Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | GRAÇA AMARAL | ||
Descritores: | INCÊNDIO CONTRATO DE EMPREITADA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DEFEITO DA OBRA DIREITOS DO DONO DA OBRA PEDIDO SUBSIDIÁRIO PEDIDOS ALTERNATIVOS DANO CAUSADO POR COISAS OU ATIVIDADES DEVER DE VIGILÂNCIA CULPA DO LESADO RESPONSABILIDADE CONTRATUAL RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DUPLA CONFORME PARCIAL FUNDAMENTOS SEGMENTO DECISÓRIO | ||
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Data do Acordão: | 02/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA DA RÉ - ALMEIDAS & MAGALHÃES LDª E PARCIALMENTE PROCEDENTE A REVISTA DA RÉ FIDELIDADE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - A apreciação da dupla conforme é aferida relativamente a cada segmento decisório autónomo e cindível; não em função da questão jurídica apreciada para alcançar a decisão, carecendo, pois, de qualquer relevância para tal efeito a circunstância de as decisões das instâncias terem coincidido na fundamentação quanto à ilicitude da ré empreiteira (na responsabilidade extracontratual atribuída) e relativamente à responsabilidade contratual da mesma. II - É da competência deste STJ apreciar se determinada afirmação inserida na decisão sobre a factualidade provada consubstancia ou não conclusão jurídica, por estar em causa o conhecimento de um erro de direito. III - A autonomia decisória do tribunal da Relação no julgamento da matéria de facto mediante a reapreciação dos meios de prova constantes do processo, não só não o limita quanto aos meios de prova indicados pelo recorrente, como lhe impõe que forme a sua própria convicção (juízo autónomo em função dos elementos de prova acessíveis) numa apreciação global de todos os elementos de prova carreados para os autos. Cabe, por isso, nos poderes da Relação o aditamento de matéria factual complementar que, embora não alegada pelas partes, resulte da produção dos meios de prova sujeita à livre convicção do tribunal que, como tal, se encontra subtraída à sindicância do STJ. IV - Encontrando-se provado no processo que o incêndio que destruiu o imóvel teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho, por a mesma não se encontrar devidamente selada/isolada, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades, está demonstrada a existência de um defeito oculto da responsabilidade da empreiteira da obra (a qual incluía a instalação de um recuperador de calor), que, nessa medida, não ilidiu a respectiva culpa na execução (defeituosa) da referida obra. V - Os direitos do dono da obra na eliminação dos defeitos, nos termos do art. 1221.º do CC, não constituem obrigações que se resolvem em alternativa, mas podem ser deduzidos na acção enquanto pedidos em regime de subsidiariedade. VI - A classificação do relacionamento entre pedidos levada a cabo pelas partes não vincula o tribunal. VII - Aos denominados danos extra rem (no caso, a destruição do recheio da casa em consequência do incêndio) decorrentes do incumprimento contratual, não obstante excedam os que estritamente se ligam ao contrato de empreitada, há que lhes aplicar o regime da responsabilidade contratual, uma vez que a causa dos mesmos radica na inobservância de deveres adstritos ao devedor no âmbito da relação contratual. VIII - Não tendo ficado provado o uso anormal ou excessivo do recuperador de calor e resultando apurado que o incêndio deflagrou no exterior deste, não tendo as autoras (proprietárias dos prédios, respectivamente, onde foi instalado o recuperador de calor e do prédio contíguo, também atingido com o incêndio) a qualidade de lesantes, mostra-se inaplicável a presunção de culpa prevista no art. 493.º do CC. IX - A conduta (culposa) do lesado relevante para a concorrência quer da produção dos danos, quer para o agravamento destes, nos termos do n.º 1 do art. 570.º do CC, terá de se caracterizar num comportamento censurável ainda que não tenha natureza ilícita ou corresponda à violação de um dever. X - Não integra o conceito de censurabilidade relevante para efeitos de repartição de culpas do citado art. 570.º, n.º l, em termos de agravamento dos danos, o comportamento da autora ao ter saído de casa e deixado o recuperador ligado, face à demonstração da causa de incêndio (não ocorreu no recuperador mas na tubagem) e à circunstância de não ter sido provada a má utilização do recuperador (uma vez que sair de casa e deixar o recuperador de calor ligado, cuja função é a de a aquecer, não a integra). XI - No seguro facultativo as partes não se encontravam obrigadas a contratualizar um conjunto tipificado de coberturas, podendo definir, em concreto, quais os riscos cobertos e quais os riscos excluídos, ocorrendo, pois, liberdade contratual das partes na delimitação do objecto do seguro em sede de condições particulares. XII - Num quadro de seguro facultativo de dano (contrato de seguro do produto Responsabilidade Civil Exploração celebrado entre a empreiteira e a seguradora) sendo a actividade prevista a de construção civil s/ danos prédios contíguos, mostra-se legítimo que as partes aceitem livremente circunscrever o âmbito do respectivo objecto fazendo excluir os danos em prédios contíguos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,
I – Relatório
1. AA e D..., Lda. instauraram acção declarativa com processo comum contra Almeidas & Magalhães Lda., Lareiras do Minho – Sistemas de Aquecimento Lda. e Fidelidade – Companhia de Seguros SA, deduzindo os seguintes pedidos[1] com fundamento na responsabilidade extracontratual e contratual das Rés, invocando quanto à 3.ª Ré a existência de um contrato de seguro firmado com a 1.ª Ré (pelo qual esta transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da sua actividade, estando incluído o fornecimento e instalação do equipamento do sistema de aquecimento já identificado): a) relativamente à 2.ª Autora: - condenação solidária das Rés: 1. na reparação in natura, mediante a construção de obra nova do prédio n.º ...9; em alternativa, no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova (€ 132.909,37, acrescido de IVA à taxa legal em vigor e de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento) 2. no pagamento das rendas vencidas, no valor de € 5.500,00 e vincendas até à reparação in natura ou pagamento da indemnização correspondente; 3. no pagamento de € 18.333,24 a título de compensação pela perda do recheio. b) relativamente à 1.ª Autora: - na reparação in natura, mediante a construção de obra nova do prédio n.º ...7; em alternativa, no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova, cuja liquidação relegada para momento ulterior, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; - no pagamento de € 93.688,97 a título de compensação pela perda do recheio; - no pagamento de valor não inferior a € 30.000,00, a título de indemnização por danos morais. Alegaram para o efeito e fundamentalmente: - serem proprietárias dos dois imóveis contíguos (a 1.ª Autora do prédio n.º de polícia 17 e a 2.ª do prédio n.º de polícia 19); - ter a 2ª Autora celebrado um contrato de empreitada com a 1ª Ré, pelo preço final de € 132.909,37, com vista a reabilitar e converter o prédio n.º ...9 numa moradia unifamiliar, obra que em 23-10-2016 (data de ocorrência do incêndio) não se encontrava acabada (faltando concluir os seguintes trabalhos: isolamento das portas da garagem e da cozinha; remate das ombreiras do acesso a despensa/lavandaria; rusticar as juntas de alvenaria de pedra existente; colocação de vidro duplo na porta da cozinha; fornecimento e execução de trabalhos de aplicação de tomadas eléctricas); - ter deflagrado, em 23-10-2016, um incêndio no imóvel nº. 19, que se propagou e atingiu o imóvel nº. 17; - constituir a causa do sinistro do resultado de errada e descuidada instalação e isolamento das tubagens e de um sistema de aquecimento, composto de recuperador de calor e tubagens, por não terem sido respeitadas as legis artis e o previsto no manual de instalação e utilização do equipamento e o prescrito no Decreto-Lei nº. 220/2008, de 12 de Novembro, e na Portaria nº. 1532/2008, de 29 de Dezembro, nomeadamente, as particularidades do prédio (entre outras, o travejamento e forro em madeira do telhado com isolamento por placas de onduline e roofmate, paredes em tabique, soalho e armários em madeira); - terem as condutas e o equipamento sido instalados a uma distância muito inferior a 1000 mm face aos materiais combustíveis (travejamento e forro em madeira), não se encontrando devidamente isolados os tubos de exaustão e de calor, não evitando, por isso, fugas de calor; - ter a instalação do recuperador de calor sido acordada entre a 2ª Autora e a 1ª Ré, tendo, para o efeito, a 2ª Autora escolhido, de entre as referências apresentadas e propostas, o equipamento térmico Recuperador de Calor serie Vista 80 modelo ... 820NMV, da marca ..., proposto pela 1ª Ré; - ter a 1ª Ré contratado, por sua iniciativa e por sua exclusiva escolha, atendendo ao equipamento escolhido, a 2ª Ré, empresa especializada na actividade de instalação de lareiras, salamandras, recuperadores de calor, caldeiras, sistemas de aquecimento e outros; - ter a 2ª Ré garantido à Autora que o recuperador era adequado, apto e com as qualidades necessárias ao fim a que se destinava;
2. As Rés contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção. A 1ª Ré, Almeidas & Magalhães, Lda., além de impugnar factualidade alegada na petição, excepcionou a caducidade do direito da 2.ª Autora (por esta ter intentado a presente acção em 23-10-2017 e a sua citação ter ocorrido a 31-10-2018, sendo ter sido nessa data que, pela primeira vez, lhe foi comunicado o alegado defeito de instalação do recuperador, ou seja, mais de um ano após a ocorrência do sinistro). Impugnou a causa do incêndio alegada pelas Autoras (no sistema de aquecimento e tubagem da parede divisória dos quartos e casa de banho), defendendo que o mesmo teve origem desconhecida (num curto-circuito ou num raio de trovoada, que, segundo algumas pessoas, tinha caído sobre o telhado da casa). Invocou ainda o incumprimento, pela 1ª Autora, do manual de utilização do recuperador de calor, desde logo por não se encontrar em casa quando da ocorrência, tendo deixado o aparelho em funcionamento. A 2.ª Ré, Lareiras do Minho – Sistemas de Aquecimento, Lda., para além de impugnar a factualidade alegada pelas Autoras, designadamente no que respeita ao incumprimento das regras relativamente à instalação da tubagem (que é certificada e apropriada para o local), à escolha do recuperador e à realização das obras de instalação e acabamentos do recuperador e do sistema de aquecimento (sendo à 1ª Ré que competia revestir os espaços onde foram instalados o recuperador de calor, a tubagem e a chaminé, fazer os remates e terminar a execução do trabalho), invocou que a Autora tinha carpetes e mobiliário em madeira a distância inferior a cinquenta centímetros da parte frontal do recuperador, que foi habitar o local sem que estivessem reunidas as condições de segurança contra incêndios exigidas pelo Regime Jurídico da Segurança contra Incêndios em Edifícios, uma vez que não estava terminada a instalação eléctrica. Excepcionou a sua ilegitimidade e invocou ainda a caducidade do eventual exercício do direito de regresso da 1ª Ré e do direito de acção da Autora (por ter sido citada a 02-11-2017, tendo a acção dado entrada em juízo no dia 23-10-2017). A 3.ª Ré, impugnou a factualidade alegada (referindo que o sinistro foi devido a causa acidental quando a 1ª Autora se ausentou de casa deixando o recuperador ligado), e excepcionou a sua ilegitimidade alegando ser alheia às relações jurídicas invocadas por as pretensões indemnizatórias das Autoras por não terem cobertura no contrato de seguro, sendo que o sinistro ocorreu já depois do termo da obra.
3. As Autores responderam às excecpções defendendo a improcedência das mesmas.
4. Dispensada a realização de audiência prévia foi elaborado saneador, que julgou procedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Ré Seguradora, com a consequente absolvição desta da instância (interposto recurso em separado foi o mesmo julgado procedente por acórdão de 14-06-2018[2]), tendo as demais excepções invocadas sido julgadas improcedentes. Foi identificado o objeto do processo, enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova.
5.Após julgamento foi proferida sentença que decidiu: “1 – absolver as Rés “Lareiras do Minho – Sistemas de Aquecimento, Lda.” e “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” de todos os pedidos formulados. 2 – condenar a Ré “Almeidas & Magalhães, Lda.”: a). no pagamento à Autora AA da quantia de € 62.459,31 (sessenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e nove euros e trinta e um cêntimos); b). no pagamento à Autora AA da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros); c). no pagamento à Autora AA da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio nº. ...7, na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo; d). no pagamento à Autora AA da quantia necessária à demolição e remoção dos escombros existentes no prédio nº. ...7, na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo; e). no pagamento à Autora D..., Lda., da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio nº. ...9, na proporção de 2/3, a liquidar em incidente póstumo; f). no pagamento à Autora D..., Lda., da quantia de € 12.222,16 (doze mil, duzentos e vinte e dois euros e dezasseis cêntimos); g). no pagamento à Autora D..., Lda., da quantia de € 3.666,66 (três mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) e da quantia mensal de € 366,66 (trezentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), desde 1 de Novembro de 2017 e até integral liquidação da quantia referida em e) (…)”.
6. A 1ª Ré, Almeidas & Magalhães Lda. e as Autoras apelaram tendo, ambas as partes, impugnado a matéria de facto fixada.
7. O tribunal da Relação ..., proferiu acórdão, que julgou parcialmente procedentes os recursos e, revogando parcialmente a sentença, decidiu: “1 - Condenar, solidariamente, a Ré “Almeidas & Magalhães, Lda.” e a Ré idelidade – Companhia de Seguros S.A. (esta até ao limite da responsabilidade assumida na apólice), no pagamento à Autora AA: a) da quantia de € 62.500,00,00€ sessenta e dois mil e quinhentos euros, a título de compensação pela perda do recheio; b) da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais; c) da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ...7, a liquidar em incidente póstumo; d) no pagamento da quantia necessária à demolição e remoção dos escombros existentes no prédio n.º ...7, a liquidar em incidente póstumo. 2- Condenar a Ré Almeidas & Magalhães, Lda no pagamento à Autora D..., Lda: a) da quantia correspondente à construção de obra nova do prédio n.º ...9, a liquidar em incidente póstumo; b) da quantia de € 18.333,24 dezoito mil, trezentos e trinta e três euros e vinte e quatro cêntimos) referente ao recheio destruído do prédio n.º ...9. 3 – Absolver as Rés do demais peticionado; 4 - Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida (no tocante à absolvição do pedido da Ré Lareiras do Minho – Sistemas de Aquecimento Lda).”
