Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
129/11.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: RECURSO CONTENCIOSO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
INSPECÇÃO EXTRAORDINÁRIA
DELIBERAÇÃO
CONSELHO PERMANENTE
INQUÉRITO
SUSPENSÃO
DEVERES FUNCIONAIS
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
ACUSAÇÃO
INEXIGIBILIDADE
ERRO SOBRE ELEMENTOS DE FACTO
DISCRICIONARIEDADE
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário :
I -O DL 24/84, de 16-01, aprovou o EDFAACRL, que entrou em vigor em 01-02-84. Tal diploma foi revogado pelo EDTFP, aprovado pela lei 58/2008, de 09-09, que entrou em vigor em 01-01-2009. Nos termos do n.º 1 do art. 4.º deste último diploma, e no âmbito de norma sobre a aplicação no tempo, dispõe-se que «(…) o Estatuto é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa», precisando o n.º 3 que «os prazos de prescrição do procedimento disciplinar (…) contam-se a partir da entrada em vigor do Estatuto, mas não prejudicam a aplicação dos prazos anteriormente vigentes quando estes se revelem, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador».
II - No âmbito do EDFAACRL era de 3 meses o prazo para, após ter conhecimento da infração, o CSM instaurar procedimento disciplinar. Por sua vez, nos termos do EDTFP tal prazo é de 30 dias. Sendo assim, face às disposições referidas, temos que o regime mais favorável à arguida é o de este último Estatuto, ou seja, o CSM tinha de instaurar o procedimento disciplinar no prazo de 30 dias após ter conhecimento da ou das infrações atribuídas à recorrente.
III - No caso importa considerar o seguinte:
- em 17-06-2008 a Sra. Escrivã do 3.º Juízo do Tribunal de …entregou na secretaria-geral uma exposição, que deu entrada no CSM em 03-06-2008, em que dava conta de diversos factos relativos à atividade da arguida enquanto Juíza a prestar funções nesse tribunal;
- em 17-06-2008, em Conselho Permanente, o CSM teve conhecimento dessa exposição e deliberou adiar a sua apreciação até à remessa das averiguações sumárias solicitadas ao Inspetor da área;
- em 23-09-2008, em nova sessão do conselho Permanente, o CSM, face ao teor do relatório elaborado no âmbito daquelas averiguações sumárias, mandou aguardar o resultado da inspeção extraordinária à prestação da arguida, entretanto iniciada e que abrangia o período compreendido entre 15-09-2005 (termo da anterior inspeção) e 01-09-2008;
- uma vez que na posse dos factos emergentes de tal inspeção, e porque da mesma resultou a atribuição da classificação de «medíocre» (acórdão de 20-04-2010 do Plenário do CSM), foi então, em 12-05-2010, determinada a realização de inquérito disciplinar, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 34.º do EMJ;
- findo este, na sessão do Conselho Permanente de 06-07-2010 e perante o teor do relatório final, decidiu o CSM instaurar procedimento disciplinar, nos termos do art. 134.º do mesmo Estatuto.
IV -Assim, a instauração do procedimento disciplinar teve como causa os factos decorrentes de uma inspeção extraordinária que apreciou a atividade da recorrente nos diversos tribunais em que prestou serviço no mencionado período (15-09-2005 a 01-09-2008), não se podendo autonomizar cada um dos factos ocorridos durante esse período para o efeito de eventuais infrações subjacentes serem consideradas prescritas.
V - Acresce que só com o resultado da inspeção extraordinária é que se podia considerar que o CSM tinha tomado conhecimento da globalidade da ou das infrações, estando apto a formular um juízo sobre a necessidade de instaurar o procedimento disciplinar contra a recorrente, o que na realidade veio a acontecer. Na verdade, o CSM tomou conhecimento de factos que podiam dar origem à instauração de um processo disciplinar aquando da classificação de «medíocre», em 20-04-2010, e em 12-05-2010 – isto é, decorridos apenas 22 dias – determinou a realização de um inquérito disciplinar.
VI -Ora, com esta instauração, nos termos do n.º 4 do art. 6.º do EDTFP, suspendeu-se por 6 meses o prazo disciplinar de 30 dias, terminando essa suspensão em 12-11-2010. Como o CSM decidiu instaurar procedimento disciplinar contra a recorrente em 06-07-2010, encontrando-se suspenso o prazo de 30 dias referido no art. 6.º, n.º 2, do EDTFP, é evidente que não se encontrava prescrito o procedimento disciplinar.
VII - Face ao art. 3.º do ETAF o controlo judicial da atuação do CSM, na margem de competência que lhe está reservada, terá de limitar-se à verificação da ofensa ou não dos princípios jurídicos que a condicionam e será, em princípio, um controlo pela via negativa (um contencioso de anulação e não de jurisdição) não podendo o STJ, em regra, substituir-se àquele Conselho na ponderação das valorações que se integram nessa margem. O STJ não poderá, à face do princípio da separação de poderes, substituir-se ao CSM na hierarquização de interesses cuja prossecução cabe a este, mesmo que pareça que é evidentemente errada a opção deste sobre o estabelecimento de prioridades.
VIII - Encontrando-se descrita ao longo da extensa fundamentação da deliberação recorrida, através de factos dados como provados, que a recorrente violou deveres profissionais como o dever de zelo e o dever de criar no público confiança na administração da justiça, constituindo-se na infração disciplinar prevista no art. 82.º do EMJ e refletindo-se sobre a sua aptidão para exercer as funções de Juíza de Direito, não pode o STJ censurar a escolha e a medida da pena disciplinar que lhe foi imposta: pena de aposentação compulsiva, prevista na al. a) do n.º 1 do art. 95.º do EMJ.
IX - Face ao disposto no n.º 1 do art. 117.º do EMJ o instrutor do processo disciplinar deve deduzir acusação «articulando discriminadamente os factos constitutivos da infração disciplinar e os que integram as circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os preceitos legais aplicáveis», acrescentado o art. 122.º que «terminada a produção de prova apresentada pelo arguido, o instrutor elabora, no prazo de quinze dias, um relatório, do qual devem constar os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação e a pena aplicável».
X - Na situação em apreço, após a produção de prova apresentada pela arguida, o instrutor propôs que fosse «sancionada com a pena de aposentação compulsiva, ao artigo do artigo 95.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais». A recorrente teve conhecimento dessa proposta e, assim, ao contrário do que afirma, oportunidade de se pronunciar sobre ela, razão pela qual não foi violado o princípio da defesa.
XI - Entende a recorrente que a prova não foi devidamente elencada e valorizada, na medida em que teriam sido dados como provados factos com base em testemunhos de «ouvir dizer» e não teriam sido dado como provados factos que o deveriam ter sido.
XII - Tem sido entendimento do STJ que a suficiência da prova e da matéria de facto em que se fundamenta a decisão punitiva em processo disciplinar pode ser objeto de recurso. Contudo, o controlo da suficiência da prova não passa pela reapreciação da prova disponível e pela formação de uma nova e diferente convicção face aos elementos de prova disponíveis. O que apenas se pode apreciar é a razoabilidade e coerência da relação entre os factos que a entidade recorrida considerou como provados e os elementos de prova que lhe serviram de fonte de convicção.
XIII - Ora, perante a fundamentação da matéria de facto dada como provada no acórdão do Conselho Permanente do CSM, a que aderiu o Plenário, não vemos como considerar não ter existido aquela razoabilidade e coerência sobre «um panorama de descontrolo de serviço, reduzida produtividade e constante conflito, emergente das práticas adotadas e seguidas» pela arguida.
XIV - Sustenta a recorrente que não lhe era exigível outro comportamento, na medida em que encontrou nos tribunais onde exerceu funções «grande pendência e alguma desorganização», tendo «os apoios possíveis, face às circunstâncias».
XV - A não exigibilidade de outro comportamento resulta de, por razões reconhecidamente insuperáveis, não ser possível ao agente atuar segundo o que é Direito. Funda-se, genericamente, na ocorrência de forte pressão psicológica impeditiva da possibilidade de a pessoa se conduzir de forma juridicamente ajustada.
XVI - Na situação em apreço, para além de os factos invocados não se encontrarem demonstrados, o certo é que, a existirem, não tinham a virtualidade de impedir a recorrente de se comportar de outra forma, isto é, não tinham a virtualidade de impedir que mantivesse o controlo e organização do serviço, não acumulando processos e não os «emaranhando» sem qualquer decisão útil e de impedir que se relacionasse corretamente com os funcionários, em vista do bom funcionamento do Tribunal. Em suma, era exigível que tivesse outro comportamento.
XVII - Defende a recorrente que ocorreu erro nos pressupostos de facto, na medida em que os factos apurados não levariam à conclusão de que tinha violado os deveres de zelo e prossecução do interesse público.
XVIII - Existe erro na apreciação dos pressupostos de facto quando existir uma desconformidade manifesta entre os factos apurados e os factos considerados na decisão. Analisado o acórdão recorrido facilmente se chega à conclusão contrária. O que se verifica é que a recorrente tem uma diferente valoração dos pressupostos de facto que conduziram à aplicação da pena.
XIX - Como refere Mário Esteves de Oliveira e Outros, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, pág. 592, «é pacífico hoje que (…) no momento (subsuntivo) há espaço para uma ampla discricionariedade de juízo, de criatividade administrativa, ao nível da determinação dos pressupostos do ato (…) quando não se trata, mesmo, de o órgão administrativo a escolher os pressupostos do seu ato em função apenas do fim ou interesse legalmente definido». Assim, a ponderação feita pelo recorrido sobre a personalidade da arguida não pode ser censurada pelo STJ. Não viola quaisquer princípios gerais. Está dentro da reserva que é concedida ao recorrido. Não revela qualquer erro ostensivo ou clamoroso.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por deliberação do Conselho Superior da Magistratura, na sessão do Conselho Permanente de 06.07.2010, foi decidido instaurar processo disciplinar contra a Srª Juíza de Direito AA, face ao teor do relatório elaborado no termo do inquérito que decorreu do acórdão de 20.04.2010 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, no qual se atribuiu a classificação de Medíocre ao serviço prestado pela Srª Juíza na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial de ..., no período compreendido entre 15.09.2005 (termo da anterior inspeção) e 01.09.2008, “com especial referência e primazia aos Tribunais do ... e de ...”.

Finda a instrução, foi deduzida acusação contra a Exm.ª Juíza imputando-se-lhe a incapacidade definitiva de adaptação às exigências da função, prevista no art. 95º nº 1 al. a) Estatuto dos Magistrados Judiciais.

A arguida apresentou a sua defesa, na qual alegou, além do mais, o seguinte:

“- Invoca a prescrição do procedimento disciplinar quanto aos factos constantes na participação que a Sra. Escrivã do TJ ... fez em 18.05.2008 e que constam da acusação, devendo esse documento ficar a constar destes autos como já requereu mas não foi junto, devendo ser requerida cópia do mesmo nos autos em que se encontram.

- Remete a sua defesa para todo o teor do alegado na resposta ao Relatório da Inspeção que lhe foi feita e que responde a questões que constam da acusação e que nem sequer foram consideradas.

- Nega perentoriamente todos os artigos constantes da acusação e respectivas notas de rodapé.

- As próprias declarações das testemunhas inquiridas e nomeadamente da própria escrivã D. BB – "ficou de pé atrás com a arguida logo no dia 05.09.2008"; a insistência da arguida em saber o que aquela tinha e as razões do seu comportamento para com a arguida e não ao contrário (porque é a arguida a vítima nestes autos) não foram devidamente valoradas - ; os oficiais de justiça do próprio juízo dizem ter tido bom relacionamento com a arguida, etc..

- Os procuradores ouvidos dizem todos que competia à arguida 50% do trabalho do 3ºJuizo e não todo porque foi assim colocada ( e que antes estavam dois juízes e não um).

- Enfim, é o próprio processo disciplinar que contém parcialmente a defesa da arguida e por isso, salvo o devido respeito, devia ter sido apreciado devidamente.

- A outra parte da sua defesa é a sua resposta ao relatório de inspeção que nunca foi considerado e os 4 mil documentos que juntou.

- Por tudo isto, deve ser arquivado o processo disciplinar por violação de lei, erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentam, violação dos seus direitos como pessoa humana e como juíza contidos D.E.D.H, violação do princípio da presunção de inocência, da igualdade, da justiça, da imparcialidade porque a arguida sempre fez o seu trabalho como magistrada de uma forma irrepreensível, digna, zelosa, como humanamente lhe era exigível, sem prejudicar ninguém no mesmo e dentro das condições objetivas que o Estado lhe proporcionou”.

O Exmº Inspetor concluiu o seu relatório final propondo que:

A) sejam consideradas improcedentes as arguições da prescrição, do erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e das violações de lei, do princípio da inocência, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e dos direitos da Arguida;

B) seja a Arguida Dra. AA sancionada com a pena de aposentação compulsiva, ao abrigo do art. 95º nº 1 al. a) do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.

Em 2011.02.22,  foi proferido acórdão pelo Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, no qual se decidiu:

a) julgar improcedente a arguida prescrição do procedimento disciplinar;

  b) julgar improcedente o invocado erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

   c) julgar improcedentes as arguidas nulidades por violação de lei, do princípio da inocência, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e dos direitos da Arguida;

   d) condenar a Arguida, Exm.ª Juíza de Direito AA, pela violação dos deveres de zelo e o dever de prossecução do interesse público, especificamente, o dever de atuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa;

   e) e, consequentemente, condená-la na pena de aposentação compulsiva, prevista no art.º 95.º/1 al. a) do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.

Inconformada com esse acórdão, a arguida  reclamou para o Plenário do mesmo Conselho, rematando as suas longas alegações, que aqui se dão por reproduzidas, pela seguinte forma:

“Termos em que deverá concluir-se pela prescrição do procedimento disciplinar, pelos invocados erros sobre os pressupostos de facto e de direito do douto acórdão reclamado, pelas arguidas nulidades por violação de lei, do princípio da inocência, da igualdade, da imparcialidade e dos direitos constitucionais e legais da arguida do douto Acórdão reclamado e por valoração de prova proibida por lei, sendo revogado o acórdão reclamado quanto às alegadas infrações/violações e respectiva condenação na pena de aposentação compulsiva da arguida nos termos do art. 95°., n°. 1, ai. a) do EMJ por manifesta falta de fundamento legal para esse efeito.

Se assim não se entender, e sem conceder, deve concluir-se pelo não sancionamento da Arguida, em virtude de não lhe ser exigível, em face das circunstâncias do caso e serem arquivados os autos.”

Em 2011.07.12, foi proferido acórdão no Plenário do Conselho Superior da Magistratura, cuja parte decisória se transcreve a seguir:

Por tudo o que se deixou exposto, deliberam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, na improcedência da reclamação – à exceção das modificações introduzidas em três pontos da matéria de facto (cf. ponto III.4. deste acórdão) – manter a pena de aposentação compulsiva, prevista no art.º 95.º, nº1, al. a) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que foi aplicada pelo Conselho Permanente à Exmª Juíza de Direito AA.”

Inconformada, a Srª Juíza interpôs o presente recurso, apresentando a respetiva fundamentação, nos termos do disposto no artigo 172º do Estatuto dos Magistrados Judiciais

O Conselho Superior da Magistratura respondeu, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

As partes apresentaram alegações.

