Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
141/02.0PATVD.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: REJEIÇÃO DE RECURSO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PENAL - PENAS
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS
Doutrina: - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
- Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General, 4ª edição, 668.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400º, N.º 1, ALÍNEA F), 414.º, N.º2, 417.º, N.º3, 420.º, N.º1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 77.º, NºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º5.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/09, DE 09.02.18, PUBLICADO NO DR, I SÉRIE, DE 09.03.19.
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2006.11.08, PROCESSO N.º 3113/06;
-DE 2008.03.05, PROCESSO º 114/08;
-DE 2008.09.16, PROCESSO N.º2383/08;
-DE 2008.11.13, PROCESSO N.º 3381/08;
-DE 2009.09.23, PROCESSO N.º 27/04.3GGBTMC.S1;
-DE 2009.11.18, PROCESSO N.º 702/08. 3GDGDM. P1.S1.
-DE 2010.01.13, PROCESSO N.º213/04. 6PCBRR.S1.L1;
-DE 2010.06.23, PROCESSO N.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1;
-DE 2011.02.17, PROCESSO N.º460/06. 6GBPNF.P1.S1.
Sumário :
I - A lei adjectiva penal manda rejeitar o recurso sempre que seja manifesta a sua improcedência, se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, nos termos do n.º 2 do art. 414.º e o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afecte a totalidade do recurso nos termos do n.º 3 do art. 417.º do CPP.

II - O STJ vem maioritariamente entendendo que a decisão proferida em recurso, que mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, deve ser considerada confirmatória, porquanto não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica dos factos, o arguido tivesse que conformar-se com a decisão que mantém a pena, mas já pudesse impugná-la caso a pena fosse objecto de redução.

III - A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do art. 77.º do CP tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso.

IV - Com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, e não unitariamente, os factos e a personalidade do agente.

V - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuador e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, julgando parcialmente procedente o recurso interposto de decisão de primeira instância, a condenou, como autora material de um crime de ofensa à integridade física grave e qualificada, previsto e punível pelos artigos 144º, alíneas b) e c) e 146º, nº 1, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea b), todos do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de 7 (sete) anos de prisão; mais foi condenada como autora material de um crime de exposição ou abandono, previsto e punível pelo artigo 138º, n.º 1, alínea b), do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Nos termos do artigo 77º, do Código Penal, foi a mesma arguida condenada na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

O pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público em representação de BB foi julgado parcialmente procedente por parcialmente provado e sendo a arguida/demandada condenada a pagar-lhe a quantia de 363.500 € (trezentos e sessenta e três mil e quinhentos euros); foi julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central E.P.E. procedente por provado e, consequentemente, condenada a arguida/demandada a pagar ao demandante a quantia de 3.299,34 € (três mil duzentos e noventa e nove euros e trinta e quatro cêntimos) acrescida de juros moratórios à taxa supletiva legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento; foi igualmente julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar de Torres Vedras e, consequentemente, condenada a arguida/demandada a pagar ao demandante a quantia de 11.343,94 € (onze mil trezentos e quarenta e três euros e noventa e quatro cêntimos) acrescida de juros moratórios à taxa supletiva legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

É do seguinte teor a parte conclusiva da motivação de recurso:

1-A recorrente requereu, antes da prolação da Douta Decisão, a realização de PERÍCIA INDEPENDENTE por Médicos - Peritos, com  vista  apurar   se as lesões podiam ser resultantes  de queda,

2-Sendo "...A PERÍCIA· PROVA OBRIGATÓRIA: ARTS 151 E 351 C.P.P. - Acórdão STJ de 18/10/89 Proc 040762. "o Tribunal a quo ao rejeitá-la, ostracizou o Contraditório: o processado é NULO, Acórdão inclusive - art. 410-2-a)   e 374   CPP.

3. Os Relatórios juntos aos autos são contraditórios com o depoimento prestado em audiência pelo PERITO - Médico CC id. a fls. 1442 que na Sessão de 17 Março 2009 pelas 11H29 analisou a pedido do MM.º Juiz Presidente os Relatórios Médicos  e  afirmou  que:

Juiz Presidente: "não viu a criança?

Perito: " a criança estava lá"

Juiz - Presidente: "O que pode ter levado a este resultado?

Perito: "a informação foi de queda " hipótese de queda" Cfr - Rotações  a   11H30  -   17 Março 2009.

4-Se a informação foi de QUEDA e se colocou a hipótese de QUEDA torna-se patente que o Acórdão fundamentou-se mal, num Relatório Médico que é contrário ao depoimento do PERITO!!!!

A DÚVIDA/ CONTRADIÇÃO É PATENTE PELO QUE SE IMPUNHA A ABSOLVIÇÃO EM FACE DO PRINCIPIO IN DÚBIO PRO REO!!!!

O Acórdão viola os arts. 32 e 205 da Lei Fundamental e verifica-se o vício do art. 410-2-a) e b) do CPP.

5-O Tribunal de Julgamento e a Relação Lisboa partiram ab initio da presunção de culpa para a condenação.

6-O Julgador partiu do Relatório Médico para "trás" e concluiu, sem mais, que foi a arguida a provocar ofensas ao corpo do menor mas sem explicitar quando, como, em que circunstâncias e quem viu a arguida agredir o menor!!!!!!!

7-0 Tribunal de Julgamento e a Relação não apuraram se mais alguém além da arguida contactou nas 12 horas antes do coma com o menor o que viola o Principio da Investigação Oficiosa.

8-Nem curaram de apurar se a arguida agiu com outra forma de dolo, limitando-se a concluir, sem prova directa ou indirecta, que " agiu de forma livre, deliberada e consciente" "agiu com intenção de molestar o menor na sua integridade física".

9-Este modus de apuramento dos factos revela insuficiência para a decisão da matéria de facto - Ac. STJ de 3-10-90 in BMJ- 400, pag 268 -vício do art.   410-2-a) CPP.

10-O Tribunal a quo não apurou a real intenção da arguida limitando-se a dar como provados factos que contradizem outros não provados

11-Resulta contradição insanável da factualidade:

A fls. 21 do Douto Acórdão resulta que:

" Não se provou que AA castigava-o....deixando BB longos períodos de tempo sem comer ou ingerir líquidos...." que em Fevereiro 2002 desferiu vários socos, murros e pontapés no BB"

12-·Na Fundamentação da Matéria de Facto exarou-se que:

É verdade que no espaço de tempo que mediou entre 23-24 Dezembro de 2001 e 09-03.02, o BB não esteve só com a arguida"

13-O Douto Acórdão concluiu, a partir do Relatório Médico e do depoimento da Dr.ª DD, que só a arguida poderia ter causado as lesões quando esta mesma testemunha referiu que as lesões podiam resultar de QUEDA - Q.34%- o que é negligenciável - fls. 23  -linhas 3 e 4.

14-0 Tribunal a quo não refere por que razão é negligenciável (????) 0,34% de lesões deverem-se a QUEDA e não a uma acção voluntária da mão humana!!!!

15- É patente o ERRO NOTÓRIO o que torna o Acórdão NULO - art. 410-2-C) CPP. Porque razão 0.34% de casos idênticos resultantes de QUEDAS é NEGLIGENCIADO pelo Douto Tribunal a quo? Será porque o Tribunal partiu da Presunção de culpa para a condenação?

16- Veja-se que a fls. 26 o Acórdão refere que:

"...estava a começar a andar e caía muitas vezes......equimose junto ao olho... caíra em casa da avó..."

A QUEDA. O menor entrou no Hospital e foi prestada a informação de que as lesões eram de uma QUEDA.

O menor caía muitas vezes... - fls. 26 do Acórdão.

O Médico CC refere a hipótese de QUEDA.

O Tribunal ostracizou in totum a possibilidade de QUEDA

18-0 Tribunal condenou a arguida sem sopesar a possibilidade de QUEDA o que evidencia ERRO NOTÓRIO - art. 410-2-C) CPP e violou o Principio in dúbio pro reo -art. 32 da Lei Fundamental.

19- A apreciação do Tribunal é livre mas não arbitrária e a consequência da arbitrariedade é a violação do art° 127° do C.P.P. e do princípio da presunção de inocência - art. 32° -2 da C.R.P., sendo que a interpretação dada pelo Tribunal ao art.º127° é inconstitucional.

20- Existiu apreciação arbitrária da prova; existiu liberdade, meramente intuitiva e não uma verdade que comunique e se imponha aos outros; EXISTIU UMA ARBITRARIEDADE, ARREPIANTE, INACEITÁVEL, o que viola o princípio da PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – artº 32° n° 2 da C.R.P.

21- O Tribunal da Relação ao secundar o Juiz Julgador violou o modelo Acusatório, o princípio do contraditório e não atendeu ao art. 32º-2- C.R.P. nem exercitou o poder-dever de investigação oficiosa - art°s 340° do C.P.P. e 32° n° 5 da C.R.P.: violou o Modelo Acusatório, integrado no princípio da investigação oficiosa, plasmado nos art°s 323° a) e 340°, n° 1 do C.P.P., 32° n° 5 C.R.P e artº 6º da C.E.D.H..

22- Pelo que violou o Princípio in dubio pro reo, incorrendo num erro notório que não se pode dissociar da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada - 410° n° 2 al. a), já que ao incorrer no erro na apreciação da prova, o Tribunal esgotou as sua provas, inexistindo   matéria de facto suficiente para condenar   a arguida.

23-Face ao n° 1 do art° 430°, do C.P.P., quando deva conhecer de facto e de direito, a Veneranda Relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n° 2 do art° 410° e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio. Ou seja,

24-O Tribunal de Recurso procede à renovação da prova ou se não for possível decidir, determina o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões, concretamente, identificadas na decisão de reenvio - art° 426° do C.P.P./in casu a Relação de Lisboa ostracizou in totum a audição / apreciação da matéria de facto.

25- Constata-se insuficiência do exame crítico e omissão de pronúncia o que traduz NULIDADE DO ACÓRDÃO - art°s 374° n° 2 e 379º-1-a) e c) C.P.P. O T.R.L. não fez exame crítico da prova, de modo a perceber-se porque razão e em que medida os elementos probatórios o convenceram no sentido em que formou a sua convicção pelo que

27-O Acórdão enferma da nulidade por ausência de exame crítico das provas, em que o Tribunal se baseou para formar a convicção que formou, violando o disposto nos art°s 97° e n° 2 do 374° do C.P.P., cuja consequência, é a nulidade do Acórdão - art° 379° 1 al. a), sob pena de, diverso entendimento, ser considerado inconstitucional, nos termos do disposto nos art°s 32° n° 1 e 205° n° 1, ambos da C.R.P.

28-Razões, pelas quais, deverá ser declarado NULO o Acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que sane tal nulidade ou se necessário, proceder-se a nova audiência de Julgamento.