8. Inconformadas a Ré Seguradora e a Ré Sociedade de Construções Almeidas & Magalhães, Lda. vieram recorrer de revista.
9. A Ré Sociedade de Construções Almeidas & Magalhães, Lda. concluiu nas suas alegações (transcrição): “1- O Tribunal recorrido fez uma errada apreciação das provas, em clara violação do disposto no artigo 412º do CPC, que consagra que não carecem de prova, nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral, ao abrigo do qual, o Tribunal recorrido, ao ter dado como provada a matéria do ponto 139 da matéria de facto provada, impunha-se que tivesse dado resposta negativa aos pontos 42 e 54 e positiva aos pontos 21, 22 e 28 da matéria de facto não provada, cuja prova resulta ainda da fundamentação da matéria de facto provada efetuada pelo Tribunal Recorrido, nas partes que supra se identificaram. 2- De acordo ainda com o mesmo princípio de direito, o Tribunal da Relação também deveria ter considerado provada a matéria dos pontos 25, 26, 27 e 31 da matéria de facto (página 75 a 77 do acórdão), pelas várias razões que supra se enumeraram, porquanto e, em súmula, de acordo com as regras da experiência, ou os senhores peritos estão errados quanto à alegada causa do incêndio ou a versão dos factos apresentada pela 1ª Autora e pelo seu companheiro não corresponde à verdade, porquanto esta afasta, por completo, a causa do incêndio proposta pelos senhores peritos. 3- De acordo ainda com as regras da experiência, face à prova produzida nos autos, é forçoso concluir-se que só uma sobrecarga do recuperador de calor justifica a ocorrência do sobreaquecimento da madeira, a ser verdade que o mesmo ocorreu. 4- O Tribunal recorrido também não poderia deixar de considerar como provada a matéria alegada nos pontos 115 e 116 (página 99 do acórdão), e não poderia ter aditado à matéria de facto provada os pontos 141 e 142, por assim se impor face ao disposto no artigo 412º do CPC e 388º do C.C e, em consequência, a ação julgada improcedente. 5- No que se refere à 2ª Autora, no entender da Recorrente o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 799º e 1225.º do C.C, ao entender que ocorreu uma situação de cumprimento defeituoso, uma vez que ficou provado que a Recorrente não isolou devidamente os tubos de exaustão do recuperador de calor instalado no prédio objeto de empreitada. 6- De acordo com o regime legal consagrado, designadamente no artigo 799º, n.º 1 do C.C e no artigo 1225º do C.C, em caso de cumprimento defeituoso, a culpa do empreiteiro presume-se. Todavia, de acordo com as regras do ónus da prova consagradas no artigo 342º do C.C, ao dono de obra cabe provar a existência do defeito, a sua gravidade, o seu nexo causal com a obra e a sua denúncia ao empreiteiro. 7- No entender da Recorrente, da matéria de facto provada nos autos, nos termos que supra se alegou, resulta, desde logo, que a 2ª Autora não fez prova da existência do defeito de construção, nem do nexo de causalidade entre o defeito e os danos. Por outro lado, a Recorrente fez prova de que cumpriu a sua obrigação de realização da obra e que atuou sem culpa. 8- Desde logo, cumpre ter em consideração aquilo que é alegado pela 2ª Autora no artigo 51º da sua petição inicial quanto ao alegado “defeito”. A alegação da 2ª Autora é muito vaga, pois não especifica quais as legis artis e as concretas disposições dos identificados diplomas legais que foram violadas pela Recorrente. Com efeito, no entender da Recorrente, não bastava à 2ª Autora alegar e provar que houve uma errada e descuidada instalação e isolamento das tubagens, impunha-se que especificasse o concreto defeito existente nesse isolamento, ou seja, que normas foram violadas ou que materiais deveriam ter sido aplicados Recorrente e que esta não aplicou. 9- Por outro lado, como supra se referiu, da prova produzida nos autos resulta que a tubagem foi devidamente isolada. Desde logo, ficou aprovado que foi aplicado um tubo em inox de dupla face, ou seja, revestido no seu interior por lã de rocha. Ficou ainda provado que o tubo aplicado, pelas referidas características, é que garantia a segurança em relação aos materiais de construção, pelo que não era necessário ser revestido pelo seu exterior. Por fim, ficou ainda provado que a Recorrente, apesar de saber que não era necessário, mesmo assim, revestiu o tubo, em todo o seu comprimento, com lã de rocha, para garantir uma maior segurança em relação aos materiais de construção e por ser um procedimento habitual na construção civil. 10- Acresce que, como supra se referiu, o Tribunal Recorrido fundamentou a sua convicção com base essencialmente no relatório pericial. Todavia, do confronto do referido relatório pericial com a prova testemunhal produzida nos autos, impunha-se que o Tribunal Recorrido ficasse com dúvidas acerca das causas do incêndio e principalmente acerca do alegado “defeito de construção”, uma vez que os Senhores Peritos afirmam que não lhes foi possível verificar no local o tipo de isolamento que foi aplicado. 11- Acresce que, na ótica da Recorrente, ainda que o Tribunal Recorrido entendesse que da análise do relatório pericial resultasse qual a causa do incêndio (apesar de assim se não entender), o mesmo já não podia dizer-se relativamente ao alegado defeito de construção. No entender da Recorrente o Tribunal Recorrido não podia confundir a possível causa do incêndio alegada pelos Senhores Peritos com a existência do defeito de construção alegado pela 2ª Autora, porquanto a existência do defeito tinha que ser verificada no local, o que não aconteceu. Ora, ao não ter sido possível verificar no local pelos Senhores Peritos o tipo de revestimento existente, não se aceita que a 2ª Autora tenha cumprido o ónus da prova da existência do alegado defeito de construção 12- Atento o exposto, e de acordo com as regras do ónus da prova consagradas no artigo 342º do C.C, impunha-se que a ação fosse julgada improcedente quanto à 2ª Autora por não ter feito a prova, como se lhe impunha, da existência do defeito de construção. 13- Por outro lado, no entender da Recorrente, mesmo que se entenda provada a existência do alegado defeito - falha no isolamento dos tubos de exaustão dos tubos, não se pode concluir que foi esta a causa do incêndio e dos danos por este provocados. 14- Por outro lado, mesmo que se entenda que a obra padecia do alegado defeito, a Recorrente atuou sem culpa, porquanto, cumpriu rigorosamente o projeto de arquitetura da obra e atuou com zelo e todas as cautelas que lhe eram exigíveis, ou seja fez tudo aquilo que faria um “bom pai de família”. A Recorrente afastou a presunção de culpa que sobre si recaía, pelo que, jamais podia ser condenada no pagamento das quantias peticionadas pela 2ª Autora. 15- Contrariamente ao defendido pelo Tribunal Recorrido na reapreciação da matéria de direito (páginas 142 e 143), a Recorrente, com o referido comportamento, atuou segundo a diligência de um bom pai de família, pois atuou da mesma forma que qualquer construtor teria atuado nas mesmas circunstâncias – ou seja, qualquer construtor teria aplicado o referido material e observado a referida distância entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento. 16- O Tribunal recorrido fez ainda uma incorreta interpretação e aplicação dos artigos 483.º e 799.º do C.C, ao optar pela aplicação somente da responsabilidade contratual na análise do direito da 2ª Autora, alegando que esta absorve a extracontratual, porquanto a doutrina e jurisprudência vem-se inclinando pela aplicação das duas correntes de responsabilidade quando estejamos perante uma ação de responsabilidade civil que tem como ponto de partida um contrato de empreitada, como se conclui pela análise dos acórdãos e excertos doutrinários que supra se transcreveram. 17- Atento o alegado, o Tribunal Recorrido apenas poderia ter aplicado as regras da responsabilidade contratual, e a consequente presunção de culpa, aos danos circa rem sofridos pela 2ª Autora, ou seja, no que diz respeito à construção de obra nova no prédio n.º ...9. Já no que diz respeito aos danos extra rem, ou seja, o recheio e as rendas (que não são objeto do presente recurso), o Tribunal Recorrido devia ter aplicado as regras da responsabilidade civil extracontratual, com o inerente ónus da prova por parte da 2ª Autora de todos os requisitos previstos no artigo 483º do C.C. 18- A 2ª Autora, na alínea b) do seu pedido, peticiona em alternativa à reparação in natura, mediante a construção de obra nova, a obrigação da Recorrente proceder ao pagamento do valor necessário à sua construção. O Tribunal recorrido, ao admitir o referido pedido violou o disposto nos artigos 553º, 1221º a 1223º do C.C, porquanto não estamos perante direitos alternativos por natureza ou origem, nem estamos perante direitos que se resolvem em alternativa. 19- Com efeito, tendo a 2ª Autora e a Recorrente celebrado um contrato de empreitada, sempre se aplicará a esta relação obrigacional o disposto nos artigos 1221º a 1223º do C.C, que prevê a ordem pela qual tais direitos podem ser exercidos, em caso de cumprimento defeituoso, ou seja, a eliminação dos defeitos ou a construção de uma nova obra, caso os mesmos não possam ser eliminados; caso tal não seja possível, o direito à redução do preço ou a resolução do contrato. Daqui decorre, que a 2ª Autora apenas pode peticionar o direito à eliminação dos defeitos e não ao preço necessário para proceder à sua reparação. 20- Como tem sido entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, os diversos meios facultados ao dono da obra não podem ser exercidos em alternativa, existindo uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o empreiteiro está obrigado a eliminar o defeito da coisa ou, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a realizar de novo a obra (art.º 1221.º do C.C.); frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao dono da obra pedir a resolução do contrato (art.º 1222.º do C.C.). 21- Por todo o exposto, não pode ser admitido o pedido alternativo formulado pela 2.ª Autora na alínea b) da Petição Inicial, isto é, na condenação da aqui 1.ª Ré no pagamento de indemnização correspondente ao valor de construção de obra nova, pelo que deve ser revogada a sentença nesta parte. 22-A 1ª Autora fundamenta o seu pedido no facto de o incêndio que se propagou para o seu prédio, e que se iniciou no prédio ...9, ter sido consequência exclusiva do comportamento da Recorrente, designadamente a incorreta instalação do recuperador de calor, com desrespeito pelas legis artis e disposições legais. O direito da 1ª Autora deve ser aferido com base no disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C, que consagra os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual, cujo ónus recaía sobre a 1ª Autora. 23- A Recorrente entende que o Tribunal recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do referido normativo, porquanto, do conjunto da prova produzida nos autos, não resulta que a Recorrente tenha praticado um ato ilícito e, muito menos, culposo. Da referida matéria de facto provada resulta que a Recorrente atuou de acordo com as legis artis e não violou qualquer disposição legal. 24- Como supra se referiu, do conjunto da prova testemunhal ouvida nos autos, resulta que, não obstante ter sido aplicado pela 2ª Ré um tubo em inox, de dupla face, que pelas suas características era estanque de calor, a Recorrente ainda revestiu o tubo pelo exterior em toda a sua extensão, com lã de rocha, de forma a reforçar a segurança, de acordo com o que é a prática corrente na construção civil em obras similares. 25- Acresce que, face às questões suscitadas pelo relatório pericial por confronto com a versão dos factos apresentada pelos Autoras, impõe-se concluir que as causas do incêndio são desconhecidas. 26- Acresce que, na ótica da Recorrente, a sua responsabilidade estaria sempre afastada, atento o disposto no artigo 493º, n.º 1 do C.C, que, contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, é aplicável ao caso dos autos, atenta a matéria de facto dada como provada nos pontos 113, 114, 126, 127 e 128, o qual foi incorretamente interpretado pelo Tribunal recorrido. 27- O referido normativo estabelece uma presunção de culpa em relação àquele que detém o dever de vigilância sobre uma coisa ou animais. E impõe sobre o mesmo o ónus da prova dos factos que permitem afastar essa presunção, ou seja, que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua. 28- Tendo em conta o disposto no referido normativo, é forçoso concluir-se que impendia sobre a proprietária do imóvel onde ocorreu o incêndio, isto é, a 2ª Autora, o dever de vigilância em relação ao imóvel e recuperador de calor. Dever que aquela, na pessoa da sua representante legal – 1ª Autora – não cumpriu, ao afastar-se de casa e deixar o equipamento em funcionamento, como a própria assumiu. Acresce que, a 2ª Autora só não seria responsável pelos danos causados no prédio da 1ª Autora, em consequência da violação do seu dever de vigilância sobre o recuperador de calor, se tivesse provado que nenhuma culpa houve da sua parte na produção dos danos ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua. 29- Da matéria de facto dada como provada nos pontos 126, 127 e 128, não só resulta a violação do dever de vigilância por parte da 2ª Autora em relação ao recuperador de calor, mas também que a 2ª Autora teve culpa na produção dos danos sofridos pela 1ª Autora, pois, como decorre do ponto 128, se a representante legal da 2ª Autora estivesse em casa poderia atenuar as consequências do incêndio. 30- Atento o exposto, se a 2ª Autora não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía, o Tribunal Recorrido deveria ter-se prevalecido da presunção de culpa estabelecida no referido normativo e, em consequência, absolvido a Recorrente quanto aos pedidos formulados pela 1ª Autora, por ser a 2ª Autora a única responsável pelos danos sofridos em consequência do incêndio ocorrido no seu prédio. 31- A Recorrente não pode aceitar que a 1ª Autora não fosse um terceiro lesado para efeitos de aplicação deste normativo e a 2ª Autora como lesante. Com efeito, o recuperador de calor em causa nos autos era pertença da 2ª Autora, e não se pode dizer que quem tinha o dever de vigilância sobre o mesmo era a 1ª Autora, apenas porque era a representante legal da 2ª Autora. A identidade jurídica de uma e de outra tem que ser devidamente individualizada, até pela causa de pedir em que cada uma delas fundamentou os seus pedidos e que o Tribunal Recorrido devidamente considerou ao longo do Acórdão que proferiu, quando, inclusive, condenou, solidariamente com a Recorrente, a 3ª Ré, no pagamento dos danos peticionados pela 1ª Autora, por considerar que se tratava de um prédio contíguo, ou seja de um terceiro. 32- Porém, mesmo que se entenda que a detentora do recuperador de calor era a 1ª Autora, a aplicação do referido instituto jurídico continua a ter de se aplicar, pois continua a haver um dever de vigilância, porém, ao invés de recair sobre a 2ª Autora, recai sobre a 1ª Autora. A existência do referido dever de vigilância, aliás, é confirmado pelo Tribunal recorrido, quando, a propósito da ponderação da culpa das lesadas e da redução da indemnização (ponto 2.5 do acórdão), refere: “no caso, impendia sobre a 2ª Autora, enquanto proprietária do recuperador de calor, bem como sobre a 1ª Autora, como pessoa física e utilizadora do recuperador para o seu fim, privado/familiar, um dever de vigilância do referido equipamento, pois que, tendo-o à sua guarda/detenção, competia-lhes tomar as medidas necessária a evitar danos” (páginas 161 e 162 do acórdão). 33- E da aplicação do referido instituto decorre que, por ser a detentora do recuperador de calor e ter-se ausentado de casa e, dessa forma, ter contribuído para a amplitude do incêndio, não assiste à 1ª Autora o direito de exigir da Recorrente o ressarcimento dos danos sofridos em virtude do incêndio. Com efeito, se a 1ª Autora era a detentora do recuperador de calor e tinha o dever de vigilância sobre o mesmo, não pode exigir da Recorrente o ressarcimento dos danos sofridos em consequência de um incêndio, para o qual ou amplitude do qual também contribuiu. 34- Não obstante o que supra se alegou no sentido de que a Recorrente não é responsável pelos danos sofridos pela 1ª Autora, caso assim se não entenda, a Recorrente entende que ao caso dos autos seria sempre de aplicar o disposto no artigo 570º do C.C – que consagra a culpa do lesado, porquanto a “2ª Autora (representada legalmente pela 1ª Autora) omitiu o dever de vigilância e cuidado de prevenção dos riscos próprios da utilização de um recuperador de calor.” 35- Com efeito, como bem referiu o Tribunal de 1ª Instância, não sendo possível apurar, em concreto, a medida do agravamento dos danos causados pelas Autoras, nem tão pouco, decorrendo da matéria de facto apurada a duração temporal concreta da omissão do dever de prevenção e vigilância da esfera de risco inerente ao funcionamento do recuperador, pode, porém, presumir-se que este hiato temporal foi significativo, dado ter possibilitado a incubação do fogo com o sobreaquecimento e posterior eclosão das chamas, e, bem assim ainda, a sua propagação. 36- Por outro lado, também deve ser tido em conta que as Autoras conheciam os elementos estruturantes do imóvel, como tabiques e madeira, pelo que lhes era exigível um maior cuidado no controle e vigilância do recuperador e da combustão que no seu interior deflagrava. Repare-se que no ponto 11 da matéria de facto provada ficou demonstrado que as características estruturais e materiais existentes nos prédios n.ºs 17 e 19 tornaram impossível qualquer controlo ou possibilidade de redução de danos a partir do momento em que o fogo se alastrou para o prédio n.º ...7. 37- Já no que diz respeito à Recorrente, da matéria de facto provada decorre que a mesma executou a obra de acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal ..., que deixou na obra a distância entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento que é a normalmente existente em obras similares e que, não obstante a aplicação de um tubo em inox por parte da 2ª Ré, por uma questão de segurança, revestiu os tubos com lã de rocha, que é o material normalmente aplicável na construção civil. 38- Face ao exposto, no entender da Recorrente, contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, o comportamento das Autoras é censurável, pelo que devem ser responsabilizadas pela produção dos danos, na proporção de ½ ou, pelo menos, 1/3, como havia decidido o Tribunal de 1ª Instância. 39- Por fim, o Tribunal recorrido ao ter condenado a Recorrente, solidariamente com a Ré Fidelidade – Companhia de Seguros S.A (esta até ao limite da responsabilidade assumida na apólice), no pagamento à Autora AA dos danos sofridos em consequência do incêndio em causa nos autos, fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 137º e 138º do DL n.º 72/2008 de 16 de Abril, que regula o Regime Jurídico do Contrato de Seguro e do artigo 497º, n.º 1 do C.C. 40- Porquanto, de acordo com as cláusulas do contrato de seguro e com as referidas disposições legais, a aqui Recorrente, por ter transferido a sua responsabilidade civil para a 3ª Ré - a Fidelidade – Companhia de Seguros S.A, apenas poderia ser responsabilizada no caso da quantia a liquidar à Autora ultrapassar o valor do capital contratado e, tão só, na medida desse excesso. 41- Atento o exposto, a referida decisão deverá ser revogada e substituída por outra que condene a Fidelidade – Companhia de Seguros S.A no pagamento dos danos sofridos pela identificada Autora, até ao limite da responsabilidade assumida na apólice, e a Recorrente no excedente não coberto pelo contrato de seguro.”.