O Ministério Público, no seu parecer de folhas 162 e seguintes, entendeu que o direito de o Conselho Superior da Magistratura instaurar o procedimento disciplinar tinha prescrito porque, tendo tido conhecimento em 23 de Setembro de 2008 do relatório final do processo de averiguações mandado por si instaurar, não instaurou o competente procedimento disciplinar no prazo de três meses a partir dessa data, conforme o impunha o disposto no nº2 do artigo 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local,  aprovado pelo Decreto-lei 24/84, de 16.01, pois só veio a determinar a instauração de inquérito em 20 de Maio de 2010, convertido em processo disciplinar por deliberação de 6 de Julho de 2010.

As questões

São os seguintes os temas das questões propostas para apreciação:

1.Prescrição

2) Não indicação concreta dos deveres profissionais violados e das infrações cometidas

3.Não indicação da pena aplicável às alegadas infrações cometidas

4. Violação do princípio da imparcialidade

5. Incorreta definição do período temporal abrangido pelo processo disciplinar

6.Violação do princípio do contraditório

7.Não exigibilidade de outro comportamento

8.Omissão de pronúncia sobre questões prévias

9. Erro nos pressupostos de facto

Os factos

No acórdão do Conselho Permanente deram-se como provados os seguintes factos:

“A. Antecedentes:

1.º - A Sra. Juíza de direito, nascida em ... em ..., terminou a sua licenciatura em Direito em ..., com a classificação final de 12 valores. Depois de concluído o estágio, foi, sucessivamente, nomeada e colocada como Juíza: - auxiliar na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial de ... (deliberação de 16.03.2004, DR de 31.03.2004), sendo destacada para o Tribunal Judicial ... a partir de 1.04.2004; - nos Tribunais Judiciais das Comarcas (agregadas) de ... e ... (deliberação de 16.03.2004, DR de 14.09.2004); na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial de ..., primeiro, como auxiliar (deliberação de 14.07.2005, DR 14.09.2005) e, em seguida, como efetiva (DR de 31.08.2006), onde permanece. Nesse âmbito, por despachos de Sua Exa. o Vice-Presidente do CSM, esteve sucessivamente colocada: - na 11.ª Vara Cível de ..., em substituição da respectiva titular que se encontrava de licença de maternidade (19.09 a 19.10.05); - na 9.ª Vara Criminal de ... onde se frustrou a sua intervenção num julgamento (20.10.05), ficando, por isso afeta, ao 9.º Juízo Cível (3.ª secção) de ..., de 24.10 a 2.11.05; na 6.ª Vara Criminal, integrando um coletivo de substituição, a partir de 2.11.05; - no 4.º Juízo Criminal de ..., na secção da Senhora Juíza Dra. CC, sem prejuízo dos julgamentos que tinha em curso naquela Vara Criminal, a partir de 23.01.06; - na 5.ª Vara Criminal, a fim de permitir a constituição de um coletivo de substituição, a partir de 1.03.06; - na 9.ª Vara Criminal, com o mesmo objetivo, a partir de 19.06.06; - como auxiliar, na instrução criminal de .../..., entre 9.09.06 e 12.11.06, no decurso da licença de paternidade do juiz titular; - na 4.ª Vara Criminal de ..., integrando um coletivo de substituição, a partir de 13.11.06, acumulando, a partir de 20 do mesmo mês com o 4.º Juízo do TIC de ..., daí transitando em 4 de Janeiro de 2007 para o 1.º Juízo Criminal do Tribunal do ..., afeta à realização de julgamentos; - no 2.º Juízo Criminal do mesmo Tribunal, a partir de 29.01.07, assegurando todo o serviço, em substituição do respectivo titular, suspenso de funções; - finalmente, como auxiliar no 3.º Juízo do Tribunal de ..., entre 5.09.07 e Setembro de 2008.

2.º- No início (15/9/2005) e no termo (1/9/2008) da prestação que veio a merecer a classificação de “medíocre” aludida na antecedente Introdução, a Sra. Juíza tinha de exercício efetivo da judicatura, excluído o período de estágio, cerca de 1 ano e 6 meses e 4 anos e cinco meses, respectivamente.

3.º - O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, por acórdão de 7/3/2006, atribuiu a classificação de “suficiente” ao desempenho da Sra. Juíza anterior ao da dita prestação, cumprido nos Tribunais Judiciais das Comarcas (agregadas) de .... e ... entre 20.09.2004 e 15.09.2005, por ter constado, além do mais, que:

«(…) ao nível da jurisdição cível, estamos … perante um desempenho funcional fortemente marcado pela “insatisfatoriedade” quantitativa e em que há claros indícios de “insatisfatoriedade” qualitativa; ao nível da jurisdição criminal, estamos perante um desempenho funcional suficientemente satisfatório, não obstante os atrasos e delongas cometidas em algumas das 67 sentenças proferidas, nas quais a Excelentíssima Juíza revela adequados conhecimentos jurídicos.

Em conclusão, em termos de adaptação ao serviço o seu desempenho é, principalmente na jurisdição cível, algo consternador, pelo que a ilação a extrair é de que a Exma. Juíza não conseguiu uma adequada adaptação funcional e revela uma acentuada insegurança na condução dos processos, principalmente da jurisdição cível.

Foi pois o desempenho funcional da Exma. Juíza globalmente insuficiente em termos de produtividade e celeridade, insuficiências que são resultado de uma clara falta de método e, principalmente, de zelo e empenho…

Insuficiências que não fosse o caso de estarmos perante o caso de uma 1.ª classificação – de pendor marcadamente didático e pedagógico – justificariam e imporiam classificação de “Medíocre”.

(...) Enfim, por se tratar da 1.ª inspeção e por estar em causa o 1.º ano de exercício efetivo da judicatura – e só por isso – atribuir-se-á a classificação de “Suficiente”. Não se deixando de esclarecer que a nota deve ser entendida como oportunidade – e nunca como um desalento – que a excelentíssima Juíza deve agarrar, encetando, sem demora, uma enérgica e expressiva melhoria na adaptação ao exercício das funções – maxime à jurisdição cível.».

4.º - O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, mediante acórdão de 31/3/2009 proferido no processo disciplinar n.º 242/2007, decidiu aplicar à Sra. Juíza a pena de 20 dias de multa, por violação do dever de zelo, do dever de criar no público confiança na administração da justiça e do dever de correção. Nessa deliberação, o Conselho também considerou que a então Arguida:

i)- «é uma magistrada muito trabalhadora e empenhada no serviço, permanecendo com frequência no tribunal muito para lá do horário normal, assim como ao fim de semana e férias judiciais, do mesmo modo tendo utilizado férias pessoais para colocar o seu trabalho em dia e que sentiu no 2.º Criminal do ... elevados níveis de “stress”, devido ao elevadíssimo volume de serviço – quer pelo número de processos pendentes, quer por uma agenda muito sobrecarregada»;

ii)- «no período a que se reportam os factos em causa encontrava-se muito cansada e desgastada, em termos físicos e psicológicos, nomeadamente por excesso de trabalho, razão pela qual, após ter gozado férias durante alguns dias, foi internada de urgência na madrugada de 31.07.2007»;

iii)- «perante situações que considerava erradas, “chamava a atenção” dos funcionários, fazia-o para evitar que lhe fossem imputadas as faltas cometidas, nomeadamente nos planos disciplinar e inspetivo».

B. Tempo e condições de exercício

5.º No âmbito da sua colocação na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial de ..., a partir de Setembro de 2005, a ora Arguida foi sendo sucessivamente destacada para os Tribunais indicados no artigo 1.º, não porque estes constituíssem as suas primeiras preferências mas por considerações impostas pelas necessidades de serviço, e a mesma, embora não levantasse obstáculos a tais efetivas afetações, foi informando o então Exmo. Vogal do CSM do Distrito Judicial de ... da “pressão de serviço a que estava sujeita por força dos vários Tribunais em que exercia funções”.

6.º No período em análise, a Sra. Juíza ausentou-se (justificadamente) do serviço nos seguintes dias:

- Ano 2006: - 20.01.2006 (art. 40.º nº 1 do C. Trabalho); - 1.03.2006, 03.03.2006 e 7.11.2006 (art. 10.º do EMJ); - 24 a 27.07.2006 e 1.08 a 31.08.2006 (férias).

- Ano 2007: -  31.07.2007 a 02.08.2007 (art. 29.º do DL 100/99); - 24.10.2007, 19.11.2007 e 17.12.2007 (art. 10.º do EMJ); - 17/07 a 26.07.2007 e 03.08 a 29.08.2007 (férias).

- Ano 2008: - 15.01.2008, 21.01.2008, 24 e 25.01.2008, 1.02.2008, 04.02.2008 e 06.02.2008 (art. 10.º do EMJ); - 22 a 24.04.2008, 19.05.2008, 21.05 a 20.06.2008 e 14.07 a 12.08.2008 (art. 29.º do DL 100/99); - 18.08 a 22.09.2008 (férias).

7º - Percorrendo mais sumariamente os segmentos da prestação a que não foi conferida “especial referência e primazia” pela deliberação que esteve na base deste processo, dada a natureza pulverizada dos aludidos destacamentos, a Sra. Juíza praticou os seguintes atos, com maior relevância:

- na 1.ª secção da 11.ª Vara Cível de ..., entre 19.09 e 19.10.05, despachou o expediente que lhe foi sendo presente nesse período e presidiu a quatro audiências preliminares, tendo lavrado despacho saneador, e realizou dois julgamentos em ações com RR revéis (mas não proferindo sentença), tendo deixado 4 processos para decisão, ao cessar funções;

- no 9.º Juízo Cível (3.ª secção) de ..., entre 24.10 e 2.11.05, proferiu 5 saneadores e 1 sentença;

- na 6.ª Vara Criminal, integrou um coletivo de substituição, a partir de 2.11.05, presidiu a 13 Julgamentos com intervenção do Tribunal Coletivo e foi adjunta em vários outros com continuações até Maio de 2006;

- na 3.ª secção do 4.º Juízo Criminal de ..., onde foi colocada sem prejuízo dos julgamentos que tinha em curso na 6.ª Vara Criminal, a partir de 23.01.06, proferiu 2 sentenças;

- nas 5.ª e 9.ª Vara Criminal, integrou a constituição de coletivos de substituição, a partir de 1.03.06 e 19.06.06, respectivamente;

- entre 9.09.06 e 12.11.06, na instrução criminal de .../... proferiu 13 decisões instrutórias, para além de outros despachos;

- na 4.ª Vara Criminal de ..., integrou um coletivo de substituição, a partir de 13.11.06, tendo acumulado, a partir de 20 do mesmo mês, com o 4.º Juízo do TIC de ..., onde presidiu a 2 debates instrutórios, proferindo, na sequência, 1 despacho de pronúncia e outro de não pronúncia e proferiu 2 despachos de “não instrução”;

- no 1.º Juízo Criminal do Tribunal do ..., entre 4 e 29 de Janeiro de 2007, realizou 16 julgamentos e proferiu as subsequentes (16) sentenças – sendo 9 em PCS, 1 em RCO e 6 em PA.

8º - Na sequência, a partir de 29.01.07, a Sra. Juíza foi afetada ao 2.º Juízo Criminal do mesmo Tribunal do ..., para assegurar todo o serviço, em substituição do respectivo titular, suspenso de funções, deparando com a pendência (estatística ) e os níveis de distribuição refletidos no quadro seguinte, em que o número dos processos findos vem igualmente referido:

(…)

9.º - Ao assumir funções nesse 2.º Juízo, a Arguida recebeu 386 processos “cls”, dos quais 174 estavam para recebimento de acusação, 25 para sentença, 26 para visto em “correição” e 161 para outros despachos de diversa índole.

 Além da gestão de todo esse serviço, competiu à Arguida assegurar a sua participação no Tribunal Coletivo – o que sucedeu nos dias 1/3, 12/3, 16/4, 14/5, 28/5, 1/6 e 16/7 – e o turno aos julgamentos nos processos sumários, uma semana por mês. Nesse período, teve, ainda, que participar em continuações de julgamentos nas Varas Criminais de ... ( ).

10.º - Por outro lado, a Arguida deparou com uma agenda densa ( ) e resultante de designações que haviam sido feitas com uma antecedência de entre dois a três anos, algumas já objeto de adiamentos. De início, a Arguida começou por procurar assegurar a realização ( ) dos julgamentos designados através da dilatação da leitura das sentenças para datas situadas entre 25 a 30 dias depois. No entanto, incapaz de reorganizar o agendamento dos julgamentos à medida das suas capacidades, a Arguida foi sendo progressivamente tomada por esse ciclo compressor que, à medida que se foi acentuando, a levou ao descontrolo e desorganização do serviço e à desarticulação das respectivas regras: praticamente, deixou de salvaguardar o princípio da continuidade da audiência ( ) e de cumprir o horário dos atos ( ); com frequência, ocorreram, sobretudo, adiamentos da publicação das sentenças ( ) mas também desmarcações de julgamentos em momento que se mostrava já inviabilizado qualquer aviso aos respetivos intervenientes (cf., a título de exemplo, as cópias de fls 1 a 194, docs. nºs 1 a 14, do apenso A); os processos, paulatinamente, foram-se amontoando no seu gabinete, designadamente para despacho diário do expediente processual.

11.º - Em 7.05.2007, a Sra. Juíza Dra. DD passou a desempenhar funções também naquele 2º Juízo Criminal, dividindo-se o serviço com a Sra. Juíza ora Arguida, de modo a que aquela ficou responsável pelos processos com número par. Nessa altura, a pendência (estatística) e os níveis de distribuição são os refletidos no quadro seguinte, em que vem igualmente referido o número dos findos por ambas as Sras. Juízas ( ) até 31/8 seguinte:

(…)

12.º - Também em 7.05.2007, só os processos com número par que transitaram para a Sra. Juíza Dra. DD ( ), conclusos com datas diversas dos meses de Fevereiro a Maio desse ano, ascendiam já ao total de 551, número que incluía 171 a aguardar recebimento de acusação, 95 visto em “correição” e 285 outros despachos de diversa índole. E, na véspera das férias judiciais do Verão desse ano, a pendência dos processos só com número ímpar ( ) conclusos com datas diversas anteriores, com despacho em atraso, subiu para 875, sendo 260 para visto em “correição” e 615 para outros despachos, neles se incluindo o de recebimento de acusação.

13.º- Todos estes 875 processos foram despachados pela Arguida no decurso daquelas férias e recebidos, de uma só vez, pela secretaria, no dia 3.09.2007, para cumprimento, incluindo a notificação de diligências e julgamentos que a mesma designou para os meses imediatos, de modo concentrado. Na sequência, veio a obter uma certidão declarando que não deixara qualquer processo por despachar.

14.º - Todavia, no apontado contexto, nesse 2.º Juízo Criminal a Arguida ainda logrou realizar 147 julgamentos e proferir as subsequentes 147 – sendo 99 em Pcs, 8 em RCO, 17 em PS e 23 em PA (Cf. doc. nº 43, de fls. 549, do apenso A) – embora se deva registar que quinze delas foram publicitadas apenas em Setembro seguinte (até 25/9) e, do total dessas sentenças, em trinta e sete as datas do respectivo depósito não correspondem às da sua publicitação, sendo três depositadas também já em Setembro.