29-A fls. 18 o Douto Acórdão julgou contra o depoimento da própria Mãe do Ofendido ao exarar que:

"...A arguida nunca procurou saber do estado de BB...."

Porém, em julgamento a Mãe do menor BB disse que:

(CD D/    20090317095156_123932_65231   em 17 Março 14H25): Ministério   Público: A ARGUIDA NÂO  LHE LIGOU ? EE:   DEIXOU UMA MENSAGEM   DE VOZ   A DIZER QUE    O      MENINO TINHA CAÍDO OUTRA   VEZ  E   QUE   DESTA VEZ ERA GRAVE...."

30-Inexistiu prova directa ou indirecta de que a arguida "...abanava violentamente, desferia chapadas, socos e apertões...."

Em súmula: a arguida deve ser absolvida e declarado que os autos padecem de ERRO DE INVESTIGAÇÃO. É o problema da matéria de facto não ser devidamente julgada:

"AS RELAÇÕES ESTÃO A TER MUITA DIFICULDADE PARA APRECIAR A MATÉRIA de FACTO. HÁ UMA REBELDIA..." – dixit Sr. Juiz Conselheiro Simas Santos, in Jornal Público 28 Maio 2006 - " Tertúlia no Café Majestic, Porto"

31-Uma pena de prisão de 8 anos e 6 meses de prisão efectiva cerca de OITO anos após os factos nunca presenciados por ninguém, gera a perturbação e instabilidade familiar da arguida que tem 3 filhos e uma vida estabilizada.

32-A arguida, em bom rigor deve ser absolvida ou, se assim não se entender, uma pena de 4 anos suspensa na sua execução satisfaz a comunidade pois é primária, nunca respondeu nem esteve presa, é boa Mãe e considerada por todos quantos a conhecem!

33-A pena viola o Principio da Presunção de Inocência e os arts. 40, 132- 2- b) e 138 do Código Penal e a certeza e unidade do   Direito   e da Justiça.

- Artigos 40, 127, 151, 323, 340, 374, 410, n°s 2 al.s c) e a), 410-2 c) do C.P.P. - Artigos 32°, n°s 1, 2 e 5 e 205 da C.R.P. - Art° 6º da C.E.D.H.

Contrariamente à maioria que apregoa que:

....OS PORTUGUESES NÃO ACREDITAM NA JUSTIÇA..." In ESTADO da JUSTIÇA, - Prof. Boaventura Sousa Santos....

a arguida ainda acredita na JUSTIÇA PORTUGUESA e está consciente que este ALTO TRIBUNAL irá conceder-lhe razão, contrariando a Lição de   Padre   António  Vieira:

"....as injustiças da Terra são as que abrem a porta à Justiça do Céu..." - Sermões, I -Ed. Sá de Castro, 90 e irá fazer JUSTIÇA aqui, ABSOLVENDO-A, ou condenando em pena não superior a 4 anos, suspensa, assim fazendo LÍDIMA JUSTIÇA!

Na contra-motivação apresentada o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que o recurso não pode deixar de se confinar às questões relativas à pena única, atenta a irrecorribilidade da decisão impugnada relativamente aos crimes em concurso, pena única que, por adequada e justa, entende dever ser confirmada.

Igual posição assumiu nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no que respeita à limitação do recurso. Quanto à medida da pena única pugna pela sua redução para 8 anos de prisão.

Respondeu a arguida repetindo, em síntese, o já alegado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                        *

Questão a decidir em primeiro lugar é a suscitada pelo Ministério Público atinente à rejeição parcial do recurso.

Decidindo, dir-se-á.

A lei adjectiva penal manda rejeitar o recurso sempre que seja manifesta a sua improcedência, se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414º e o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afecte a totalidade do recurso nos termos do n.º 3 do artigo 417º – n.º 1 do artigo 420º.

Primeira causa de não admissão do recurso prevista no n.º 2 do artigo 414º é a da irrecorribilidade da decisão.

De acordo com o preceituado no artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, o que significa, como este Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo, de forma constante e pacífica, só ser admissível recurso de decisão confirmatória da relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo[1].

Mais vem este Supremo Tribunal entendendo, maioritariamente, que a decisão proferida em recurso que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, deve ser considerada confirmatória, porquanto não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica dos factos, o arguido tivesse que conformar-se com a decisão que mantém a pena, mas já pudesse impugná-la caso a pena fosse objecto de redução[2].

No caso de sucessão de leis processuais, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1ª instância, entendimento a que este Supremo Tribunal chegou no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/09, de 09.02.18, publicado no DR, I Série, de 09.03.19.

No caso vertente estamos perante decisão condenatória de 1ª instância confirmada pelo Tribunal da Relação, sendo ambas as penas parcelares aplicadas não superiores a 8 anos, conquanto a pena conjunta cominada ultrapasse aquele patamar situando-se nos 8 anos e 6 meses de prisão.

Deste modo, certo é ser irrecorrível a decisão impugnada no que respeita às penas parcelares aplicadas, consabido que a decisão de 1ª instância foi prolatada em 17 de Abril de 2009, isto é, após a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, a significar que relativamente à condenação pelos dois crimes em concurso está este Supremo Tribunal impossibilitado de exercer qualquer sindicação, sindicação que só é admissível no que tange à pena conjunta cominada, ou seja, no que concerne à operação de formação ou determinação da pena única.

Com efeito, estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos dois crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação da recorrente por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos dois crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso, ou seja, que a jusante da condenação se situam.

De outra forma estar-se-ia a violar o princípio constitucional non bis in idem (n.º 5 do artigo 29º da Constituição), concretamente na sua dimensão objectiva, que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, através da imutabilidade do definitivamente decidido.

Há pois que rejeitar o recurso nesta parte.

                                        *

Passando ao conhecimento da parte não rejeitada do recurso, qual seja a atinente à operação de formação da pena conjunta, importa ter presente a matéria de facto assente pelas instâncias.

São os seguintes os factos considerados provados[3]:

«BB nasceu no dia 25.06.2000, com 2.620 kg.

EE é progenitora de BB.

O menor não apresentava qualquer tipo de malformação à nascença, nem sofria de qualquer doença

Em Setembro de 2000, EE iniciou a sua actividade profissional, ficando BB aos cuidados da avó materna durante o tempo que a progenitora se encontrava no local de trabalho.

Nos dias 29.06.2000, 18.07.2000, 28.08.2000, 29.08.2000, 20.10.2000, 29.11.2000, 01.02.2001, 14.01.2001, 21.04.2001, 26.04.2001, 10.07.2001, 21.07.2001, o menor BB foi admitido nas urgências do Hospital de Torres Vedras, com queixas de tosse, febre e cólicas.

Em Outubro de 2001, EE passou a trabalhar no estabelecimento comercial denominado “Pastelaria ...”, propriedade de FF, sita na Rua …, em Torres Vedras, auferindo cerca de € 450 mensais.

O horário de trabalho era rotativo, das 07h00 às 15h00 e das 15h00 às 24h00, trabalhando EE aos feriados e fins-de-semana.

 Em Dezembro de 2001, a avó materna do menor sofreu um AVC, ficando impossibilitada de cuidar de BB.

A criança foi então entregue aos cuidados de uma tal GG, a qual aceitou cuidar do BB (dar banho, trocar a fralda, providenciar pela alimentação, etc.) em troca da quantia de 30.000$00, na moeda corrente à data dos factos (€ 149.64).

O menor ficou apenas alguns dias ao cuidado da dita GG.

Após, o menor passou a ficar ao cuidado de HH, nos mesmos termos acima referidos.

No final do mês de Dezembro de 2001, designadamente nos dias 23 ou 24, a arguida AA aceitou cuidar de BB, entre as 08h00 e as 16h00, ou entre as 13h00 e as 20h00, na residência desta, sita na Rua …, nº. …, …º. Esq., Torres Vedras.

O menor ali pernoitaria sempre que EE não o pudesse ter a seu cargo.

EE pagaria, como remuneração dos serviços prestados pela arguida a quantia de 30.000$00 (€ 149.64) mensais, acrescida de 1.500$00 (€ 7.48) por cada noite que o menor pernoitasse em casa da arguida.

Nessa data, BB, com 17 meses de idade, andava, sem cambalear ou claudicar.

Apresentava um bom estado de nutrição.

Pronunciava algumas palavras, (como mamã, papa, dói dói, Zé, avó).

Era uma criança irrequieta -  gostava de abrir os armários e retirar os objectos que se encontravam no interior e gostava de brincar com objectos que produzissem som.

Interagia com adultos e outras crianças, incluindo com estranhos.

Durante a hora da refeição, o menor costumava deitar fora, por vezes até cuspir, os alimentos, se estes não eram do seu agrado.

No dia em que foi entregue aos cuidados da arguida, BB apresentava um hematoma na testa, causado por actividades próprias de crianças da idade do menor.

O menor tinha a fralda suja com fezes, bem como os sapatos. A roupa do menor tinha nódoas.

Em Dezembro de 2001, o agregado familiar da arguida era composto por dois filhos menores daquela (com 7 e 12 anos de idade), e II, seu marido.

II trabalhava na construção civil, como pedreiro.

Os filhos da arguida frequentavam estabelecimentos escolares.

A arguida tinha, ainda, a seu cargo a menor JJ, com cerca de 1 ano de idade, durante o horário laboral dos progenitores daquela, sendo por isso renumerada monetariamente.

A menor JJ é filha de KK e LL, que exerciam a actividade de enfermeiros no Hospital de Torres Vedras e residiam, à data dos factos, no mesmo edifício que a arguida, no 1º. andar.

A arguida AA exercia, assim, uma actividade para a qual não se encontrava habilitada, nem legalmente autorizada.

Após o termo do horário laboral, EE ia a casa da arguida que lhe entregava BB.

A casa da arguida dista cerca de 350 mts. da “Pastelaria ...”.

EE ao fim de poucas semanas deixou de cumprir o previamente acordado com a arguida.

Assim, BB passou a depender totalmente dos cuidados que a arguida lhe prestava, já que a progenitora raras vezes levava o menor consigo para pernoitar, sendo que nessas ocasiões não dava banho, mudava a fralda, ou trocava a roupa de BB.

Quando AA se encontrava em casa apenas com BB, ou com o menor e JJ, esta, por razões não concretamente apuradas, abanava violentamente, desferia chapadas e apertões em várias zonas do corpo do menor.

Como consequência directa e necessária dos factos descritos, a partir de Janeiro de 2002, o menor passou a apresentar vários hematomas e equimoses no corpo, nomeadamente na face e na cabeça.

Em momento não apurado, a arguida mostrou a LL, sua vizinha, hematomas e equimoses no corpo de BB, o que fez com que esta pedisse ao seu esposo, também ele enfermeiro, que visse a criança, o que ele nunca fez.

A arguida sabia que os hematomas e as equimoses que BB tinha em várias partes do corpo tinham sido provocados através das bofetadas e apertões que infligiu ao menor.