10. A Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, SA, concluiu nas suas alegações (transcrição): “1ª) A questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito de que cumpre ao STJ conhecer, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração; 2ª) os pontos 42 e 54 não deveriam ser considerados pelas instâncias, e em particular pelo Tribunal a quo que, ao conhecer da apelação da primeira ré (cfr. conclusões 7ª e 16ª) deveria ter eliminado os mesmos dos factos provados, não apenas pelas razões (não acolhidas) invocadas pela apelante em causa, mas, sobretudo pela nulidade que a consideração dos mesmos por não consubstanciarem nenhuns factos concretos, mas, afirmações conclusivas e no caso de uma delas, por conter em si a resposta à questão nuclear do thema decidendum.; 3ª) Invocar um “deficiente” isolamento, sem concretizar em que consiste a “deficiência”, dizer que “o incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido correctamente isolada” sem resultarem factos provados que concretizem como deveria ser feito o isolamento para ser “correcto”, e como fora no caso, efectuado pela 1ª ré, é formular juízos de valor conclusivos que não podem subsistir no elencos dos factos provados do qual devem ser eliminados com a consequente revogação da sentença condenatória da recorrente que deles depende; 4ª) A condenação da recorrente, baseia-se na alegada comprovação da existência de um facto ilícito e culposo de natureza extracontratual imputável à sua segurada - a 1ª R. – facto esse com relação causal adequada com o resultado do incêndio e propagação ao prédio contiguo à obra, o qual não resulta dos factos provados; 5ª) Dos factos provados, e apenas com a consideração dos pontos conclusivos acima referidos, resultava, tão só, que ocorrera uma (conclusiva) “deficiente execução da empreitada por parte da segurada” o que traduz um facto gerador de responsabilidade contratual que se acha arredada de enquadramento na apólice, como, e bem, foi decidido no ponto 2.11 do acórdão; 6ª) Não tendo sido acolhida no nosso ordenamento a teoria da avaliação retrospectiva do “dano injusto” como meio de determinação da ilicitude de uma conduta - sem atender à caracterização do facto do agente – mas - ao resultado - não se verificando demonstrada a contrariedade de nenhuma norma jurídica pela conduta do agente, não se pode concluir pela verificação do pressuposto da “ilicitude”; 7ª) A factualidade fixada definitivamente pela Relação como provada nos pontos 117 a 123 e 136 a 139 não só demonstram que a 1ª R. cumpriu a sua prestação contratual na execução das ditas tubagens, como afastam a conclusão da omissão de um dever de cuidado pela mesma, o que equivale à conclusão da não verificação do pressuposto da culpa para que se pudesse condenar a recorrente, por facto ilícito de natureza extracontratual; 8ª) A factualidade fixada definitivamente pela Relação nos pontos 90, 91, 104, 109, 110, 112, 113, 114 dos factos provados, evidenciando que a obra tinha sido concluída quatro meses antes, com os testes realizados ao recuperador, com a utilização entretanto efectuada do mesmo pelas AA. sem qualquer problema ou deficiência, deixam claro que não podia o Tribunal a quo concluir, como fez, no sentido do estabelecimento de uma relação de causalidade adequada entre o conclusivo “deficiente isolamento” de uma tubagem numa obra concluída 4 meses antes, e um incêndio que sobrevem depois de o sistema de aquecimento em causa ter sido testado e utilizado sem qualquer problema; 9ª) Ainda a este respeito, decorrendo os danos de um incêndio que se iniciou, desenvolveu e alastrou de um prédio confinante, onde um recuperador fora deixado com lenha a arder sem vigilância, dado a 1ª A. se ter ausentado, o nexo causal conduz os danos à responsabilidade do proprietário do prédio onde se inicia o incêndio e ao dever de vigilância que sobre este impendia, e não, pelo menos, directamente, ao empreiteiro que fizera e concluíra as obras quatro meses antes; 10ª) Não resultando dos factos provados, a verificação de um acto gerador de responsabilidade extracontratual imputável à segurada da A. e, só assim, enquadrável na apólice em causa, não podia a recorrente ter sido condenada no que quer que fosse, impondo-se a alteração do decidido na Relação com a sua absolvição integral; 11ª) A apólice não se confunde com as declarações de vontade contratuais das partes – de proposta e aceitação no contrato de adesão – antes sendo o resultado da formalização descritiva do conteúdo acordado pelas partes, que se divide em três tipos de estipulações: as condições particulares, as condições gerais e as condições especiais da apólice (art.º 37.º da LCS); 12ª) As cláusulas particulares, ou condições particulares da apólice, porque especificamente acordadas e não predispostas por uma à outra parte, prevalecem sobre as cláusulas contratuais gerais e especiais, não sendo abrangidas pelo Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais(RJCCG) aprovado pelo DL 446/85 de 25 de Outubro; 13ª) As condições particulares da apólice, são redigidas e remetidas ao tomador/segurado que dispõe de 30 dias para invocar qualquer desconformidade entre o acordado e o conteúdo da apólice, nos termos previstos no art. 35.º da LCS, sem que tal tenha ocorrido com as condições contratuais do seguro em causa; 14ª) Decorrido esse prazo sem a invocação de qualquer desconformidade, o contrato de seguro consolida-se com a redacção constante da apólice elaborada pelo segurador, como aconteceu no caso em apreço, com a condição particular em questão; 15ª) A delimitação da actividade seguro de “construção civil s/ danos em prédios contíguos” é uma norma de delimitação do risco seguro, inserta nas condições particulares consolidando o ajuste contratual das partes sobre o recorte do objecto seguro, não se lhe aplicando a disciplina das cláusulas contratuais gerais; 16ª) A referida clausula é tão clara que, construção s/ danos em prédios contíguos, não pode ter outra leitura ou interpretação que não seja, a de não incluir no seu objecto, os danos que da actividade do segurado venham a produzir-se em prédios contíguos ao da obra ou local onde decorre essa actividade; 17ª) E estando bem visível e destacada na delimitação do objecto de seguro, logo no centro do documento que corporiza as condições particulares (doc.1 com a contestação), de forma alguma se pode dizer que não é perceptivel, que não está devidamente separada ou destacada como se faz no aresto recorrido; 18ª) Constando bem plasmada nas condições particulares que a própria segurada junta, quando a própria segurada na sua contestação nem sequer refere que não traduzem o ajuste contratual, e muito menos que não a percebeu ou notou tal exclusão , torna infundada e inaceitável a afirmação do acórdão recorrido de que traduz uma “cláusula surpresa”; 19ª) Mais, ainda, quando as próprias partes, quer a segurada 1ª Ré, e as AA., confrontadas com a contestação da aqui recorrente, onde esta, expressamente, excepcionou a referida limitação do risco nos arts.12º e 19º da mesma, (exclusão de danos em prédios contíguos), nenhuma “surpresa” invocaram, em particular as AA. que foram, notificadas para o fazer, sem lhe dirigirem a menor referência no sentido argumentado no acórdão (cfr. requerimento das AA. refª Citius ... de 19/1/2018); 20ª) A única “surpresa” é a do aresto recorrido a invocar uma “surpresa” que, não o foi, para nenhuma das partes interessadas na sua invocação, no tempo e momento processual adequado; 21ª) Uma cláusula das condições particulares que delimita o objecto do seguro, deve estar identificada - como está – no quadro das condições particulares atinentes ao objecto seguro e não, dissimulada no meio de outras exclusões relativas onde, aí sim, poderia ser menos destacada; 22ª) Não deixa de se destacar um certo contrassenso numa decisão que, rejeita as conclusões recursivas que invocavam a violação do dever de informação ou comunicação das cláusulas contratuais (no ponto 2.10), acabe vir a fazer o contrário ainda por cima, com objecções percetivas que os destinatários da cláusula em questão, não tiveram; 23ª) Carece em absoluto de cabimento a invocação de que a delimitação que exclui danos em prédios contíguos esvazia por completo o seguro, quando a actividade de construção civil, tem um potencial em abstracto de causar danos a terceiros, muito para além dos prédios contíguos, (v.g. o atingimento de um transeunte ou de um veículo (ou de outros bens) de terceiro por queda de materiais ou andaimes; os estragos causados em veículos de fornecedores que estejam a descarregar material, entre outros. os danos causados a quem passa ou circula na via publica adjacente à obra ou estaleiro, a pessoas ou viaturas que se desloquem à obra para fazer entregas); 24ª) A referência a “um desequilíbrio desproporcionado entre as posições da seguradora e do segurado” da norma de delimitação da cobertura em causa que exclui os danos em prédios contíguos, vertida na decisão recorrida acolitando o parecer junto pelas AA. é, além de infundada, especulativa; 25ª) Qualquer juízo de proporcionalidade ou desproporcionalidade, tinha de atender e ponderar as prestações que oneram ambas as partes no contrato, e no caso, nem no acórdão, nem no parecer, foi sequer equacionada como premissa de apreciação, a prestação do lado da seguradora – o prémio contratual – o que inquina de infundada e arbitrária a alegação de desequilíbrio entre as prestações; 26ª) A previsão normativa do art. 45.º da LCS, não tem a menor aplicação ao caso em que não há uma modificação, entenda-se desfasamento, entre o tipo de contrato de seguro (responsabilidade civil extracontratual da actividade de construção civil da segurada) e a natureza dos riscos cobertos nas condições particulares, gerais e especiais ao mesmo correspondentes; 27ª) O confronto entre o âmbito possível (e contido na apólice) da responsabilidade civil extracontratual da segurada e a restrição deste risco pela delimitação excludente dos danos em prédios contíguos, não exclui, nem os danos causados a pessoas, nem os danos causados a coisas móveis, nem os danos causados a animais, nem os danos aos prédios não contíguos, ainda que vizinhos, deixando ainda um larguíssimo espectro de potencial sinistralidade incluída que, torna inadequada e sem fundamento a invocação de “esvaziamento” do seguro; 28ª) O aresto recorrido, procura estofo em jurisprudência do STJ que não tem similitude com o caso, como acontece com o citado acórdão do STJ de 7/12/2016 relatado por SALAZAR CASANOVA, que versa uma situação em que estava contratada na apólice (e por isso coberta por prémio a isso ajustada) “a indemnização pelos danos materiais causados em propriedades contíguas ao local de trabalho da empreitada”, mas, no entanto, a apólice restringia de uma forma quase integral o risco; 29ª) Do mesmo modo que no Ac. STJ de 24/1/2018 da relatora GRAÇA AMARAL que declara nula e proibida, uma cláusula de exclusão contida nas condições especiais da apólice elaboradas e predisposta pela seguradora, “com recurso ao disposto nos artigos 15.º e 18.º, alíneas b), do DL 446/85, de 25-10” instrumento que no caso em apreço é arredado no ponto 2.10 e de todo o modo, não aplicável a condições particulares como é o nosso caso; 30ª) A delimitação do objecto seguro nas condições particulares da apólice de “actividade: construção civil s/ danos prédios contíguos” consolidada no texto da apólice nos termos do art. 35.º da LCS, é plenamente válida e oponível ao próprio segurado e a terceiros, sustentada pelo disposto no art.11º da LCS; 31ª) Tratando-se de um contrato de seguro facultativo, não tem aqui qualquer cabimento dizer - como se faz no aresto recorrido - que o objectivo visado com o contrato de seguro em causa é “que os lesados não fiquem privados do ressarcimento dos danos, em especial, por via da incapacidade financeira do lesante.” 32ª) O escopo do segurado, com a celebração deste seguro é acautelar a sua consistência económica e o risco de afectação da sua solvência, em caso de acidente decorrente da sua actividade que lhe importe responsabilização perante terceiros e afectação negativa dos seus recursos financeiros para a reparação dos prejuízos, cabendo-lhe livremente escolher a amplitude que pretende contratar num acto livre de gestão que pondera quanto maior amplitude de risco, maior o prémio; 33ª) Ao invadir esse terreno do livre ajuste contratual, o aresto recorrido não levou em conta que é, precisamente, com essa delimitação do risco contratada com a 1ª R. que a seguradora, procede aos cálculos actuariais que lhe permitem avaliar o custo do risco tomado, e acordar o prémio equivalente que depois não pode modificar; 34ª) É isso sim, contrário à boa-fé, admitir que uma das partes assume uma obrigação contratual textualmente delimitada em termos claros, estabelece uma contrapartida proporcional ao risco transferido, nos moldes que acordou com o seu segurado, e vê uma decisão judicial invadir as regras ditadas pela liberdade contratual, ampliando ex officio a prestação de uma das partes em divergência com o que haviam convencionado, sem a menor alusão à contrapartida da outra parte; 35ª) Estando provado que, a 1ª A. é e era à data dos factos dona e possuidora do prédio em causa com o nº 17 sendo evidente que estava sob sua guarda e controle, já que, e ainda que a 2ª Autora “D..., Lda.” é uma sociedade da qual a primeira é sua sócia e gerente simultaneamente, dona da obra e possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., ..., onde decorreu a obra a cargo da 1ª R. e onde veio a deflagrar o incêndio (pontos 3, 4 e 7 dos factos provados), tem aplicação ao caso a exclusão do art. 3.º n.º 2 alínea c) da condição especial 226, excluindo a cobertura dos danos causado ao prédio da 1ª A.; 36ª) A decisão recorrida, afasta indevida e contraditoriamente, a exclusão do art. 3.º n.º 2 alínea c) da condição especial 226 (sinistro causado pela inobservância de disposições legais e regulamentares) , com referencia a um acórdão do STJ que o faz com recurso à omissão do dever de informação de clausulas contratuais gerais quando aqui, os mesmos Senhores Desembargadores, afastaram essa via na decisão do ponto 2.10 do acórdão; 37ª) o Tribunal a quo para afastar a exclusão do art. 3.º n.º 2 alínea f) da condição especial 226 (danos ocorridos após a conclusão dos trabalhos) confunde cláusulas delimitação temporal da cobertura (que é o caso do referido art. 3.º n.º 2 f) das CEA), com uma cláusula “claims made” das condições gerais, que baliza o tempo necessário para a reclamação do sinistro; 38ª) Não é nula, nem viola nenhum principio de confiança, a cláusula em causa que tendo por objecto a actividade de um empreiteiro, a limite temporalmente a responsabilidade dessa actividade, aos danos que se verifiquem enquanto que ela decorra; 39ª) Pelo contrário, é inteiramente valida e enquadrada na previsão do n.º 2 do art. 139.º da LCS, pelo que andou mal o Tribunal a quo a recusar a sua aplicação e declarar a mesma nula; 40ª) O afastamento da franquia pelo acórdão recorrido, num contrato de seguro que é facultativo, não encontra qualquer fundamento na Lei (que contraria), pois, viola o disposto no art. 49.º n.º 3 da LCS, onde se prevê, precisamente, a liberdade para a sua fixação; 41ª) Mais uma vez o recurso à remissão acrítica para jurisprudência, conduziu a um acórdão que decidiu de facto, não poder a franquia existente ser reclamada ao terceiro lesado como forma de colocar a cargo deste suportar 10% do seu próprio prejuízo, sem paralelo com este caso em que, a oponibilidade da franquia ao terceiro pela seguradora, não retira àquele o direito de a receber nessa parcela do próprio segurado; 42ª) Violou, por isso, o acórdão recorrido o disposto nos arts, 607.º n.ºs 3 e 4, do CPCiv, os arts. 236.º n.º 1, 342º, 405.º, 406º n.º 1, 483º, 492º, 493º e 563º do CCiv, os arts. 11.º, 12.º, 32.º, 35.º, 37.º, 45.º, 49.º n. 3, 139.º n.º 2 da LCS (DL 72/2008), e os arts. 1º, 11º, 12.º, 14º, 15º, 17º, 18º a 22º do RJCCG (DL 446/85 de 25 de Outubro).”.
11. A Ré Fidelidade e as Autoras apresentaram contra-alegações pronunciando-se pela improcedência dos respectivos recursos, tendo estas defendido, igualmente, a inadmissibilidade dos mesmos.
12. Em conferência, o Tribunal a quo apreciou a nulidade de acórdão invocada pela Ré Sociedade de Construções Almeidas & Magalhães, Lda. (prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil) considerando-a não verificada.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações referentes a ambos os recursos (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do CPC) mostram-se submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
Questão prévia – admissibilidade das revistas Defendendo que a apreciação da admissibilidade das revistas interpostas pelas Rés Recorrentes deverá ser aferida em função de cada um dos segmentos decisórios por que se encontram condenadas, as Autoras consideram que, por ocorrer dupla conformidade decisória e por se reportar a reapreciação de matéria de facto arredada da esfera da competência do STJ[3], apenas se mostram admissíveis os recursos quanto: - à interpretação e aplicação do artigo 570.º, do Código Civil (recurso da Ré Almeidas&Magalhães, Lda.); - à condenação da Seguradora (recurso da Seguradora) Consideram as Recorridas que ambas as instâncias confirmaram a responsabilidade da Ré empreiteira pelo sinistro (com fundamentação essencialmente coincidente quanto à imputação da respectiva responsabilidade pelos danos causados), apenas ocorrendo divergência entre elas no que se reporta ao quantum indemnizatório, por efeito de aplicação do artigo 570.º, do Código Civil, e na divergência relativamente à condenação da Ré Seguradora, absolvida em 1.ª instância. Mostram-se, porém, equivocadas, porquanto, ainda que o acórdão recorrido apresente segmentos decisórios (respeitantes aos danos patrimoniais e não patrimoniais, quer no âmbito da responsabilidade contratual, quer no âmbito da responsabilidade extracontratual.) passíveis de poderem ser apreciados, autonomamente, em termos de avaliação de dupla conformidade decisória[4], não se vislumbra, no caso, a sobreposição de decisões caracterizadora da figura de dupla conforme[5]. Com efeito, no que respeita à Ré Seguradora (que recorre declinando a sua responsabilidade fundada no contrato de seguro, mas também relativamente aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Ré Almeidas & Magalhães, Lda.), o tribunal a quo revogou a absolvição in tottum da mesma determinada na sentença e condenou-a nos termos já indicados. Relativamente à Ré Almeidas & Magalhães, Lda. (recorre quanto aos pressupostos quer da responsabilidade civil extracontratual quer da responsabilidade contratual que lhe foi assacada), o acórdão recorrido agravou a responsabilidade da mesma (de 2/3 determinada na sentença) para a totalidade da responsabilidade, porquanto, ao invés da 1.ª instância, não considerou ocorrer responsabilidade da Autora AA, imputando a responsabilidade única e exclusivamente à empreiteira. Contrariamente ao que parece ser o defendido pelas Autoras, o que apenas releva para a aferição da conformidade decisória são os segmentos decisórios de cada uma das decisões das instâncias; não a apreciação isolada de cada questão jurídica para alcançar a decisão relativa a cada um desses segmentos. Consequentemente, carece de qualquer relevância para o efeito a circunstância de as decisões das instâncias terem coincidido na fundamentação quanto à ilicitude da Ré empreiteira (na responsabilidade extracontratual atribuída) e relativamente à responsabilidade contratual da mesma. No caso, nos segmentos decisórios por que as Recorrentes se encontram condenadas, não só não houve a confirmação (entendida, como defendemos, sob o critério de coincidência racional, avaliado em função do benefício - reformatio in melius - que o apelante retirou do acórdão da Relação relativamente à decisão da 1.ª instância) da decisão da 1.ª instância (pois o tribunal da Relação elevou os valores de cada parcela dos danos em causa fixados pela 1.ª instância), como a fundamentação das decisões das instâncias é dissemelhante (responsabilidade pela lesante e pela lesada). Isto é, apesar de ocorrer coincidência na fundamentação das instâncias quanto ao pressuposto da responsabilidade civil (ilicitude), o mesmo não se verificou quanto à culpa. Assim, não ocorrendo dupla conformidade relativamente a nenhum dos segmentos decisórios, sendo as revistas admissíveis, há que conhecer do respectivo objecto.
Os factos provados
1. A 1ª Autora AA é possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da União de freguesias ..., ... e ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº. ...63º (antigo artigo ...9º de que proveio) e descrito na Conservatória de Registos Predial, Comercial e Automóveis ... sob a descrição nº. ...08 e aí inscrita a propriedade do mesmo a seu favor pela inscrição Ap. nº. 2442 de 2010/07/23.
2. Tal prédio foi adquirido por contrato de compra e venda, sobre a forma de título de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado em 23 de Julho de 2010, na Conservatória de Registo Predial ..., no serviço ..., pelo preço de 300.000,00€ trezentos mil euros a BB, CC e marido DD, EE, FF e marido GG, cuja propriedade do prédio se encontrava inscrita a favor destes pela Ap. ...8 de 1994/04/08 e que foi adquirida por sucessão legal de HH – cfr. documento junto a fls.26 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A 2ª. Autora D..., Lda. é uma empresa cujo fim social é a Formação, Assessoria Técnica no âmbito do Ordenamento do Território e Urbanismo, Planeamento, Gestão Urbanística e contratação pública, sendo a 1ª. Autora sua sócia e gerente.
4. A 2ª. Autora D..., Lda. é possuidora e proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., ..., União de freguesias ..., ... e ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...66º (antigo artigo ...0º, de que proveio) e descrito na Conservatória de Registos Predial, Comercial e Automóveis ... sob a descrição n.º. ...20, e aí inscrita a propriedade do mesmo a seu favor pela inscrição Ap. nº 3738 de 2010/07/27.
5. Tal prédio foi adquirido, por contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública, em 23 de Julho de 2010, no 1º Cartório Notarial ..., pelo preço de 50.000,00 € cinquenta mil euros a BB, CC e marido DD, EE, FF e marido GG, cuja propriedade do prédio se encontrava inscrita a favor destes pela Ap. ...6 de 1994/06/20 e que foi adquirida por sucessão legal de HH.
6. (alterado)
7. As Autoras gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição sobre aqueles prédios desde a data das respetivas aquisições.
8. A 1ª Ré Almeidas e Magalhães, Lda., é uma sociedade por quotas, que tem como objeto social e exerce habitual e lucrativamente a actividade de construção civil, empreiteiros de obras, comércio por grosso de madeira, de materiais de construção e equipamento sanitário.
9. No exercício dessa actividade, a 1ª Ré celebrou, na forma verbal, com a 2ª Autora um contrato de empreitada de construção civil, pela qual se obrigou a realizar a obra descrita no orçamento junto a fls.39 verso e seg., pelo valor de € 109.325,45 acrescido de IVA à taxa legal em vigor) – cfr. documento junto a fls.39 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. No decurso da obra foi acordado entre as partes a alteração do mapa de trabalhos inicial, traduzindo-se na realização de obras que não estavam inicialmente previstas e bem assim na supressão de outros trabalhos, tudo conforme resulta do mapa de trabalhos e proposta de mais e menos valias, executando todos os trabalhos e fornecimentos constantes e descritos nos documentos juntos a fls.61 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que colocou o preço final da empreitada em € 130.522,87 (acrescido de IVA à taxa legal em vigor) – cfr. documentos juntos a fls.61 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
11. A 2ª Autora pagou à 1ª Ré esse preço final.
12. A 2ª Ré Lareiras do Minho – Sistemas de Aquecimento Lda., exerce habitual e lucrativamente a actividade de fornecimento e instalação de lareiras, salamandras, recuperadores de calor, caldeiras, sistemas de aquecimento e outros.
