De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 409, 419 e 430, a págs. 285, 290 e 295, defende que quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída» e que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político - criminalmente ser substituída por pena não detentiva» e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, «a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial». Paulo Dá Mesquita em O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, págs. 95/98, concorda com a orientação dominante na jurisprudência dos tribunais superiores em atenção à natureza das penas cuja execução foi suspensa, defendendo não existir obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão, cuja execução foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão. Neste sentido, igualmente se pronunciou Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, Universidade Católica Editora, pág. 287, dizendo não se colocar qualquer questão de violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução. E conclui “Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena conjunta a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações”. [Do mesmo modo na 3.ª edição actualizada de Novembro de 2015, pág. 381]. No mesmo sentido se pronuncia André Lamas Leite, in “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, págs. 608 a 610, referindo que o caso julgado em tais circunstâncias não se encontra recoberto por um carácter de absoluta intangibilidade, mas sim por uma cláusula rebus sic stantibus. (…) O problema coloca-se quando o conhecimento do concurso de penas (de prisão) é superveniente, sendo uma, ou mais, das penas parcelares suspensas, e a outra, ou outras, efectivas. Aqui existem divergências doutrinais e jurisprudenciais, embora seja largamente dominante a orientação no sentido da admissibilidade de cumulação de penas efectivas com penas suspensas de prisão. Nesta perspectiva, podem, pois, no conhecimento superveniente de concurso, ser revogadas as penas suspensas que entram nesse concurso. Como pode igualmente, caso se verifique o condicionalismo legal, formal e material, ser suspensa a pena única de um concurso entre penas suspensas e penas efectivas de prisão. Em qualquer caso, as penas suspensas só entrarão no cúmulo se ainda não tiverem decorrido os respectivos prazos, ou se tiver sido revogada a suspensão. Consequentemente, serão excluídas as penas extintas, bem como as penas suspensas cujo prazo findou, enquanto não houver decisão sobre a extinção da pena”; de 21 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 153/09.2PHSNT.S1-3.ª Secção, onde se pode ler: “A acumulação entre penas de prisão efetivas e suspensas não viola o caso julgado. Na verdade, a substituição não transita em julgado. A substituição não fica definitivamente garantida, antes está sujeita à condição resolutiva do decurso do prazo sem se registar a prática pelo condenado de novos crimes (e eventualmente, pelo cumprimento de deveres e condições, por parte deste). O caso julgado abrange, afinal, somente a medida concreta da pena de prisão (principal), mas não a forma da sua execução. (…). A exclusão das penas suspensas do concurso invalidaria a visão conjunta que a lei considera determinante para a imposição de uma pena única. Só a avaliação global dos factos e da personalidade do agente, nela incluindo todas as condenações, sejam as penas efetivas ou suspensas, permitirá ao tribunal pronunciar-se sobre a medida da pena conjunta, podendo então decidir-se eventualmente pela suspensão dessa pena, caso se verifiquem os condicionalismos legais. Em resumo, no concurso de conhecimento superveniente, é admissível, e obrigatória, a acumulação de penas efetivas com penas suspensas de prisão. Esta, é, aliás, a posição largamente maioritária na doutrina e na jurisprudência”; de 14 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 300/08.1GBSLV.S1-5.ª “O STJ tem entendido maioritariamente que não se coloca qualquer questão de violação de caso julgado em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na execução”; de 21 de Março de 2013, proferido no processo n.º 153/10.0PBVCT.S1-3.ª - “Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art. 78.º do Código Penal numa fórmula que suporta tais patologias, Assim, entende-se que as penas objecto de suspensão devem ser incluídas no cúmulo a efectuar”; de 18 de Abril de 2013, processo n.º 70/10.3SFPRT-C.S1-5.