A arguida demonstrou alguma (falsa) preocupação ao perguntar LL o que deveria colocar nas lesões de BB.

EE apercebeu-se das equimoses e hematomas que BB tinha na face.

Quando EE questionou a arguida sobre a origem de tais lesões, esta afirmou que eram consequências das brincadeiras do menor, o que sabia não corresponder à verdade.

Alguns dias mais tarde, MM, avó materna de BB, disse a EE que o menor tinha na face a marca de uma bofetada.

Preocupada, EE perguntou à arguida se a marca que o menor tinha na cara era consequência de um estalo.

Esta afirmou que se fosse marca de um estalo teria sido dado por outra criança, o que a arguida sabia não corresponder à verdade.

Na semana seguinte, EE verificou que o menor tinha um hematoma na testa.

Nessa altura, a arguida disse a EE que o menor tinha caído e batido com a testa, ficando com um hematoma, o que sabia não corresponder à verdade.

As lesões que o menor apresentava tinham sido infligidas por AA, do modo acima descrito.

Após Janeiro de 2002., BB passou a apresentar, também, alterações no comportamento.

BB fugia quando alguém, com excepção da mãe, se aproximava. Recusava o contacto físico de terceiros, que não EE. Não mostrava qualquer sinal de estímulo perante brinquedos.

Estas mudanças no comportamento e na personalidade do menor eram consequência dos traumatismos causados no cérebro, em consequência dos deslocamentos violentos deste contra as irregularidades ósseas, causados pela forma violenta como a arguida abanava o menor.

 Durante o mês de Fevereiro de 2002, a arguida desferiu várias chapadas no BB, no interior da residência daquela.

AA abanou de forma violenta e consecutiva o menor.

Como consequência directa e necessária desses actos, o cérebro do menor deslocou-se, embatendo com força nas paredes do crânio.

Ao embater do modo descrito, o cérebro sofreu lesões, nomeadamente, higromas, vulgarmente conhecidos por hemorragias.

O sangue dessas hemorragias alastrou até aos olhos de BB, sendo visível a qualquer pessoa (hiperémia conjuntival e peri-orbitária).

Quando tal ocorreu, a arguida telefonou a EE, e disse que o menor tinha uma conjuntivite, e que EE não o devia ir buscar nesse dia, pois o BB não podia sair de casa.

Nesse mesmo dia, EE foi a casa da arguida para visitar o menor.

Quando EE chegou a casa da arguida, BB tinha os olhos inchados, com a zona das pálpebras vermelhas e negras.

O menor estava sentado no chão, triste, quieto e não reagiu quando a progenitora o chamou ou lhe entregou brinquedos.

Nessa altura, a arguida disse à mãe do menor que este tinha sido observado e medicado por um enfermeiro que residia no prédio e que este tinha aconselhado o menor a não sair de casa.

AA sabia que o que afirmou a EE não era verdade.

EE saiu de casa da arguida, deixando o BB aos cuidados de AA.

No dia seguinte, EE foi a casa da arguida para visitar novamente vez o BB.

Quando EE entrou na cozinha da arguida, onde o BB se encontrava sentado no chão, o menor reagiu à presença da progenitora e abriu os braços na direcção desta.

Em data não concretamente apurada, mas nos dias seguintes, a arguida desferiu pancadas de forma não apurada, em diversas partes do corpo de BB.

Como consequência directa e necessária de tais factos BB sofreu diversos hematomas e equimoses e fractura da tíbia esquerda.

Dois dias mais tarde, EE voltou a casa da arguida para visitar BB.

No interior da casa da arguida, na cozinha, estava BB sentado no chão, AA e NN.

EE pegou BB ao colo durante um breve período de tempo.

EE perguntou a AA se o BB estava melhor dos olhos, ao que esta respondeu que sim.

Quando EE colocou o menor no chão, este chorou, recusando-se a ficar de pé e a andar.

Nessa altura, a arguida disse que os sapatos do BB eram pequenos e apertavam os pés, dificultando a marcha do menor, o que sabia não corresponder à verdade.

As hemorragias que o menor apresentava demoraram cerca de uma semana a desaparecer, tendo BB pernoitado durante esse período de tempo em casa da arguida, tal como esta tinha sugerido.

No final da semana, a arguida disse a EE que não lhe iria cobrar o valor referente às noites que o menor tinha pernoitado nessa semana, uma vez que tinha sido ideia dela que BB ali pernoitasse.

A arguida sabia que as lesões apresentadas pelo menor eram consequência dos violentos abanões, bofetadas e pancadas que infligiu a BB.

AA sabia que o menor se recusou a andar e a permanecer de pé em consequência das lesões que lhe havia provocado.

As lesões que a arguida infligiu ao menor, causaram a BB dores.

Devido às dores o menor chorou durante um longo período de tempo, sem que a arguida tivesse prestado qualquer assistência médica a BB.

AA sabia que o menor necessitava de assistência médica imediata, todavia  não providenciou qualquer assistência médica ao menor.

AA, com o intuito de evitar que alguém se apercebesse das lesões no corpo de BB, conseguiu, da forma atrás descrita, que o menor permanecesse em casa, onde apenas foi visto por NN e por EE.

Cerca de 5 (cinco) dias mais tarde, EE deslocou-se até casa da arguida e levou o menor para casa.

Para tal transportou o menor no carro de OO, que ali aguardou pelo menor.

BB e EE pernoitaram juntos.

No dia seguinte, EE entregou BB à arguida, na residência desta.

O menor recusou andar ou a permanecer de pé.

No dia 07.03.2002, o menor pernoitou em casa da arguida.

No dia 08.03.2002, EE visitou o menor em casa da arguida. O BB pernoitou em casa da arguida.

AA não ofereceu, durante esses dias, líquidos em quantidade suficiente para o menor ingerir.

No dia 09.03.2002, pelas 12h00, a arguida sentou, como habitualmente o menor ao colo, frente à mesa na cozinha, para lhe dar o almoço.

BB recusou o comer, chorou, cuspiu a comida e tentou soltar-se dos braços da arguida.

AA, como habitualmente, começou por desferir bofetadas no menor, de forma violenta.

A arguida apertou as pernas do menor, com força, para evitar que este se debatesse.

Abanou violentamente BB.

Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o menor sofreu cortes no interior da boca, que sangraram, cortes no lábio e lesões cerebrais.

O menor entrou, na sequência de tais actos, em coma.

De seguida, a arguida deitou o BB na cama.

A arguida sabia que o menor se encontrava inanimado devido aos factos que tinha praticado e acima descritos.

AA tinha consciência que o menor necessitava de cuidados médicos imediatos.

A arguida esteve com BB cerca de duas horas, no interior de casa, sem providenciar por qualquer assistência médica, apesar de o poder fazer, e saber que tal conduta lhe era exigível.

AA não levou o menor até ao hospital, nem chamou ajuda.

O trajecto entre a casa da arguida e o Hospital de Torres Vedras demora entre um a dois minutos a percorrer.

O menor não acordou, ou reagiu a qualquer estímulo, durante esse período de tempo.

Devido aos factos descritos, BB entrou em hipotermia e as lesões cerebrais que tinha agravaram-se devido à falta de assistência médica durante esse período de tempo.

Durante esse período de tempo o menor sofreu encefalopatia aguda hipoxico esquémica (falta de sangue e oxigénio no cérebro).

Pelas 14h30, a arguida saiu de casa e deslocou-se até à fracção 1º., Esq., do prédio onde se encontrava.

Aí chegada a arguida solicitou a PP que observasse o menor.

Quando PP entrou em casa de AA, BB estava sozinho, deitado em cima da cama.

PP verificou que o menor se encontrava em hipotermia, prostrado e com a respiração alterada.

PP disse a AA que o menor necessitava de assistência médica.

PP e AA levaram o menor para o Hospital de Torres Vedras.

Consciente da gravidade das lesões do menor, PP utilizou o veículo automóvel de que era proprietário para transportar AA e BB para o Hospital de Torres Vedras.

Pelas 14h50m., cerca de duas horas depois da arguida ter abanado violentamente o menor, BB deu entrada nos Serviços de Urgência do Centro Hospitalar de Torres Vedras.

O menor encontrava-se desidratado, com várias equimoses no crânio, face, orelhas e membros.

No interior da boca o menor apresentava várias lesões sagrantes.

O menor encontrava-se pálido, hipotérmico, em coma superficial, reagindo apenas a estímulos dolorosos.

O menor apresentava, ainda, mau estado de nutrição e má higiene.

Devido à gravidade do estado clínico que apresentava, BB foi transferido para o Hospital D. Estefânia, em Lisboa, onde deu entrada pelas 17h00, desse mesmo dia.

BB foi observado pela Drª. DD, que exerce funções no Hospital D. Estefânia, Serviço de Neurologia Pediátrica.

Quando BB entrou no Hospital de Dona Estefânia encontrava-se em coma vigil (Glasgow 9), com hemiparesia e paresia facial direitas, desvio conjugado do olhar para a esquerda, com nistagmo horizontal intermitente.

Apresentava na fundoscopia hemorragias retinianas múltiplas bilaterais, sendo impossível a visualização das papilas; tonus globalmente aumentado nos membros, bilateralmente, mais acentuado à direita, com hiperreflexia nos membros; peso abaixo do percentil em que estava anteriormente; múltiplas equimoses dispersas pelo corpo.

O menor apresentava, ainda, os seguintes traumatismo causados em data anterior ao dia 09.03.2002:

Cabeça e face:                         

tumefacção dura situada na região fronto-parietal direita medindo 6 x 6cm e onde se visualiza, no centro, ferida contusa de cor vermelha arroxeada medindo 2 x 0,5 cm. quatro feridas contusas situadas na hemiface direita, região maxilar todas de cor arroxeada, duas arredondadas medindo I x 1cm cada uma, outra rectangular medindo 4 x 0,5cm e uma oval medindo 4x2 cm; uma ferida contusa situada na região frontal esquerda, abaixo da inserção capilar, de cor esverdeada grosseiramente ovalada, medindo 3x2 cm.

Membros superiores:

ferida inciso-contusa, linear, situada sobre a falange proximal do 1° dedo da mão direita, com crosta e hiperemia a volta, medindo 0,5 cm;

Membros inferiores:

ferida contusa situada na face posterior, terço superior da coxa direita, de cor vermelha arroxeada, medindo 2 x 1,5 cm, ferida contusa situada na face antero interna do joelho direito, de cor verde arroxeada, medindo 3,5 x 2 cm,

ferida contusa  situada na face  antero-intena do joelho  esquerdo,  de  cor verde arroxeada, medindo 3,5 x 3 cm, três feridas contusas situadas na face antero-externa do terço médio da perna esquerda, grosseiramente ovaladas, de cor arroxeada, medindo 2,5 x 1 cm; 2 x I cm e 1,5 x 1 cm, uma ferida contusa situada na face anterior do terço distal da perna esquerda, de cor arroxeada, medindo 3x2 cm;

Região dorsal:

duas feridas contusas lineares uma situada no piano direito, obliqua se cima para baixo e da linha media para a direita, de cor verde, medindo 7x0,5 cm, outra situada no flanco esquerdo, obliqua de cima para baixo e da linha media para a esquerda, de cor verde, medindo 3 x 0,5 cm;

 Região perineal:

dois vestígios de feridas contusas Ligeiramente hipopigmentada, uma arciforme de concavidade para a coxa direita, medindo 1,5 x 1 cm depois de rectificada, outra vertical, situada a I cm de distancia do vestígio anterior, em direcção a coxa direita, medindo 3,5 x 0,5 cm.