15.º - Finalmente, entre 5.09.07 e Setembro de 2008, a Arguida esteve colocada como auxiliar no 3.º Juízo do Tribunal de ..., deparando aí com a pendência (estatística ( )) e os níveis de distribuição refletidos no quadro seguinte, em que vem igualmente referido o número dos findos ( ):

(…)

16.º - A Arguida, à data desse destacamento, deparou com sessenta e um processos cíveis com termo de “cls” até 31/8/2007 e com um agendamento mais moderado do que no ... ( ), mesmo contando com a participação em julgamentos pelo Tribunal Coletivo (processos-crime).

17.º- Em exposição que dirigiu ao CSM em 9/10/2007, a Arguida solicitou a colocação de um outro juiz, sublinhando a qualidade de auxiliar a que o seu destacamento obedecera. Na falta de magistrado disponível para destacar, foi obtido o contributo, em regime de acumulação ( ), do Sr. Juiz de instrução criminal Dr. EE, o qual, entre 19/11/2007 e 11/7/2008, proferiu 76 sentenças, 17 saneadores/sentença, 67 saneadores, 33 outras decisões e 107 despachos diversos. E, perante a necessidade de colmatar a ausência da Arguida ( ), o Sr. Dr. EE, já depois de 14/7, durante 15 dias, cumpriu 1078 processos, de entre os que se encontravam pendentes no gabinete daquela, tendo o mesmo proferido 213 sentenças ( ), 3 saneadores/sentenças, 4 outras decisões e 858 outros despachos.

18.º - Também no 3º Juízo do Tribunal de ..., progressivamente e ainda mais acentuadamente do que no ..., a Arguida mostrou-se completamente incapaz de manter o regular controlo e organização do serviço, designadamente quanto ao cumprimento do horário fixado para audiências de julgamento ou outras diligências. Mesmo quanto ao despacho do expediente diário, a sua actuação limitou-se, praticamente, a processos que reputava de urgentes – sobretudo, na área da jurisdição de menores e criminal.

19.º - Como consequência, não obstante o referenciado contributo do Dr. EE, os processos foram-se acumulando no gabinete da Arguida, ao ponto de, em 16/6/2008, se encontrarem já 1326 processos ( ) a aguardar despacho/sentença, desde datas diversas, a partir de Setembro de 2007 ( ), sendo certo que de, entre esses 1326, haviam sido “cls” 141 já dentro do período de “baixa” por doença da mesma ( ). Concretizando:

- desmarcou e adiou a maioria das audiências e outras diligências. Para tanto, pedia os processos com diligências (crimes e cíveis) designadas para datas posteriores para as desmarcar, apesar de algumas delas já resultarem de anteriores reagendamentos feitos por si ( );

- a título de exemplo, na área cível, cf. as cópias nºs 15 ( ), a fls. 195-199, 16 ( ), a fls. 200-220, 17 ( ), a fls. 221-229, 18 ( ), a fls. 230-236, 19 ( ), a fls. 237-238, 20 ( ), a fls. 239-241, 21 ( ), a fls. 242-243, 22 ( ), a fls. 244-248 ( ), do apenso A;

- também na área crime desmarcou e adiou audiências (cf. a cópia nº 29, a fls. 354-370 ( ), do apenso A);

- protelou a obtenção da decisão em processos urgentes: a título de exemplo, cf. as cópias nºs 23 ( ) a fls. 249-285, 24 ( ), a fls. 286-291, e, muito especialmente, doc. nº 36 a fls. 432-515, do apenso A ( );

- também omitiu a designação de julgamentos em grande número de processos – v.g., as cópias a fls. 292-301, doc. nº 25 ( ), do apenso A – e, quando o fez, foi para data em que previsivelmente já não estaria ao serviço na Comarca e, mesmo assim, a carecer de regularização antes da sua efetivação, para além de terem sido desconvocados pelo Sr. Juiz substituto 24 desses julgamentos, designados pela  Arguida em Julho para Setembro e Outubro seguintes, por impossibilidade de cumprimento atempado  (cf. as cópias a fls. 302-312, doc. nº 26 ( ), do apenso A, e, ainda, as cópias de fls 132 a 204 do apenso C do processo da inspeção nº 229/2009);

 - igualmente, tripudiando as regras da substituição legal dos magistrados judiciais, procedeu a adiamentos de audiências e outras diligências, através do telefone, no próprio dia de sua marcação, ficando o facto atestado por cota elaborada pelos Oficiais de Justiça, que, depois, desconvocavam o ato e as pessoas que haviam comparecido, o que sucedeu mesmo em processos urgentes (cf. a cópia nº 27, a fls. 313-319 ( ), e a cópia nº 35, a fls. 396-431, do apenso A ( ));

- a acrescer às conhecidas contingências de ordem legislativa, também as ações executivas, à semelhança das demais, ficaram totalmente paralisadas – e assim continuavam mesmo quando, temporariamente, a Arguida “abria mão” dos autos para neles ser junto expediente ( ) – vindo, depois, a ser despachadas pelo Dr. EE, já depois de 14/7, nas circunstâncias supra mencionadas em 1.3.1. ( ).

20.º - Em geral, as suas intervenções limitavam-se a “emaranhar” a obtenção de qualquer decisão útil nos processos e a apresentar as razões para o seu insucesso em dar andamento à apreciação das pretensões em causa, nisso despendendo boa parte das suas energias e do esforço que comunicava experimentar, usando expressões como “mesmo trabalhando mais de 34 horas seguidas e sábados e domingos e noitinhas” ( ). Do que são exemplos:

- o Pcs nº 460/05.3GDTVD, concluso em 7.09.07, foi “despachado” em 21.02.08 apenas para remeter os autos à secção porque fora aberta vista em vez de conclusão; tendo a secção corrigido, abrindo conclusão com data de 27.02.08, a Arguida “abriu mão” dos autos em 5/6/08 e neles só veio a proferir um despacho de mero expediente em 12.07.08 (cf. a cópia nº 30, a fls. 371-374, do apenso A);

- no Pcc nº 240/03.0PATVD, apesar das sucessivas cobranças dos autos entre 21/9/2007 e 13/6/2008, não foi implementado o regime de prova a que fora sujeita a suspensão da execução da pena (Cf. a cópia nº 31, a fls. 375-384, do apenso A);

- o Pcs nº678/00.5PATVD que aguardava pronúncia quanto à prorrogação ou não de suspensão de pena e que concluso em 17.01.08 foi marcada a audição do arguido em 11.07.08 para data em que a Arguida não estaria já na Comarca (cf. a cópia nº 32, a fls. 385-387, do apenso A);

- no Pa nº 35/06.0GATVD (autos em que estava proposto cumprimento de pena subsidiária de prisão), em 11/7/2008 ordenou audição do arguido em termo de conclusão de 21/9/2007 (cf. a cópia nº 33, a fls. 388-389, do apenso A).

21.º - A Arguida, por vezes, cumpria períodos de permanência no edifício do Tribunal não coadunáveis com o horário de funcionamento da respectiva secretaria, hábito a que, certamente, não seria indiferente a sua peculiar forma de exercitar a função e de que a própria ia dando conhecimento nos processos, conforme já anotado no artigo 20.º: neste domínio, tanto foi deixando sinais da sua presença (processos despachados) durante a noite, como sucedeu frequentemente ausentar-se sem avisar e ficar incontactável, no horário normal de expediente, o que implicava a dificuldade na solução de emergências de serviço que surgiam e o inerente prejuízo ( ).

22.º - Em conformidade com o já antes observado quanto à omissão da regular designação de julgamentos, a Arguida, imediatamente antes e depois do último período de baixa por doença referido na nota 16 (14.07 a 12.08.2008), procedeu a designações de julgamentos e outras diligências para os meses de Setembro e seguintes, na ordem da centena e meia e de modo massivo ( ), o que inviabilizou o cumprimento, não só de tais convocações, como das próprias diligências e, por consequência, veio a originar desmarcações destas ( ).

23.º - No contexto referido no artigo anterior, a Arguida, imediatamente antes de cessar funções, devolveu ao Ministério Público um lote de processos que estavam prontos para os efeitos previstos no art. 311º do CPP, invocando que não haviam sido esgotadas as diligências tendentes à notificação dos arguidos e outros pretextos ( ), o que fez com que, depois, tais processos tivessem sido de novo remetidos à distribuição entre os diversos Juízos do Tribunal.

24.º - Em 13 de Agosto de 2008, a Arguida dirigiu ao Exmo. Vice-Presidente do CSM uma exposição dando conta que constatara que havia sido despachada pelo Dr. EE a maioria dos processos que anteriormente se encontravam acumulados no seu gabinete, informando também que tinha a intenção de lhes dar andamento no período das suas férias pessoais (até 31/8) – tal como fizera no ... – e que iria despachar os restantes cerca de 100 processos ainda “conclusos”.

25.º - Tendo despachado em férias também 108 processos, que restaram de todos os que estavam conclusos – dos quais, 1078 haviam sido despachados pelo Dr. EE já depois de 14/7, como supra mencionado no artigo 17º – de novo, a Arguida veio a obter uma certidão contendo a declaração de que não deixou qualquer processo por despachar.

26.º - No que respeita ao cumprimento substancial das respectivas funções no 3º Juízo de ..., ou seja, à sua real produtividade, entre 5.09.07 e 18.08.08 – sem esquecer os significativos períodos de “baixa” por doença (ocorridos entre 19.05 e 20.06 e entre 14.07 e 12.08.2008) –, a Arguida não elaborou qualquer despacho saneador e proferiu apenas (cfr. certidão de fls. 80-83 destes autos):

- 56 sentenças na área da jurisdição criminal, 31 das quais em processo sumário, 15 em processo comum singular, 8 em recurso de contraordenação e 2 em processo abreviado;

- 74 sentenças/decisões nas demais áreas, das quais: apenas 7 em processos em que se havia verificado oposição (sendo 3 providências cautelares, 2 reg. poder paternal e 2 “aecopec”); 32 homologações de acordos (sendo 25 em processos referentes ao poder paternal); 5 homologações de desistências; 6 em processos de promoção e protecção; e 24 outras decisões.

C. Outros dados relevantes.

27.º - No seu acórdão de 20/4/2010, o Conselho Superior da Magistratura, na apreciação que fez à prestação da Arguida ora igualmente em questão, veio a considerar que se confirmou o “receio” constatado no acórdão de 7/3/2006, referido no artigo 3º, que, ao analisar a adaptação ao serviço da Arguida, na sua prestação anterior (de 20.09.2004 a 15.09.2005), verificou que a mesma “não conseguiu uma adequada adaptação funcional e revela uma acentuada insegurança na condução dos processos, principalmente da jurisdição cível”.

28.º - E, ao impor a sanção aludida no artigo 4º, o Conselho Superior da Magistratura considerou assente, além do mais, que a Arguida, enquanto afeta ao 2º Juízo Criminal do Tribunal do ..., em datas situadas entre 29/1/2007 e 17/7/2007, assumira comportamentos desrespeitosos para com Funcionários, um Procurador Adjunto, uma sua Colega e uma Advogada, bem como praticara atos atentatórios da confiança dos cidadãos nos tribunais na sua qualidade de órgãos da administração da Justiça, causando-lhes desprestígio.

29.º - Ora, a acrescer à sua incapacidade para manter o regular controlo e organização do serviço e à sua instabilidade, designadamente quanto a métodos de trabalho e actuação, já consubstanciadamente enunciadas a propósito da prestação desenvolvida no 2.º Juízo Criminal do Tribunal do ... e no 3.º Juízo do Tribunal de ..., também neste último Tribunal, a Arguida, com frequência, usou para com os Srs. Oficiais de Justiça, ou seja, as pessoas que dela dependiam funcionalmente, de trato arrogante, prepotente e descortês – por vezes, desfigurava-se e gritava –, procurando, por tal modo, camuflar sua insuficiência para o cargo, na senda dos actos que praticara naquele Tribunal do ... e que atingiram a dimensão que motivou a decisão disciplinar já aludida ( ).

30.º - Também nesta vertente, a Arguida revelou-se desconfiada, pessoalmente insegura e emocionalmente instável e, por isso, ser incapaz de manter relação humana e funcional adequada com os senhores funcionários que com ela eram obrigados a lidar e, por consequência, de exercer a direcção funcional dos serviços de apoio ao Tribunal, que lhe incumbia, intrometendo-se incorrectamente na área de acção e da chefia da secção de processos, assim gerando um ambiente consensualmente reputado pelos elementos desta como muito complicado, adverso e sujeito a mudanças repentinas ( ).

30.º - Em consequência da actuação supra enunciada nos artigos 18.º a 21.º, designadamente dos sucessivos e constantes adiamentos de julgamentos e outras diligências, adveio o não andamento dos processos, dos quais o gabinete da Arguida passou a estar completamente pejado, atafulhando até o chão, obrigando os Oficiais de Justiça, regularmente – normalmente uma vez por semana –, a despender muito tempo e esforço acrescido para ir cobrar processos a fim de se lhes juntar expediente, tarefa que a Arguida, ainda assim, apenas autorizava no dia e na hora que ela determinasse, e implicando a completa desorganização do serviço, o que gerava uma extenuante confusão e grande vergonha para os Oficiais de Justiça em funções no Juízo, designadamente quando tinham que atender as pessoas que procuravam saber do paradeiro dos processos e do seu estado, cabendo-lhes, ainda, o ónus de tentar apaziguar os ânimos exaltados dos reclamantes.

31.º - Com efeito, a partir de certa altura, os processos do Juízo estavam quase todos no gabinete da Arguida e os requerimentos dos interessados a tentar obter o seu impulso, de uma forma mais ou menos explícita, a única repercussão que tinham era a de aumentar o trabalho e o tempo perdido dos Oficiais de Justiça a procurar os processos e a abrir novas mas inúteis conclusões, na medida em que os processos continuavam parados ( ).

32.º - Por isso, o trabalho dos funcionários resumia-se, praticamente, a “desfazer o serviço feito”, ou seja, a dar cumprimento a despachos que davam sem efeito diligências e julgamentos, sendo a única preocupação da Arguida, relativamente à organização do serviço imposto pela Sra. Escrivã, arranjar sempre uma complicação, o que fazia não apenas com todos os funcionários do Juízo mas também com a Secção Central, através de, designadamente, telefonemas para o Sr. FF, Secretário do Tribunal.

33.º - A Arguida, frequentemente, irritava-se com o retorno rápido dos processos às suas mãos e com o número de processos que lhe eram conclusos diariamente, como decorrência das necessidades do serviço e, quando a chefe da secção procurou organizar o serviço de modo a que nos processos figurasse transparentemente a data em que os mesmos eram recebidos das mãos da Arguida, apondo neles os “termos” respectivos, a mesma, dizendo que tais termos eram expressão de falta de lealdade, procurou desestabilizar a secção, falando individualmente com os diversos elementos, de maneira a que, por via do mau estar gerado, conseguisse que a Sra. Escrivã mudasse de orientação, o que esta não fez.