13. A 1.ª Ré celebrou com a 3.ª Ré um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ......16... do produto “Responsabilidade Civil Exploração” nos termos das condições particulares juntas a fls.353 verso e seguintes, sendo a actividade prevista a “construção civil s/. danos prédios contíguos”, tendo a apólice um limite máximo de indemnização de € 250.000,00 por ano e sinistro e sujeita a uma franquia por sinistro de 10% dos prejuízos com um mínimo € 250,00 – cfr. documento junto a fls. fls.353 verso e seguintes (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14. Dessas condições particulares consta como âmbito de cobertura a “responsabilidade civil extracontratual de acordo com as Condições Gerais para os Seguros RC Geral nº. 22 e da Condição Especial nº. 226 “Empresas de Construção Civil”, incluindo danos causados a cabos, canalizações ou instalações subterrâneas, derrogando-se a alínea a) do nº. 2 das Condições Específicas, conforme Condição Particular em anexo” – cfr. documento junto a fls. fls.353 verso e seguintes (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15. Consta do artigo 2º§1 dessa Condição Especial nº. 226 que o “segurador garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros e diretamente relacionados com a actividade de construção civil de obras públicas e particulares, cuja causa seja devida a: “a) Acto ou omissão não doloso do Segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua actividade e ao seu serviço; b) Deficiência das instalações, assim como por coisas que sejam consideradas como fazendo parte integrante das referidas instalações ou outras que aí se encontrem desde que pertencentes ou sob responsabilidade do Segurado; c) Quaisquer materiais, utensílios, decorações ou serviços que sejam considerados como integrando o funcionamento normal do estabelecimento e a ele pertencente” – cfr. documento de fls.354 verso cujo tero se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Nas referidas condições especiais, sob a epígrafe Exclusões Específicas consta do artigo 3º§1 que, “para além das exclusões previstas no Artigo 6º das Condições Gerais, a garantia desta Condições Especial também não abrange os danos: “a . resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento das normas técnicas previstas para a execução dos respetivos projetos” … “f . causados à própria obra a cargo do segurado ou nas quais participe”.
17. Nas referidas condições especiais, sob a epígrafe Exclusões Específicas consta do artigo 3º§2 que “alvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, ficam ainda excluídos os danos: “ … c . causados às propriedades pertencentes e/ou sob a guarda, custódia ou controle do dono da obra, dos empreiteiros ou de outros intervenientes na execução dos trabalhos”; … f . “ocorridos após a conclusão dos trabalhos”; g . “causados por sub-empreiteiros”.
18. Do artigo 6º das Condições erais 22 consta que “o presente contrato nunca garante os danos: … c . Decorrentes de “responsabilidade civil profissional”.
19. Com data de 5/11/2016, foi remetida à Ré Fidelidade a participação de sinistro junta a fls.366 verso e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), subscrita pela 1ª Ré, da qual consta que consta que “A obra iniciou em Novembro de 2015 considerando como a 5ª fase que compreendia obras de interior da casa. O terminus desta fase verificou-se em 23/9/2016. No dia 23/10/2016 verificou-se um incêndio que deflagrou na casa da 4ª fase e propagou-se para a casa da 5ª fase. A confirmar-se a informação o fogo terá tido início no sótão propagando-se de imediato às restantes divisões” – cfr. documento de fls.366 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20. As obras realizadas no âmbito do supra referido contrato de empreitada visaram reabilitar totalmente e converter o prédio nº. ...9 numa moradia unifamiliar nos termos e condições previstas no projeto de arquitetura que foi aprovado em 28 de Novembro de 2014 pelo Município de ... – cfr. documento de fls.128 do 2º volume do processo camarário apenso por linha (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
21. Na sequência desta aprovação e em 27 de Outubro de 2015, foi emitido pelo mesmo Município o alvará de construção nº. ...4. – cfr. documento junto a fls.79 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. O prédio em causa tem as seguintes particularidades: travejamento e forro em madeira do telhado, com isolamento por placas de onduline e roofmate; paredes em tabique, soalho e armários em madeira.
23. No decorrer da execução das obras que integram o contrato de empreitada foi acordado entre a 2ª Autora e a 1ª Ré a instalação de um recuperador de calor na sala do prédio nº. ...9 e respetivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior.
24. Com a localização constante das telas finais TLF 10 e 11 do processo de licenciamento (cfr. fls.85 e 85 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
25. Mediante o pagamento do preço também acordado entre ambas, que a 2ª Autora pagou a 1ª Ré e que esta dela recebeu.
26. Tendo, para o efeito, a 2ª Autora escolhido, de entre as referências apresentadas e propostas pela 1ª. Ré, o equipamento térmico Recuperador de Calor série Linea 85 modelo ... 820NMV da marca ....
27. A 1ª Ré contratou, por sua iniciativa e exclusiva escolha, atendendo ao equipamento escolhido, a 2ª Ré Lareiras Do Minho – Sistemas de Aquecimento Lda..
28. Foi a 1ª Ré que contratou com a 2ª Ré e foi aquela que pagou a esta pelos trabalhos realizados, bem como pelos equipamentos e instalação do sistema de aquecimento.
29. O recuperador de calor, tubagem e respetivo sistema de aquecimento foram instalados em Março de 2016 pela 2ª Ré.
30. Instalação essa supervisionada e fiscalizada pela 1ª Ré.
31. A instalação do recuperador e respetiva tubagem realizou-se de acordo com aquilo que a 2ª Ré entendeu ser procedimento adequado ao efeito, designadamente no que respeita à escolha dos materiais e técnicas de instalação atendendo as características e materiais do prédio.
32. Tendo sido garantido pela 1ª Ré à 2ª Autora a correta instalação e que o recuperador podia ser utilizado em condições de operacionalidade e segurança.
33. No dia 23 de Outubro de 2016, por volta das 18H00, deflagrou um incêndio no prédio.
34. Com origem na parte superior do forro de madeira que constituía o teto do piso superior do prédio nº. ...9, na zona do hall junto à entrada do quarto do lado direito, considerando o acesso a partir das escadas de acesso àquele piso, nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor.
35. O qual se propagou para o telhado do prédio nº. ...9, passando em seguida para o telhado do prédio nº. ...7, e alastrando pelas paredes internas de ambos os prédios, de cima para baixo e de forma mais acentuada para a direita.
36. Tal incêndio danificou a estrutura do prédio nº. ...9, em particular um dos pisos superiores e parede exterior de tabique, bem como a estrutura metálica e de madeira dos pisos, tendo ainda parte do telhado sido consumida pelas chamas e, a que não foi, está em iminente situação de desmoronar-se, tendo ruído a chaminé existente restando apenas as paredes exteriores em pedra e alvenaria.
37. A parte da estrutura do prédio que não ruiu ficou danificada de forma irreversível, porque toda a estrutura era de travejamento em madeira o que, face ao volume e extensão da destruição, compromete de forma irreversível a estabilidade estrutural do prédio nº. ...9.
38. Tornando-o num prédio destruído em quase todo o seu interior, inabitável e inapto para o fim a que o destinaram, apresentando-se em risco de ruína.
39. Perante o sucedido, a 2ª. Autora comunicou verbalmente, e no próprio dia, o sinistro à 1ª. Ré.
40. O incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. ...9.
41. As tubagens e condutas do equipamento foram instaladas a uma distância não concretamente apurada mas sempre inferior a 1000 mm e superior a, pelo menos, 450 mm, face aos materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira.
42. Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades.
43. O manual de instalação e utilização do equipamento da Séria Vista junto a fls.103 verso e seg. não é o manual correspondente ao recuperador de calor instalado o prédio.
44. As regras de instalação, utilização e segurança do recuperador de calor da série Linea que foi instalado no local são semelhantes às constantes do manual dos recuperadores de calor da Série Vista.
45. O manual de instalação e utilização do equipamento dos recuperadores de calor da série Vista refere nas: a . pág. 13: “equipamento que acabou de adquirir deverá ser instalado por um profissional para assegurar o bom funcionamento e a segurança do mesmo, recomenda-se que todas as regras de segurança em vigor sejam cumpridas”; b . pág. 13 refere que antes da instalação do equipamento o instalador deve assegurar, nomeadamente: “- O ambiente onde vai ser instalado o equipamento seja bem ventilado de forma a garantir a quantidade de ar necessária a combustão; - Respeita as distâncias de segurança a materiais combustíveis; c). pág. 7: - O seu equipamento deverá estar instalado de forma não permanente e de fácil acessibilidade a fim de garantir manutenção geral a instalação (chaminé e equipamento); d . as “distâncias de segurança a materiais combustíveis é de 1200mm”; cabe ao instalador, no local a instalar o equipamento e face as concretas características deste, verificar se os 1200mm são suficientes ou é adequada uma distância superior; e). pág. 14: “É ainda ideal, que a construção da conduta de saída de fumos passe pelo interior do edifício garantindo assim um melhor isolamento térmico, de forma e evitar as indesejadas condensações originadas pelos diferenciais de temperatura, que mais cedo ou mais tarde poderão deteriorar o sistema. A tubagem deverá ser preferencialmente em aço inox e isolada termicamente em todo o seu comprimento a fim de evitar fenómenos de condensação em especial atenção em climas frios. As chaminés devem possuir condutas de saídas de fumo individuais e desaconselha-se totalmente o agrupamento de várias chaminés em condutas coletivas. As condutas de saída de fumo devem ter secção constante desde a saída do equipamento até à evacuação dos fumos para a atmosfera”; f . pág. 17: “ a instalação do aparelho devem ser respeitadas todas as regulamentações locais, incluindo as relativas a normas acionais e Europeias”.
46. Na pág. 25 desse manual consta que o acendimento do recuperador de calor deve ser feito da seguinte forma: “3. Abrir completamente o controlo do ar de combustão. Colocar na base da fornalha um produto combustível facilmente inflamável (acendalhas, caruma, pinhas ou outro). 4. Sobre o combustível anterior colocar pequenas cavacas empilhadas na horizontal (cerca de 1 kg). 5. Encoste a porta deixando uma ligeira abertura de 2 cm, permitindo desta forma a quantidade de ar necessário para um acendimento rápido e eficaz, mantendo o controlo do ar da combustão totalmente aberto. 6. Passado cerca de 5 a 10 minutos feche a porta e no controlo de ar da combustão reduza a entrada de ar. 7. Deixar arder até criar as primeiras brasas”.
47. a pág. 26 desse manual consta que, após o acendimento: “1. Abra a porta devagar, espalhe bem as brasas de forma igual por toda a base da fornalha. 2. Coloque cavacas de aproximadamente 1kg cada uma na horizontal, não carregue em demasia o equipamento, de acordo com o seu modelo ver carga máxima admissível na tabela de características do equipamento. 3. Escolha uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evite uma queima desmesurada”.
48. a pág. 26 desse mesmo manual de utilização consta: “nunca faça queimas intensas e prolongadas. O rendimento será mínimo e poderá danificar o equipamento e consequentemente perda de garantia”.
49. Na mesma página do referido Manual de Utilização constam ainda os seguintes avisos: “A combustão desmesurada … pode inclusivamente provocar danos irreparáveis ao equipamento se levada a cabo por períodos de tempo consideráveis. …) Caso verifique um funcionamento anormal ou sobre aquecimento, provoque a extinção imediata da combustão, fechando a regulação de entrada de ar combustão e fazendo com que o fogo se extinga por si mesmo devido à falta de oxigénio. Exponha o problema aos nossos serviços e/ou agentes para ser resolvido”.
50. Na pág. 30 do manual de utilização, consta ainda a seguinte informação em caso de incêndio na chaminé: “2. fechar completamente a porta da salamandra; 3. fechar completamente a admissão de ar e saída de fumos; 4. O incêndio deverá extinguir-se por si mesmo devido à falta de oxigénio”.
51. A 1ª Ré nunca deu formação sobre a utilização do equipamento.
52. Nem forneceu o manual de instalação e utilização.
53. O companheiro da Autora limitou-se a colocar em funcionamento o sistema de aquecimento.
54. O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do teto forrado de madeira do piso superior.
55. Foi requerida a licença de utilização em 23 de Setembro de 2016 por requerimento com o nº. 6876/16.
56. E foi solicitada a emissão do respetivo alvará em 13 de Outubro de 2016 por requerimento com o nº. 7411/16.
57. Por despacho de concordância com a informação de 17 de Outubro de 2016, proferido, aos 20 de Outubro de 2016, pelo Vereador da Câmara Municipal de ... foi decidido, relativamente àquele requerimento com o nº. 6876/16 que “embora do ponto de vista estritamente urbanístico as alterações sejam passíveis de concretização, parte da alteração proposta incide sobre a escada com alteração formal e sendo mencionado em memória descritiva a alteração de vigas e pilares, devem ser esclarecidas em desenho as mesmas alterações. Estas modificações, contrariamente ao requerido … estão sujeitas a licença administrativa.
58. Do sinistro resultou para a 1ª Autora a destruição completa do prédio nº. ...7 e todo o seu recheio.
59. Tal prédio é constituído por uma habitação com 826 m2 de área bruta de construção, composta por 3 pisos e um logradouro com cerca de 2.500m2.
60. Trata-se uma casa construída na primeira quadra do século XVIII, com uma estrutura predominantemente em madeira nos 2º (paredes interiores) e 3º pisos (este integralmente em madeira, incluindo o telhado), tendo parte dele sido recentemente reabilitado também em madeira, por exigência do Município de ....
61. Tais características eram do conhecimento da 1ª e 2ª Rés.
62. No Rés-do-chão o prédio tinha: - Paredes exteriores em granito. – Paredes interiores em granito e tabique e portas em madeira. - Pavimentos em granito e terra. – Tetos em gesso no hall de entrada e restantes em réguas de madeira. - Divisões existentes: 1. Hall de entrada; 2.Vestiário; 3. Lagar; 4. Arrecadação; 5. Arrecadação; 6. Despensa; 7. Despensa.
63. No 1.º Piso o prédio tinha: - Paredes exteriores em granito no alçado que confronta com a Rua ... e as restantes em tabique. - Paredes interiores em tabique, rebocadas e pintadas, algumas das quais com frescos e marmoreados, nomeadamente nas escadas de acesso ao rés-do-chão e corredores de circulação, e portas em madeira pintadas à mão. -Pavimentos em madeira (soalho pregado). - tecos em gesso com molduras em todos os espaços com exceção da sala de jantar cujo teto era em madeira pintado. - Escadas em madeira de acesso ao piso térreo e ao piso 2. -Divisões existentes: 1. Corredor de distribuição e circulação; 2. Sala de estar; 3. Sala de jantar; 4. Biblioteca; 5. Sala de estar; 6. Escritório; 7. Instalação sanitária; 8. Despensa.
64. No 2.º Piso o prédio tinha: - Paredes exteriores em tabique. -Paredes interiores em tabique. -Pavimentos em madeira. -Tectos em réguas de madeira. -Divisões existentes: 1. Espaço amplo parcialmente demolido onde existiriam 4 quartos, 1 sala e 3 instalações sanitárias.
65. Na cobertura o prédio tinha: - Cobertura com estrutura em vigamento de madeira. - Isolamento térmico e acústico com placas de roofmate. -Telhado em telha canudo assente sobre onduline.
66. Não é possível reconstituir todos os pormenores notáveis, nem utilizar os materiais nela existentes.
67. A reposição do prédio no estado em que se encontrava tem um custo não concretamente apurado.
68. A demolição e remoção dos escombros existentes no prédio implica trabalhos de custo não concretamente apurado.
69. Em consequência do incêndio, ficou destruído todo o recheio do prédio n.º ...7, cujos bens pertença da 1ª A. ascendiam ao valor aproximado de € 62.500,00€.
70. A 1ª. Autora é ... na ..., cidade onde residiu e onde sempre trabalhou.
71. A 1ª Autora adquiriu o prédio em 2010 como realização do sonho de ser proprietária de uma casa antiga no centro da cidade, beneficiando das vantagens próprias que o centro de uma cidade como ... oferece e simultaneamente propiciar a si e aos seus filhos a qualidade de vida resultante da localização e amplo logradouro que a casa oferecia.
72. A 1ª Autora enamorou-se pela casa, em especial pelos seus pormenores nas salas nobres e pelo seu logradouro, ao ponto de, não obstante continuar a trabalhar em ..., mudar a sua residência e, bem assim, a dos seus filhos para a casa em apreço, com a alteração do percurso escolar dos seus filhos que, por inerência, passou a ser em ....
73. Durante os mais de 6 anos que mediaram a aquisição do prédio e o incêndio, a 1ª Autora, com muito esforço pessoal e financeiro, foi participando ativamente no projeto de reabilitação, acompanhando a evolução do restauro da casa que traduzia o seu sonho e novo projeto de vida.
74. A casa refletia o gosto da autora que acompanhou a escolha de todos os pormenores no âmbito da arquitetura e decoração.
75. O incêndio na casa foi, por isso, um duro golpe nas suas aspirações e sonhos.
76. Além do crédito bancário que necessitou, a Autora havia investido na casa todas as suas poupanças, mas também por todo um projeto de vida que saiu gorado com grande impacto na sua vida e na dos seus filhos.
77. Após o incêndio, é com extrema dificuldade que a 1ª Autora passa junto dos escombros da casa, o que lhe provoca invariavelmente muito sofrimento.
78. A Autora não imagina a sua vida em ..., na medida em que sem a casa em apreço todo o projeto de vida, anteriormente idealizado, deixou de fazer sentido.
79. A Autora regressará a ..., para aí estabelecer novamente a sua residência, o que ainda não sucedeu apenas e só por causa dos seus filhos e o término dos respetivos ciclos escolares (a mais velha encontra-se no 6º ano e o mais novo no 4º ano)
80. A Autora sofreu e sofre com o facto de não ter a sua casa, não poder dela dispor.
81. A Autora perdeu todo o recheio da casa, onde se incluíam bens de valor afetivo como fotografias, cartas, livros, presentes, recordações de infância dos seus filhos e a sua dissertação de mestrado impressa.
82. Os trabalhos executados pela 1ª Ré e adquiridos pela 2ª. Autora, incorporados com a obra e com o valor descrito nos documentos de fls.61 verso a fls.67 e de fls.67 verso a 71 verso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), foram danificados e destruídos irremediavelmente.
83. O edifício pré-existente à data do início das obras ficou irremediavelmente destruído, sendo necessário reconstruir o telhado, a chaminé e as paredes exteriores.
84. O valor de reconstrução do telhado, isolamento e estrutura em madeira existente à data do sinistro ascende a € 15.000,00.