No dia 09.03.2002, BB realizou Tomografia Cranioencefalica, que revelou "Hematoma epicraneano, finas colecções subdurais homogeneamente hipodensas bi-frontais, de expressão um pouco mais volumosa a direita e com discreta extensão ao andar médio, prováveis higromas, que determinam, por efeito de massa localizado, apagamento dos sulcos corticais adjacentes. Ligeiras hiperdensidades inter-sulcais de alia convexidade parietal, posteriores, interpretadas como ruído, mas que faz diagnóstico diferencial com hemorragia sub-aracnoideia".

Os himogras subdurais bilaterais que o menor apresentava, nomeadamente os bilaterais, bem como as hemorragias retinianas, resultado de lesões intracraneanas, provocados por abanões intensos e violentos, encontrando-se algumas destas lesões com menos de 24 horas de evolução.

As radiografias de esqueleto efectuadas nessa data permitiram observar uma imagem compatível com fractura não recente a nível do planalto tibial esquerdo, com cerca de 2-3 semanas de evolução.

Das lesões infligidas a BB em 09.03.2002 resultou perigo concreto para a vida deste.

 No dia 26.03.2002, BB teve alta da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos e foi transferido para a Enfermaria do Hospital Dona Estefânia.

No dia 09.04.2002 o menor teve alta clínica do Hospital Dona Estefânia e foi transferido para o Hospital de Torres Vedras.

Nessa data BB apresentava o seguinte diagnóstico:

Status pos- coma por TC Sequelas de Encefalopatia Aguda Hipoxico-isquemica;

Regressão global DPM hemiparesia direita Aneurose;

Hemorragias retinianas extensas bilaterais;

Fractura do planalto tibial esquerdo, em fase de resolução.

BB deu entrada no Hospital de Torres Vedras no dia 09.04.2002, onde permaneceu até Novembro de 2002, data em que teve alta clínica.

Entre Janeiro de 2002 e o dia 09.03.2002, BB esteve ao cuidado da arguida, que lhe deu banho, vestiu, trocou as fraldas, preparou e deu as refeições. A arguida conseguiu durante esse período de tempo praticar os actos e causar as lesões acima descritas.

Perante EE a arguida referiu que das brincadeiras do BB, sozinho ou com outras, crianças resultavam as equimoses e os hematomas na face e cabeça do menor.

Pretendeu, e conseguiu, AA perpetuar durante mais de dois meses a prática dos factos descritos, sem que fosse descoberta.

Confiante que os factos acima descritos nunca seriam descobertos, uma vez que os praticava quando se encontrava sozinha com o menor, ou com BB e JJ, e sabendo que estes devido à sua tenra idade não se manifestavam verbalmente, AA infligiu graves traumas físicos em BB.

Aproveitou-se, ainda, a arguida de EE ser pessoa de estrato social baixo e carenciada, que pouco tempo passou com o menor.

A arguida sabia que EE quando estava com o menor não lhe mudava a fralda, trocava de roupa, ou dava banho.

Durante o tempo que teve o menor ao seu cuidado a arguida não prestou a BB os cuidados básicos de alimentação para uma criança daquela idade, nomeadamente, não deu a ingerir ao menor líquidos.

A arguida sabia que era a única pessoa que providenciava pela satisfação das necessidades do menor, já que tinha acordado com EE que cuidaria de BB e sabia que aquela raramente pernoitava com o menor.

A arguida sabia que BB apenas estava com a progenitora cerca de 15 a 30 minutos diários, e que esse tempo era despendido em casa da arguida.

Ao abanar BB, da forma descrita, a arguida agiu com intenção de provocar lesões no menor, bem sabendo que da forma violenta como o fez punha a vida do menor em perigo, como consequência directa e necessária das lesões provocadas.

Sabia, ainda, a arguida que daquele modo provocaria lesões em BB susceptíveis de afectar a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, a possibilidade de usar o corpo, os sentidos e a linguagem, bem como o desfigurar grave e permanentemente.

A arguida agiu sempre com intenção de molestar o menor na sua integridade física, tal como veio, efectivamente, a conseguir, através da imposição, ao mesmo, de um tratamento cruel, revelador de um sentimento de falta de sensibilidade.

A arguida quis, ainda, provocar-lhe tais lesões psíquicas e físicas de forma a atormentá-lo sem qualquer motivo aparente, provocando no menor um mau estar psicológico de medo e inquietação constante, bem sabendo que o menor devido à sua idade se encontrava indefeso.

A arguida sabia que BB era uma criança com 21 meses de idade, incapaz de prover pela sua alimentação ou higiene, dependendo de terceiros para sobreviver.

Bem sabia a arguida que o menor era incapaz de resistir ou se defender dos factos acima descritos e pela arguida praticados.

AA é uma pessoa pouco diferenciada ideo-afectivamente, em que o mundo afectivo se mostra de forma superficial, imatura e egocêntrica, com traços de impulsividade e reactividade, sendo que em situações frustrantes e stressantes pode haver lugar a reacções quase em curto-circuito.

Ao longo da vida adulta a arguida agrediu, pelo menos, um outro menor.

Assim, em 09.10.2000, QQ, na altura com 11 anos de idade, frequentava o mesmo estabelecimento de ensino que a filha de AA, sito em Torres Vedras.

Nessa data, a arguida dirigiu-se ao estabelecimento de ensino, após a filha lhe ter contado que QQ tinha estragado a mochila de que era proprietária.

Aí chegada a arguida agarrou o braço direito de QQ, e empurrou-o contra o varão das escadas, de seguida agarrou-o novamente e desferiu-lhe três bofetadas na face. Destes factos resultaram directa e necessariamente em QQ contusão do ombro direito, e ferida supraciliar.

Como causa directa e necessária da conduta da arguida, BB sofre de hemiparesia direita grave, com membro superior direito praticamente afuncional (faz extensão do cotovelo e da mão) e franca claudicação à direita.

AA, ao agir da forma descrita, transformou de modo permanente o aspecto físico do menor, causou sequelas que não permitem que o menor utilize a linguagem, os movimentos do corpo, a visão e as capacidades intelectuais de forma normal, provocando-lhe lesões psíquicas incuráveis.

BB nunca poderá exercer uma actividade profissional.

O menor necessita, e sempre necessitará, de auxílio ao vestir e despir, para alimentação e higiene pessoal.

O discurso do menor é na maioria das vezes imperceptível. O menor não se orienta no tempo e no espaço.

As lesões provocadas pela conduta da arguida determinaram um período de doença de 471 dias da capacidade para o trabalho profissional, dos quais 212 com afectação para o trabalho geral, para o menor.

Em consequência da conduta da demandada, no dia 09/03/2002, o ofendido sofreu paralisia cerebral, hemiparesia direita grave, atraso cognitivo moderado a grave, acuidade visual muito diminuída à direita.

O que determinou uma incapacidade temporária geral total desde 09/03/2002 até 07/10/2002, e incapacidade temporária geral parcial desde 08/10/2002 até 30/04/2003.

A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente.

Mais se provou que (dos factos dos pedidos de indemnização civil)

Nas primeiras 40 horas de internamento no Hospital D. Estefânia, neurologicamente verificou-se ligeira melhoria do coma (Glasgow 11) após terapêutica instituída com Manitol e Difenilhidantofna, embora continuasse a existir cegueira cortical.

Foi observado pela Cardiologia Pediátrica do Hospital D. Estefânia, em que apresentava "taquicardia sinusal aparentemente de causa neurológica."

Realizou EEG, no dia 11/03/2002, de que se transcreve" Traçado difusamente lento e deprimido, traduzindo sofrimento cerebral difuso moderadamente grave."

Realizou Ressonância Magnética Encefálica, em 11/03/2002, em que apresentava "(…) existência de lesões em estádio agudo no córtex cerebral e cerebeloso e nos núcleos cinzentos da base. Semiologicamente estas lesões são muito provavelmente resultantes de hipoxia/hipovolemia grave. Observa-se concomitantemente a existência de uma pequena colecção hemática intraventricular e sangue no espaço subaracnoideu. Os higromas subdurais bilaterais são muito provavelmente precedentes ao quadro actual."

A observação pela Oftalmologia, em 12/03/2002, revelou "hemorragias extensas nos dois olhos de várias dimensões dispersas em ambas as retinas, observando-se também, bilateralmente, volumosa hemorragia pre-retiniana,  englobando as papilas ópticas e pólos posteriores. As hemorragias observadas encontram-se  em   vários   níveis   -   pre-retinianas,   retinianas   e sub-retinianas. Edema das regiões papilares e peripapilares."

A observação por Neurologia revelou "reflexos do tronco cerebral conservados".

No dia 13/03/2002, por episódios repetidos de convulsão tonico-cl6nica generalizada seguidos de bradipneia/apneia, o ofendido foi entubado e ventilado.

Foi extubado a 20/03/02 sem complicações.

No relatório do EEG, realizado em 13/03/2002, lê-se "Traçado sem actividade fisiológica, difusamente muito lento e de baixa voltagem. Regista-se uma crise prolongada (cerca de 8 minutos), de incidência posterior direita, com difusão as áreas adjacentes de ambos os hemisférios cerebrais. Traçado compatível com sofrimento cerebral difuso, grave."

Durante o internamento no Hospital D. Estefânia houve regressão completa das equimoses do ofendido,

Assistindo-se a uma melhoria neurológica gradual, mantendo hemiparesia direita. 

O ofendido não apresentava contacto visual.

Repetiu TAC CE, em 21/03/2002, em que era possível observar "uma hipo densificação difusa das áreas parnquimatosas encefálicas supra-tentoriais, com perda da diferenciação substância branca/substancia cinzenta, apagamento parcial dos sulcos corticais, apagamento das pequenas colecções extra-axiais homogeneamente hipodensas (prováveis higromas) visíveis no estudo de 09/03/2002 e um ligeiro alargamento da sutura coronal. (…)Descrevemos ainda uma hiperdensificação relativa e espontânea dos núcleos caudados e territórios corticais distais, com maior exuberância a nível de alta convexidade fronto-parietal a esquerda, mas também presente em outras localizações, nomeadamente occipital.”