ª - “A não serem as penas suspensas incluídas no cúmulo, criar-se-ia uma situação de desigualdade com aquelas outras situações em que toda a actividade criminosa do agente é simultaneamente apreciada no mesmo processo, com fixação da pena única e posterior ponderação acerca da eventual aplicação da pena de substituição. Sob pena de uma patente violação do princípio da igualdade, o tratamento do concurso de crimes deve, pois, ser exactamente o mesmo, independentemente de o seu conhecimento ser imediato ou superveniente”; de 8 de Maio de 2013, processo n.º 515/09.5PHOER.S1-3.ª – “o princípio da pena conjunta, com imposição de uma pena única a cumprir, não se compadece com avaliações parcelares dos factos e da personalidade do agente. A exclusão das penas suspensas do concurso invalidaria a visão conjunta que a lei considera determinante para a imposição de uma pena única”; de 4 de Julho de 2013, processo n.º 16/11.PEMTS.P1.S1-5.ª, com um voto de vencido “Não se verifica impedimento a que uma pena de prisão, que havia ficado suspensa na respectiva execução, integre o concurso de penas, desde que os crimes estejam ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, visto a pena de substituição ficar resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, só se formando caso julgado quanto à medida da pena e não quanto à sua execução”; (…) Como se extrai do acórdão de 06-02-2014, processo n.º 339/09.0GDSTS-A.S1 - 3.ª “Essa argumentação (relativa a impossibilidade revogação) falece de razoabilidade prática, o que, desde logo, é evidente pela circunstância de o juiz que decreta a suspensão da pena parcelar, ignorando a existência de concurso, elaborar um juízo de prognose sobre a evolução da personalidade do arguido com base numa delinquência ocasional que não se verifica. O pressuposto da suspensão não existe, uma vez que existem outros crimes praticados, mas não conhecidos em concreto, e o julgador é induzido em erro pela convicção contrária. Na verdade, sob pena de uma gritante ofensa do princípio da igualdade, o tratamento do concurso deve ser exactamente o mesmo, independentemente da forma do seu conhecimento, superveniente ou não, e assim, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, toma-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição. Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art. 78.º do CP numa fórmula que suporta tais patologias”. Segundo o acórdão de 12-03-2015, processo n.º 285/07.1JABRG-F.S1 - 5.ª Secção “A posição dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência do STJ, admite a realização de cúmulo jurídico de penas de prisão efetiva com penas de prisão suspensas na sua execução. Em abono da posição minoritária que nega tal eventualidade, pode-se sublinhar a autonomia e a natureza própria da pena de substituição, cuja escolha obedeceu a razões específicas e que fez da pena suspensa uma pena parcelar, como qualquer outra, que importaria manter. Todavia, se existem razões que podem levar à revogação da pena suspensa com o renascimento da pena substituída, também a realização de um cúmulo jurídico, com a necessária apreciação da ilicitude global dos factos e da personalidade do agente, pode levar a que se abandone a pena de substituição e se passe a considerar a pena substituída”. Como se extrai do acórdão de 17-09-2015, processo n.º 134/10.3TAOHP.S3 – 5.ª Secção: Maioritariamente, tem a jurisprudência do STJ entendido que a substituição de uma pena de prisão pela pena de suspensão de execução da prisão não constitui impedimento a que a pena de prisão substituída seja cumulada com outras penas de prisão, verificados que estejam os adequados pressupostos. E de acordo com o acórdão de 17-09-2015, processo n.º 78/15.2T8VCD.S1 - 5.ª Secção: Para inclusão numa decisão de cúmulo jurídico de penas, no âmbito de concurso superveniente de crimes, de uma pena de prisão suspensa na sua execução - cujo prazo de suspensão ainda não se mostra decorrido - não se torna necessária qualquer operação de revogação da pena cuja execução foi suspensa mediante a constatação prévia sobre a ocorrência das condições previstas nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 56.º do CP, inexistindo a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. Citando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/2013, consta do sumário do acórdão de 15-10-2015, processo n.º 3442/08.0TAMTS.S1 – 5.