34.º - A Arguida, no quadro da já falada extrema desconfiança para com os Oficiais de Justiça, em conexão com a também referida propensão para o descontrole e perturbação, também adotou as seguintes atuações:

- apunha nos seus despachos uma nota com a indicação do nome do funcionário a quem, segundo supunha, iria entregar em mão o processo – o que, por razões de organização de serviço nem sempre se concretizava, pelo que a Arguida tinha de retificar, depois, o nome da pessoa a quem efetivamente acabava por entregar os processos – tendo passado, depois, a convocar ao gabinete, individualmente, o funcionário a quem queria entregar o processo, cuja identidade punha no despacho;

- assim, durante todos e ao longo de cada um dos dias que estava no Tribunal, telefonava várias vezes, à medida que dava um simples despacho em qualquer processo, para se ir buscar, consignando a hora que o entregava ao funcionário que chamava, tendo sucedido, numa determinada fase, que cada um dos diversos funcionários passavam o seu tempo a ir ao gabinete, um de cada vez, chamado através do telefone, para vir buscar um processo;

- tirava cópia de todos os despachos que proferia;

- pedia diariamente a lista dos processos que lhe eram confiados;

- pontualmente, pedia que ficasse a constar da conclusão a respectiva hora.

35.º - A Arguida manteve uma relação muito atribulada, tumultuosa e desrespeitosa com todos os Oficiais de Justiça do Juízo mas muito em especial com a Sra. Escrivã:

- no prosseguimento da tentativa de desestabilização referida no artigo 33º, a Arguida, permanentemente, falava muito com todos e cada um dos Oficiais de Justiça subordinados da Escrivã sobre todos os assuntos, designadamente de serviço e do que sucedera no ... ( ), e queria saber de cada um o que se passava na secção e o que a Escrivã fazia, procurando criar um mau ambiente em toda a secção e colocar uns contra os outros e sobretudo contra aquela, e a respectiva organização e chefia do serviço, designadamente, com o “diz que disse” junto de cada funcionário, com risinhos e comentando negativamente o serviço prestado pelos demais colegas que não assistiam à conversa;

- de início, essa sua actuação ainda perturbou o bom espírito de equipa que existia antes de a Arguida chegar, mas, rapidamente, todos os funcionários começaram a sentir que a mesma adotava a prática descrita com todos e apenas visava destruir o funcionamento da equipa e desorganizar o serviço para camuflar a sua própria incapacidade e incumprimento;

- utilizava sempre um tom de voz ameaçador quando se dirigia à pessoa da Sra. Escrivã, dizendo com frequência que participaria dela;

- uma vez, no decurso do ano de 2008, mas antes de 14/7, a Arguida, com a voz alterada, pôs a Sra. Escrivã fora do seu gabinete;

 - outra vez, no mesmo período, na sequência da manifestação dum dos acessos de descontrole e perturbação da Arguida, a Sra. Escrivã saiu a chorar do gabinete daquela, situação que muito constrangeu a Exma. Procuradora do Círculo, por a ter visto nesse estado;

- não sendo apenas a chefe da secção de processos que era maltratada diretamente mas sendo ela, também por via das desconsiderações aos demais, a visada indiretamente, a mesma foi, assim, a maior vítima da actuação da Arguida, pois foi por esta frequentemente humilhada e desautorizada, designadamente perante os demais funcionários da secção, seus subordinados, que a reputam como profissional responsável, muito expedita, capaz, eficiente e pessoa com quem é agradável trabalhar, nunca tendo eles entendido as razões para que àquela fosse movida tal perseguição pela Arguida e para a que a mesma fosse tratada sem a mínima consideração, tanto pessoal como pelas funções que desempenhava;

- no entanto, ponderando a eficiência da Sra. Escrivã, os Oficiais de Justiça admitiam que tal comportamento ter-se-ia ficado a dever à mera tentativa para manter o serviço descontrolado, dado a Arguida não proferir despachos para resolver os processos, mas apenas para os “enrolar” e, segundo os adjuntos comentavam, ela, não tendo conhecimento para mais, também não quereria dar “parte fraca”;

- aquando da realização da inspeção ao serviço dos Oficiais de Justiça no 3º Juízo de ..., iniciada em 9/10/2007, quer a Exma. Juíza Dra. GG, titular desse Juízo, quer a Arguida elaboraram o respectivo parecer sobre as qualidades profissionais e desempenho da Escrivã Sra. BB: nesse âmbito, enquanto a primeira – que conhecia a Sra. Escrivã, desde vários anos antes, por ter trabalhado com esta, não apenas como tal, mas ao longo da respectiva carreira e desde que a mesma fora também Escriturária e Escrivã-Adjunta – enalteceu, intensamente, as qualidades profissionais e o desempenho da Inspecionada, a segunda – que contactava com a Sra. Escrivã desde havia escassos meses – apoucou, em diversas vertentes, tais qualidades e desempenho ( );

- todo o descrito comportamento da Arguida teve graves repercussões na organização do serviço e também ia fazendo com que a Sra. Escrivã se enervasse e passasse a ter problemas de saúde.

36.º - Ao longo da mencionada prestação em ..., a Arguida manteve um bom relacionamento interpessoal com os Magistrados do Ministério Público e no contacto com as demais pessoas – advogados, arguidos, testemunhas, pais nos processos de menores – era passiva e não teve manifestações de agressividade.

37.º - Concretizando, circunstanciadamente, as atitudes genericamente enquadradas:

37.º-1. Quando a ora Arguida era Juíza de Instrução, ainda antes de iniciar funções no 3º Juízo de ..., teve um primeiro contacto pessoal com os Oficiais de Justiça desse Juízo, incluindo com a Sra. Escrivã, na sequência de esta a avisar que tinha sido recebido um expediente do M.P. com a promoção de que fosse efetuado o primeiro interrogatório de arguido detido: a Arguida entrou de supetão na secretaria, completamente esbaforida a interpelar a Sra. Escrivã sobre as razões pelas quais a não tinha prevenido no dia anterior, certamente por presumir que já haveria conhecimento antecipado de tal remessa. Nessas circunstâncias, enquanto a Sra. Escrivã a tentava esclarecer de que só tomara conhecimento do expediente quando o mesmo lhe fora remetido, a Arguida, persistiu no seu descomedimento, diante de todos os funcionários presentes.

37.º-2. Posteriormente, quando se apresentou para iniciar funções nesse 3º Juízo, a Arguida pediu desculpa pelo que sucedera, referindo que tinha sido um seu mau momento e chamou a Sra. Escrivã ao seu gabinete para falar da organização do trabalho, contexto em que até elogiou os métodos desta, enquanto Escrivã, deu-lhe algumas diretivas, pedindo-lhe, inclusivamente, sugestões no sentido de tornar o serviço mais prático e célere nomeadamente quanto a certidões, ofícios, respostas a outros tribunais, ao que a Sra. Escrivã acedeu sugerindo que a Arguida desse um provimento com todas as ordens que entendesse para que não houvesse equívocos, com o que concordou.

37.º-2.1. Então, a Arguida pediu o livro de provimentos para formalizar as orientações genéricas sobre que tinham conversado, o qual, de imediato, a Sra. Escrivã lhe fez chegar ao gabinete, onde o mesmo permaneceu cerca de 3 semanas, sem que qualquer provimento fosse dado, até que o Sr. Inspetor do COJ o solicitou e a Sra. Escrivã o foi buscar, comunicando à Arguida que lho poderia trazer logo que ficasse disponível. A Arguida respondeu não ser necessário, mas verbalmente comunicou que as respostas aos tribunais deveriam ser oficiosamente cumpridas, desde que não suscitassem dúvidas.

37.º-3. Aquando do seu início de funções no 3º Juízo de ..., entre outras conversas e por a Arguida ter suscitado a questão, a Sra. Escrivã explicou-lhe que não se numerava a folha da conclusão porque tinham a prática de abrir as conclusões com datas posteriores (de 3 ou 4 dias) e que, nesse intervalo de tempo, poderia chegar aos autos mais expediente que seria junto ao processo, assim se evitando correções na numeração; na ocasião, a Arguida não colocou quaisquer objeções a esse método, mas, posteriormente, passou a polemizar o procedimento, argumentando, contra tudo o que tinha sido falado, que “tinha dado instruções que não despachava em folha que não estivesse numerada” e chegou ao ponto de despachar: “antes de mais numere os autos, após conclua”, ou de ser a própria a numerar e a rubricar a folha.

37.º-4. Sempre que um processo tinha apensos, a Arguida passou a separá-los cortando os fios com um “xis-ato”, sucedendo frequentemente os processos chegarem à secção com falta de ou apensos misturados com os restantes processos, pelo que, não percebendo o porquê dessa atitude, todos os Oficiais de Justiça a entendiam como castigo e como uma maneira de os fazer perder tempo.

37.º-5. Em 19/10/2007, a Sra. Escrivã passou uma certidão quanto à pendência, que já tinha sido pedida pela Arguida sem nunca ter feito referência à urgência, que mais tarde invocou para a acusar de não cumprir as ordens que lhe dava.

37.º-5.1. Todavia, em 30/10/2007, a Arguida chamou a Escrivã-Adjunta Sra. HH ao gabinete para lhe dizer que a certidão estava mal passada porque queria que constasse como data da pendência o dia 5/9/2007.

37.º-5.2. Em 31/10/2007, a Sra. Escrivã passou a certidão nos termos então referidos e entregou-a em mão, mas, como aquela apenas corrigira os números relativamente à pendência, dias depois, a Arguida disse-lhe que a certidão estava mal passada, que ou ela não fazia o que ela queria ou que não entendia o que ela falava, fazendo-o de modo a sugerir que a Sra. Escrivã tinha um problema de compreensão. 

37.º-6. Em 24/10/2007, pelas 10H30, quando a Arguida telefonou a comunicar que não iria trabalhar e pedindo para serem adiadas as diligências designadas, apenas quis falar com a Escrivã-Auxiliar Sra. II. Ainda assim, a Arguida acabou por falar com a Escrivã-Auxiliar Sra. JJ, a pedido desta, por haver um processo de promoção (urgente) agendado para aquele dia, procurando saber quais as diligências que queria que fossem cumpridas.

37.º-7. A Arguida não utilizava agenda física, pelo que, por sistema, mandava pedir cópias da agenda da secção. Por isso e porque não anotava as diligências que marcava, várias vezes lhe aconteceu solicitar a lista dos processos com diligências designadas pela própria, pois dizia não gostar de usar agenda e apenas consultar tribunais net ou o habillus, embora também assim desconhecesse os agendamentos. Pela razão acabada de referir, no proc. 2372/06.4TBTVD (Ac. Sumaríssima), pediu informação se foi adiado mas não pediu o processo (julgamento p/ 6/12/2007).

37.º-8. No dia 6/11/2007, pelas 12H00, a Arguida telefonou do gabinete para saber se havia mais processos para o Dr. EE, ao que a Sra. Escrivã respondeu afirmativamente, esclarecendo que tal se concretizaria à medida que iriam decorrendo os prazos que o determinassem, e também perguntou se ainda havia processos para entregar ao Dr. EE no gabinete da Arguida, ao que esta respondeu que os que estavam no seu gabinete eram da sua responsabilidade e se os existentes na secção não fossem presentes com “cls”, comunicaria ao CSM.

37.º-9. Os Oficiais de Justiça costumavam levar os processos urgentes, cíveis e crime discriminados. Em 21.02.08, quando a Escrivã-Adjunta Sra. HH levou os processos ao gabinete da Arguida, perguntou-lhe onde queria que deixasse os processos-crime não urgentes, aquela ordenou-lhe que os colocasse em cima da secretária. Tendo-lhe a Sra. Escrivã-Adjunta perguntado se ficavam em cima dos urgentes, a Arguida respondeu que a secretária era dela, não da funcionária.

37.º-9.1. Nessa data, o Pcs nº 460/05.3GDTVD, já concluso desde 7.09.07, foi “despachado” apenas para remeter os autos à secção porque – conforme supra referido no artigo 20º – com termo de “vista” foi, entre os demais, para o gabinete da Arguida, a qual, perante isso, chamou a Sra. Escrivã-Adjunta pelo telefone ao seu gabinete onde lhe disse “assim não pode ser, tem que ter mais cuidado, perco imenso tempo com estes lapsos, não posso despachar porque tenho que ver tudo”.

37.º-10. A Arguida determinava por despacho quais e quando deveriam ser remetidos os processos ao Dr. EE, exigindo que ficasse registado numa lista a hora e minuto em que lhe era feita a entrega ( ). Em 9/11/2007, a Arguida ligou pelas 9H05, perguntando pelos processos e dizendo para a Sra. Escrivã ir ao seu gabinete para trazer processos do Dr. EE.

37.º-10.1. Aí, disse a Arguida à Sra. Escrivã: “processos com recebimentos para o Dr. EE, têm que ter a hora, porque assim os Inspetores ficam sem saber se tinha despachado às 9H00 ou às 17H00”, assim exigindo que fosse colocada a hora que os processos eram levados do gabinete.

37.º-11. Em finais de Outubro de 2007, a Arguida ordenou à Sra. Escrivã que as atas fossem para assinar com o expediente diário, às 9H10, hora que estipulou para serem levados os processos “cls” do dia e expediente, porque “chegava muito cedo” e queria despachar (até essa hora) para não ser interrompida.

37.º-12. Em 9/11/2007, a Arguida perguntou à Sra. Escrivã porque é que o Sr. LL não lhe levou as atas no dia anterior para corrigir. A Sra. Escrivã respondeu-lhe que no dia anterior ordenara que o LL fosse buscar as atas para as corrigir perto da hora do almoço, as mesmas foram corrigidas na parte da tarde e, conforme ordens expressas da Arguida, foram nesse dia junto com o demais expediente. A Arguida replicou à Sra. Escrivã que nunca dera tal ordem e que as atas deveriam ter ido para cima até antes do almoço do LL, o que, como então foi informada pela Sra. Escrivã, só poderia ter sido feito em prejuízo da hora que aquele (também) tinha para o almoço.

37.º-13. Posteriormente, pelas 9H40, a Arguida telefonou para a Sra. HH ir buscar um único processo com o despacho para o Dr. EE. Perante isso, a Sra. Escrivã dirigiu-se ao gabinete da Arguida e falou-lhe no sentido de tentar evitar tantas deslocações, uma vez que, se os processos só tinham uma hora para irem para o gabinete, também poderiam regressar todos ao mesmo tempo para a secção e porque, com esse sistema, além de se interromper constantemente o trabalho, perdia-se imenso tempo ( ). Retorquiu, então, a Arguida que era assim que ela queria e era assim que teria de fazer, “eu dou uma ordem, a BB cumpre”.  

37.º-14. Em 20/11/2007, a Arguida recusou-se a assinar 10 ofícios redigidos pela Sra. HH (para averiguar paradeiro junto de várias entidades, tais como operadoras móveis e outras) que lhe foram presentes para tal porque tinham a data do dia anterior, dia em que foram redigidos mas em que a mesma faltara. Apesar disso, nesse mesmo dia, despachou um processo, deferindo prorrogação de prazo, apondo-lhe a data “supra”, no caso, do referido dia 19/11/2007 em que a Arguida faltara.

37.º-15. Conforme já supra referido (v. nota de rodapé nº 21), em 14/12/2007, a Arguida pediu processos com diligências (crimes e cíveis) designadas para Janeiro para as desmarcar. Todos os processos pedidos foram levados de imediato. No entanto, a Arguida voltou a chamar a atenção da Sra. Escrivã porque um processo para o Dr. EE não tinha a hora do recebimento e a repetir-lhe que ela não executava as ordens que lhe dava, interpelando-a sobre se ela não compreendia ou tinha alguma dificuldade de compreensão. Contrapôs a Sra. Escrivã que, caso lhe suscitasse dúvidas a sua capacidade de compreensão ou considerasse que ela procedia erradamente, que desse provimentos, que existia um livro para tal ou que escrevesse nos processos.