O ofendido foi transferido, em 26/03/2002, dos Serviços de Cuidados Intensivos Pediátricos para a Enfermaria do Hospital de Dona Estefânia

O ofendido encontrava-se vigil, hemodinamicamente estável, com bom estado geral e de nutrição, sem contacto visual, atraso psiquico-motor, hemiparesia direita e tinha resposta agressiva e de fuga ao toque.

Durante o internamento o ofendido foi seguido pelas especialidades clínicas de Neurologia, Oftalmologia e Pedopsiquiatria.

Teve também apoio do Serviço Social, do Núcleo de Apoio à Criança e à Família, e Terapia Ocupacional, Terapia da Fala e Fisioterapia.

Em 09/04/2002, o ofendido apresentava-se clinicamente estabilizado,

E foi transferido para o Centro Hospitalar de Torres Vedras.

O diagnóstico de saída foi de sequela de encefalopatia aguda hipoxico esquémica; regressão global do desenvolvimento psicomotor; hemiparesia direita; aneurose; hemorragias retinianas extensas bilaterais; fractura do planalto tibial esquerdo em fase de resolução.

Em 08/10/2002, o ofendido apresentava boa evolução clínica.

O ofendido encontrava-se a recuperar a visão, estando em regresso a hemorragia retiniana.

Em 12/11/2002, o ofendido apresentava capacidade de fixar e seguir o estímulo com ambos os olhos, bem como estrabismo convergente intermitente.

Em 27/11/2002, o ofendido andava com apoio, dando alguns passos sozinho, dizia 5-6 palavras e mostrava uma compreensão a nível dos 12-15 meses,

Apresentava um estrabismo convergente do olho esquerdo, fixava e seguia o observador.

O ofendido mantinha hemiparesia direita de predomínio braquial, ou seja, com muito pouca capacidade de utilização da mão direita.

Em Julho de 2004, o ofendido explorava inadequadamente o meio que o rodeia, levava tudo a boca e atirava objectos pelo ar, tendo este comportamento repetidamente.

O ofendido realizava marcha, corria, levantava-se do chão sem apoio, subia e descia escadas com apoio incorrecto (flexão plantar com apoio nos metatarsos), arrastava as falanges distais na alternância do membro com o apoio unipedal diminuído.

Utilizava o membro superior esquerdo para abrir e fechar portas, apanhar e transportar objectos.

Ao nível do membro superior direito o ofendido apresentava abdução do ombro, flexão do cotovelo e punho, evitando o uso deste para as actividades.

Apresentava diminuição das amplitudes articulares dos flexores dorsais direito, extensores do cotovelo e punho direito, por existência de contractura dos gémeos direito e bicípite direito.

O equilíbrio do ofendido era pouco eficaz, principalmente nas mudanças de direcção, caindo com frequência.

O ofendido optava, àquela data, pelo modo de deslocação que lhe era mais fácil, isto é "arrastar" o rabo pelo chão, empurrando-se ou puxando-se com a perna direita e direccionando-se sempre para o lado esquerdo, resultado pela transferência de peso que faz para esse lado.

Quando colocado de joelhos conseguia deslocar-se realizando transferência de peso para o lado direito.

O ofendido permaneceu internado Hospital de Torres Vedras até ao dia 18/11/2002.

Durante o internamento no Hospital de Torres Vedras o ofendido continuou a ser seguido em consultas de oftalmologia e de neurologia pediátricas do Hospital D. Estefânia.

Necessitou de fisioterapia diária durante o internamento em ambos os estabelecimentos hospitalares referidos.

No dia 18/11/2002 o ofendido teve alta clínica do Hospital de Torres Vedras, passando a ser seguido em ambulatório em consultas da especialidade.

Em Setembro de 2003 é facultado a BB apoio pela APECI.

BB voltou a andar sem necessitar de apoio em Abril de 2004.

O ofendido foi acompanhado nas áreas de terapia da fala, psicologia, fisioterapia e hidroterapia.

No dia 22/07/2007, o ofendido foi submetido a intervenção cirúrgica, no Hospital D. Estefânia.

Tal intervenção deveu-se ao ofendido apresentar pé equino valgo à direita na paralisia cerebral (hemiparesia espática).

No dia 22/11/2007 o menor foi submetido a nova intervenção cirúrgica no Hospital D. Estefânia, por apresentar pé equino-valgo à direita, por himoplegia espástica direita.

O ofendido ficou com gesso a nível do membro inferior direito desde o dia 22/11/2007 até ao dia 13/12/2007.

            À presente data, o ofendido apresenta sequelas de encefalopatia hipóxico-isquémia grave, nomeadamente atraso do desenvolvimento psicomotor, hemiparesia direita e subvisão, em consequência da conduta da arguida.

O ofendido nesta data presente realiza marcha sem ajuda e de forma incorrecta - faz flexão plantar com apoio nos metatarsos, arrastando as falanges distais na alternância do membro com apoio unipedal diminuído -, corre e levanta-se do chão sem qualquer apoio, e claudica.

 Ao nível dos membros superiores, utiliza o membro superior esquerdo no seu dia-a-dia quase para tudo como apanhar e transportar objectos.

Realiza esforço para utilização do membro superior direito embora sem sucesso.

O BB apresenta muitas vezes feridas abertas, resultantes do seu condicionamento físico.

Tem um comportamento instável, o que prejudica qualquer tipo de intervenção mais estruturada.

Apresenta muitas dificuldades na coordenação mão-olho, originadas e mantidas pelas limitações motoras e visuais que apresenta.

Apresenta um atraso significativo da performance no piano grafo-perceptivo.

Da conduta da arguida resultou para o BB hemiparesia direita grave, com membro superior direito praticamente afuncional (faz extensão do cotovelo e da mão) e rança claudicação à direita.

A data de consolidação médico-legal é fixável em 30/04/2003.

            Em consequência da conduta da demandada no dia 09/03/2002, o ofendido sofreu paralisia cerebral, hemiparesia direita grave, atraso cognitivo moderado a grave, acuidade visual muito diminuída à direita.

O que determinou uma incapacidade temporária geral total desde 09/03/2002 até 07/10/2002, e incapacidade temporária geral parcial desde 08/10/2002 até 30/04/2003.

            As sequelas do ofendido são enquadráveis no código Na0403 (61 a 85 pontos em 100) da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (aprovada pelo D.L. nº. 352/2007, de 23.10).

A incapacidade do ofendido não é nem nunca será compatível com o cabal exercício de qualquer actividade profissional.

O ofendido necessita de auxílio ao vestir e despir, para alimentação e higiene pessoal.

O discurso do ofendido é na maioria das vezes imperceptível.

O BB não se orienta no tempo e no espaço.

A conduta da arguida causou ao ofendido grandes dores em virtude das lesões que apresentava e dos tratamentos a que foi sujeito.

A arguida nunca procurou saber o estado de BB, nem nunca contribuiu com qualquer quantia monetária, alimentos, vestuário, ou outro tipo de géneros indispensáveis à sobrevivência do ofendido, apesar de saber que foi dos seus actos que resultaram todas as lesões e sequelas acima descritas.

A esperança média de vida em Portugal, para os homens, segundo as estatísticas, situa-se nos 72 anos.

Se o ofendido iniciasse a sua vida laboral activa aos 20 anos de idade, teria um período de vida activa de 45 anos.

O BB deu entrada no Hospital D. Estefânia, hoje parte do Centro Hospitalar de Lisboa E.P.E.

Aí foram-lhe prestados os cuidados de saúde referidos, os quais importaram para o referido Centro Hospitalar um custo de 3.299,34 €, conforme documento de fls. 1594 e 1595 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

O BB esteve internado no Hospital Distrital de Torres Vedras, uma vez regressado do Hospital D. Estefânia, entre 9 de Abril de 2002 e 18 de Novembro de 2002 para continuação de cuidados e como caso social.

Em 16 de Dezembro regressa à Urgência Pediátrica por lhe ter sido diagnosticada uma otite média aguda.

A 9 de Janeiro de 2003 foi observado em consulta externa de pediatria, tendo regressado a 6 de Março de 2003. A 8 de Maio de 2003 regressou à consulta.

De 11 a 30 de Julho de 2003, realizou seis sessões de fisioterapia no Centro Hospitalar de Torres Vedras, englobando a mobilização passiva, reeducação da marcha, facilitação neuromuscular, habilitação e reeducação psicomotora.

No dia 17 de Junho de 2003, o BB compareceu na consulta externa de pediatria.

De 1 a 26 de Setembro de 2003, o BB voltou a fazer nove sessões de fisioterapia, englobando fortalecimento muscular, mobilização passiva, mecanoterapia, reeducação da marcha, facilitação neuromuscular, habilitação e reabilitação psicomotora.

No dia 3 de Dezembro de 2003, o BB deu entrada na urgência pediátrica com o diagnóstico de virose.

Em 2 de Dezembro de 2004, o BB regressou à urgência do Centro Hospitalar de Torres Vedras por alteração da marcha, sendo observado no balcão de ortopedia tendo tido alta clínica.

No dia 27 de Janeiro de 2005 foi atendido em consulta externa de fisiatria.

No dia 14 de Fevereiro de 2005 foi atendido em consulta externa de pediatria.

No dia 12 de Maio de 2005 voltou à urgência pediátrica por traumatismo no pé direito. Após observação médica e realização de exames radiológicos (pé e tornozelo) teve alta clínica.

No dia 7 de Fevereiro de 2006 o BB regressou à urgência do Centro Hospitalar de Torres Vedras por traumatismo craniano sem perda de conhecimento, ocorrido por queda na escola. Após realização de meios complementares de diagnóstico (raio-x ao crânio) teve alta clínica.

No dia 20 de Março de 2006 foi atendido em consulta externa de pediatria.

No dia 15 de Maio de 2006 o BB regressou à urgência do Centro Hospitalar de Torres Vedras por traumatismo craniano sem perda de conhecimento, ocorrido por queda nas escadas. Após observação médica teve alta clínica.

No dia 6 de Dezembro de 2007, o BB regressou à urgência do Centro Hospitalar de Torres Vedras para avaliação ortopédica por falência da imobilização gessada do pé direito, após cirurgia ortopédica no Hospital D. Estefânia.

No dia 24 de Abril de 2008, o BB regressou às urgências por traumatismo na mão direita ocorrido na escola. Observado no balcão de ortopedia realizou raio-x à mão direita e foi-lhe diagnosticada fractura da terceira falange do segundo dedo da mão direita.

Tais cuidados de saúde importaram um custo de 11.374,64 € ao Sistema Nacional de Saúde – Centro Hospitalar de Torres Vedras conforme o constante do documento de fls. 1558 que aqui se dá por integralmente reproduzido.

A arguida é estimada por todos quanto a conhecem e procurada para cuidar de crianças».                                                                  *

A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 7 anos de prisão e o máximo de 9 anos e 6 meses de prisão.

Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[4]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[5], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[6], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Posição também defendida por Figueiredo Dias[7], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Adverte no entanto que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração»[8].

Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[9], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[10].

Analisando os factos criminosos verifica-se que ambos se encontram conexionados entre si, formando um conjunto delituoso de acentuada gravidade, preenchedor de um quadro factual e vivencial ímpar, em que sobressai a personalidade da arguida AA, pautada pela insensibilidade, impulsividade e crueldade, a merecer especial atenção no plano preventivo especial. Tal circunstância, aliada à elevada gravidade do ilícito global, gravidade bem reflectida no efeito externo causado, bem como na medida das penas aplicáveis aos crimes em concurso, com destaque para o crime de ofensa à integridade física grave qualificada, punível com prisão de 2 anos e 8 meses a 13 anos e 4 meses, conduz a que se considere não merecedora de qualquer censura ou reparo a pena conjunta fixada pelo Tribunal da Relação que, por isso, se confirma.

Termos em que se acorda rejeitar o recurso, com excepção do segmento em que vem impugnada a pena única imposta, pena esta que se confirma.

Custas pela recorrente, fixando em 7 UC a taxa de justiça.                                      

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Maio de 2011

Oliveira Mendes (Relator)

Santos Cabral, (Com voto vencido)

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[1] - Entre muitos outros, os acórdãos de 08.11.13, 09.09.23 e 10.06.23, proferidos nos Processos n.ºs 3381/08, 27/04.3GGBTMC.S1 e 1/07.8ZCLSB.L1.S1

[2] - Cf. entre muitos outros, os acórdão deste Supremo Tribunal de 06.11.08,  08.09.16, 10.01.13 e 11.02.17, proferidos  nos Processos n.ºs  3113/06, 2383/08, 213/04. 6PCBRR.S1.L1 e 460/06. 6GBPNF.P1.S1.
[3] - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao constante da decisão proferida em 1ª instância.

[4] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto.

[5] - Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.

[6] - Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.

[7] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
[8] - Proibição de dupla valoração defendida por Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal e ali maioritariamente aceite, ao ser rejeitada proposta apresentada pelo Conselheiro Osório no sentido de os critérios gerais de determinação da medida da pena serem também aplicáveis à determinação da pena única – acta já atrás referida.

[9] - Personalidade referenciada aos factos, ou seja, reflectida nos factos, visto que estes, como resultado da vontade e actuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, carácter e singularidade, isto é, a sua personalidade.
[10] - Tem sido este o entendimento por nós assumido, como se pode ver, entre muitos outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05 e 09.11.18, proferidos nos Processos n.ºs 114/08 e 702/08. 3GDGDM. P1.S1.
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Voto de vencido

A primeira e fundamental questão suscitada no caso vertente é a do âmbito do recurso interposto uma vez que a arguida foi condenada nas penas parcelares de 7 (sete) anos de prisão e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. Nos termos do artigo 77º, do Código Penal, foi a mesma arguida condenada na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão. 

Na verdade, se é certo que temos por adquirido, aliás na sequência de orientação jurisprudencial uniforme, que, no caso vertente, o recurso apenas é admissível em relação á pena conjunta aplicada, porquanto superior a oito anos-artigo 400 e seguintes do Código de Processo Penal- entendemos, também, que a cindibilidade entre aquela pena conjunta e as penas parcelares não pode significar a negação da possibilidade de sindicar a respectiva fundamentação e verificar se a mesma está afectada por vicio que importe a sua incapacidade de servir de suporte á aplicação de uma sanção.

Dito por outras palavras a afirmação de que o recurso é limitado á pena conjunta não pode cercear a possibilidade de conhecer outra coisa que não os critérios que estão subjacentes á mesma pena e, nomeadamente, não poder, em sede de revista, sindicar a lógica racional dos factos que fundamentam aquela pena.

Partimos do pressuposto de que, verificando-se não impugnabilidade por via normal da matéria da culpa -, a mesma transitou em julgado e estará apta a produzir os seus efeitos Não existindo um qualquer recurso sobre a questão da culpabilidade, esta adquire o seu grau de incontrovertibilidade, que implica, para o tribunal, a impossibilidade de voltar a pronunciar-se sobre o que foi decidido.

Mas essa incontrovertibilidade supõe que essa decisão seja válida, por tal forma que, ao menos o tribunal possa «reconhecer» o que foi decidido. Se, em recurso interposto sobre a questão da determinação da sanção, se verificar que da sentença sobre a culpabilidade não constam as menções obrigatórias de fundamentação o tribunal não pode ocupar-se da determinação da sanção, pela «invalidade» da declaração de culpabilidade.

Para que o tribunal se possa pronunciar sobre a ques­tão da determinação da sanção, tem que se assegurar de uma certa «validade» da decisão tomada, nomeadamente tem que saber qual o concreto crime (ou crimes) por que o arguido foi condenado e terá que saber quais os factos que relevam para efeitos de tipo legal, tanto para proceder a uma censura sobre uma eventual violação do princípio de proibição de dupla valoração, como para saber se existem questões que, não tendo sido consideradas na decisão sobre a culpabilidade, o devam ser em matéria de determinação da sanção.

   Em última análise a questão é a de saber se quando se verifique um qualquer recurso limitado à questão da determinação da sanção, qual o valor da declaração da culpabilidade e em que medida - caso tal lhe seja possível - pode o tribunal de recurso alterar essa decisão (da culpabi­lidade) que, aparentemente, transitou em julgado?

A questão, em última análise, é a do valor preclusivo da questão da culpabilidade, face ao facto de não ter sido impugnada. Acompanhando o que a propósito escreveu Damião Cunha (O Caso Julgado Parcial pag 734 e seg) enuncia-se a propósito  deste tema um con­junto de conceitos que pretendem conferir um determinado valor à declaração de culpabilidade: «efeito de vinculação intraprocessual», «caso julgado parcial» ou «caso julgado sob condição resolutiva».

Está sujeita a «condição resolutiva», porque uma coisa é a incontestabilidade de uma decisão, outra, é a pos­sibilidade de a sentença produzir os seus efeitos. Basta tão só, adianta o memo Autor, configurar o seguinte: o trânsito em julgado de uma questão (de um «objecto») significa a impossibilidade de um tribunal voltar a pronunciar-se sobre esse «objecto», mas, para isso, pressupõe-se que, quando aquela decisão tenha um efeito vinculante em relação a outra «questão», possa ser «suportada» pelo tribunal que dela deva retirar as consequências. De facto, nunca ninguém propendeu a defender que um tribunal deva retirar consequências de uma decisão quando a repute como injusta.

Objectar-se-á, assim que o caso julgado ou é ou não é. Porém, por muito incisiva que pareça esta crítica, ela não tem efectivo sentido, pois nem toda a sentença transita em julgado (mesmo que dela não haja recurso), e toda a sentença condenatória penal que transite em julgado está sob «condição resolutiva», porque tal sentença só «vale», se não for, por qualquer modo, demonstrada a sua injustiças. A condição «natural» da sentença condenatória é a do seu trânsito em julgado «sob condição resolutiva».

Um recurso limitado à questão da determinação da sanção, em princípio, exonera o tribunal de apreciar a questão da culpabilidade; mas não o exonera de apreciar essa questão, quando, a propósito de uma qual­quer questão atinente à determinação da sanção, lhe surja a dúvida sobre a possibilidade razoável de existência de uma questão (não resolvida ou mal resolvida) atinente à decisão condenatória (decisão da culpabilidade). Pelo que, terá que averiguar essa questão e, caso não a possa esclarecer, não se poderá pronunciar sobre a determinação da sanção, na medida em que uma sanção só pode ser aplicada àquele que foi condenado, «para além de toda a dúvida razoável». Exactamente porque o princípio de presunção de inocência é indisponível. ao princípio dispositivo que vigoram na própria audiência de julgamento; por outras palavras, aquilo que o tribunal de recurso pode censurar «retrospectivamente» (no sentido que intentámos atrás referir), ou seja, quanto à questão da culpabilidade, é o facto de uma concreta questão jurídica relevante não ter sido resolvida, ou ter sido mal resolvida, ou nem sequer ter sido averiguada, questão essa que deveria constar da fundamentação da decisão (sobre a culpabilidade).

            Quando, face a uma questão referente à determinação da sanção, o tribunal de recurso dela não possa decidir ou conhecer (por não ter os critérios para a sua decisão), o reenvio, quanto a essa concreta questão, só é possível quando o tribunal (de recurso) tenha excluído qualquer possibilidade (razoável) de essa questão carecer de uma fundamentação em matéria de culpabilidade (tenha comprovado, pela fundamentação, que uma tal hipótese está excluída), pois caso a decisão recorrida tenha omitido com os seus deveres, na fundamentação da culpabilidade, o reenvio, se necessário, poderá ter de ser sobre todo o objecto.

O limite ao princípio dispositivo, no âmbito dos recursos, não é só um problema de recurso; é apenas expressão de que, no processo penal, independentemente do consenso do arguido (ou da ausência de «protesto» do arguido) - incluindo aquele que ele preste em recurso -, nunca um tribunal está exonerado de esclarecer todas as dúvidas, para que possa, em autonomia, condenar o arguido. A existirem tais dúvidas sobre a matéria da culpa as mesmas podem apresentar uma forma policromática que abrange os vícios de que pode enfermar a mesma decisão.

A questão será então de saber se a matéria da culpabilidade está inscrita na decisão recorrida por forma a evitar qualquer dúvida. ou seja, saber se a dúvida que assola a recorrente em relação á génese dos factos que geraram as lesões apresentadas pelo menor, e que esta conexiona com um inexistente vício do artigo 410 do CPP, têm uma outra potencial leitura á luz dos princípios fundamentais do processo penal

         Nesse caminho importa chamar á colação as palavras de Germano Marques da Silva [1] quando refere que o processo de estrutura acusatória exige urna necessária correlação entre a acusação e a decisão. A definição do “thema decidendum” na acusação é urna consequência da estrutura acusatória do processo.

Para assegurar a plenitude da defesa, definido o objecto do processo na acusação, o tribunal não deveria, como regra, tomar em conta quaisquer outros factos ou circunstancias que pudessem prejudicar a defesa antes estruturada. Sucede, porém, que por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou a circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo.

Há, pois, urna estreita ligação entre o objecto da acusação, que se há-de manter essencialmente idêntico até a decisão final e as garantias de defesa do arguido. O tribunal poderá considerar factos novos, desde que não colidam com a essência da acusação ou, se colidiram, desde que o arguido consinta, sendo-lhe, porém, sempre assegurada a preparação da defesa em razão dos novos factos (arts. 358. nº 1, e 359º, nº 2 e 3).