85. Em consequência do incêndio, ficou destruído o recheio do prédio nº. ...9, com os seguintes preços aquando da sua aquisição pela 2ª Ré: - Impressora HP Colour Lajer Jet CM2320nf M L: 557,50€; - Móvel Portas e Gavetas - Cantos Rectos Design: 3.223,14€; - Poltrona love: 487,81€; - luminação suspensa ettle: 325,20€; - Mobiliário feito a medida Arq in move: 3.400,00€; - Candeeiros e apliques estilo Dauhaus: 2.323,72€; - MacBook Pro2.8 b: 700,00€; - Iphone 5S Gold 16 b: 568,00€; - MacBook Pro 13.3/2.8 hz: 2.234,00€; - Macbook Pro 13Retina: 2.234,00€; - Candeeiros Taucha 7unidades: 1.120,00€; - Candeeiros Leving H: 395,00€; - Candeeiros Vera .: 170,00€; - Máquina de Secar Roupa Miele TKB 140 WP: 594,87€.
86. (alterado)
87. Após o incêndio, a 2ª A. tomou de arrendamento o prédio sito na Avenida ..., pela renda mensal de € 550,00.
88. Em rendas vencidas, a 2ª Autora já liquidou a quantia de € 5.550,00 cinco mil e quinhentos euros).
89. A 1ª Ré executou todas as obras contratadas com a 2ª Autora nos precisos termos e condições previstas no projeto de arquitetura que lhe foi enviado pela 2ª Autora, e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., em conformidade com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram refletidas nas telas finais.
90. A obra foi entregue pela Ré à 2ª Autora, que a recebeu, no dia 17 de Junho de 2016, data em que todas as obras contratadas já se encontravam concluídas.
91. A partir da referida data, a Ré deixou de ter qualquer chave da obra.
92. A partir da referida data, apenas a 2ª Autora passou a dispor e usufruir do imóvel.
93. O qual foi mobilado, tendo a 1ª Autora passado a viver lá, juntamente com a sua família a partir de data não concretamente apurada entre o dia 17 de Junho de 2016 e o dia 19 de Setembro de 2016.
94. A localização de um sistema de aquecimento (recuperador de calor ou outro equipamento) na sala do prédio n.º ...9 e respetivo sistema de aquecimento ao serviço dos quartos e casa-de-banho localizados no piso superior já estava prevista no projeto de arquitetura que foi enviado pela 2ª Autora à 1ª Ré com vista à execução da obra.
95. Para que a 1ª Ré executasse a obra de forma a que o tipo de sistema de aquecimento que viesse a ser escolhido pelas Autoras no decurso da obra fosse instalado no local.
96. De acordo com as Autoras e respetivos projetos ou desenhos.
97. Inicialmente, a execução desta obra de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento ficou a cargo da 2ª Autora, que assumiu contratar diretamente uma empresa que executasse esse serviço.
98. Porém, no decurso da obra, a gerente da 2ª Autora, por falta de tempo, solicitou à 1ª Ré que subcontratasse uma empresa que executasse esse trabalho.
99. A 1ª Ré escolheu a 2ª Ré, por ser uma empresa especializada na matéria e ter sido indicada pela fabricante ADF, para a execução da obra de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento.
100. E informou a 2ª Autora acerca da empresa que pretendia subcontratar, a qual foi aprovada por aquela.
101. A 1ª Ré não teve qualquer intervenção na execução técnica do trabalho de instalação do recuperador de calor, da tubagem e do sistema de aquecimento.
102. A 1ª Ré verificou e confirmou que a 2ª Ré forneceu e aplicou todos os materiais contratados, nos termos e condições constantes no documento nº. ...2 e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
103. E confirmou e verificou que o referido trabalho era executado nos termos e condições previstos no projeto da obra e de acordo com as alterações acordadas com as Autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram refletidas nas telas finais.
104. A 1ª Ré confirmou e verificou, no termo da sua instalação, que o recuperador de calor e sistema de aquecimento, funcionava em condições de segurança.
105. A 2ª Ré conhece as regras de instalação que são fornecidas pelo fabricante do recuperador aplicado.
106. Os funcionários da 2ª Ré têm formação e conhecimentos técnicos específicos para a execução deste tipo de trabalhos.
107. Após a conclusão do trabalho, a 2ª Ré garantiu à 1ª Ré que cumpriu todas as regras de instalação do recuperador de calor e das tubagens.
108. As condutas de saída de fumo tiveram a mesma largura desde a saída do equipamento até à evacuação dos fumos para a atmosfera.
109. Após a conclusão da instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento, o mesmo foi testado durante cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) horas.
110. Na presença de um representante da 1ª Ré que presenciou o seu funcionamento em condições de segurança.
111. Não obstante o referido em 51. e 52., a 1ª Autora estava esclarecida acerca das regras de utilização e cuidados a ter com o recuperador de calor.
112. A 1ª Autora já tinha utilizado o recuperador de calor e sistema de aquecimento, por várias vezes, antes da ocorrência do sinistro e não comunicou à Ré a existência de qualquer anomalia no seu funcionamento.
113. A Autora saiu de casa e deixou o recuperador de calor e sistema de aquecimento ligado.
114. A Autora não se encontrava em casa aquando da ocorrência do sinistro.
115. (alterado)
116. (alterado)
117. As distâncias máximas possíveis entre a tubagem de exaustão e os materiais de combustão, já constavam do projeto elaborado pelo arquiteto responsável pela obra.
118. O arquiteto responsável pela execução do projeto de arquitetura não previu e não acautelou a distância de 1200 mm entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão.
119. O arquiteto que elaborou o projeto de arquitetura sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm.
120. A distância existente nesta obra entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão do sistema de aquecimento corresponde à distância normalmente existente em obras similares à dos autos.
121. Nem o arquiteto da obra, nem a 2ª Ré, referiram à 1ª Ré que as medidas existentes entre o equipamento e os materiais combustíveis não eram as adequadas ou que não garantiam a segurança da habitação.
122. A 1ª Ré confiou que a obra havia sido executada pela 2ª Ré em condições de segurança e não padecia de qualquer anomalia.
123. A 2ª Autora conhecia o projeto de arquitetura da obra.
124. A obra era acompanhada por Arquiteto contratado pela 2ª Autora.
125. (alterado)
126. Aquando do incêndio, não estava ninguém nos prédios n.º 17 e 19, nem nas imediações.
127. O acesso ao interior só foi possível aos bombeiros, após a abertura da porta pela 1ª Autora, e quando o incêndio estava num estado avançado.
128. Se a Autora estivesse em casa poderia a atenuar as consequências do incêndio, com rápida intervenção dos bombeiros.
129. As chamas foram potenciadas e alimentadas pelo facto de o prédio estar habitado e ter recheio, como mobiliário e centenas de livros.
130. Além de carpetes, as Autoras tinham uma mesa em madeira, a distância inferior a 0,50 m. da parte frontal do recuperador.
131. A 2ª A. tinha conhecimento do tipo e características do aparelho que veio a ser instalado, incluindo a localização das tubagens.
132. A 2ª Ré não acordou com a 1ª Ré a colocação do recuperador de calor apto a ser utilizado pelo cliente.
133. O revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respetiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré.
134. A quem cabia, por acordo entre a 1ª e a 2ª Ré, fazer tais trabalhos e, bem assim, fazer os remates e terminar a execução do trabalho.
135. A distância de 1200 mm a que alude o manual de instruções é indicativa e pode ser reduzida até 10/15 centímetros se os elementos combustíveis de construção forem protegidos com materiais adequados para o efeito.
136. A tubagem utilizada e instalada no local pela 2ª Ré é certificada e apropriada para o local, correspondendo exatamente ao que foi encomendado e fornecido.
137. A tubagem de exaustão foi instalada pela 2ª Ré de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para tal tipo de tubagens.
138. A ficha eletrotécnica refere-se ao prédio n.º ...7.
139. Na tubagem do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi utilizado tubo duplo em inox, com revestimento interior de lã de rocha, em peças de um metro cada, com um diâmetro interno do tubo de 20 cm e externo de 26 cm e terminava a 1,35 cm acima do telhado.
140. O recuperador encontrava-se fechado e selado enquanto esteve em funcionamento durante a ausência da 1.ª autora.
141. As medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adotadas não eram idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão.
142. O encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé.
1.2. Os factos não provados 1. A 1ª Ré iniciou as obras 5 (cinco) dias úteis apos a comunicação de inicio enviada a Camara Municipal ... em 28 de Setembro de 2015. 2. O recuperador de calor era da serie Vista 80. 3. A 2ª Ré garantiu à Autora que o recuperador era adequado, apto e tinha as qualidades necessárias ao fim a que se destinava. 4. A 2ª. Autora não conheceu, não elaborou, nem mandou elaborar, o projeto de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento. 5. O projeto de instalação do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi elaborado pelas 1ª e 2ª. Rés. 6. A instalação do revestimento da tubagem realizou-se de acordo com aquilo que a 2ª Ré entendeu ser procedimento adequado ao efeito, designadamente no que respeita a escolha dos materiais e técnicas, atendendo as características e materiais do prédio. 7. A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação das tubagens. 8. A causa do sinistro resultou da errada e descuidada instalação do sistema de aquecimento. 9. O incêndio foi originado pelos tubos de convecção de calor que não se encontravam devidamente isolados. 10. No dia do sinistro, a Autora colocou o sistema de aquecimento em funcionamento por indicação da 1ª Ré para verificar o seu funcionamento, em termos de combustão e de produção de calor e de escape de fumos para o interior da habitação. 11. As características estruturais e materiais existentes nos prédios nºs. 17 e 19 tornaram impossível qualquer controlo ou possibilidade de redução de danos a partir do momento em que o fogo se alastrou para o prédio nº. ...7. 12. Na data da ocorrência do sinistro as obras da empreitada contratada ainda não se encontravam concluídas, não tendo a obra sido entregue pela Ré, nem recebida pela Autora. 13. Não estavam, ainda, executados os seguintes trabalhos: a) Isolamento das portas da garagem e da cozinha; b) Remate das ombreiras do acesso a despensa/lavandaria; d) Rusticar as juntas de alvenaria de pedra existente; e) Colocação de vidro duplo na porta da cozinha; f) Fornecimento e execução de trabalhos de aplicação de tomadas elétricas. 14. A partir do dia 17 de Junho de 2016, a Ré nunca mais acedeu ao prédio ou executou qualquer trabalho. 15. Foi a 2ª Ré quem executou todos os trabalhos, por sua conta, direção e risco. 16. O incêndio não teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio. 17. As causas do incêndio são desconhecidas. 18. O incêndio pode ter tido várias origens, designadamente, num curto-circuito elétrico ou num raio de trovoada. 19. O sistema elétrico dos candeeiros adquiridos pela Autora no estrangeiro poderia não estar em bom estado de conservação ou não ser totalmente compatível com o sistema elétrico instalado na casa e, com o decorrer do tempo, ter desencadeado um curto-circuito. 20. No dia e hora em que ocorreu o sinistro, estava a chover e também trovejava intensamente, tendo um raio caído sobre o telhado da casa, o que fez desencadear o incêndio. 21. A tubagem aplicada foi isolada termicamente em todo o seu comprimento. 22. Todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados. 23. A 2ª Ré entregou às Autoras o manual de instalação e utilização do recuperador de calor. 24. A 2ª Ré deu formação à 1ª Autora quanto à forma de acendimento do recuperador de calor e cuidados a ter durante o seu funcionamento. 25. A Autora carregou demasiado o equipamento. 26. A Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada. 27. A adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio. 28. A segurança do equipamento é garantida apenas pelo tipo de materiais aplicados e pelo seu revestimento e não pela distância existente entre estes e os materiais combustíveis. 29. A 2ª Autora sabia que a distância existente entre os materiais combustíveis e a conduta de exaustão era inferior a 1200 mm. 30. A 2ª Autora era conhecedora dos termos e condições em que o recuperador de calor e sistema de aquecimento foram executados. 31. Se a Autora estivesse em casa poderia a impedir o incêndio. 32. A 1ª Autora foi habitar o prédio nº. ...9 sem que estivessem reunidas as condições de segurança contra incêndios, exigidas pelo Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndios em Edifícios, sabendo que não estavam reunidas as condições de segurança para o efeito e potenciando os riscos inerentes a essa utilização. 33. O supra referido prédio nº. ...9 é destinado a instalação e funcionamento da sua sede e ao exercício da sua atividade”. 34. A 2ª Autora pretendia ocupar o prédio nº. ...9 como sede da sua atividade, facto que se tornou impossível em virtude do incêndio. 35. O arrendamento do prédio sito na Avenida ..., tornou-se necessário para a 2ª A. continuar a desenvolver a sua atividade. 36. O que, a par do referido em 52., impediu a Autora de adotar os comportamentos descritos no manual de utilização. 37. A adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria que incêndio tivesse a amplitude ocorrida». 38. A obra era fiscalizada por engenheiro da 1ª Ré contratado pela 2ª Autora.
2. O direito 2.1 Da nulidade do acórdão (revista da Ré Seguradora – conclusões 1 a 3) Invoca a Ré o vício de nulidade de acórdão da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC[6], por não ter apreciado questão que se lhe impunha conhecer - natureza conclusiva pontos 42 e 54 dos factos provados -, e por ter considerado tal matéria fundamento da ilicitude da responsabilidade extracontratual. Entendemos, porém, que a invocação da Recorrente carece de razão já que as incorrecções que aponta não podem ser reconduzidas, no caso, a uma questão não apreciada pelo tribunal a quo. Não merece controvérsia que o vício de decisão determinado pela omissão de pronúncia só se verifica perante as situações em que haja, por parte do julgador, ausência de posição ou de decisão sobre questões que o tribunal devesse conhecer, porque invocadas pela parte, ou por serem de conhecimento oficioso[7]. Assim sendo, tendo ainda presente o entendimento pacífico neste tribunal de que não há omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, verificando-se que, em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto, o acórdão fundamentou as razões por que mantinha a factualidade provada, uma vez que a questão da natureza conclusiva dos referidos factos só agora se mostra suscitada nos autos, terá de se concluir que o que a Recorrente identifica como cometimento de uma nulidade por omissão de pronúncia não assume cabimento no âmbito os vícios de decisão, mas no domínio de eventual um erro de julgamento, que cabe no âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, como constitui entendimento que nele vem sendo seguido[8]. Improcede, pois, a nulidade arguida.