37.º-15.1. Ao que a Arguida redarguiu que não gostava de escrever, mas, para terminar, ainda lhe disse que não queria equívocos, sempre que não concordasse com algo, que lhe dissesse e que não andasse pelos corredores a vitimizar-se, porque toda a gente lhe perguntava o que se passava, que “a BB não é a mesma, deixou de ser a pessoa bem-disposta” e perguntou-lhe se era ela a razão da sua infelicidade.

37.º-15.2. Porque a Sra. Escrivã retorquiu que tinha a sua própria vida e que sempre trabalhara com ótimas pessoas e excelentes profissionais, tanto colegas como Magistrados, ficando amiga de todas e que apenas gostava de trabalhar e ser respeitada, a Arguida disse, em tom arrogante: “não pode conhecer muitos magistrados porque não tem tempo de serviço para tal e a conversa fica por aqui, pode ir”.

37.º-15.3. Seguidamente, porque, entretanto, a Arguida telefonou a pedir cópia da agenda da secção para saber as diligências que tinha, a Sra. Escrivã tirou as cópias e entregou-lhas em mão, o que não evitou que a Arguida voltasse a telefonar a pedir o print do agendamento do habillus, dizendo precisar de saber as diligências agendadas.

37.º-15.4. Tendo-lhe sido, então, explicado que, para o efeito, o habillus era pouco fiável porque as datas das diligências nem sempre aparecem na respectiva agenda e poderia existir algum lapso, motivo pelo qual, por enquanto, era privilegiado o agendamento tradicional, a partir daí, a Arguida andou durante vários dias a dizer que estava impedida de organizar a sua agenda – que, afinal, não usava – quanto a diligências e despachos.

37.º-16. Em 4/1/2008, pelas 15H50, a Arguida telefonou a ordenar que retornassem à secção todos os acima referidos processos que, em 14/12/2007, tinham ido, a seu pedido, para o seu gabinete para que neles, “de imediato”, ou seja, com a data daquele dia 4/1 [“hoje”], fossem abertos novos termos de “cls”.

37.º-17. Durante a tarde do dia 7/1/2008, telefonou para que, “com muita urgência”, se fosse buscar uma insolvência que tinha termo de “cls” para 1º despacho já desde Setembro de 2007. A Sra. Escrivã respondeu-lhe, mais uma vez, que os processos, salvo as exceções conhecidas deveriam vir despachados para a secção uma vez por dia, por uma questão de organização do serviço da secção, até porque o despacho só seria cumprido no dia seguinte. Mais uma vez, a Arguida alterou a voz e disse ser ela quem mandava, “eu quero e ponto final”.

37.º-18. Em 8/1/2008, pelas 9H05, como habitualmente, foram levados para o gabinete os processos, neles incluída a R.P.P. nº 647/07, que estava a aguardar decisão final e tinha vindo no dia anterior para a secção apenas para ser presente à Inspeção do COJ. Na sequência, a Arguida chamou a Sra. MM só para lhe dizer que aquele processo deveria ter regressado no mesmo dia (anterior) ao gabinete porque era urgente. Tratava-se de um processo já então há muito no gabinete da Arguida e com o respectivo cumprimento muito atrasado [desde 30/11/2007] ( ).

37.º-18.1. Pouco tempo depois, pelas 9H20 do mesmo dia 8/1/2008, a Arguida voltou a telefonar para se ir buscar os processos “urgentes” já despachados. A Sra. Escrivã voltou a dizer-lhe que os processos, ainda que urgentes sempre poderiam vir junto com os restantes, ao que aquela respondeu que “é assim que queria, cada vez que despachava um processo telefonaria para se ir buscar, pondo a data, hora, minutos e entrega em mão ao funcionário que os fosse buscar”, o que passou a fazer a partir daí, apesar de a Sra. Escrivã ter procurado demonstrar-lhe que, com esse sistema de trabalho, a secção não faria mais nada que subir e descer escadas, além do tempo que se perderia no gabinete.

37.º-18.2. Então, a Arguida alterou a voz e disse “é assim porque quem manda sou eu, a senhora tem sempre má vontade em relação à minha pessoa, é inconveniente não respeitando as minhas ordens”. Objetou a Sra. Escrivã que era a primeira vez que alguém lhe dizia semelhante coisa, não porque ela não obedecesse mas porque nunca tinha trabalhado com semelhante método, adiantando-lhe, mais uma vez que se não cumpria as suas ordens verbais que as desse por escrito. Retrucou a Arguida que não escrevia porque: “não gosto de escrever e não quero mais conversas; da parte da tarde chamo o OO e a HH para repetir as instruções que lhe foram dadas a si uma vez que a senhora não as transmite à secção”.

37.º-19. No dia 23/1, a Arguida proferiu um despacho na Insolvência 56/08 que estava “cls” desde 8/1; cumprido de imediato o despacho, foram os autos de novo para o seu gabinete, com termo de “cls” datado de 24/1.

37.º-19.1. Nos dias 24 e 25 seguintes, a Arguida faltou, tendo dito que os processos urgentes fossem “cls” ao Sr. Juiz Substituto, Dr. NN. Quando regressou, após esses dois dias de ausência, chamou a Sra. Escrivã e perguntou-lhe porque não levara aquela insolvência ao Dr. NN, dado ser um processo urgente e como tal enquadrar-se nas orientações que tinha dado, referindo, com tom ameaçador, que “com a atual responsabilidade civil dos Magistrados não se pode brincar”, “os atrasos nem sempre são dos Magistrados e, neste caso, quero que perceba de quem é a responsabilidade. Não sei se percebe onde quero chegar?”. A Sra. Escrivã respondeu que compreendia e sempre fora responsável assumindo tudo o que fazia.

37.º-20. Em 20/2/2008, a Sra. Escrivã, a Sra. HH e a Sra. MM, durante toda a manhã, procuraram no gabinete da Arguida os processos que tinham expediente para juntar. Os processos separados (algumas dezenas), em resultado dessa faina, ficaram juntos para que a Arguida “abrisse mãos” dos autos.

37.º-20.1. No dia seguinte (21/2/2008), quando, pela manhã, foram buscar os processos ao seu gabinete, a Arguida disse à Sra. Escrivã: “assim não pode ser porque vêm buscar os processos com apensos e os papéis poderão não ser para todos os apensos e eu quero despachar e não posso porque a senhora leva tudo e eu quero dar decisões”. A Sra. Escrivã pediu-lhe que desse uma ordem escrita a não autorizá-la a buscar os processos, ficando os papéis para juntar, pois não poderia ficar com dezenas de papéis para juntar e separar apensos à medida que lhe juntava um papel, e acrescentou que nunca a demora da decisão poderia ser imputável à secção porque os papéis eram juntos e os autos conclusos para o dia seguinte. Volveu a Arguida que não era assim, que começaria a cortar os fios dos apensos com um “xis-ato” e que só “abriria mão” dos apensos a que o papel vinha dirigido.

37.º-21. Devido à dificuldade de diálogo com a Arguida, mas também às suas ordens e contraordens e às sucessivas mudanças de opinião relativamente aos procedimentos, a Sra. Escrivã optou por não colocar as questões verbalmente e, quando surgiam dúvidas, fazia conclusões com informações ou suscitando essas dúvidas.

37.º-21.1. Esta sua postura, originou mais uma chamada ao gabinete, para lhe dizer que as conclusões com informações só revelavam mau ambiente e que ela não estava habituada a trabalhar assim. Mais uma vez a Sra. Escrivã lhe disse que esses modos de trabalhar e de relacionamento eram novidade para ela e que, em sua opinião, o mau ambiente instalara-se desde que a Arguida começara a trabalhar naquele Juízo, mas que não atingira os respectivos funcionários, entre si, ao contrário do que lhe parecia terem sido as expectativas e tentativas reveladas em despachos que a Arguida proferia, como, entre outros: “antes de mais numere a folha e após voltem os autos conclusos”; ou “antes de mais coloque o nº do volume na capa de processo e após voltem os autos conclusos”.

37.º-21.2. Buscando finalizar a conversa, a Arguida disse à Sra. Escrivã desconhecer quais tinham sido os seus princípios, ao que esta respondeu: “apenas tenho uma certeza: os meus princípios são diferentes dos da Meritíssima Juiz”. Então, completamente descontrolada e denotando desespero, a Arguida disse à Sra. Escrivã ”a senhora tem aí um problema de racismo” e mandou-a sair do gabinete.

37.º-21.3. Enquanto saía, obedecendo à ordem da Arguida, a Sra. Escrivã ainda lhe disse que, sendo ela casada com um africano havia 26 anos, até esse argumento era infeliz.

37.º-22. Em 22/2/2008, quando lhe levavam os processos conclusos pelas 9H05, a Arguida disse, dirigindo-se à Sra. Escrivã, “aquele monte é para o Dr. EE e ponha o recebimento com a hora, mas não às 9H20, como já aconteceu”. Porque, mesmo sem lhe responder verbalmente, a Sra. Escrivã não deixou escapar a sua indignação com a chamada de atenção, a Arguida apontou-lhe a porta para ela sair do gabinete.

37.º-23. Em 11/3/2008, a Arguida despachou sete recursos de contra ordenação (363/07, 397/07, 3074/07,1021/07, 1618/07, 703/07 e 1675/07) que tinham diligência marcada para 18/4/2008, com carácter de “muito urgente”, devido ao prazo da prescrição, telefonando para cada funcionário, individualmente, para que se cumprisse de imediato. No final do dia, ligou para a secção a pedir os processos supra referidos, dizendo que tinha que alterar as datas porque se enganara a marcar os julgamentos uma vez que no dia 18/4/2008 não iria estar no Tribunal. Ora, desses sete processos, três já estavam cumpridos, que foram conclusos por ordem verbal, e os restantes regressaram ao gabinete para alterar a data.

37.º-24. Em 8/4/2008, logo que chegou (às 11H10), a Arguida telefonou para um funcionário ir ao gabinete de imediato buscar expediente, o que se fez. Alguns minutos depois, voltou a telefonar para um funcionário ir ao gabinete. Mandou para a secção oito processos com diligências marcadas para essa semana – e que já se encontravam no gabinete, para estudo ( ) – para se abrir conclusão por ordem verbal e que de imediato fossem devolvidos. Foram conclusos (por ordem verbal) com registo da hora (11H40) os seguintes processos: Prov. Cautelar 2000/07; R.C.Ord. 2572/07.1TBTVD; PCS 232/99.2TATVD; R.C.Ord. 809/07.4TBTVD; PCS 112/06.7PATVD; PCS 262/05.7GCTVD; PCS 381/05.0GCTVD; PCS 226/98.5TATVD.

37.º-24.1. Pelas 14H55 desse dia, voltou a telefonar para se ir buscar os referidos processos, com despachos a adiar as diligências.

37.º-25. Em 16/4/2008, compareceu no Juízo um Sr. Mandatário dum comprador de um imóvel (na Exec. Ord. 1003/2002) e perguntou se, no âmbito de tal processo, podia dar uma palavra à Arguida, uma vez que os autos se encontravam para despacho do cancelamento da penhora, o que estava a trazer sérios prejuízos ao comprador, seu cliente.

37.º-25.1. A Sra. MM ligou à Arguida, comunicando-lhe de quem se tratava e a que processo respeitava – devido ao tempo decorrido, já por diversas vezes mencionado à Arguida, que dava sempre a resposta de que seria o próximo a despachar. A Arguida respondeu que não podia receber ninguém porque “estava, finalmente a ultimar a decisão da P.Cautelar da Eólica [2282/07.8TBTVD] e praticamente só falta rever e imprimir e, portanto, não podia perder tempo” ( ).

37.º-26. Pelas 9H10 do dia 22/4/08, a Arguida telefonou e, tendo atendido a Sra. MM, pediu que esta chamasse a Sra. HH, a quem transmitiu: “por motivos de saúde encontro-me nas urgências e por isso vou faltar hoje; não posso fazer a leitura das sentenças”; depois, ordenou que se fizesse uma cota nos processos com essa informação e se desse conhecimento aos intervenientes que as diligências (1 audiência em Insolvência e leitura de sentenças em 6 R.C.Ord. e num P.Sumário) passariam para o dia 29/4 seguinte às mesmas horas de cada uma. 

37.º-26.1 A Sra. HH perguntou à Arguida se queria falar com a Escrivã, que se encontrava na secção, ao que a mesma respondeu que não porque podiam chamá-la para entrar na consulta, e perguntou ainda à Arguida sobre os processos urgentes, ao que esta respondeu “ontem não tinha processos urgentes no gabinete e os que foram conclusos hoje dê-lhe o tratamento adequado porque eu estou doente e estou a comunicar” ( ).

37.º-27. Em 8/5/2008, pelas 13H30, telefonou a Arguida a mandar subir ao gabinete a Sra. […] MM e a Sra. HH. À primeira entregou uma lista com 5 processos – 1427/04.4TB, 392/2000, 700/03.3TB, 1166/06 (este encontrava-se na secção com termo de cobrança de 2/5/2008 para juntar papel) e 5430/03.3TBLSB – e à segunda, pediu os processos cíveis e crimes com diligências marcadas a partir de 13/5/2008 até final de Julho para estudar o que iria fazer, como já referido na nota 21 (rodapé). Pelas 15H25 horas, foram-lhe entregues os referidos processos, cujas cópias da capa ficaram na secção (numa caixa de apontamentos).

37.º-28. Em 19/5/2008, no processo nº 3033/07.2TBTVD, a fls. 24, com termo de “cls” pós-datado de 21/5/2008, a Arguida, além de sublinhar esta (“21/5/2008”), datou o despacho de “19-5-08 após as 21 horas”.

37.º-29. Em 21/5/2008, pelas 8H58, a Arguida telefonou a dizer que estava de baixa médica a partir de então e ordenou que se levasse os processos urgentes ao Juiz Substituto.

37.º-29.1. Após este telefonema, a Sra. Escrivã deu conhecimento ao Sr. Juiz Presidente, comunicando-lhe também que havia no gabinete muitos processos urgentes conclusos com datas atrasadas sem despacho, tendo o Sr. Dr. PP ordenado que os processos urgentes com “cls” desse dia fossem presentes ao Sr. Juiz Substituto.

37.º-29.2. No dia seguinte, por se encontrar no Tribunal o Sr. Inspetor Judicial (Desembargador QQ), a Sra. Escrivã deu-lhe conhecimento do atrás referido e o mesmo, após reunir com os restantes Magistrados, sugeriu que os processos urgentes fossem procurados no gabinete e apresentados ao Dr. NN. O Sr. Juiz Dr. PP ordenou que, antes que se fosse retirar os processos do gabinete, se telefonasse à Arguida, para lhe dar conta do que se estava a passar.

37.º-29.3. Várias vezes se tentou a ligação para o telemóvel bem como para o telefone fixo da Arguida, que nunca atendeu. Após dar conhecimento ao Sr. Juiz Presidente das várias tentativas infrutíferas para contactar a Arguida, o mesmo disse que se fosse buscar os processos.    