   .        O princípio da vinculação temática constitui uma garantia de defesa, na medida em que impede alterações significativas do objecto de processo, alterações essas que prejudicariam (poderiam até inviabilizar) a defesa. Porém, a dimensão do objecto do processo cuja alteração se repercute irreparavelmente na estratégia da defesa, e por isso só pode ser alterada em casos específicos, é a dimensão da alteração dos factos suporte de uma qualificação jurídica. E é assim, já que a alteração substancial de factos implicará, por parte da defesa, uma necessária reorganização em matéria de prova.

A prova a produzir deve conduzir-se á reconstrução de um facto histórico o que pressupõe a definição de facto processual, nomeadamente como elemento integrante do conceito de alteração de facto que o Código de Processo Penal erigiu em pólo orientador da questão dos poderes de cognição.

            Como refere Castanheira Neves[2] o problema da identificação e da delimitação do objecto do processo - o material objecto intencional do processo, o tema objectivo que nele se discute e que há-de ser conhecido e decidido pelo tribunal - é problema que só se põe num processo criminal que aceite uma estrutura acusatória. Apenas esta implica que o tribunal só possa agir no pressuposto de urna prévia acusação cujo conteúdo intencional delimita justamente o âmbito do seu conhecimento e decisão. E o problema que aqui se põe não é outro que o de saber em que termos - de que modo ou mediante que critérios - se pode dizer assegurada a identidade entre o acusado, o conhecido e o decidido enquanto exigência essencial da própria estrutura acusatória.

E pelo simples enunciado desta ampla relevância que atinge afinal todos os momentos essenciais do processo – compreende-se que a definição e delimitação do objecto do processo deverá orientar-se, por um lado, decerto no sentido de ser uma garantia para o arguido - a garantia de que apenas do que é acusado se terá de defender, e de que só por isso será julgado, posto que a “eadem res” da acusação a sentença é seguramente uma fundamental garantia para uma defesa pertinente e eficaz, segura de não deparar com surpresas incriminatórias e de ter assim um julgamento leal -, mas, por outro lado, no sentido também de não frustrar urna averiguação e um julgamento justos e adequados da infracção acusada. Quer dizer, no problema do objecto do processo deparamos com o próprio problema jurídico do processo criminal: se este terá a sua solução justa na equilibrada ponderação entre o interesse público da aplicação do direito criminal e da eficaz perseguição e condenação dos delitos cometidos e o direito incondicional do arguido a uma defesa eficaz e ao respeito pela sua personalidade moral.

E, assim, a identidade do objecto do processo não poderá definir-se tão rígida e estreitamente que impeça um esclarecimento suficientemente amplo e adequado da infracção imputada e da correlativa responsabilidade, mas não deverá também ter limites tão largos ou tão indeterminados que anule a garantia implicada pelo princípio acusatório e que a definição do objecto do processo se propõe justamente realizar.

É, pois, com recurso ao princípio da identidade com instrumento que devemos encarar, no caso vertente, a questão que, a nosso ver, se suscita. É este o princípio em torno do qual se move se move todo o problema do objecto do processo; e o que ele prescreve é evidente: o objecto do processo deve manter-se idêntico, o mesmo, da acusação e da sentença definitiva - o que é acusado deve ser o mesmo (eadem res) sobre que se pronuncie o réu, sobre que se venha a instruir e a alegar, a julgar e finalmente a sentenciar e a recorrer.

Simplesmente, recorrendo novamente ás palavras de Castanheira Neves, não deve entender-se em termos de uma identidade euclideana, de uma identidade-igualdade que se defina por uma coincidência ponto por ponto e em todos os pontos, ou, como diz Belling, "não é determinável de um modo lógico-matemático". Pois o que verdadeiramente a acusação leva ao conhecimento do tribunal é um problema jurídico-criminal concreto (o problema jurídico-criminal que suscita um certo caso concreto) e o que dele se solicita é a solução-decisão jurídico-criminal desse mesmo problema concreto. E sendo assim, só podemos pensar aqui naquele tipo de identidade em que se traduz a correlatividade intencional entre um problema e a sua solução - terá de haver entre eles aquela entidade intencional que nos permita dizer que este problema convém aquela solução e que esta solução é solução daquele problema -, e que não permite urna real e plena igualdade entre os respectivos conteúdos, nem exclui urna característica indeterminação no primeiro enunciado intencional (no enunciado conteúdo do problema), já que só no sucessivo desenvolvimento da investigação e na solução definitiva o objecto intencional poderá encontrar a sua acabada determinação. Não se trata, portando, de (nem se poderá impor) urna identidade descritiva (que esqueça os momentos problemático e de investigação que aqui concorrem), mas apenas de urna identidade problemático-intencional, daquela identidade unicamente em que se pensa (e em que só é possível pensar) quando se diz que o objecto intencional de um problema posto e a da correspondente investigação com a respectiva solução é "o mesmo".

Se o problema do objecto do processo é fundamentalmente, o problema da sua identidade, tudo se vem a reconduzir á questão do critério por que se deve de aferir essa identidade.

            No que concerne as duas correntes principais com que nos deparamos a propor o critério válido para a determinação da identidade do objecto processual são exactamente as duas orientações metodológicas que se opõem no problema metodológico geral do direito, nomeadamente a posição "naturalista" e neokantiana (teleológico-culturalista) na solução deste último problema criminal e que se pretendem impor, nos mesmos termos, como perspectivas por que directamente se há-de resolver também o problema da identidade do objecto do processo:- o que decidiria da identidade da acção do facto criminosos, do delito no plano e para os fins normativos do direito criminal decidiria, de igual modo, da identidade do objecto processual no plano e para os fins normativos do direito processual criminal - haveria, em princípio, tantos objectos de processo quantos os delitos jurídico-criminalmente individualizáveis.

            Assumindo-se tal conceito de facto processual penal como ponto de partida não se pode ignorar que o mesmo tem sido profundamente discutido a nível doutrinal. Assim, directamente relacionada com o positivismo aparece-nos em primeiro lugar a doutrina naturalística para a qual o facto era a acção naturalística unificada por critérios psicológicos

            Como reacção a tal corrente aparece-nos Belling propondo a consideração do facto como um acontecimento histórico unitário mas normativamente referenciado. Por seu turno Eduardo Correia o facto processual não é o acontecimento em si mesmo considerado, mas um comportamento hipoteticamente pensado como, e enquanto, violador dos valores protegidos pelas normas jurídico penais. O facto é apreciado de um ponto de vista normativo, portanto referenciado a um quadro de valores. O facto ou realidade material é apenas uma oportunidade para a aplicação de conceitos dogmáticos que são os tipos incriminadores.

            Para Figueiredo Dias a questão do conceito processual do facto para além da delimitação natural da sua componente ôntica, não deverá esgotar-se tão só num referente jurídico normativo, mas a outros vectores se deve atender para a sua determinação. O acontecimento histórico não é o facto naturalístico isoladamente considerado, ou exclusivamente apreciado do ponto de vista jurídico, ou um dado de uma questão de direito que coloca um problema jurídico. O acontecimento histórico é um pedaço da vida que se destaca da realidade e, como tal, isto é como pedaço da vida social, cultural e jurídica de um sujeito se submete á apreciação judicial.

          Porém, conforme bem salienta Frederico Isasca, o facto processual, como acontecimento ou pedaço da vida, não corresponde, do ponto de vista ontológico, a um único facto, mas a uma pluralidade de factos singulares que se aglutinam em torno de certos elementos polarizadores que permitem a sua compreensão, de um ponto de vista social, como um comportamento que encerre em si um conjunto de elementos que tornam possível identificá-lo e individualizá-lo como um pedaço autónomo de vida.[3]

            A tal dupla perspectiva se refere também Marques Ferreira ao denominar processo em sentido técnico ou formal o conjunto dos factos constantes da acusação ou da pronúncia e objecto do processo em sentido amplo o conjunto formado por estes e aqueles factos, que embora constituam com eles unidade de sentido só depois da acusação ou da pronuncia foram conhecidos na totalidade

            Mas, sendo o facto processual constituído por aqueles elementos singulares que o configuram, seria uma exigência insuportável negar ao julgador a possibilidade de adaptar as palavras da acusação, integrando-as e explanando o seu conteúdo. Relativamente a cada um daqueles elementos singulares que integram a definição da responsabilidade criminal do agente deverá o juiz, na sequência do princípio da investigação da verdade material, expor a diversa coloração que o mesmo apresentou depois de produzida a prova em sede de julgamento.

   No caso vertente, sopesando a matéria da acusação e a materialidade considerada provada e susceptível de suscitar a questão da alteração dos factos, encontramos a seguinte                

                                                 Matéria da acusação

22. No dia 09.03.2002, pelas 12h00, a arguida sentou, como habitualmente o menor ao colo, frente a mesa na cozinha, para lhe dar o almoço.

AA recusou o comer, chorou, cuspiu a comida e tentou soltar-se dos braços da arguida.

BB, como habitualmente, começou por desferir bofetadas no menor, de forma violenta.

A arguida apertou as pernas do menor, com força, para evitar que este se debatesse. Abanou violentamente AA.

Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o menor sofreu cortes no interior da boca, que sangraram, e les6es cerebrais.

De repente BB atirou AA para o chão de forma violenta AA caiu no chão da cozinha e embateu com a cabeça (Zona frontal e parietal) directamente no chão AA cortou o lábio e caiu inanimado no chão.

O menor ficou de imediato em coma.

32. Ao atirar AA para o chão, da forma descrita, a arguida agiu com intenção de provocar lesões no menor, bem sabendo que da forma violenta como o fez punha a vida do menor em perigo, como consequência directa e necessária das lesões provocadas.

Sabia, ainda, a arguida que daquele modo provocaria lesões em AA susceptíveis de afectar a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, a possibilidade de usar o corpo, os sentidos e a linguagem, bem como o desfigurar grave e permanentemente.

                                              Matéria de decisão

No dia 09.03.2002, pelas 12h00, a arguida sentou, como habitualmente o menor ao colo, frente á mesa na cozinha para lhe dar o almoço

AA recusou o comer, chorou, cuspiu a comida e tentou soltar-se dos braços da arguida.

BB, como habitualmente, começou por desferir bofetadas no menor, de forma violenta.

A arguida apertou as pernas do menor, com força para evitar que este se debatesse. Abanou violentamente AA.

Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o menor sofreu cortes no interior da boca, que sangraram, cortes no lábio e lesões cerebrais.

O menor entrou, na sequência de tais actos, em coma

De seguida, a arguida deitou o AA na cama.

Ao abanar AA, da forma descrita, a arguida agiu com intenção de provocar lesões no menor, bem sabendo que da forma violenta como o fez punha a vida do menor em perigo, como consequência directa e necessária das lesões provocadas.

Sabia, ainda, a arguida que daquele modo provocaria lesões em AA susceptíveis de afectar a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, a possibilidade de usar o corpo, os sentidos e a linguagem, bem como o desfigurar grave e permanentemente.

A arguida agiu sempre com intenção de molestar o menor na sua integridade física, tal como veio, efectivamente, a conseguir, através da imposição, ao mesmo, de um tratamento cruel, revelador de um sentimento de falta de sensibilidade.