ª Secção: “O entendimento maioritário da jurisprudência do STJ vai no sentido de se realizar o cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução se não decorreu ainda o período de suspensão da execução da pena. Pelo que, seguindo o referido entendimento, no caso concreto, as penas suspensas em que o recorrente foi condenado devem ser englobadas na operação de cúmulo jurídico de penas, uma vez que, quando o acórdão recorrido foi prolatado, em nenhum dos casos se mostra que o período de suspensão já tivesse decorrido, não se podendo concluir pela existência de uma qualquer nulidade derivada de tal englobamento. A jurisprudência maioritária do STJ vai no sentido de que não há necessidade de fundamentar a revogação da suspensão da execução da pena para englobar as penas suspensas no cúmulo jurídico de penas, inexistindo qualquer nulidade do acórdão recorrido por falta de tal fundamentação”. No que toca à questão da integração da pena de prisão suspensa na execução em cúmulo por conhecimento superveniente, podem ver-se, por mais recentes, os acórdãos de 16-06-2016, processo n.º 670/09.4JACBR-B.S1-3.ª; de 14-07-2016, processo n.º 24696/15.0T8PRT.S1-5.ª; de 7-09-2016, processo n.º 298/10.6PDBRR.S1-3.ª; de 28-09-2016, processo n.º 1511/02.9PBAVR.S1-3.ª; de 26-10-2016, processo n.º 625/16.5T8LRS.L1.S1-5.ª; de 4-01-2017, processo n.º 519/10.5JDLSB.S1-3.ª; de 25-01-2017, processo n.º 148/13.1PAOVR.P1.S1-3.ª; de 20-04-2017, processo n.º 176/10.9IDRG.S1-5.ª; de 17-05-2017, processo n.º 407/07.2JACBR-C.S1, da 3.ª Secção; de 17-05-2017, processo n.º 1262/11.3GAVNG-G.P1.S1, da 3.ª Secção; de 18-05-2017, processo n.º 17.699/16.9T8PRT.S1-5.ª Secção; de 31-05-2017, processo n.º 331/09.4TASLV.E2.S1 e n.º 489/10.0JALRA.L1.S1, desta 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto e de 13-07-2017, proferido no processo n.º 9/12.1GDSTB.E2.S1, em que igualmente interviemos como adjunto. Ainda do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão de 6 de Outubro de 2005, proferido no processo n.º 2107/05 da 5.ª Secção, sobre o qual incidiu a apreciação do Tribunal Constitucional, que no Acórdão n.º 3/2006, de 3 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 904/05-2.ª Secção, publicado no Diário da República - II Série, de 07-02-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, págs. 147 e ss.), decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações. Esclarece que se trata da “solução que, na perspectiva do legislador corresponde ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo, cuja lógica obedece a dois vectores: 1. No caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo; 2. Mas a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena única. E a respeito do caso julgado, salienta-se que na lógica do sistema, tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva”. Nesta perspectiva já se pronunciara o acórdão deste Supremo Tribunal de 10-10-2001, proferido no processo n.º 1806/01-3.ª Secção, in CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 189, onde se decidiu: “Apesar de ter transitado em julgado o despacho que revogou a suspensão da execução de uma pena, é admissível suspender-se a execução da pena única resultante da reformulação de cúmulo jurídico em que aquela se integra”. Mais recentemente, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a questão no Acórdão n.º 341/2013, de 17 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 15/13, da 2.ª Secção, considerando não se afigurar existirem razões para que o Tribunal se afastasse da jurisprudência firmada no Acórdão n.º 3/2006, cuja orientação era de reiterar e ponderando que a suspensão da pena de prisão tem um carácter de provisoriedade, podendo tal pena, no caso de conhecimento superveniente do concurso – em que só por razões aleatórias ou fortuitas o tribunal não tomou conhecimento, em simultâneo, de todas as penas em concurso –, perder autonomia e ser englobada na pena única, sem que se mostre violado o caso julgado, tendo decidido: “Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva.” A justeza da inserção das penas em que o arguido foi condenado na operação de cúmulo jurídico encontra-se totalmente respaldada pelo troço de aresto citado, pelo que nos dispensamos de qualquer outro acrescento, tanto jurisprudencial como doutrinário. Fenece este segmento da pretensão do arguido. §2.(B).