2.2 Do erro de julgamento quanto à matéria de facto (revista de ambas as Rés) 2.2.1 da natureza de direito ou de feição conclusiva dos factos provados n.ºs 42 e 54 (revista da Ré Seguradora – conclusões 1.ª a 3.ª)) Defende a Ré que os pontos 42 e 54 da factualidade provada, por consubstanciarem afirmações conclusivas e por uma delas conter em si a resposta à questão nuclear do thema decidendum, não poderiam ter sido considerados pelo tribunal a quo enquanto factualidade provada e como fundamento da existência de responsabilidade em discussão nos autos. Na sequência do acima referido, há que considerar do âmbito da competência deste STJ apreciar se determinada afirmação inserida na decisão sobre a factualidade provada consubstancia ou não conclusão jurídica, por estar em causa o conhecimento de um erro de direito (considerar como provado o correspondente conceito jurídico, desacompanhado dos factos suscetíveis de o integrarem) pois que não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto, mas reconduz-se a corrigir um erro de qualificação quanto às regras de direito aplicáveis. Trata-se, por isso, de questão que não cabe no domínio da apreciação da matéria de facto prevista no n.º3 do artigo 674.º do CPC, mas de um efectivo erro de direito na subsunção jurídica dos factos. Embora a presente lei processual não comporte a solução que se encontrava prevista no artigo 646.º, n.º4, do anterior CPC, não pode deixar de se considerar que, nessas situações, a matéria de facto apurada não suporta essa conclusão jurídica, que, por isso, não será vinculativa para a decisão de mérito a proferir; na verdade, um erro do tribunal com esse conteúdo não pode suprir o facto em falta[9]. A Recorrente põe em causa a seguinte matéria: 42. Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades. 54. O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do teto forrado de madeira do piso superior. Cabe, pois, apreciar se a mesma deve ser eliminada dos factos provados por consubstanciar juízos conclusivos em termos de reflectir uma valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica[10] . A propósito desta temática, refere o acórdão deste tribunal de 27-04-2017 acima citado: “Como é sobejamente reconhecido, nem sempre se mostra, na prática, tarefa fácil fazer a destrinça entre um juízo de facto e um juízo de direito, tanto mais que os próprios juízos probatórios integram categorias lógicas sinteticamente representativas de uma realidade concreta em que concorrem múltiplas vicissitudes que seria difícil descrever até ao ínfimo pormenor. Ora, no respeitante à formação do juízo probatório, já longe vão os tempos da tradição empírico-narrativista, em que dominava o lema de que factos são factos e não necessitam de ser argumentados. Com efeito, a verdade judicial é fruto de um raciocínio problemático, sustentado na razão prática mediante a análise crítica dos dados de facto veiculados pela atividade probatória, em regra, mediante inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência comum colhidas da normalidade social. Daí resulta que os juízos probatórios incluam, por vezes, segmentos de pendor conclusivo ou elementos categoriais compreensivos da realidade em análise.”. Tendo presente que não é o cariz conclusivo inerente à matéria em causa o ponto crucial para ignorar factualidade provada na subsunção jurídica a levar a cabo[11], não podemos deixar de concluir que nenhum dos referidos pontos fácticos integra o conceito de juízo de valor jurídico ou sobre questão de direito pois, só nestes casos, não poderiam ser considerados no âmbito da matéria de facto por integrarem matéria de direito. Ao invés do defendido pela Ré Seguradora, os referidos pontos da matéria de facto, retratam realidades factuais relativas ao isolamento dos tubos de exaustão que, apesar de apresentarem alguma feição conclusiva[12], não deixam de conter dois enunciados factuais perfeitamente apreensíveis e perceptíveis para a generalidade das pessoas referentes à forma como foi feito o isolamento da tubagem e, bem assim, o que deu causa ao incêndio, como se mostra, aliás, devidamente explicitado na motivação feita em sede de sentença e nos fundamentos tecidos no acórdão recorrido ao conhecer da impugnação da referida matéria, que evidenciamos através do seguinte excerto: “Os factos em discussão, como é bom de ver, têm atinência com a origem, localização, desenvolvimento e causas do incêndio objeto dos autos. Trata-se, naturalmente, de matéria técnica e complexa, dada a multiplicidade de fatores que (direta ou indiretamente) podem ter contribuído para a eclosão do sinistro em apreço. Antes de mais, afigura-se-nos relevante destacar o relatório pericial colegial realizado no âmbito da produção antecipada de prova (cfr. fls. 223 a 259 do apenso A), complementado com os esclarecimentos prestados pelos srs peritos (cfr. fls. 308 a 316 do apenso A). Nele os peritos concluíram, por unanimidade, que: - O foco inicial de início de incêndio ocorreu na parte superior do forro de madeira que constituía o teto do piso superior, mais precisamente na zona do hall que se situava junto da entrada do quarto do lado direito (vista a partir das escadas de acesso ao piso superior), nas proximidades de um armário de madeira por onde passavam as tubagens do recuperador de calor. - Não foram detetados quaisquer vestígios/indícios de sobreaquecimento e ou curto-circuito no sistema elétrico do prédio que pudessem ter estado na origem do incêndio. - Não foram encontrados quaisquer indícios de causas naturais que pudessem ter estado na origem do incêndio. - Não foram encontrados quaisquer indícios de causas humanas que pudessem ter estado na origem do incêndio. - O incêndio propagou-se da habitação sita na Rua ..., ... para a habitação sita no nº ...7, através do telhado. - A tubagem de saída de fumos do recuperador encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens. - Em relação à tubagem da saída de convecção de calor secundária não foi possível extrair quaisquer conclusões em relação à sua montagem em virtude de grande parte da mesma ter sido completamente destruída pela ação do calor do incêndio, excluindo, no entanto, a possibilidade de o incêndio ter sido originado pela tubagem da saída de convecção de calor secundária, tendo em consideração o baixo calor emanado por este tipo de tubagens conjugado com o facto de o foco de início do incêndio ter acontecido na parte superior do forro de madeira do teto do piso superior. - Face às conclusões efetuadas e na conjugação das mesmas com a leitura de todos os indicadores de sentido e propagação de incêndio concluíram estar-se em presença de um incêndio que teve o seu início a partir da tubagem de saída de fumos do recuperador de calor. - Mais concluíram que, aquando da montagem da tubagem de saída de fumos do recuperador de calor na zona do teto de madeira do piso superior/telhado da habitação, a selagem/isolamento da passagem da referida tubagem por essa zona não terá sido efetuada da forma mais correta tendo a dilatação da referida tubagem, através do calor emanado pelo funcionamento do recuperador de calor, provocado um sobreaquecimento e levado à eclosão de um foco de incêndio, na madeira que se encontrava nas suas proximidades. - Tendo em consideração os materiais de construção existentes na habitação, onde existia uma elevada quantidade de madeira associada (chão, teto, vigas do telhado e paredes em tabique), após a sua eclosão o incêndio propagou-se de uma forma bastante rápida e consistente. E, em sede de esclarecimentos, também por unanimidade, referiram que: - O foco inicial de início de incêndio ocorreu na parte superior do forro de madeira que constituía o teto do piso superior, mais precisamente na zona do hall que se situava junto da entrada do quarto do lado direito (vista a partir das escadas de acesso ao piso superior), nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor (conforme melhor descrito a páginas 17, 33 e 34 do relatório pericial). - Foi possível determinar com segurança a fonte de ignição. - A fonte de ignição foi o calor emanado através da tubagem de saída de fumos do recuperador de calor que levou a um sobreaquecimento da madeira que constituía a parte superior do forro de madeira que compunha o teto do piso superior, mais precisamente na zona do hall que se situava junto da entrada do quarto do lado direito (vista a partir das escadas de acesso ao piso superior), nas proximidades de um armário de madeira, por onde passavam as tubagens do recuperador de calor. Tal comprova-se a partir das melhores práticas atualmente existentes a nível Europeu no âmbito das perícias a locais de incêndio, através da análise dos indicadores de sentido e propagação de incêndio conjuntamente com os princípios do designado triângulo do fogo e do comportamento do fogo, tais como os fenómenos de condução, convecção e radiação. - Aquando da perícia, a guarnição/forro do telhado e o teto falso em madeira pareceram estar nas devidas condições para ser aplicado como forro de madeira ou teto falso, encontrando-se devidamente seca à altura dos factos. - Não foram detetados quaisquer defeitos no recuperador de calor colocado. - Não foram detetados quaisquer defeitos na montagem do recuperador de calor colocado. - A tubagem de saída de fumos encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens. - O tipo de tubagem utilizada e a montagem da mesma encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens. - A execução do projeto foi efetuada de acordo com o projetado. - Tendo em consideração o local de eclosão do incêndio não existiria um espaçamento ou separação com material isolante suficiente entre a madeira do forro de madeira e a referida tubagem de fumos que permitisse proteger a referida madeira do calor emanado pela tubagem de escoamento de fumos aquando do funcionamento do recuperador de calor. - Não foram encontrados indícios de um aumento anormal da temperatura interior do recuperador de calor e do início da tubagem no momento da eclosão do incêndio. - Não foram encontrados indícios da utilização de consumíveis combustíveis inadequados ao interior do recuperador que se possam ter elevado e entupido a conduta provocando o aumento da pressão dos gases e da temperatura e assim originando a ignição. - Os indicadores concretos que comprovam que o incêndio progrediu de cima para baixo foram a leitura dos indicadores de sentido e propagação do incêndio nos materiais existentes na habitação alvo de perícia. - A ignição não decorreu da combustão ou sobreaquecimento de um equipamento elétrico de uso pessoal ou doméstico. - O tipo de tubagem utilizada e a montagem da mesma encontrava-se de acordo com as normas técnicas de montagem e segurança para este tipo de tubagens. - Os indicadores de propagação e direção de incêndio existentes na referida habitação são efeitos/destruição provocados pela ação do calor e das chamas inerentes ao incêndio, nos materiais que constituíam a habitação, tais como madeiras, cimento, etc. (conforme melhor descrito a páginas 18 a 21 do relatório periciaI201817938-CIE). - Estes indicadores de propagação e direção do incêndio permitem identificar, com absoluta certeza, o foco inicial de incêndio e excluem, sem margem para qualquer dúvida, a possibilidade de o incêndio ter tido início numa outra zona da habitação. - Estes indicadores de propagação e direção de incêndio excluem a possibilidade de o mesmo ter tido início no prédio contíguo a este. - No local de eclosão do referido incêndio e em zonas circundantes ao mesmo não foram encontrados quaisquer indícios de causas naturais, como, por exemplo, a queda de um raio que pudesse estar na origem do incêndio. - Também não foram encontrados quaisquer indícios de intervenção humana na eclosão do referido incêndio. - A selagem/isolamento da tubagem de saída de fumos do recuperador deveria ter sido efetuada de forma a que, aquando da passagem do calor pela tubagem de saída de fumos e a consequente dilatação dos tubos, os mesmos não entrassem em contacto com a madeira provocando um sobreaquecimento na mesma que levasse à eclosão de um foco de incêndio. - Já em relação à tubagem da saída de convecção de calor secundária não foi possível extrair quaisquer conclusões em virtude de grande parte da mesma ter sido completamente destruída pela ação do calor do incêndio.”. Conforme se encontra exaustivamente justificado pelo tribunal a quo, os pontos da matéria de facto provados agora em causa resultam do meio de prova pericial de particular exigência técnica e, tal como salienta o acórdão recorrido, “Não obstante a força probatória da prova pericial ser fixada livremente pelo Tribunal (art. 389º do Cód. Civil), importará não olvidar que o exame pericial em causa tendente a indagar das causas do incêndio em causa envolveu matéria de particular complexidade, que exige ou pressupõe especiais conhecimentos técnicos, que o julgador não possui. Assim, considerando a profissionalidade dos peritos que intervieram na perícia realizada nos autos, a especialização dos peritos na matéria objeto da perícia, a sua abrangência e o seu cariz técnico, a suficiência dos factos e elementos em que se basearam (documentando-o com as fotografias que dele constam em anexo), a inteligibilidade do laudo, com a descrição dos procedimentos levados a cabo para se chegar ao resultado alcançado, a observância, na sua elaboração, de parâmetros científicos ou técnicos (que não foram minimamente colocados em crise), assim como a coerência, motivação e racionalidade das suas conclusões, complementado com os esclarecimentos prestados a todas as questões suscitadas, é de concluir que o seu resultado (sem embargo da conjugação com a demais prova produzida) se afigura como decisivo na formação da convicção do Tribunal quanto à(s) concreta(s) causa(s) do incêndio, o mesmo se dizendo quanto à sua eclosão, localização e desenvolvimento. E, pelas razões já indicadas, é inegável que a sua valia e credibilidade probatória se deve sobrepor aos depoimentos testemunhais invocados pela recorrente. Em suma, não possuindo as testemunhas indicadas pela recorrente a credibilidade probatória que esta lhes pretende conferir, é de confirmar o juízo da 1ª Instância que se alicerçou no resultado do relatório pericial.” (sublinhado nosso).
2.2.2 Da violação do disposto nos artigos 412.º, do CPC e 388.º e 342.º, do Código Civil (revista da Ré Almeidas&Magalhães, Lda. – conclusões 1 a 4.) Considera a Ré Almeidas & Magalhães, Lda. que o tribunal a quo na apreciação da realidade fáctica violou: a) o disposto no artigo 412.º, do CPC, porque: b) o disposto no artigo 388.º, do Código Civil, ao ter aditado à matéria de facto provada os pontos 141 e 142 e não ter considerado provada a matéria alegada nos pontos 115 e 116; c) o disposto no artigo 342.º, do Código Civil, por a Recorrente ter feito prova de que cumpriu a sua obrigação de realização da obra e que actuou sem culpa, sendo que a 2.ª Autora não fez prova da existência do defeito, da sua gravidade, do nexo causal com a obra e da respectiva denúncia ao empreiteiro. Na apreciação destas questões importa realçar que os aspectos que se prendem com a convicção do julgador sustentada em prova não vinculada (designadamente a testemunhal e pericial), sujeita ao princípio da livre apreciação, constitui matéria não sindicável pelo STJ, enquanto tribunal de revista[13]. Entende a Recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 412.º, do CPC, ao dar como provado o ponto 139, sem considerar provados os factos 21, 22 e 28 e não provados os factos 42 e 54. Está em causa a seguinte realidade fáctica: 139. Na tubagem do recuperador de calor e sistema de aquecimento foi utilizado tubo duplo em inox, com revestimento interior de lã de rocha, em peças de um metro cada, com um diâmetro interno do tubo de 20 cm e externo de 26 cm e terminava a 1,35 cm acima do telhado. – dada como provada. 21. A tubagem aplicada foi isolada termicamente em todo o seu comprimento. – dada como não provada. 22. Todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados. – dada como não provada. 28. A segurança do equipamento é garantida apenas pelo tipo de materiais aplicados e pelo seu revestimento e não pela distância existente entre estes e os materiais combustíveis. – dada como não provada. 42. Os tubos de exaustão de fumos não se encontravam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades. – dada como provada. 54. O incêndio não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do teto forrado de madeira do piso superior. – dada como provada. Preceitua o artigo 412.º, do CPC: “1 - Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral. 2 - Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove.”. Este normativo reporta-se aos chamados factos notórios (que o n.º 1 define como aqueles que são do conhecimento geral da população, que não necessitam de alegação nem mesmo de qualquer prova para que possam ser considerados, cabendo ao juiz por motu proprio levá-los em devida conta), aos factos que o tribunal tem conhecimento através do exercício das suas funções, como seja por exemplo, conhecimento através de outro processo pendente, devendo ser junto aos autos o devido documento comprovativo. Ora, ao invés do que a Recorrente defende, os factos por si indicados não são nem factos notórios nem factualidade que o tribunal pudesse ter conhecimento por virtude do exercício da sua função. Como resulta evidenciado nos autos, trata-se de matéria decorrente da produção de prova: conjugação da prova pericial, documental e testemunhal; como tal, sujeita à livre apreciação do julgador, não sendo sindicável pelo STJ. Invoca igualmente a Recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto no citado artigo 412.º, do CPC, atentas as regras de experiência comum em função da versão dos factos apresentada pela 1ª Autora, o que imporia que os pontos não provados n.ºs 25, 26, 27 e 31 deveriam ter sido considerados provados[14], Os factos em causa são os seguintes: 25. A Autora carregou demasiado o equipamento. – não provado. 26. A Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada. – não provado. 27. A adoção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio. – não provado. 30. A 2ª Autora era conhecedora dos termos e condições em que o recuperador de calor e sistema de aquecimento foram executados. – não provado. De acordo com a fundamentação do acórdão recorrido, estes factos foram considerados não provados face à ausência de prova para o efeito e em função do que resultou da prova pericial e testemunhal. Como já salientado, quer a prova testemunhal, quer a prova pericial, porque sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, encontram-se subtraídas ao conhecimento do STJ, enquanto tribunal da revista. Por outro lado, tal factualidade não pode ser considerada “notória” nem que tenha advindo ao conhecimento do tribunal por força do exercício das funções. Tratam-se, na verdade, de factos que estão sujeitos à produção de prova e, por isso, não ocorreu qualquer violação do disposto no artigo 412.º, do CPC. Alega ainda a recorrente que o acórdão recorrido violou, mais uma vez, o disposto no artigo 412.º do CPC e do artigo 388.º, do Código Civil, ao ter aditado à matéria de facto provada os pontos 141 e 142 e por não ter considerado provada a matéria alegada nos pontos 115 e 116. Os factos em apreço são os seguintes: 141. As medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adotadas não eram idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão. – provado 142. O encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé. – provado 115. O que, a par do referido em 52., a impediu de adoptar os comportamentos descritos no manual de utilização. – não provado 116. A adopção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria que incêndio tivesse a amplitude ocorrida. – não provado O acórdão recorrido fundamenta a decisão de não provado relativa aos factos 115 e 116 na ausência de prova que sobre os mesmos recaiu, tendo para tal sustentado a prova contrária no depoimento da testemunha II, trabalhador da ADF (fabricante e fornecedora do recuperador), na prova pericial e no teor do manual de instruções do recuperador, uma vez que o foco do incêndio ocorreu numa zona exterior ao funcionamento do recuperador de calor e respetiva tubagem, tendo origem na fuga de calor e no sobreaquecimento da madeira que se encontrava nas suas proximidades, donde despoletou a eclosão de chamas. Entendeu o acórdão recorrido que, tal como propugnado pelas Autoras em sede de apelação, deveriam ser aditados à matéria provada a factualidade constante dos pontos 141 e 142, por se tratar de matéria factual complementar, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do CPC. Ou seja, são factos que não foram alegados pelas partes, mas que resultam da instrução da causa. Para o efeito, o tribunal a quo fundamentou-se em prova testemunhal (a testemunha II), prova pericial, e a prova documental particular (manual de instruções) referindo a tal propósito[15]: “Revertendo ao caso em apreço, e dando aqui por reproduzidas as considerações explanadas a propósito da alteração das respostas aos pontos 115 e 116 dos factos provados - o foco do incêndio ocorreu numa zona exterior ao funcionamento do recuperador de calor e respetiva tubagem, tendo origem na fuga de calor e no sobreaquecimento da madeira que se encontrava nas suas proximidades, donde despoletou a eclosão de chamas -, é de concluir que a adoção dos procedimentos enunciados no manual de utilização não seriam idóneos a evitar o incêndio objeto dos autos, já que se formou no exterior um novo e autónomo foco de combustão, que se tornou autónomo relativamente ao foco de combustão existente no recuperador de calor (cfr. relatório pericial). E como explicitou a testemunha II, os procedimentos descritos no manual de utilização dizem respeito à minimização dos riscos de incêndio na chaminé, ou seja, quando o foco de incêndio se dá dentro do recuperador de calor ou dos tubos ou da chaminé, e não, como foi nos autos, no seu exterior.”. Por conseguinte, encontrando-se tal aditamento no âmbito dos poderes da Relação no conhecimento da matéria de facto e tratando-se de matéria obtida através de meios de prova sujeitos a livre apreciação, mostra-se a mesma subtraída ao crivo do STJ. Considera, por fim, a Recorrente que o acórdão recorrido violou o artigo 342.º, do Código Civil, uma vez que a 2.ª Autora não fez prova da existência do defeito, da sua gravidade, do nexo causal com a obra e a respectiva denúncia ao empreiteiro (ao invés, e em opinião da Ré, que fez a demonstração de que cumpriu a sua obrigação de realização da obra e que actuou sem culpa). Nos termos do artigo 342.º, do Código Civil, cabe a quem alega o direito fazer a prova dos seus factos constitutivos e àquele, contra quem são invocados os factos constitutivos, caberá fazer a prova dos factos da excepção, ou seja, da factualidade impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado. No caso, não obstante a Recorrente não ter indicado qual a factualidade que, em concreto, ocorre erro de julgamento por violação do referido comando legal, resulta evidente a sua falta de razão. Na verdade, atenta a matéria de facto apurada (tendo por base a prova testemunhal, documental e, em especial, a pericial, elementos de prova, não sujeitos à apreciação deste tribunal), conforme, oportunamente, se justificará, resulta que as Autoras alegaram e provaram a existência do defeito, bem como o nexo causal e a sua denúncia. As afirmações da Recorrente baseiam-se, por isso, em conclusões próprias, que não têm sustentação na realidade dos autos. Assim sendo, não podem deixar de improceder, nesta parte, as conclusões da Ré.