A arguida quis, ainda, provocar-lhe tais lesões psíquicas e físicas de forma a atormentá-lo sem qualquer motivo aparente, provocando no menor um mau estar psicológico de medo e inquietação constante, bem sabendo que o menor devido à sua idade se encontrava indefeso.

Matéria não provada.

Não se provou que:

No dia 09.03.2002, cerca das 12 horas, de repente, BB atirou AA para o chão, de forma violenta. AA caiu no chão da cozinha e embateu com a cabeça (zona frontal e parietal) directamente no chão.

Significa o exposto que na acusação a relação de causalidade directa e adequada é desenhada entre o facto de a arguida ter atirado o menor ao solo enquanto que na decisão recorrida tal relação se estabelece com o abanar da criança.

            A questão que então se coloca é a de saber se tal alteração constitui um mero desenvolvimento, e concretização da matéria da acusação, sem qualquer significado que não o da cromatização de uma situação, ou se, pelo contrário, envolve uma alteração dos factos ali constantes. Dito por outra forma, estamos perante os mesmos factos, eventualmente com uma coloração diferente, ou, pelo contrário, estamos perante uma diferenciação de factos que constituem algo de diferente e com relevância para a conclusão da existência de uma alteração não substancial dos factos?

            Entendemos que é inultrapassável a conclusão de que os factos da acusação e decisão sendo, parcialmente, os mesmos, se considerados atomisticamente, e desinseridos do contexto, apresentam todavia uma diferente correlecionação nos dois momentos processuais. Na verdade, enquanto que no primeiro –acusação- se estabelece uma relação entre as lesões cerebrais e o facto de o menor ter sido atirado ao solo, já no segundo momento-a decisão recorrida- se considera que o menor não foi atirado ao solo e que as lesões são resultantes do fato de o menor ter sido abanado

            Não se pode afirmar que é irrelevante que as lesões tenham sido provocadas por uma, ou outra causa, pois que a prova produzida no caso vertente é uma prova indirecta, baseada essencialmente no depoimento de testemunha perita, que, fundamentando-se em conhecimentos científicos, estabeleceu uma relação de causalidade entre as lesões provocadas na criança e o denominado “Choken Baby syndrom”. Esta patologia do “síndrome do bébé abanado” é objecto de um estudo á escala mundial e tema de plúrimas análise, e estudos científicos, visando esclarecer todo o circunstancialismo que lhe está associado, nomeadamente em termos de sintomas e características.

  Igualmente é certo que é um dado adquirido o de que dificilmente as lesões provocadas por uma queda, ou pela projecção para o solo, se podem confundir com aquelas que são provocadas pelo abanar violento da criança na qual, para além da hemorragia cerebral, e entre outros factores, se pode apresentar também uma hemorragia retinial[4]. Não é, assim, indiferente, até numa perspectiva de defesa, afirmar que a génese das lesões residem numa ou noutra causa pois que diferente será o conhecimento cientifico a colocar em causa consoante a prova indirecta se estribe na afirmação da existência de lesões típicas do síndrome de “choken baby “ou nas lesões provenientes de projecção ao solo.

            O facto de serem dificilmente impugnáveis os resultados dos meios de diagnóstico, e dos exames constantes dos autos, e serem, eventualmente, indubitáveis as regras cientificas que avalizam o estabelecimento de um juízo de causalidade, não invalida o facto de a arguida se deparar com a afirmação de uma nova relação de causalidade a qual pode conflituar com o exercício do seu direito de defesa. Por outro lado tal alteração não decorre de factos alegados pela mesma defesa.

Estamos, assim, perante uma alteração não substancial dos factos-artigo 358 do Código de Processo Penal- a qual conduz á nulidade da sentença nos termos do artigo 379 do mesmo diploma.

                                      III

Aqui chegada uma nova questão interpela para quem assume o princípio da proporcionalidade como imperativo do Estado de Direito.

 A declaração de nulidade de um acto processual, como no caso vertente, não pode ter outra amplitude que não aquela que está conexionada com o vicio de que padece ou, por outras palavras, a correcção do vicio impõe-se na exacta, e estrita medida, em que existe algo a ser corrigido. Assim, não obstante a amplitude com que o legislador consagra os efeitos da declaração de nulidade (confrontar artigo 122 do Código de Processo Penal), colocando em crise todo o acto processual, independentemente da dimensão qualitativa e quantitativa do vicio, estamos em crer que uma leitura correcta do regime das nulidades pressupõe a sua interpretação em função do principio da proporcionalidade.

Este principio constitui hoje uma das máximas jurídicas fundamentais cuja expansiva, e ilimitada, virtualidade em quase todos os âmbitos do Direito não encontram qualquer limitação alguma, chegando a ser considerado como um imperativo consubstancial do Estado de Direito no que se conexiona com a imposição de um exercício moderado do seu poder. Indagando sobre as razões desta expansão, são vários os autores que atribuem a condição de factor determinante ao reforço quantitativo e qualitativo dos direitos fundamentais experimentado após a segunda Guerra Mundial nos países ocidentais. Tal circunstância seria devida basicamente a dois factores: por um lado, a consciência de que a preocupação pelos direitos e liberdades fundamentais do individuo é uma questão que excede os limites meramente nacionais, convertendo-se numa questão supra estatal que se traduz na proliferação de Pactos e Convénios Internacionais orientados para a protecção destes direitos fundamentais e para o nascimento, nalguns casos, de instancias judiciais supra estatais para a sua defesa (TEDH por exemplo).

 Por outro lado, os direitos fundamentais deixam de ter um valor programático para transformar-se em verdadeiros direitos cuja efectividade é exigível. A aplicação prática do princípio de proporcionalidade encontra a sua maior incidência em termos de actuação dos poderes públicos que incide sobre os direitos fundamentais do indivíduo. Empregando as expressivas palavras de Genitz, o princípio da proporcionalidade é um limite de todas as limitações dos direitos fundamentais.

Por outro lado a actividade desenvolvida no processo penal situa-se num âmbito no qual frequentemente se incide com maior intensidade nessa esfera mais estreitamente ligada ao indivíduo. Trata-se de estabelecer limites precisos á actuação dos poderes do Estado que possa inf1uir na esfera do individuo tendo em conta os direitos e interesses tanto públicos como particulares em jogo e inclusive, em determinadas ocasiões, face á própria norma legal quando esta penetra no âmbito cada vez mais reservado e vulnerável da pessoa.

Ponto é que, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada pag 392 e seg) sob o prisma do princípio da proporcionalidade se distingam os requisitos da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Estas três exigências são requisitos intrínsecos de toda a medida processual restritiva de direitos fundamentais e exigíveis, tanto no momento da sua previsão pelo legislador, como na sua aplicação prática.

O respeito pelo principio da idoneidade exige que as limitações dos direitos fundamentais antecipadas pela lei estejam adaptadas aos fins legítimos a que se dirigem e que as mesma sejam adequadas á prossecução das finalidades que prosseguem em função da sua adequação quantitativa e qualitativa e de seu espaço de aplicação subjectivo. Significa o exposto que o juízo sobre a idoneidade não se esgota na comprovação da aptidão abstracta de uma medida determinada para conseguir determinado objectivo, nem na adequação objectiva da mesma, tendo em consideração as circunstâncias concretas, mas também requer o respeito pelo principio da idoneidade a forma concreta e ajustada como é aplicada a medida por forma a que não se persiga uma finalidade diferente da antecipada pela lei.

  Pela aplicação do princípio da necessidade a entidade vocacionada para aplicar a medida conformada pelo mesmo princípio deve eleger, entre aquelas medidas que são igualmente aptas para o objectivo pretendido que aquela é mais menos prejudicial para as direitas dos cidadãos 

Por último, o uso do princípio da proporcionalidade em sentido estrito implica que se verifique se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos á sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com o a importância do objectivo que se pretende atingir.

Consequentemente, a ponderação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito terá de sopesar os interesses em conflito o que, na prática se resume aos direitos do indivíduo face aos interesses prosseguidos pelo Estado.

     Porém, sendo essa a dimensão natural e a marca genética do principio da proporcionalidade, em que está inscrita, de forma indelével, a protecção dos direitos fundamentais, não deixa de ser exacto que a racionalidade que lhe está subjacente tem necessariamente de se projectar noutras dimensões em que estão em causa valores fundamentais num Estado de Direito democrático como é o caso da funcionalidade da justiça penal. Dito por uma outra forma não se pode afirmar o principio da proporcionalidade como étimo do processo penal num Estado de Direito quando estão em causa os sempre decantados direitos fundamentais e, simultaneamente, desconsiderar a sua importância quando estão em causa outros valores, também importantes para uma sociedade democrática, entre os quais avulta o da própria eficiência de justiça penal.

A aplicação da regra da proporcionalidade em qualquer uma dimensão que assuma o processo penal é uma imposição lógica, e uma consequência do direito a um processo justo, que se situa nos antípodas da sujeição a critérios meramente formais em que sob pretextos minimalistas se aniquilam actos e fases processuais que não estão minimamente contaminados por qualquer patologia processual.   

Sendo assim, e em nosso entender, todo o desenrolar do processo penal, e a sequência de decisões procedimentais que nele está inscrita, implica uma ponderação da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade na decisão do caso concreto. Tal pressuposto igualmente é válido para uma definição correcta do regime das nulidades processuais no domínio do qual não tem qualquer razoabilidade lógica que a declaração de nulidade abranja um segmento do acto processual que não está minimamente afectado por qualquer patologia ou seja, e definindo pela positiva, é razoável, adequado e proporcional aos fins do processo penal que se conservem actos, ou partes autónomas, de acto processuais que não estão afectados pela nulidade decretada.

Transpondo o exposto para o caso concreto entendemos que o facto de, em relação a um determinado segmento da sentença que se consubstancia um momento concreto e um facto preciso, se constatar a existência de um nulidade não pode significar o alargamento da mesma decisão de nulidade a momentos ou factos distintos que com aquele não têm conexão.  

Termos em que, pelas razões expostas, entendemos que deveria ser considerada nula a decisão condenatória proferida em relação á recorrente e arguida BB da Conceição Luís Machado no que respeita ao crime de ofensas corporais agravadas e qualificadas, p. e p. pelos artºs 144º als. b) e c) e 146º nº 1 por referência ao artº 132º nº 2 al. b),  todos do Código Penal vigente à data da prática dos factos com o sequente cumprimento do artigo 358 do Código de Processo Penal.

Santos Cabral

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[1] Curso de Processo Penal III Volume pag 266 e seg
[2] Sumários de Processo Criminal pag 196 eseg
[3] Alteração substancial dos factos. Conteúdo e Limites pag 96
[4] David L. Chadwick, MD Can a Short Fall Produce the Medical Findings of Shaken Baby Syndrome? National Center of Sakin