37.º-30. Em 23/6/2008, a Arguida compareceu após baixa médica, telefonou para a Sra. Escrivã subir ao gabinete – onde a mesma se fez acompanhar pela Sra. JJ – para lhe perguntar o que se tinha passado na sua ausência. A Sra. Escrivã explicou-lhe que tinha reorganizado os processos no gabinete (por espécie) de forma a ser possível procurá-los, quer para consulta, quer para juntar papéis, e ainda que os processos considerados mais urgentes e que lá se encontravam, os cobrara e abrira conclusão ao Sr. Juiz Dr. NN, após uma conversa com o Sr. Inspetor Judicial, o Sr. Juiz Presidente e o Sr. Juiz Dr. NN.

37.º-30.1. A Arguida questionou a Sra. Escrivã quanto à presença do Sr. Inspetor Judicial e se tinha sido ela que lhe dera conta da sua baixa médica. A Sra. Escrivã respondeu-lhe que não e que o Sr. Desembargador estava no Tribunal por força de uma Inspeção a uma outra Magistrada. A Arguida ainda perguntou se a Sra. Escrivã tinha a certeza absoluta se não havia processos urgentes misturados com os restantes, tendo ela respondido que tudo fizera para que isso não acontecesse.

37.º-31. Em 10/7/2008, pelas 10H30, a Arguida telefonou a pedir, com urgência, um processo, o qual se verificou ser um proc. de inc. R.P.P. mas que se encontrava já com termo de “cls”. A Arguida tinha recebido correspondência do CSM referente àquele processo, razão pela qual, segundo disse, estava de mau humor porque a carta da expoente referia que fizera queixa ao CSM porque fora aconselhada por uma funcionária da secção. A Arguida telefonou para dizer à Sra. Escrivã que esta lhe entupia o gabinete com processos “cls” sem motivo, tal como o que tinha em mãos, em que o autor pedia a citação por oficial de justiça, tal como havia o apontamento na capa – “Isto assim não pode ser”. A Sra. Escrivã respondeu-lhe que sem ver o processo não lhe poderia responder, mas que, se fora “cls”, ou havia algo para apreciar, ou cometera lapso, e, sendo este o caso, a Arguida que despachasse em conformidade. Dez minutos mais tarde, a Arguida voltou a telefonar para dizer “afinal, o processo que falámos tem um despacho para eu dar, peço desculpa”. Na sequência, disse à Sra. II que iria passar a noite a despachar.

37.º-32. Em 11/7/2008, a Arguida enviou um lote de processos, na sua maioria R.P.P., alguns com termo de “cls” de Março, com despachos iniciados com a expressão “com urgência” marcando conferências de pais todas para dia 19/09.

37.º-33. Quando, em 25/2/2008, a Sra. JJ Correia, Escrivã-Auxiliar, regressou de baixa ( ), tendo sido informada pela Sra. Escrivã que a Arguida lhe imputara o desaparecimento de um gravador, foi logo falar com a Arguida, a qual, interpelada, não forneceu qualquer justificação para a atitude que tomara ao difamá-la, antes ensaiou a evasiva: “Ah pensei que fosse a JJ, se não foi, é porque foi uma outra sua colega”.

37.º-34. A Arguida queixou-se do incómodo que lhe gerava o cheiro a tabaco que provinha do gabinete então utilizado pelo Sr. Juiz Dr. EE, tanto à Sra. Procuradora do Círculo, como ao Presidente e, até, ao Secretário do Tribunal, sem ter encetado qualquer contacto com o seu colega fumador, sendo que nenhum daqueles profissionais atribuiu relevância à queixa porque o Dr. EE mantinha sempre fechada a porta do seu gabinete.

38.º - As dificuldades da Arguida em proclamar as decisões sobre os interesses em litígio nos processos e em dar a estes o necessário impulso – que estiveram na origem da paralisação dos processos, acima diagnosticada nos artigos 18º a 20º, e do saldo espelhado no artigo 26.º – deveram-se a falta de capacidade de iniciativa e de organização para o trabalho.

39.º - A par e a acrescer à incapacidade para manter o regular controlo e organização do serviço e à falta de produtividade daí advinda e acabada de referenciar, a Arguida revelou, ainda mais gritantemente, tanto nesse Tribunal, como, também, ao longo da sua actuação pregressa no 2.º Juízo Criminal do Tribunal do ..., a sua absoluta inaptidão para manter relação humana e funcional adequada com os demais operadores, em especial, com os Srs. Oficiais de Justiça, ou seja, as pessoas que dela dependiam funcionalmente.

40.º - Assim causou enormes prejuízos aos interessados nos diversos processos e, sobretudo, ao Estado Português, por ter transmitido uma imagem de desmazelo, desinteresse e de mau funcionamento em relação à administração da justiça.

41.º - Ao agir pelo modo descrito, a Arguida, livre, voluntária e conscientemente, sabia perfeitamente que, em repetidas situações, deixou de administrar justiça em tempo razoável, violando o direito de acesso aos tribunais, que punha em causa a eficiência exigível de qualquer serviço público, que lesava o direito dos cidadãos a uma justiça célere e que minava a confiança dos cidadãos no funcionamento dos tribunais e, portanto, do poder judicial.

42.º - E, no entanto, a mesma também sabia que estava obrigada a organizar a sua própria vida e a adotar métodos de trabalho adequados, quer à natureza e ao volume de serviço sob a sua responsabilidade, quer à sua própria capacidade, que lhe permitissem responder às exigências postas pelas regras legais que disciplinam, quer a tramitação dos processos, quer as suas próprias condições de trabalho, e que devia, para tanto, usar de diligência necessária para proferir atempadamente as decisões.

43.º - E sabia, ainda, que estava obrigada a exercer apropriadamente a direção funcional dos serviços de apoio ao Tribunal.

44.º - A Arguida sabia, ainda, que a sua conduta era contrária aos deveres profissionais do cargo e que, dessa forma, desobedecia à lei e incorria em responsabilidade disciplinar.».

No que se refere à fundamentação, exarou-se no acórdão do Conselho Permanente:

    “ Os factos acima descritos resultam provados da prova reunida nos presentes autos.

    Em sede de inquérito foram inquiridos a Exm.ª Procuradora da República RR, as Sr.ªs Escrivãs-Auxiliares II, JJ, a Sr.ª Escrivã-Adjunta HH, a Sr.ª Escrivã de Direito BB.

    Posteriormente, foram ainda inquiridos os Exm.ºs Juízes NN e PP, os Exm.ºs Procuradores-Adjuntos SS, TT e UU, bem como, a Sr.ª Escrivã-Auxiliar MM, o Sr. Secretário de Justiça (reformado) OO, e os Srs. Oficiais de Justiça do 1.º e 2.º Juízos do Tribunal de ..., VV, ZZ, JJ, XX, YY e WW e dos serviços do Ministério Público II Mendes e LL .

    Todas as testemunhas que diretamente trabalharam e conviveram com a Exm.ª Juíza Arguida confirmaram os factos que diretamente presenciaram e descreveram um panorama de descontrolo do serviço, reduzida produtividade e constante conflito, emergente das práticas adotadas e seguidas.

    Relevou igualmente o teor dos relatórios de inspeção anteriores, particularmente o último por via do acórdão que notou a Exmª Juíza de medíocre.

    Neste aspeto, concorda-se com a posição assumida oportunamente pelo Exmº Inspetor-Judicial, de que não será necessária a junção dos quatro mil documentos referidos pela Exmª Juíza na sua resposta ao relatório de inspeção, tanto mais que sobre os mesmos já foi feita uma apreciação global que mereceu espelho no relatório inspetivo. Aliás, não se vislumbra em que medida uma nova leitura dos mesmos poderia, de alguma forma, infirmar os factos desse relatório inspetivo ou sustentar os factos invocados em sede de contestação, tal como configurada pela Exmª Juíza Arguida.

    Conforme expresso pelo Exmº Inspetor-Judicial, foi realizada consulta, por amostragem, dos processos judiciais referenciados nas declarações da Exmª Juíza, de decisões neles proferidas, e à recolha das respectivas cópias dos elementos sugeridos os quais se mostram juntos a fls. 217-302 e cujo teor em nada infirma os factos já relatados em sede de inquérito.

Foram ainda tidas em conta as declarações da Exmª Juíza de Direito Arguida, sendo que das mesmas ressalta uma versão claramente emotiva dos eventos e, por isso, pouco esclarecida quando confrontada com os elementos objetivos recolhidos e com o acervo testemunhal de sinal contrário”.

Os Factos, o Recurso e o Direito

 1.Prescrição

Atentemos nos factos.

Em 2008.05.16, a Srª Escrivã de Direito do 3º Juízo do Tribunal de ... entregou na secretaria-geral uma exposição, que deu entrada no Conselho Superior da Magistratura em 2008.06.03, em que dava conta diversos factos relativos à atividade da arguida enquanto Juíza a prestar funções nesse tribunal.

Em 2008.06.17, em Conselho Permanente, o Conselho Superior da Magistratura teve conhecimento dessa exposição e deliberou adiar a sua apreciação até à remessa das averiguações sumárias solicitadas ao Inspetor da área.

Em 2008.09.23, em nova sessão do Permanente, o mesmo Conselho Superior da Magistratura, face ao teor do relatório elaborado no âmbito daquelas averiguações sumárias, mandou aguardar o resultado da inspeção extraordinária à prestação da arguida, Juíza do 3º Juízo do TJ de ..., entretanto iniciada e que abrangia o período compreendido entre 2005.09.15 (termos da anterior inspeção) e 2008.09.01 “com especial referência e primazia aos Tribunais do ... e de ...”.

Uma vez na posse dos factos emergentes de tal inspeção, e porque da mesma resultou a atribuição da classificação de “medíocre” (acórdão de 2010.04.20 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura), foi então, em 2010.05.12, determinada a realização de inquérito disciplinar, nos termos do disposto no nº2 do artigo 34º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

 Findo este, na sessão do Conselho Permanente de 2010.07.06 e perante o teor do relatório final, decidiu o Conselho Superior da Magistratura instaurar procedimento disciplinar, nos termos do disposto no artigo 134º do mesmo Estatuto.

O Decreto Lei 24/84, de 16.01, aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, que entrou em vigor em 1984.02.01.

Tal diploma foi revogado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei 58/2008, de 09.09, que entrou em vigor em 2009.01.01

Nos termos do disposto no nº1 artigo 4º deste último diploma e no âmbito de norma sobre a aplicação no tempo, dispôs-se que “ (…) o Estatuto é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sai audiência e defesa

E nos termos do nº3 do mesmo artigo “os prazos de prescrição do procedimento disciplinar  (…) contam-se a partir da entrada em vigor do Estatuto, mas não prejudicam a aplicação dos prazos anteriormente vigentes quando estes se revelem, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador”.

A questão que se nos coloca consiste em saber se o procedimento disciplinar contra a arguida prescreveu por o Conselho Superior da Magistratura, após ter conhecimento da infração, não o ter instaurado dentro de determinado período.

Período este que, no âmbito do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local era de três meses e no âmbito do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas é de trinta dias.

Sendo assim e face às disposições anteriormente referidas, temos que o regime mais favorável à arguida é o de este último Estatuto, ou seja, o Conselho Superior da Magistratura tinha que instaurar o procedimento disciplinar no prazo de 30 dias após ter conhecimento da ou das infrações atribuídas á arguida.

O que, com o devido respeito por entendimento contrário, veio a fazer.

Na verdade, a instauração do processo disciplinar teve como causa os factos decorrentes de uma inspeção extraordinária que foi feita ao seu serviço e acima mencionada, de que resultou a classificação de “medíocre” que lhe foi atribuída.

Antes dessa inspeção, tinha o referido Conselho tido conhecimento de uma exposição de uma funcionária do TJ de ... sobre a atividade da arguida naquele Tribunal e do relatório de uma averiguação que mandou efetuar sobre o assunto.

A questão que agora se põe é a de se saber se com essa exposição e este relatório o Conselho ficou a ter “conhecimento” das “infrações” atribuídas no processo disciplinar à arguida.

Cremos bem que não.

Conforme ficou referido, o que está em causa não é apenas a atividade da arguida no TJ de ... – sobre a qual incidiu a exposição da funcionária do mesmo Tribunal e subsequentes averiguações - mas todo o serviço prestado pela mesma em diversos tribunais enquanto Juíza na Bolsa de Juízes do Distrito Judicial de ... no período compreendido entre 2005.09.15 e 2008.09.01, no qual se inclui o serviço prestado naquele Tribunal

Isto significa que não se pode autonomizar cada um dos factos ocorridos durante esse período para o efeito de eventuais infrações subjacentes a eles serem consideradas prescritas.

De outro modo, tinha o Conselho Superior da Magistratura de instaurar sucessivos processos disciplinares consequentes dessa autonomização.

Acresce que só com o resultado da inspeção extraordinária é que se podia considerar que o Conselho tinha tomado conhecimento da globalidade da ou das infrações.

Na verdade, antes apenas podia ter tomado conhecimento de parcelas da atuação da arguida que, só por si, não tinham necessariamente que fornecer motivos para a instauração do processo disciplinar.

Nesta perspetiva, entendemos perfeitamente razoável, que estando a decorrer uma inspeção ao serviço da arguida em diversos Tribunais, o Conselho só pudesse formular um juízo sobre a necessidade de instaurar o procedimento disciplinar aquando do conhecimento do resultado dessa inspeção.

Aliás, essa necessidade podia ser legalmente obrigatória, face ao disposto no já citado nº2 do artigo 34º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, se do inquérito se apurasse a “existência de infração” – cfr. artigo 135º deste Estatuto.

O que na realidade veio a acontecer, pois o Conselho, posto perante a classificação de “medíocre” atribuída à arguida por deliberaççao de 2010.04.20, mandou instaurar um processo de inquérito por inaptidão para o exercido das funções.

E depois, terminada a instrução e perante o relatório do processo de inquérito, decidiu, por deliberação de 2010.07.06, convertê-lo em processo disciplinar, de acordo com o disposto nos artigos 134º e 135º do mesmo Estatuto.

Partindo do princípio que o Conselho tomou conhecimento de factos que podiam dar origem à instauração de um processo disciplinar aquando da atribuição na classificação de “medíocre – portanto, em 2010.04.20 – o certo é que em 2010.05.12 – decorridos, pois, 22 dias - determinou a realização de um inquérito disciplinar.

Ora, com esta instauração, suspendeu-se o prazo prescricional de trinta dias por seis meses, nos termos do disposto no nº4 do artigo 6º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.

E suspendeu-se porque se verificaram cumulativamente as condições referidas no nº5 deste mesmo artigo: o processo de inquérito foi instaurado nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; o procedimento disciplinar subsequente foi instaurado em 2010.10.07, logo que findou o inquérito; e aquando da instauração do inquérito não se encontrava prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

A suspensão do prazo terminava, pois, em 2010.11.12.

O Conselho decidiu instaurar procedimento disciplinar contra a arguida em 2010.07.06.

Logo, nessa altura, encontrando-se suspenso o prazo de 30 dias referido no nº2 do artigo 6º Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas para a prescrição do procedimento disciplinar, é evidente que tal prescrição se não verificava. 

Concluímos, pois, não se encontrar prescrito o procedimento disciplinar.

2) Não indicação concreta dos deveres profissionais violados e das infrações cometidas

Entende a autora que na deliberação do Conselho Superior da Magistratura não estão indicados concretamente os deveres profissionais violados e as infrações cometidas.

Não se percebe.