2.3 Da responsabilidade da Ré Almeidas &Magalhães, Lda. 2.3.1 Responsabilidade perante a 2.ª Autora (D..., Lda.) – responsabilidade contratual (conclusões 5 a 15 da Ré empreiteira) Pretende a Ré Almeidas & Magalhães, Lda. ver afastada a sua responsabilidade contratual perante a 2.ª Autora, sustentada na seguinte ordem de fundamentos: - por a 2:ª Autora (dona da obra), a quem incumbia o respectivo ónus de prova, não ter demonstrado o cumprimento defeituoso (a prova da existência de defeito de construção, não especificando o concreto defeito no isolamento, designadamente as normas das legis artis violadas e/ou os materiais que deveriam ter sido aplicados; o nexo de causalidade entre o defeito e os danos); - por, enquanto empreiteira, ter demonstrado o cumprimento a sua prestação (foi aplicado um tubo de inox de dupla face revestido no seu interior por lã rocha) e afastado a presunção de culpa que sobre si impendia. Não se mostra contestada a qualificação jurídica (contrato de empreitada) dada pelas instâncias ao acordo celebrado entre a Ré Almeidas & Magalhães, Lda. e a 2.ª Autora. A questão que a Recorrente põe em causa reporta-se ao (in)cumprimento da prestação que desse contrato lhe competia. Ao invés do defendido pela Ré, encontra-se demonstrado o defeito da obra - deficiente isolamento da tubagem de exaustão - e a consequente culpa (presumida) da empreiteira[16]. Assim o concluiu o acórdão recorrido, justificando nos seguintes termos (com destaque a negrito e sublinhado nossos): “Como é sabido, no contrato de empreitada o principal dever do empreiteiro é a realização de certa obra (art. 1207º do CC). A execução dessa obra deve ser feita “em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” art. 1208º do CC , devendo cumprir pontualmente (art. 406º do CC) e proceder à entrega da obra no prazo estabelecido, quando assim tiver sido acordado. A execução de um contrato de empreitada implica para o empreiteiro a assunção de uma obrigação de resultado. O devedor cumpre a obrigação quando realiza, integralmente, a prestação a que está vinculado (art. 762º, n.º 1 e 763º, n.º 1, ambos do CC). O art. 798º do CC prevê que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. O preceito seguinte (art. 799º) consagra uma presunção “iuris tantum” a cargo do devedor ao prescrever que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. (…) Tratando-se de uma prestação de resultado, na prática, pese embora corresponda a uma presunção relativa, não é fácil ilidir a presunção de culpa do empreiteiro. Ocorre cumprimento defeituoso (imperfeito ou inexato) sempre que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito em violação do princípio da pontualidade do cumprimento, ocorrendo uma desconformidade entre a prestação devida e a prestação realizada, que não permite a satisfação adequada do interesse do credor (arts. 799º, n.º 1, 913º e ss. e 1218º e ss. do CC)48. (…) Na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido feita com deformidades ou com vícios. O defeito consiste num “desvio à qualidade devida, desde que a divergência seja relevante”. As deformidades consistem em discordâncias relativamente ao plano acordado. Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208º do CC), designadamente por violação de regras especiais de segurança. Ao conjunto das deformidades e dos vícios chamar-se-á, tal como o faz o Código Civil, defeitos. Os defeitos podem ser aparentes e ocultos. Os defeitos aparentes são aqueles que o dono da obra conhece fazendo uso da diligência normal do bónus pater família; diversamente, são ocultos os defeitos que são desconhecidos do dono da obra e não detetáveis ‘por aquele homem médio” ou, se for o caso, pelo perito ou técnico médio contratado para proceder à verificação da obra53. Em situações de incumprimento (designadamente de cumprimento defeituoso), ao credor/dono da obra basta demonstrar a materialidade do incumprimento, ou seja, no caso de cumprimento defeituoso, como ora sucede, a “existência do defeito”, o vício ou desconformidade da obra, cabendo já ao devedor/empreiteiro provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume iuris tantum (art. 799º, n.º 1, do CC)54. O estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da situação anormal de ausência de culpa. Além disso, sendo o devedor quem controla e dirige a execução da prestação, tem maior facilidade em conhecer e demonstrar as causas do incumprimento. O cumprimento deste «ónus não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. Nesta situação continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O empreiteiro tem que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve do processo executivo da prestação. Só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra por si realizada». A factualidade provada nos autos não deixa dúvidas de que a obra foi executada com defeitos. Com efeito, as autoras lograram demonstrar a existência do defeito traduzido no indevido isolamento dos tubos de exaustão de fumos do recuperador, cuja execução incumbia e foi realizada pela 1ª ré. Esta atuou, por isso, ilicitamente, presumindo-se, nos termos gerais, o incumprimento culposo (arts. 798º e 799º, n.º 1 do CC). Foi em resultado daquele deficiente isolamento das tubagens de exaustão de fumos do recuperador de calor que ocorreu o sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades, dando origem ao incêndio no prédio da 2ª A. Por referência à matéria de facto provada [pontos 89, 94, 99, 31, 101, 102, 103, 104, 109, 117, 118, 119 e 120), aduz a recorrente que, mesmo que se entenda que a obra padecia do alegado defeito – que efetivamente padecia –, a empreiteira atuou sem culpa, porquanto cumpriu rigorosamente o projeto de arquitetura da obra e atuou com zelo e todas as cautelas que lhe eram exigíveis, ou seja fez tudo aquilo que faria um “bom pai de família”. Como tem sido salientado pela doutrina, no âmbito da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra, certos comportamentos imputáveis ao dono da obra poderão gerar situações desresponsabilizadoras do empreiteiro. Assim acontecerá, nas palavras de J. Cura Mariano, “quando o defeito tem origem no projeto, previsões, estudos ou materiais relativos à obra a executar, fornecidos pelo dono da obra, ou em instruções ou informações dadas por este ou por pessoas por si mandatadas para o efeito. Estaremos perante um vício e não uma desconformidade da obra”. Mas ainda que se prove que o defeito tem origem no projecto da obra a executar, o empreiteiro só verá a sua responsabilidade excluída quando o erro de concepção não for detectável por um profissional de competência suficiente (o bom profissional) na realização daquele tipo de obras, ou se, tendo sido detectado, o empreiteiro informou o dono da obra das consequências nefastas da execução desta segundo o projecto, tendo o dono da obra insistido pela realização da construção encomendada; tendo o empreiteiro o dever de detectar e avisar o dono da obra da existência de erros ou defeitos nos projectos, não podem esses erros ou defeitos serem invocados pelo empreiteiro para diminuir a sua responsabilidade. No caso sub júdice, não resulta demonstrado que o apontado defeito consistente no deficiente isolamento dos tubos de exaustão se ficou a dever a erro de concepção de projeto ou a dados, estudo ou previsões fornecidas pelo dono da obra, nem tão pouco que aquele defeito é o resultado do cumprimento de ordens ou instruções transmitidas à empreiteira pela dona da obra. Igualmente não ficou provado que os factos tiveram na sua origem uma má utilização do recuperador de calor por parte dos seus detentores ou um risco próprio inerente ao seu funcionamento, ou que aqueles se ficaram a dever a um factor de ordem natural, a que a empreiteira é totalmente alheio. Com efeito, não ficou provado que o incêndio não teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio; as causas do incêndio são desconhecidas; o incêndio pode ter tido várias origens, designadamente, num curto-circuito eléctrico ou num raio de trovoada; o sistema eléctrico dos candeeiros adquiridos pela Autora no estrangeiro poderia não estar em bom estado de conservação ou não ser totalmente compatível com o sistema eléctrico instalado na casa e, com o decorrer do tempo, ter desencadeado um curto-circuito; no dia e hora em que ocorreu o sinistro, estava a chover e também trovejava intensamente, tendo um raio caído sobre o telhado da casa, o que fez desencadear o incêndio; a tubagem aplicada foi isolada termicamente em todo o seu comprimento; todos os tubos de exaustão e de calor ficaram devidamente isolados; a Autora carregou demasiado o equipamento; a Autora não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura, evitando uma queima desmesurada; a adopção dos comportamentos descritos no manual de utilização impediria a ocorrência do incêndio; se a Autora estivesse em casa poderia a impedir o incêndio; a 1ª Autora foi habitar o prédio nº. ...9 sem que estivessem reunidas as condições de segurança contra incêndios, exigidas pelo Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndios em Edifícios, sabendo que não estavam reunidas as condições de segurança para o efeito e potenciando os riscos inerentes a essa utilização (pontos 16 a 22, 25 a 27, 31 e 32 dos factos não provados). Assim, perante a materialidade apurada e o apontado regime jurídico, dúvidas não restam de que a 1ª Ré/recorrente, na qualidade de entidade que procedeu ao revestimento da tubagem, não afastou a sua responsabilidade pela existência do mencionado defeito, não logrando provar que a causa (defeito) lhe é estranha e não poderia ser por si evitada, antolhando-se manifestamente insuficiente ou irrelevante/inconsequente, por exemplo, o que resulta dos factos indicados sob os pontos 89, 94, 99, 31, 101, 102, 103, 104, 109, 117, 118, 119 e 120. Por consequência, indubitável é a sua culpa e a sua responsabilidade, tal como afirmada na sentença recorrida.”. A transcrição levada a cabo, embora extensa, assume justificação pois evidencia a criteriosa fundamentação (fáctica e jurídica) da decisão recorrida, que tem a nossa anuência e não pode deixar de ser reiterada e subscrita uma vez que nela foram equacionados e rebatidos os argumentos esgrimidos na apelação, que a Ré agora repete em sede de revista,. Por conseguinte, face à realidade fáctica apurada[17], considerando que ficou provado que o incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio nº. ...9, obra executada pela 1.ª Ré, não obstante a mesma ter procedido ao revestimento da tubagem exterior do sistema de aquecimento, em toda a sua extensão, com lã de rocha, o certo é que perante os materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira, tal isolamento não foi o que se mostrava suficiente/adequado, no caso, por forma a proteger a referida madeira do calor emanado da referida tubagem de escoamento de fumos aquando do funcionamento do recuperado. Para isso impor-se-ia que, aquando da passagem do calor pela tubagem de saída de fumos e a consequente dilatação dos tubos, os mesmos não entrassem em contacto com a madeira provocando um sobreaquecimento na mesma que levasse à eclosão de um foco de incêndio. Assim, resultando demonstrado que o incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio n.º ...9 (tubagem que, por não se encontrar devidamente selada/isolada, permitiu fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades) não resta dúvida de que a causa do incêndio radicou num defeito (oculto) da responsabilidade da empreiteira (1ª Ré)[18], que não ilidiu a respectiva culpa na execução da referida obra. Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões da Recorrente.
2.3.1.1 Da admissibilidade do pedido da 2.ª Autora formulado em b): condenação no valor necessário à construção de obra nova (recurso da Ré empreiteira - conclusões 18 a 21) Na sequência do que já havia invocado em sede de apelação, a Recorrente persiste em defender que o tribunal a quo ao admitir o pedido alternativo formulado na alínea b) violou o disposto nos artigos 553.º, do CPC e 1221.º a 1223.º, do Código Civil, porquanto não se está perante direitos alternativos por natureza ou origem, nem direitos que se resolvem em alternativa. A questão mostra-se devidamente abordada e decidida no acórdão recorrido e nessa medida não podemos deixar de a secundar, sendo certo que a Recorrente se limitou a renovar a argumentação tecida na apelação. Refere o acórdão recorrido a tal respeito: “Segundo a noção dada pelo n.º 1 do art. 543.º do CPC é “permitido fazer pedidos alternativos, com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa”. Quanto aos direitos que se podem resolver em alternativa, respeitam a casos em que o credor, perante o incumprimento por parte do devedor, tem a faculdade de optar por uma das várias soluções que a lei lhe concede. Assim acontecesse nos casos previstos nos arts. 802º e 808º do CC64. No âmbito do contrato de empreitada, perante a existência de defeitos a lei concede ao dono da obra vários direitos – eliminação dos defeitos ou nova construção (art. 1221º), redução do preço ou resolução do contrato (1222º) e indemnização nos termos gerais (art. 1223º) –, os quais não podem ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente e pela ordem em que são reconhecidos65. Ora, face ao preceituado nos art. 1221º a 1223º do CC, o dono da obra (lesado com a execução defeituosa da mesma), tem, para se ressarcir dos seus prejuízos, de subordinar-se à ordem aí estabelecida, e exigir: em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos; no caso de não poderem ser eliminados, exigir nova obra; seguidamente a redução do preço ou a resolução do contrato (no caso de os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina) e, em último lugar, pedir indemnização nos termos gerais . De entre os três grupos de meios jurídicos facultados ao dono da obra – no primeiro dos quais se integram a eliminação dos defeitos, a substituição da coisa ou de realização de nova obra, no segundo as pretensões de resolução do contrato e de redução do preço, e, no terceiro, o direito a ser indemnizado –, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que, no confronto entre os meios previstos no primeiro e no segundo grupos, devem prevalecer as pretensões do primeiro, pois representa a melhor forma de obter a reconstituição natural Enquanto o cumprimento da prestação acordada for possível, mediante a eliminação do defeito ou através da sua substituição, não pode estar aberto o caminho para a resolução do contrato, nem para a redução do preço. (…) Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador ou dono da obra só cabe escolher entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento – reparação ou substituição da coisa – ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado nos termos do art. 808º do CC, para a sua efetivação”. Não merecendo controvérsia que os direitos do dono da obra na eliminação dos defeitos nos termos do artigo 1221.º, do Código Civil, não constituem obrigações que se resolvem em alternativa, mas podem ser deduzidos na acção enquanto pedidos em regime de subsidiariedade[19], há que considerar que os pedidos formulados pela 2.ª Autora[20], terão de ser entendidos pelo tribunal enquanto pedidos subsidiários; não, pelo reporte literal consignado pela parte[21], embora os termos que a mesma utilizou no pedido não encontrem eco na formulação feita nos artigos 96 e 97 da petição (Pelo que as Rés são responsáveis pela reparação in natura do prédio no estado em que ele se encontrava à data do incêndio. Ou subsidiariamente, a indemnização corresponderá ao valor que resulta do mapa de trabalho acrescido do valor necessário à reconstrução do telhado, chaminé e paredes exteriores pré-existentes). – sublinhado nosso. Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões da Recorrente.
2.3.1.2 Da indemnização dos danos da 2.ª Autora relativamente ao recheio do imóvel (conclusões da Ré empreiteira 16 a 17) Reitera a Ré na revista a argumentação que defendeu na apelação: a indemnização neste tipo de danos (extra rem) não pode ter por fundamento as regras da responsabilidade contratual (com a consequente presunção de culpa prevista no artigo 799.º, do Código Civil), mas nos ditames da responsabilidade extracontratual com o inerente ónus da prova, por parte da 2ª Autora, de todos os requisitos previstos no artigo 483.º, do Código Civil. O tribunal a quo, apreciando a questão e seguindo de perto o entendimento sufragado no acórdão do STJ de 10-04-2019 (proferido no âmbito do Processo n.º 2673/12....[22]), considerou que ainda que a situação fosse aferida à luz dos pressupostos da responsabilidade delitual, sempre seria de concluir pela verificação dos respetivos requisitos (facto ilícito e culposo, danos e nexo de causalidade entre o facto e o dano) conducentes à responsabilização da 1ª ré face à 2ª autora. Como se encontra realçado no supra citado aresto, não obstante estar em causa o ressarcimento de um dano incidente sobre objeto diferente do da empreitada contratada, não deixa de ser um dano derivado ou subsequente de uma prestação defeituosa do contrato, logo há de tratar-se de responsabilidade contratual, pois o que releva para o efeito é a fonte do dano, que é contratual (cumprimento deficiente da obrigação contratual), e não o objeto onde o dano se projeta (o que apenas tem a ver com a natureza direta ou indireta do dano). Refere, igualmente, o acórdão que “No limite, afigura-se que se estaria perante um concurso (ideal) dos dois regimes de responsabilidade, o da responsabilidade contratual e o da responsabilidade delitual, a resolver através do chamado princípio da consunção. E este, como nos diz Almeida e Costa (Direito das Obrigações, 9.ª ed. pp. 499 a 504), deve levar a privilegiar a aplicação do regime da responsabilidade contratual. Não se desconhece, por certo, a proposta de Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pp. 236 e seguintes; Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2.ª ed., p 474) no sentido de que haverá que distinguir entre danos extra rem e danos circa rem. Os primeiros seriam (apenas) os danos pessoais sofridos pelo credor (no caso, o dono da obra) e os danos ocasionados no restante património do accipiens; estes danos, que tanto podiam ser causados ao dono da obra como a qualquer terceiro, sem dependência pois do contrato de empreitada, integrariam uma responsabilidade delitual. Os segundos seriam os danos causados no objeto da prestação, e levariam, por exclusão de partes, a uma responsabilidade contratual. A adotar esta proposta, o dano aqui em discussão teria que ser havido como decorrendo de responsabilidade delitual. Cremos, todavia, que melhor visão do assunto nos é dada por João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª ed., pp. 91 e 92). Diz o autor, e passa-se a citar: “Na obra com defeitos, além destes normalmente encerrarem em si um prejuízo para o dono da obra, podem também provocar danos subsequentes, como sejam estragos na própria obra e danos pessoais ou noutros bens materiais do dono da obra ou de terceiros. (…) Os prejuízos que normalmente resultam da execução da obra com defeitos são a sua desvalorização, danos sequenciais no objecto da obra, em outros bens do seu dono, ou mesmo na sua pessoa (…) É certo que muitos dos danos sofridos pelo dono da obra, como (…) os estragos na obra ou noutras coisas provocados pelos defeitos (…), além de terem origem numa violação positiva do contrato de empreitada, são também consequência de violações dos chamados direitos absolutos, pelo que o mesmo dano tem simultaneamente uma origem contratual e extracontratual (…). Nestes casos em que ocorre um concurso ideal dos dois regimes de responsabilidade, consideramos que o da responsabilidade contratual consume o da responsabilidade extracontratual, sendo ele o aplicável, uma vez que entre lesante e lesado existe uma relação obrigacional na qual ocorreu o facto lesivo, justificando-se, pois, a sobreposição da responsabilidade adequada à violação dos contratos. Daí que se conclua que os danos sofridos pelo dono da obra, independentemente da sua configuração e localização, originam sempre uma responsabilidade contratual, enquanto que os danos sofridos por terceiros estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual.” Conscientes, pois, de que se trata de problemática que pode ser perspectivada de outras formas[23], consideramos que o entendimento juridicamente mais adequado é o que faz prevalecer o regime da responsabilidade contratual; como tal, não podemos deixar de manter o que nesse sentido se mostra entendido na decisão recorrida. Com efeito, a responsabilidade da Ré empreiteira para com a 2.ª Autora desenvolve-se, sem dúvida, no seio de uma relação contratual perante a dona da obra (única lesada para tal efeito), em que os danos decorrentes do incumprimento contratual (destruição do recheio de casa) vão além dos que estritamente se ligam ao contrato, ou seja, embora estejam em causa danos provocados em objectos estranhos à obra, uma vez que a causa dos mesmos radica na inobservância de deveres adstritos ao devedor no âmbito da relação contratual, há que lhes aplicar o regime da responsabilidade contratual. Todavia, no caso, tal como concluiu o tribunal recorrido, independentemente da tese que perfilhemos, da matéria provada resulta inequívoca a demonstração, pela Autora, da existência dos referidos danos no recheio do imóvel n.º 19. Ainda quanto a esta matéria improcedem as conclusões das alegações.