(iii). – DETERMINAÇÃO (JUDICIAL) DA PENA GLOBAL. No atinente à questão essencial – determinação da pena única e respectivo quantitativo – entende o requerente que (sic): “As necessidades de prevenção geral, como de prevenção especial, devem ser apreciadas, no conjunto dos factos apurados e das circunstâncias de cada processo e respectivas penas parcelares; e, de nuns processos são mais relevantes as exigências de prevenção geral, já nos outros serão mais relevantes as de prevenção especial”. “da apreciação conjunta de todos estes elementos, conjugadas com as disposições legais dos artigos 77 e 78 do Código Penal, entende o recorrente que a medida da pena, em cúmulo jurídico, deve ser diminuída em, pelo menos, 12 meses.” O Tribunal justificou a pena imposta com a sequente argumentação (sic): “(…) No caso em apreço, a moldura penal abstracta situa-se compreendida entre um mínimo de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão e um máximo de 13 (treze) anos e 8 (oito) meses de prisão. 2.2. Moldura Concreta da Pena §1. Atentas as considerações expendidas na determinação da pena única serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido AA, designadamente, o número de crimes cometidos pelo arguido, a natureza dos mesmos e as suas consequências. Atender-se-á também à personalidade do arguido evidenciada nos crimes que cometeu e às circunstâncias que envolveram a prática dos ilícitos criminais aqui em questão e que resultam da factualidade apurada nos processos aludidos nos pontos 1.1 a 1.14 dos factos provados descriminada nas respetivas decisões juntas aos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, conjugada com as suas condições pessoais de vida (art.º 77º, n.º 1, do Código Penal). §2.O arguido cometeu em concurso 11 crimes a saber: - 5 crimes de abuso sexual de crianças ps. e ps. pelo artigo 171º, n.º 3, al. a) do C.P.; - 2 crimes de importunação sexual ps. e ps. pelo artigo 170º do C.P.; - 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1 do D.L: 2/98, de 03.01; - dois crimes resistência e coacção sobre funcionário ps. e ps. pelo artigo 347º, n.ºs 1 e 2 do C.P.; - 1 crime de condução perigosa de veiculo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, al. b) do C.P.. Tais crimes foram cometidos num período temporal compreendido entre Março e Novembro de 2013, … e … de Maio de 2015, Julho de 2014, Janeiro de 2016 e Agosto e Novembro de 2017. O grau de ilicitude do facto é mediano nos crimes cometidos no âmbito dos processos aludidos em 1.1, 1.2 e 1.3. O grau de ilicitude do facto dos crimes cometidos no âmbito do processo aludidos em 1.4 é acentuado. O modo de execução dos crimes cometidos no âmbito dos processos aludidos em 1.1 e 1.2: cometidos todos eles na via pública, indiferente a quem pudesse ali passar ou permanecer. O dolo nos crimes cometidos pelo arguido é intenso – agiu sempre com dolo direto. A culpa do arguido é elevada nos crimes cometidos no âmbito dos processos aludidos em 1.1 e 1.2, bem como é elevado o grau de censura, porquanto, todos esses crimes cometidos pelo arguido revelam uma propensão por parte do arguido de um comportamento desviante na área da sexualidade. A culpa do arguido é igualmente elevada no crime cometido no âmbito do processo aludido em 1.3, uma vez que, o arguido já tinha por várias vezes sido condenado pela prática de crimes de idêntica natureza (em penas de multa, prisão substituída por multa, prisão suspensa e prisão por dias livres), revelando uma propensão para o desrespeito das normas básicas de convivência social, A favor do arguido cumpre referir que o arguido confessou (parcialmente) os factos no processo aludido no ponto 1.4. dos factos provados. §3. Sobre as condições pessoais do arguido apurou-se que: - o arguido possui o 4º ano de escolaridade; - o arguido trabalhou como ……; - está reformado ….. há cerca de 14 anos , recebendo uma pensão mensal no valor de € 312,00; - da constância do seu matrimónio nasceram três descendentes, com 26, 33 e 39 anos de idade; - à data da sua reclusão o arguido vivia com a sua mulher e o seu filho de …. anos de idade; - a sua mulher está desempregada e o seu filho de …. idade começou a trabalhar este ano; - os outros dois filhos casaram e são autónomos; - o arguido adquiriu a habitação onde residia com o seu agregado familiar, mediante empréstimo bancário, pagando uma mensalidade de € 430,00; - à data da sua reclusão o arguido dedicava-se a biscates no sector…..; - o arguido está preso desde 10 de Outubro de 2019, em cumprimento da pena de prisão imposta no processo 894/17...; - no E.P. o arguido trabalha nas …… e, antes da pandemia, recebia visitas da sua mulher e filhos; - actualmente, estando as visitas suspensas no EP por causa da pandemia, o arguido mantém contacto telefónico com os seus familiares; - o arguido ainda não tirou a carta de condução. Já tentou fazê-lo mas chumbou no exame do código estradal. §4. Importa ainda referir que à data dos factos o arguido tinha sofrido as condenações referidas nos pontos 3), 4) e 5) dos factos provados, nos termos aí descriminados. §5. São elevadas não só as exigências de prevenção geral, como de prevenção especial. §6. Tudo ponderado, entende-se necessária, adequada e proporcional a pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.” A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global. Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (:- § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.) No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) só; pois a valoração global de todos os factos puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.” No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”. O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.) “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional específica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.” Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991) Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.” Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” “O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.” A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit. § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.” A medida da pena – tanto individual como conjunta – é assumida como uma reacção do complexo juslegal ao agir intencional-volitivo que o agente investe na acção (ilícita) produtora do resultado (injusto e antijurídico). Agir e actuar de forma contrária ao feixe de valores ético-sociais que o ordenamento jurídico quis preservar, comporta um desvalor subjectivo-intencional que deve servir de medida à retribuição sancionatória inscrita na norma directora em que se intenta preservar a prevalência de valorações adoptadas e consignadas jurídico-positivamente. Nesta perspectiva, o concreto agir, donde deve emergir a aferição da intencionalidade participada na acção (ilícita), é reverberado pelo modo de execução da acção e a dimensão da lesão dos valores ético-jurídicos inscritos na norma violada. Na acção formadora e coalescente das penas parcelares que, por superveniência se detectou deverem ser objecto de cumulação, haverá que compactuar os sequentes parâmetros factológicos (i) o arguido carrega uma patologia, ou perturbação, psíquica de natureza sexual; (ii) o arguido evidencia um incontenção impulsiva de praticar actos de cariz sexual perante indivíduos do sexo feminino de menor idade; (iii) o arguido ostenta uma postura de ofensa social, na medida em que a prática dos actos dados como comprovados nas decisões condenatórias, ocorreram em lugares e situações que poderiam ter sido observados por mais pessoas do que aquelas a quem ele pretendia dirigir o acto concreto; (iv) o arguido perdurou a sua acção ofensiva e lesiva do pudor, da incolumidade e indemnidade sexual durante pelo menos 3 (três) anos, e maioritariamente, perante as mesmas pessoas. As acções perpetradas pelo arguido revelam uma personalidade psiquicamente desviada e desconchavada dos padrões de pudor e respeito pela sexualidade vigeres na sociedade. A perseguição de pessoas menores e a exibição de actos reveladores de práticas onanísticas perante essas pessoas revelam e atestam, pela perduração no tempo (4 anos), que o arguido persevera neste tipo de comportamento e conduta anti-social e perturbadora do pudor e da tranquilidade pessoal conviventes na comunidade em que habita. A indemnidade e a reserva da vida sexual-privada constituem um baluarte de intimidade vital. Ninguém pode ser obrigado a ver a sua esfera de intimidade perturbada e invadida pela acção de terceiros. A invasão deste círculo íntimo constitui uma devassa intolerável da reserva dos direitos fundamentais da pessoa humana. A sequenciação das condutas e a sua reiteração temporal induzem a necessidade de sancionamento penal efectivo, de modo a dissuadir e procurar ilaquear a comunidade da prossecução deste tipo de práticas e acções pervertidas. A pena conjunta imposta ao arguido, prefigura-se, em nosso juízo, perfeitamente ajustada ao desvalor dos injustos praticados, bem como à preservação dos bens jurídicos, da culpabilidade do arguido e, laast but not the least, à prevenção geral que importa prosseguir com a sanção que ora se injunge. §3. – DECISÃO. Na desinência do que fica exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ªa secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida; - Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s. Lisboa, 21 de Janeiro de 2021 Gabriel Martim Catarino (Relator) Manuel Augusto de Matos (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.) |