E não se percebe porque ao longo da extensa fundamentação da deliberaççao em causa várias vezes se refere, diretamente ou por remissão para o acórdão do Conselho Permanente, que dos factos dados como provados resulta que a arguida violou deveres profissionais como o dever de zelo e o dever de criar no público confiança na administração da justiça, constituindo-se assim uma infração disciplinar prevista no artigo 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Diz-se expressamente, a folhas 105 e 106 do acórdão, que “a Exmª Juíza claudicou, nitidamente, sobretudo nos capítulos da adaptação ao serviço e das capacidades humanas para o exercício da função, revelando, face ao seu percurso ao longo dos anos – e que acabaria por ganhar magna expressão na atribuição da notação de “Medíocre” – inaptidão para o exercício da função.

Os factos provados não atestam apenas um ou outro episódio desagradável.

 Marcam, sim, todo um modo de proceder, persistente e atormentado, nada adequado ao exercício de uma judicatura serena, eficaz na administração da justiça e potenciadora de uma imagem prestigiante desta”.

É esta a avaliação do Conselho Superior da Magistratura sobre a aptidão da arguida para exercer as funções de Juíza de Direito.

E foi com base nesta avaliação que escolhida e determinada a medida da pena: a aposentação compulsiva, prevista na alínea a) do nº1 do artigo 95º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Posto isto, resta recordar o que se tem escrito em diverso processos sobre os poderes do Tribunais no que concerne à censura da atuação dos órgãos administrativos, como é o Conselho Superior da Magistratura, lembrança esta que também nos vai permitir enquadrar as questões que se seguem.

Nos termos do nº1 do artigo 3º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação

Seguindo de perto o que o Conselheiro Jorge de Sousa escreveu num artigo publicado na Revista Julgar, nº3, a páginas 136 e seguintes, relativamente à generalidade dos atos da Administração a que não caiba a designação de atos políticos – como é o caso presente – este normativo revela claramente a existência de uma reserva de Administração, uma zona de atividade administrativa, não regulada por normas ou princípios jurídicos e que está fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais.

Assim e em face daquele artigo 3º, os poderes de cognição deste Tribunal abrange apenas as vinculações do Conselho Superior da Magistratura por normas e princípios jurídicos e não a conveniência ou oportunidade da sua atuação, designadamente, a conformidade ou não da sua atuação com regras ou princípios de ordem técnica ou a adequação ou não das escolhas que fizer sobre a forma de atingir os fins de interesse público que visa satisfazer com a sua atuação, pelo menos quando não se detetar concomitantemente a ofensa de princípios jurídicos, designadamente, os da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.

Portanto, o controlo judicial da atuação do Conselho Superior da Magistratura, naquela margem que lhe é reservada, terá de limitar-se à verificação da ofensa ou não dos princípios jurídicos que a condicionam e será, em princípio, um controlo pela negativa (um contencioso de anulação e não de jurisdição), não podendo o tribunal, em regra, substituir-se àquele Conselho na ponderação das valorações que se integram nessa margem.

O Tribunal não poderá, à face do princípio da separação dos poderes, substituir-se ao Conselho Superior da Magistratura na hierarquização de interesses cuja prossecução cabe a este, mesmo que ao Tribunal pareça que é evidentemente errada a opção desta sobre o estabelecimento de prioridades.

A via, num Estado de Direito democrático, através da qual podem ser censuradas essas opções é eleitoral e não judicial.

Concluímos, pois, que estão concretamente indicados os deveres profissionais que o Conselho Superior da Magistratura entendeu terem sido violados pela arguida, assim como as infrações cometidas.

3.Não indicação da pena aplicável às alegadas infrações cometidas

Entende a autora que deliberação do Conselho Superior da Magistratura em causa é nula porque “foi proferida no âmbito de processo disciplinar em que a acusação desrespeitou o princípio constitucionalmente consagrado de defesa”, na medida em que não teria sido apontada a pena concretamente aplicável, impedido assim a arguida de se pronunciar sobre aspetos como a sua proporcionalidade, a consideração dos fatores atenuantes, o conhecimento sobre qual das penas previstas no nº1 do artigo 95º do Estatuto dos Magistrados Judiciais estava em causa.

Parece não ser assim.

Face ao disposto no nº1 do artigo 117º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o instrutor do processo disciplinar deve deduzir acusação “articulando discriminadamente os factos constitutivos da infração disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os preceitos legais aplicáveis”.

E “terminada a produção de prova apresentada pelo arguido, o instrutor elabora, no prazo de quinze dias, um relatório, do qual devem constar os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação e a pena aplicável” – cfr. artigo 122º do mesmo Estatuto.

Ou seja, só no relatório final, a elaborar após a produção de prova apresentada pelo arguido, ou decorrido o prazo para a sua apresentação, é que o instrutor deve, além do mais, indicar a pena aplicável

Foi o que aconteceu no caso concreto em apreço.

Após a produção de prova apresentada pela arguida, o instrutor propôs que a arguida fosse “sancionada com a pena de aposentação compulsiva, ao abrigo do artigo 95º, nº1, alínea a) do Estatuto dos Magistrados Judiciais

A arguida teve conhecimento desta proposta.

Teve assim oportunidade de, ao contrário do que afirma, se pronunciar sobre ela.

Não se percebe, assim, face ao regime estabelecido no Estatuto dos Magistrados Judiciais acima referido, a invocação da nulidade em causa, sendo de anotar que o regime estabelecido no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas apenas seria aplicável se naquele outro Estatuto não estivesse prevista a regulamentação da matéria -  cfr. artigo 131º - o que, como se disse, não ocorre, pois a matéria está prevista nos artigos 117º e 122º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Não foi violado, assim, o princípio da defesa.

4. Violação do princípio da imparcialidade

Alega a autora que o Inspetor Judicial que elaborou o “relatório” e a “informação final” no processo 229/2009 teve uma “atitude persecutória” contra a arguida desde Novembro/Dezembro de 2003, com isso condicionando erradamente a sanção disciplinar.

A imparcialidade da administração exige que esta adote uma postura isenta na busca e ponderação na recolha e valoração dos factos respeitantes às posições dos diversos interessados.

Não existem quaisquer factos dados como provados que apontem para a situação invocada pela autora.

Rigorosamente, não existem quaisquer indícios que o Inspetor em causa tenha de uma forma parcial influenciado a aquisição da matéria de facto dada como provada.

Por isso, não se pode considerar ter sido violado o citado princípio

5. Incorreta definição do período temporal abrangido pelo processo disciplinar

Entende a autora que houve uma incorreta definição do período temporal abrangido pelo processo disciplinar na medida em que se tinha fixado o seu termo em 2008.09.01, quando a arguida apenas esteve ao serviço no 3º Juízo do TJ de ... até 2008.08.14, data em que entrou de férias.

Não tem razão.

Como já ficou referido, os factos a ter em conta no processo disciplinar incluem os constatados na inspeção extraordinária que foi feita ao serviço da arguida , inspeção esta que terminou em 2008.09.01.

Logo, até esta data, podiam ser tomados em conta factos derivados dessa inspeção.

Acresce que conforme resulta do disposto no artigo 28º do Estatuto dos Magistrados Judiciais – nomeadamente do seu nº5 -  e do nº2 do artigo 9º do mesmo diploma, mesmo durante as suas férias os Magistrados Judiciais não podem ser considerados desligados do serviço.

E, como é óbvio, mesmo durante o período de férias os Magistrados Judiciais continuam a ter obrigação de não praticar factos “com violação dos seus deveres profissionais e os atos e omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções” – cfr. artigo 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

6.Violação do princípio do contraditório

Entende a autora que a prova não foi devidamente elencada e valorizada, na medida em que teriam sido dados como provados factos com base em testemunhos de “ouvi dizer” e  não teriam sido dados como provados factos que o deveriam ter sido.

Não pode ser.

Tem sido entendimento deste Tribunal que a suficiência da prova e da matéria de facto em que se fundamenta a decisão punitiva em processo disciplinar pode ser objeto de recurso.

Mas que o controlo da suficiência da prova não passa pela reapreciação da prova disponível e pela formação de uma nova e diferente convicção face aos elementos de prova disponíveis.

O que apenas de pode apreciar é apenas a razoabilidade e coerência da relação entra os factos que a entidade recorrida considerou como provados e os elementos de prova que lhe serviram de fonte de convicção.

Ora, perante a fundamentação da matéria de facto dada como provada no acórdão do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura , a que aderiu o Plenário do mesmo e cujo resumo se encontra a página 46 do acórdão recorrido, não vemos como considerar não ter existido aquela razoabilidade e coerência sobre  “um panorama de descontrolo de serviço, reduzida produtividade e constante conflito, emergente das práticas adotadas e seguidas” pela arguida.

Verificar-se-á, sim, um desacordo, por parte da ora recorrente, quer relativamente à apreciação dos documentos pelo mesmo apresentados na fase da defesa, quer ao resultado das diligências realizadas, em termos de fixação de factos relevantes em causa.

O juízo de desconsideração formulado no acórdão recorrido é perfeitamente aceitável e legítimo, face ao disposto nos artigos 46º, nº4 e 53º, nº1, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.

Em nosso entender, foram realizadas todas as “diligências essenciais para descoberta da verdade”, conforme o impunham o nº1 do artigo 124º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e os artigos 36º e 46º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, estando assegurados devidamente os direitos de audiência e de defesa.

7.Não exigibilidade de outro comportamento

Entende a autora que não lhe era exigível outro comportamento na medida em que encontrou nos tribunais onde exerceu funções “grande pendência e alguma desorganização” , tendo “os apoios possíveis, face às circunstâncias”

A não exigibilidade de outro comportamento resulta de, por razões reconhecidamente insuperáveis, não ser possível ao agente atuar segundo o que é de Direito.

Funda-se, genericamente, na ocorrência de forte pressão psicológica impeditiva da possibilidade de a pessoa se conduzir de forma juridicamente ajustada.

Ora, para além de os factos invocados não se encontrarem demonstrados, o certo é que, a existirem, não tinham a virtualidade de impedir a autora de se comportar de outra forma.

Dito doutro modo, não tinham a virtualidade de impedir que a autora mantivesse o controlo e organização do serviço, não  acumulando processos e não os “emaranhando” sem qualquer decisão útil e de impedir que se relacionar corretamente com os funcionários, em vista do bom funcionamento do Tribunal.

Conforme se explicitou no acórdão recorrido, era exigível que tivesse outro comportamento.

Assim, não é de proceder a pretensão em causa.

8.Omissão de pronúncia sobre questões prévias

Entende a autora que no acórdão recorrido não houve pronúncia sobre as questões prévias por si levantadas “por vício de violação das lei, nulidade insanável da acusação por não conter concretamente a pena a aplicar, por falta de fundamentação legal, erro sobre os pressupostos de facto e de direito”.

Também não tem razão.

E não tem razão, porquês as “questões” nem são “prévias”, nem deixaram de ser conhecidas no acórdão recorrido – veja-se o que aí se referiu a esse respeito no ponto III.2 e III.3 , aquando da apreciação das questões levantadas pela arguida - sendo que sobre a decisão delas até já nos pronunciamos acima.

Sabendo-se que há que distinguir entre as razões invocadas  e questões levantadas, para o efeito de só estas terem que ser apreciadas, não se percebe, assim, a alegação da autora, a não ser que pretendesse que todos os seus argumentos fossem apreciados, o que, como vimos, não cabe dentro do objeto do presente recurso.

9. Erro nos pressupostos de facto

Entende a autora que houve erro nos pressupostos de facto, na medida em que os factos apurados não levariam à conclusão de que tinha violado os deveres de zelo e prossecução do interesse público.

Também não tem razão.

Existe erro na apreciação dos pressupostos de facto quando existir uma desconformidade manifesta entre os factos apurados e os factos consideradas na decisão.

Sobre a matéria, discorreu-se na deliberação recorrida da seguinte forma:

A Exmª Juíza foi – relembra-se – classificada de “Medíocre” no âmbito do mencionado Proc. nº 229/2009, o que se desencadeou um inquérito por inaptidão para o exercício da judicatura, nos termos do art.º 34º, nº2 do EMJ, que deu origem ao presente processo disciplinar.

A notação de “Medíocre” é atribuída a um juiz que tenha tido um desempenho aquém do satisfatório (art.º. 16º, nº1, e) do Regulamento das Inspeções Judiciais (RIJ).

Já na primeira inspeção, que incidiu sobre o trabalho nos Tribunais Judiciais das Comarcas (agregadas) de ... e ... entre 20.09.2004 e 15.09.2005, fora a Exmª Juíza classificada com a notação de “Suficiente”, mas sob uma atmosfera de dúvida (aliás, espelhada em vários votos de vencido que propugnavam, desde logo, a atribuição de “Medíocre”), vincando-se, no acórdão respectivo, sobretudo no que respeitava à área cível, a “insatisfatoriedade” quantitativa e os claros indícios de “insatisfatoriedade” qualitativa.

Já se falava, nessa altura, principalmente quanto à dita jurisdição, de um desempenho «algo consternador», «globalmente insuficiente em termos de produtividade e celeridade, insuficiências que são resultado de uma clara falta de método e, principalmente, de zelo e empenho…» e dizendo-se que, se não fosse o caso de se estar perante uma 1.ª classificação – de pendor marcadamente didático e pedagógico – se justificaria e imporia a classificação de “Medíocre”.

Os maus augúrios vieram, lamentavelmente, a confirmar-se.

A Exmª Juíza foi alvo de um processo disciplinar (com o nº 242/2007), por factos ocorridos quando desempenhava funções no Tribunal do ..., sendo-lhe aplicada, por acórdão datado de 31-03-2009, a pena de 20 dias de multa, por violação do dever de zelo, do dever de criar no público confiança na administração da justiça e do dever de correção.

Estamos, pois, perante um percurso acidentado, marcadamente insatisfatório, conforme é patenteado pelas sobreditas decisões e pelos factos dados como provados neste processo, que emanam, fundamentalmente, da inspeção extraordinária que esteve na sua base.

Perante esses factos, ter-se-á de chegar às conclusões a que chegou o acórdão do Conselho Permanente, no qual não se deixou de ter em consideração o circunstancialismo próprio das Bolsas, citando-se, a propósito, um trecho do acórdão proferido no Proc. nº 229/2009:

   “A premência e a pulverização do serviço das Bolsas acarretam exigências acrescidas aos magistrados nelas colocados: disponibilidade quase total e capacidade de adaptação e intervenção que assegure a continuidade e qualidade do serviço. O que isto supõe de preparação, conhecimentos e experiência do magistrado briga com a composição humana das Bolsas, preenchidas em grande parte com magistrados recém-saídos do primeiro acesso ou que, por lá, tão pouco passaram e que, com demasiada frequência, se vêem depois a desempenhar funções de forma atomística em lugares de acesso final de tribunais tão exigentes como as Varas Cíveis ou Criminais, por exemplo”.

Acrescenta-se, todavia, no acórdão do Permanente, e além do mais, que:

«[…] tal já não é aplicável ao tempo de serviço na Comarca de .... Aí à ora Arguida não foi confiado um trabalho de nível correspondente ao de Juiz de Círculo ou equiparado, antes o de Juiz de primeira instância em competência genérica. Nessa medida, em termos de complexidade, o trabalho em causa estava adequado ao tempo de serviço da Exmª Juíza. 

Não obstante o volume desse mesmo serviço, o certo é que, olhados os resultados finais, a sua prestação em ... é consternador.

O grau de exigibilidade posto no cargo de Juiz não é minimamente conciliável com a medida da (in)capacidade para o efeito objectivamente evidenciada pela Arguida, a qual impediu e ainda impede a sua produtividade. Além do mais e, segundo tudo indica, em ciclo vicioso, tal incapacidade acaba por ser potenciada pela falta de rendimento do seu trabalho.

Objectivamente, dos supra referenciados números, mesmo depois de excluir os períodos de ausência da Arguida e as férias, resulta uma média mensal bem inferior a uma sentença cível por mês em ações com oposição (as quais, aliás, consistiram em 3 providências cautelares, 2 regulações do poder paternal e 2 “aecopec – ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato”»). [Em nota de rodapé, trouxe-se à colação, como termo de comparação, o trabalho do Exmº Juiz EE, que acumulou funções no mesmo Juízo e que, entre 19/11/2007 e 11/7/2008, proferiu 76 sentenças, 17 saneadores/sentença, 67 saneadores, 33 outras decisões e 107 despachos diversos e, já depois de 14/7, durante 15 dias, cumpriu 1078 processos, tendo proferido 213 sentenças, 3 saneadores/sentenças, 4 outras decisões e 858 outros despachos].

«Dos factos descritos resulta ainda que a Arguida tinha a consciência, pelo menos, dessa sua incapacidade. Isso é notório nos procedimentos adotados com o manifesto intuito de se proteger quanto aos atrasos, procedimentos esses que propiciaram um clima insustentável quanto ao relacionamento com os funcionários judiciais, como adiante apreciaremos. Naturalmente, com a consciência dessa incapacidade vem igualmente a noção de que da mesma resultou um sério prejuízo para a confiança dos cidadãos no poder judicial e, consequentemente, para o prestígio desse poder essencial ao Estado de Direito, sendo certo que também não encetou qualquer diligência fértil tendente a ultrapassar os problemas por si gerados para o serviço.

Se poderemos avaliar como sendo muito o trabalho que havia para fazer, o certo é que, nos dias de hoje, o trabalho é muito por todo o lado. E a generalidade dos Juízes, muitos deles mesmo com cargas excessivas de trabalho, exibem alguma produtividade clara e manifestamente superior à da Exm.ª Juíza aqui Arguida. Aliás, o mais nítido exemplo de que muito mais poderia ter feito emerge dos resultados alcançados pelo Exmº Juiz de Direito que foi nomeado em acumulação de serviço para acudir ao marasmo processual vivido no 3.º Juízo de ....

O que a carga de trabalho não pode ser é uma desculpa para serem assumidas práticas improdutivas, inadequadas e manifestamente contrárias aos princípios que regulam a atividade jurisdicional, como sejam critérios de rigor e eficácia.

Por outro lado, não basta exibir algumas decisões que revelem que o Juiz é um bom técnico do Direito, pois importa demonstrar que o mesmo consegue assegurar, em toda a sua extensão, a tarefa de administrar Justiça. Para tanto tem o Juiz que decidir em prazo razoável, sem o que não cumpre a função para a qual existe. Não basta fazer bem, há que fazê-lo em quantidade suficiente para assegurar o normal e regular desenvolvimento do serviço, fazendo chegar as suas “boas” decisões ao maior número de cidadãos possível.

Por outro lado, associada a tal incapacidade para fazer frente às exigências do serviço, organizando os seus métodos de trabalho e assumindo procedimentos efetivamente produtivos, a Arguida revelou igualmente inaptidão para manter relação humana e funcional adequada, em especial, com os Srs. Oficiais de Justiça que dela dependiam funcionalmente. Ainda que tal seja igualmente um reflexo da tentativa de camuflagem da sua insuficiência técnica para o exercício das funções de Juiz, impõe, por si só, o reconhecimento de que mesma revela incapacidade definitiva de adaptação às exigências do cargo. Com efeito, neste capítulo, revela-se a sua completa incapacidade de exercer a direção funcional dos serviços de apoio ao Tribunal, do que depende o exercício do cargo, como facilmente se compreende.».

[…]

Na verdade, os elementos recolhidos apontam para uma manifesta falta de capacidade da Arguida, sob diversas vertentes, para conseguir, de forma efetiva, dirimir os litígios que lhe são apresentados, como é exigência da função em que foi investida.

Esta sua incapacidade para atingir a solução dos pleitos e proclamar o direito, mormente em tempo útil e de forma eficaz, resulta evidente dos elementos colhidos nos autos, os quais apontam para que a Arguida tinha a consciência, pelo menos, dessa sua incapacidade, sendo certo, também, que não encetou, por si, qualquer diligência útil tendente a ultrapassar os problemas por ela gerados para o serviço, tendo-se limitado a manter informado o então Exmº Vogal do Conselho Superior da Magistratura do Distrito Judicial de ... da “pressão de serviço a que estava sujeita por força dos vários Tribunais em que exercia funções”.

Por tudo o exposto, entende-se que a prestação da Exm.ª Juíza de Direito AA violou os dois deveres acima enunciados (o dever de zelo e o dever de prossecução do interesse público, especificamente, o dever de atuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa) e, como tal, praticou infração disciplinar merecedora de censura.

Mais revelou, com a sua conduta, inaptidão para o exercício das funções de Juíza.».

Não se pode estar mais de acordo com o que se escreveu no acórdão reclamado.

Os parâmetros ou critérios de avaliação dos Magistrados Judiciais podem servir como modo de aferição do que se deve exigir de um juiz e dos atributos que ele terá de possuir para enfrentar uma carreira tão exigente como a da judicatura.

Esses critérios arrumam-se, de acordo com o previsto nos artigos 34º, nº 1 e 37º, nºs 1 do EMJ e art.º13º do Regulamento das Inspeções Judiciais (RIJ), em três vectores essenciais: capacidades humanas para o exercício da função, adaptação ao tribunal ou serviço a inspecionar e preparação técnica.

No capítulo das capacidades humanas para o exercício da função devem considerar-se fatores como: idoneidade cívica; independência, isenção e dignidade da conduta; relacionamento com sujeitos e intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral; prestígio profissional e pessoal de que goza o juiz; serenidade e reserva com que exerce a função; capacidade de compreensão das situações concretas em apreço e sentido de justiça, face ao meio sociocultural onde a função é exercida.

No que tange à adaptação ao serviço, há que ter em conta fatores como: o bom senso; assiduidade, zelo e dedicação; produtividade; método; celeridade na decisão; capacidade de simplificação processual; direção do tribunal, das audiências e outras diligências, designadamente quanto à pontualidade e calendarização destas.

No que concerne à preparação técnica há que ter em conta, designadamente: a categoria intelectual; capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço; capacidade de convencimento decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original; nível jurídico do trabalho inspecionado, apreciado, essencialmente, pela capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, pela clareza e simplicidade da exposição e do discurso argumentativo, pelo senso prático e jurídico e pela ponderação e conhecimentos revelados nas decisões.

O desempenho de um juiz, para ser satisfatório desdobra-se, como se vê, em todo um espectro de fatores, que, para além da preparação técnica, têm a ver com o bom senso, a serenidade, o esforço, a dedicação, o método, a capacidade de dirigir o tribunal, a pontualidade, o cuidado na calendarização, a capacidade de relacionamento com outros magistrados, advogados, funcionários e intervenientes processuais. 

Não se espera de um juiz a perfeição nem que faça milagres, mas que, no seu posto, no dia-a-dia, saiba, paulatinamente, desenvolver um trabalho que dignifique a justiça, que transmita sageza e confiança e que resolva, em tempo útil, os problemas que lhe são colocados. Não se lhe pedem inatingíveis números, mas, pelo menos, que apresente trabalho que se veja. E, se no Tribunal onde se encontra colocado, o serviço for muito, não se exigindo que faça o impossível, mal se compreenderá que apresente diminuta produtividade, como, in casu, sucedeu com a Exmª Juíza em ... e como foi sublinhado no acórdão reclamado, que aqui se tem por reproduzido sobre essa matéria.

Um juiz não pode desgastar-se e desgastar os que com ele trabalham com questões laterais, minudências, que fazem perder tempo e deixam de lado as questões essenciais. Não pode, ele próprio, ser um fator de instabilidade. Ora, a Exmª Juíza não foi capaz de se concentrar apenas naquilo que verdadeiramente importava, tendo em vista o dever de administrar a justiça em tempo razoável. Dispersou-se por questões secundárias, exigências de listas e mais listas e outros procedimentos cuja utilidade não se vislumbra, criando um clima insustentável no que concerne ao relacionamento com os funcionários, totalmente contrário ao que deve ser o ambiente propício a um trabalho eficaz, em que todos, juízes e funcionários, rumem na mesma direção.

A Exmª Juíza claudicou, nitidamente, sobretudo nos capítulos da adaptação ao serviço e das capacidades humanas para o exercício da função, revelando, face ao seu percurso ao longo dos anos – e que acabaria por ganhar magna expressão na atribuição da notação de “Medíocre” – inaptidão para o exercício da função.

Os factos provados não atestam apenas um ou outro episódio desagradável. Marcam, sim, todo um modo de proceder, persistente e atormentado, nada adequado ao exercício de uma judicatura serena, eficaz na administração da justiça e potenciadora de uma imagem prestigiante desta.

A Exmª  Juíza não foi capaz de aproveitar a oportunidade que lhe foi deixada em aberto no fim da primeira inspeção. Daí as palavras – com as quais, naturalmente, se concorda – do Exmº Inspetor, no seu relatório final:

«[…] desbaratou a oportunidade concedida para ponderar sobre os indispensáveis requisitos do cargo de juíza para que fora recrutada, antes exponenciou a adoção de atitudes e de métodos de trabalho completamente desajustados às necessidades e ao desempenho desse cargo, até limites que, salvo melhor opinião, o poder judicial não pode tolerar.

Até a Arguida revelou ter a consciência de que a sua prestação foi mal sucedida, pois que, como referido no artigo 20º, em geral, as suas intervenções limitavam-se a “emaranhar” a obtenção de qualquer decisão útil nos processos e a explicar as razões da sua falência, sendo a representação que a Arguida expressou da sua própria prestação consonante com a realidade.

Tal descalabro foi, por si só, suficiente para abalar seriamente a confiança dos cidadãos no poder judicial e, consequentemente, o prestígio desse poder essencial ao estado de direito, de modo a legitimar, plenamente, as aludidas preocupações preventivamente explicitadas pelo Órgão competente.

A profissão de juiz é desgastante, por via do generalizado excesso de trabalho e da tensão imposta pela necessidade de decidir – a essência da função – e de o fazer depressa e bem. Mas o grau de exigibilidade posto em tal encargo não é minimamente conciliável com a incapacidade para o efeito objectivamente evidenciada pela Arguida, a qual impede o seu rendimento do trabalho e, por outro, segundo parece, é por este potenciado.

Na verdade, os elementos recolhidos apontam para uma manifesta falta de capacidade da Arguida, sob suas diversas vertentes, para conseguir, efetivamente, dirimir os litígios que lhe são apresentados, como é exigência da função em que foi investida.».

Em termos de escolha e determinação da medida da pena, exarou-se no acórdão reclamado o seguinte:

«Na determinação da medida da pena deve atender-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele (art.º 96.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais). Todavia, mesmo não olvidando o referido enquadramento e a doença da Arguida – a determinar os significativos períodos de “baixa” (ocorridos entre 19.05 e 20.06 e entre 14.07 e 12.08.2008) –, a verdade é que não existem circunstâncias que, de forma acentuada, diminuam a gravidade dos factos e a culpa da mesma.

A punição não pode ser um ato gratuito e, como tal, da mesma tem que resultar uma clara definição dos comportamentos e condutas errados e disciplinarmente relevantes. Há que não permitir que o Conselho Superior da Magistratura, órgão a quem cabe a apreciação da relevância disciplinar das condutas dos Juízes, não segue uma tendência de facilitismo, antes se mostra atento não permitindo que se assumam comportamentos graves  sem reação.

Olhando para o trabalho realizado e serviço prestado pela Exm.ª Juíza de Direito AA, ao longo dos anos, nomeadamente naqueles a que respeita a notação de medíocre que originou o presente processo disciplinar, é natural que nos perguntemos se poderia ter feito e atuado de forma distinta. Ora, qualquer outro juiz, naquelas circunstâncias, faria muitíssimo melhor (como se viu, repete-se, do trabalho feito pelo Exmº Juiz em acumulação de funções).

Ser Juiz importa saber decidir, o que implica necessariamente a prolação de decisões, e atempadas. Ser Juiz exige ponderação, a qual igualmente se revela no trato diário com aqueles que trabalham em conjunto para o mesmo fim. E o Conselho Superior da Magistratura  não pode deixar de assumir as suas responsabilidades perante os cidadãos, protegendo-os e protegendo a imagem da administração da Justiça e dos Juízes.

Assim, tudo sopesado e visto o disposto nos art.º 96.º e 99.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, considerando-se o significado e a gravidade dos factos relatados, o respectivo contexto, bem como os antecedentes da Arguida ao nível da disciplina e da avaliação do respectivo mérito, afigura-se adequado concluir pela incapacidade definitiva de adaptação às exigências da função, prevista no art.º 95.º n.º 1 al. a) desse estatuto.

   Nessa medida, a sanção necessária, proporcional e adequada é a de aposentação compulsiva da ora Arguida, o que se decide.».

Na verdade, por tudo o que foi dito, é de concluir que a Exmª Juíza, infelizmente, revela definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função (art.º. 95º, nº1, al. a) do EMJ), devendo ser mantida a decisão do Conselho Permanente que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva e que não enferma de qualquer dos vícios apontados pela Exmª Juíza”.

Posto isto, facilmente chegámos à conclusão que não se demonstra ter havido qualquer erro na apreciação da matéria de facto.

O que se verifica é que a autora tem uma diferente valoração dos pressupostos de facto que conduziram à aplicação da pena.

A este respeito há que referir que ´”é pacífico, hoje que (…) no momento (subsuntivo) há espaço para uma “ampla discricionariedade de juízo”, de criatividade administrativa, ao nível de determinação dos pressupostos do ato (…) quando não se trata, mesmo, de o órgão administrativo a escolher os pressupostos do seu ato em função apenas do fim ou interesse legalmente definido” – Mário Esteves de Oliveira e Outros “in” Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, página 592.

Não vemos, assim, ter havido qualquer erro sobre os pressupostos de facto.

Disto se tem que concluir que a ponderação feita pelo recorrido sobre a personalidade e conduta do arguido não pode ser censurada por este Tribunal.

Não viola quaisquer princípios gerais.

Está dentro da reserva que é concedida ao recorrido.

Não revela qualquer erro ostensivo ou clamoroso.

Assim, há que respeitar a apreciação valorativa da conduta da arguida feita pela Administração e das circunstâncias que rodearam aquela conduta, assim como a consequente escolha da pena disciplinar de multa e da sua medida.

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) Ucs.

Lisboa, 5 de Julho de 2012


Oliveira Vasconcelos (relator)
Pires da Graça
Isabel Pais Martins
Fernandes da Silva
João Camilo
Paulo de Sá
Maria dos Prazeres Beleza
Henriques Gaspar
(Acórdão e sumário redigidos de acordo com o novo Acordo Ortográfico)