2.3.2 Responsabilidade perante a 1.ª Autora (AA) – responsabilidade extracontratual (conclusões 16 a 33 da Ré empreiteira e 4 a 10 da Ré Seguradora) Está em causa a responsabilidade civil da 2.ª Ré perante a 1.ª Autora ao abrigo do disposto no artigo 483.º, do Código Civil. As Recorrentes consideram não se encontrarem reunidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual da empreiteira pelas consequências do incêndio. Defendem, nesse sentido, não ocorrer facto ilícito nem nexo de causalidade entre o eventual defeito e o incêndio e respectivos danos dele decorrentes. No que se refere à prática de acto ilícito imputável à Ré empreiteira, na sequência do já acima referido quanto à existência de defeito no cumprimento da prestação que àquela cometia na execução do contrato de empreitada, não podemos deixar de concluir, na sequência do decidido pelas instâncias, que na realização da sua tarefa de isolamento da tubagem exterior do sistema de aquecimento, a empreiteira fê-lo deficientemente e dessa má execução eclodiu o incêndio que se alastrou ao prédio vizinho, propriedade da 1.ª Autora. Praticou, pois, a Ré empreiteira um facto ilícito (porque desrespeitando regras de ordem técnica e de segurança e da prudência comum, violou o direito de propriedade da 1.ª Autora ) porque lhe cabia, perante as circunstâncias em causa – existência de materiais combustíveis, nomeadamente ao travejamento e forro em madeira –, proceder ao isolamento suficiente e adequado a proteger a madeira do calor emanado da referida tubagem de escoamento de fumos em virtude do funcionamento do recuperador, por forma a que a consequente dilatação dos tubos não entrasse em contacto com a madeira provocando o sobreaquecimento daqueles materiais (tendo sido as fugas de calor e sobreaquecimento na madeira que se encontrava nas suas proximidades que determinou a deflagração). Tal incumprimento traduziu-se ainda numa conduta (omissão) culposa (a título de negligência), porquanto, podendo e devendo isolar correctamente face às condições dos materiais circundantes, o seu comportamento omissivo é passível de um juízo de censura já que a Ré podia, mas não actuou segundo os ditames da diligência normal que, nas circunstâncias do caso, se exigia de um empreiteiro[24]. Provado está igualmente o nexo de causalidade entre o facto e o incêndio porquanto ficou provado que este não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do tecto forrado de madeira do piso superior. Relativamente a este aspecto há que fazer salientar que tal conclusão não é afastada perante a factualidade provada no ponto n.º 89 (a 1.ª Ré executou todas as obras contratadas com a 2.ª Autora nos precisos termos e condições previstas no projeto de arquitetura que lhe foi enviado pela 2.ª Autora, e que foi aprovado pela Câmara Municipal ..., em conformidade com as alterações acordadas com as autoras no decurso dos trabalhos e que se mostram refletidas nas telas finais) face à demonstração de uma realidade incontornável: a 1.ª Ré isolou de forma deficiente a referida tubagem perante as características dos materiais circundantes ao tubo. Perante a especificidade da situação deveria a 1.ª Ré, para além da verificação dos projectos (no sentido de indagar/verificar se perante os condicionalismos do caso cumpriam as normas técnicas exigidas), pelo menos, ter avisado o dono da obra (a 2.ª Autora), o que não fez[25]. No que toca à culpa da Ré importa ainda fazer referência à questão da presunção de culpa da 1.ª Autora prevista no artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil, que foi afastada pelo acórdão recorrido nos seguintes termos: “Retomando o caso em apreço e tomando em consideração que eram as Autoras (a 2ª A., enquanto proprietária do recuperador de calor e representada pela sua legal representante, e a 1ª A., quer por si, como pessoa física – que residia no imóvel onde estava instalado o recuperador, dele fazendo uso para satisfação das suas necessidades privadas/familiares –, quer na qualidade de legal representante da 2ª A.) que detinham a guarda do recuperador de calor, e dado não estar em causa o apuramento da sua responsabilidade com vista a ressarcir danos causados na esfera jurídica de terceiros lesados, mas tão só das próprias lesadas (proprietária e detentora da coisa), tendemos a concordar com as AA./recorrentes ao aludirem à imprestabilidade da aplicação do regime estabelecido no art. 493º, n.º 1, do CC com vista àquele fim, por não estar em causa a imputação de danos resultantes da utilização do recuperador. A presunção de culpa consagrada e o dever de vigilância da coisa pressuposta no citado normativo reporta-se ao lesante e não ao lesado. Diverso seria se estivesse em causa a obrigação de indemnizar terceiros lesados por parte das detentoras do recuperador com o encargo de o vigiar, o que não é o caso. Deixam, por isso, de ter pertinência as considerações aduzidas pela recorrente Almeidas & Magalhães Lda atinentes à não ilisão da presunção de culpa que (alegadamente) recairia sobre as autoras nos termos do art. 493º, n.º 1, do CC (conclusões 46 e 48). Assim, dada a inviabilidade do instituto jurídico em apreço abstemo-nos nesta sede de quaisquer considerações sobre a facticidade apurada.”. Persiste a Ré, nesta sede, em defender a aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 493.º, do Código Civil, afastando assim, segundo a mesma, qualquer responsabilidade sua pelo incêndio. Apoia-se na factualidade dos pontos 126, 127 e 128 da matéria provada e concluiu que não só dela decorre a violação do dever de vigilância, pela 2.ª Autora, relativamente ao recuperador, como a culpa da representante legal da mesma (a 1.ª Autora) por sair de casa deixando o equipamento em funcionamento. Como refere o acórdão deste tribunal, de 22-09-2021, a “a especificidade da norma do artigo 493.º, n.º 1, é a de prever as situações em que foram causados danos por uma coisa em relação à qual o agente onerado com a presunção tinha um dever de cuidado”, correspondendo “a uma manifestação de um mais amplo dever de cuidado (na veste de dever de conduta), enquanto obrigação de os proprietários e detentores de coisas, potencialmente munidas de risco na sua fruição ou utilização, cumprirem com diligência as faculdades jurídicas atribuídas pelo título que lhes permite gozar da coisa “arriscada” ou “perigosa”, de acordo com a bitola que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias e situações similares. Assim será esta a medida de exigência para o cumprimento do dever de vigilância imposto ao proprietário-detentor e, se for o caso, de uma corresponde ilicitude por incumprimento (omissão) do dever legal reflexo de um “cuidado exterior”[26]. É ao proprietário ou detentor da coisa imóvel ou móvel que causou o dano, e sobre o qual impende o dever de vigilância, quem tem o ónus de afastar a presunção de culpa[27], No alcance do sentido da norma, refere o acórdão deste tribunal de 26-04-2018, citando Rui Ataíde (Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfegos, Almedina, 2015) que “o preceito exige que os danos tenham sido causados pelas coisas e não com as coisas, afastando, portanto, do seu âmbito as situações em que a coisa desempenhou um simples papel passivo ou instrumental da actividade humana (como sucede se alguém se servir de um pau para quebrar uma montra). Quando assim for, não se verificam os pressupostos específicos que fundam o regime especial, devendo as lesões ser dirimidas segundo as regras gerais”[28]. Não se põe em causa que a 1.ª Autora, enquanto detentora do imóvel onde ocorreu o incêndio e também como representante da 2.ª Autora, proprietária do mesmo, estava adstrita ao dever de guarda e vigilância do recuperador de calor e do imóvel. Resulta, porém, evidenciado dos factos provados que não foi uma falha do dever de vigilância sobre o imóvel (nem sequer o próprio imóvel) que determinou o incêndio, pois que a ocorrência do mesmo adveio do mau isolamento na tubagem do recuperador de calor. Por outro lado, o incêndio não deflagrou no recuperador de calor, mas no exterior da tubagem do recuperador de calor (por estar em contacto com matérias combustíveis, madeira, e padecer de deficiente isolamento). Nessa medida, considerando que não ficou provado o uso anormal ou excessivo do recuperador de calor, tendo o incêndio deflagrado no exterior deste, não pode operar a presente presunção de culpa extracontratual. Acresce que, não tendo sido nenhuma das Autoras a causadora do incêndio, afastada a qualidade das mesmas como lesantes, tal como asseverado pelo acórdão recorrido, mostra-se, afastada a possibilidade de poder ser aplicável a pretendida presunção. Importa por fim realçar que provado está, igualmente, o pressuposto da responsabilidade da Ré empreiteira, o nexo de causalidade entre o facto e o incêndio uma vez que foi apurado que este não ocorreria se a tubagem de exaustão de fumos tivesse sido corretamente isolada na sua passagem na zona do tecto forrado de madeira do piso superior. Refere a tal propósito o acórdão recorrido: “Verifica-se, também, um nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso da empreitada pela 1ª ré – deficiente isolamento dos tubos de exaustão de fumos no âmbito da empreitada levada a cabo no prédio n.º ...9 – e o incêndio que sobreveio nesse prédio e posteriormente alastrou ao prédio n.º ...7, pois que este evento constitui uma sua consequência normal, típica, provável, porquanto tal execução defeituosa é facto com aptidão, segundo o curso normal das coisas, para causar um incêndio, o que em concreto sucedeu. Por outro lado, tendo as autoras logrado provar que o revestimento dos espaços onde foram colocados o recuperador de calor, a respetiva tubagem e chaminé foram feitos pela 1ª Ré, bem como que esta não selou/isolou corretamente os tubos de exaustão o que deu origem ao incêndio, era à recorrente, e não àquelas, que competia demonstrar que executou os trabalhos de acordo com as leges artis, ónus este que não logrou cumprir. Tem-se, pois, como inequívoca a conclusão de que a causa – causa juridicamente adequada, nos termos do art. 563º do CC – do incêndio e da consequente destruição do prédio da 1ª autora e do respetivo recheio foi a execução defeituosa, por parte da 1ª ré, do isolamento dos tubos de exaustão do sistema de aquecimento no prédio n.º ...9”. Improcedem, por isso, as referidas conclusões das revistas.
2.3.3 Da culpa da lesada (1.ª Autora) – (conclusões 34 a 38 da Ré empreiteira) Como já havia defendido em sede de apelação, a Recorrente, sustentada no artigo 570.º, do Código Civil, invoca a existência de culpa da 2ª Autora na produção dos danos ocorridos no prédio da 1ª Autora, determinando, com isso, a exclusão da sua culpa. Considera, ainda, para o caso de assim não se entender, que na responsabilização pelos danos ocorridos no prédio da 1.ª Autora, a culpa da 2ª Autora terá sempre de ser superior à sua ou, pelo menos, igual, mas nunca inferior. O acórdão recorrido, ao invés da sentença[29], afastou a culpa das Autoras porquanto considerou: - que foi provado que o incêndio ocorreu em local exterior ao recuperador (na madeira, junto à tubagem); - que não resultaram provados factos relativos ao comportamento das Autoras para a ocorrência do dano. A questão a apreciar para efeitos de determinar da exclusão ou redução da culpa da Ré Almeidas & Magalhães, Lda. na produção dos danos ocorridos no prédio da 1.ª Autora reconduz-se apenas ao facto de se encontrar provado que a esta se ausentou de casa com o recuperador de calor em funcionamento. E a resposta não pode deixar de ser no sentido de que as Autoras não só não contribuíram para a eclosão do incêndio, como a sua actuação tem por pressuposto o confiar no correcto funcionamento do recuperador, cumprindo as normas indicadas para o funcionamento do mesmo; nessa medida, a circunstância da 1.ª Autora se ter ausentado de casa deixando a funcionar um recuperador de calor fechado cuja função primordial é o aquecimento casa, não confere perigo de o fogo se propagar, pelo que não pode tal comportamento ser censurável. Vejamos. Nos termos do artigo 570.º, n.º1, do Código Civil, “um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”. Reporta-se o preceito à relevância da concorrência do facto culposo do lesado quer para a produção dos danos, quer para o agravamento destes. Prevê, pois, o preceito em termos de relevância do nexo de concausalidade para a produção do dano ou para o seu agravamento, uma conduta culposa[30] por parte do lesado. No caso, a situação apenas poderia ser enquadrável na perspectiva do concurso de conduta da lesada para o agravamento dos danos, uma vez que se encontra plenamente delineada a causa determinante do evento lesivo (pois, sublinha-se, o incêndio teve origem na tubagem de exaustão localizada na parede divisória dos quartos e da casa de banho do prédio n.º ...9, sendo que tais tubos de exaustão de fumos não estavam devidamente isolados, permitindo fugas de calor e sobreaquecimento da madeira que se encontrava na proximidade, tenho ainda ficado apurado que se a tubagem de exaustão tivesse sido correctamente isolada, o incêndio não teria ocorrido). Assim, a circunstância de se ter ausentado de casa para o agravamento dos danos apenas seria relevante se o comportamento da 1.ª Autora fosse censurável[31], o que se encontra afastado em face da realidade fáctica apurada. Na verdade, para além do acima referido relativamente à inexistência de prova quanto à má utilização do recuperador (sair de casa e deixar o recuperador de calor ligado não a integra), igualmente não foram demonstrados comportamentos da Autora que poderiam ter sido adoptados para evitar o alastrar do incêndio (matéria não provada sob os pontos 25, 26, 27, 31, 36 e 37), sendo certo que ficou provado que as medidas de segurança ou de contenção de fogo passíveis de serem adoptadas não eram idóneas a evitar a ocorrência de um fogo por causa da fuga de calor na tubagem de exaustão e o encerramento do ar no funcionamento do recuperador de calor só tinha eficácia em casos em que o fogo se encontra contido no próprio sistema de aquecimento, recuperador, tubagem de exaustão e chaminé - n.ºs 141 e 142 da matéria de facto provada. Assim, independentemente de o comportamento da 1.ª Autora poder ter efeito em termos de agravamento dos danos (factos provados sob os pontos n.ºs 113, 114, 126 a 128[32]), o mesmo não pode ser, de modo algum, censurável para efeitos de aplicação do artigo 570.º do Código Civil, uma vez que: - tinha sido dada a garantia do correcto funcionamento do aparelho, cuja função é o aquecimento da casa; - não era expectável que pudesse ocorrer o incêndio fora da tubagem derivado de um defeito oculto; - não foi feita má utilização do aparelho. Consequentemente, tal circunstancialismo fáctico – ter a Autora saído de casa deixando ligado o recuperador – mostra-se irrelevante para a pretendida repartição de culpas, nos termos do artigo 570.º, do Código Civil. Improcedem, também, quanto a esta questão, as conclusões da Recorrente.
2.3.4 Da responsabilidade da Ré Seguradora pelos danos sofridos pela 1.ª Autora enquanto proprietária do prédio contíguo (conclusões 11 a 41 da Ré) Como resulta provado (n.ºs 13 a 18), a Ré empreiteira celebrou com a Ré seguradora um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ......16..., do produto “Responsabilidade Civil Exploração”, nos termos das condições particulares juntas a fls. 353 verso e seguintes, sendo a actividade prevista a de “construção civil s/ danos prédios contíguos”, por limite máximo de indemnização de 250.000,00€ por ano e sinistro, sujeito a uma franquia por sinistro de 10% dos prejuízos, com um mínimo 250,00€. Qualificando este contrato como seguro de danos, do sub-tipo de responsabilidade civil – cfr. arts. 123º e 137º do RJCS) –, de carácter individual e facultativo, o acórdão recorrido, contrariamente à sentença, considerou que os danos verificados no prédio da 1.ª Autora se encontravam cobertos pelo referido contrato (não obstante ocorridos em prédio contíguo daquele onde foi executada a empreitada, ou seja, onde foram realizadas as obras de construção civil a que a segurada se obrigou), entendendo que a menção ínsita no mesmo – “Construção Civil s/Danos Prédios Contíguos” – não era apta a valer como cláusula negocial de delimitação objectiva da cobertura do seguro. A Recorrente insurge-se perante tal solução imputando ao acórdão recorrido erro de interpretação de direito ao afastar a aplicação da cláusula particular respeitante à delimitação da actividade de seguro de “construção civil s/danos em prédios contíguos” por se tratar de “norma de delimitação do risco seguro – a actividade de construção civil – delimitando-a, no conteúdo, com a exclusão de danos causados a prédios contíguos a qualquer obra onde a segurada exerça a sua actividade de construção civil” e, não, de “uma cláusula geral, termos e para os efeitos de sujeição às regras do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, em particular as que determinam a sua invalidade ou permitem ao julgador recusar a sua aplicação por recurso às ferramentas neutralizadoras da sua aplicação constantes dos arts. 11º, 12.º, 14º, 15º, 17º, 18º a 22º do RJCCG”. O acórdão, porém, na interpretação do contrato de seguro, visando fixar-lhe o sentido juridicamente relevante da vontade negocial retratada na respectiva apólice, concluiu que a menção “Construção Civil s/Danos Prédios Contíguos” não consubstancia uma cláusula de delimitação objectiva da cobertura, sustentando-se, fundamentalmente: - o âmbito da referida menção não se confina ao campo de abrangência da exclusão específica prevista nas Condições Especiais atinentes aos danos produzidos em prédio contíguos do artigo 3.º, alínea d); - os princípios da transparência e da boa-fé imporiam que a ser a vontade das partes tratar-se de uma convenção negocial de delimitação objectiva da cobertura do seguro, a menção teria de ser destacada e especificada no campo das “Coberturas” ou das “Declarações e Cláusulas Particulares aplicáveis às Coberturas”, nomeadamente no item do “Âmbito de cobertura”; - a forma como a menção se encontra inserida na apólice (no campo de actividade e pela sua apresentação gráfica sem qualquer destaque à delimitação do objecto do seguro), corresponde a uma cláusula-surpresa, por facilmente passar desapercebida a um contraente colocado na posição do contraente real. Considera ainda o tribunal a quo que a relevância económica de tal cláusula na delimitação do objecto do contrato de seguro (a celebração deste tipo de contratos de seguro de responsabilidade civil encontra justificação no acautelar[33] do efectivo ressarcimento de terceiros lesados onde normalmente e muito especialmente se inclui a tutela de danos causados em prédios contíguos em consequência da actividade de construção civil), não se compatibiliza com a desadequação formal levada a cabo no caso concreto “menorizando o seu conteúdo a ponto de não a discriminar no campo da cobertura”, o que leva a que, razoavelmente, não possa ser notada por alguém colocado na posição do contraente real. Com o devido respeito, entendemos que o acórdão recorrido construiu o seu entendimento desvalorizando duas realidades: - a matéria de facto efectivamente demonstrada; - a liberdade contratual das partes na delimitação do objecto do seguro em sede de condições particulares. Com efeito, na interpretação da vontade das partes,[34] há que dar relevância à circunstância de terem feito consignar, enquanto condição particular, a menção referente aos danos ocorridos em prédios contíguos, sendo que fizeram expressamente incluir os danos causados a cabos, canalizações ou instalações subterrâneas em derrogação do previsto em contrário nas condições gerais e especiais. Note-se que, no caso, como bem se salienta na sentença de 1.ª instância, uma vez que os danos causados em prédios contíguos não constam “das exclusões absolutamente necessárias previstas no artigo 6º/§ 1º e 2º das condições gerais e nos artigos 2º e 3º das condições especiais” poderiam ser afastados pelas partes. Acresce, como igualmente se encontra sublinhado na sentença, “as condições gerais da apólice correspondem às cláusulas que definem basicamente o tipo de seguro acordado. Por seu turno, as condições especiais concretizam as cláusulas gerais, delimitando o tipo de seguro, nomeadamente excluindo certos aspectos do risco assumido pela seguradora. Depois de se definir o tipo de seguro, nas cláusulas gerais, especifica-se o conteúdo do contrato nas cláusulas especiais.” (Pedro Romano Martinez, “Cláusulas contratuais gerais e cláusulas de limitação ou de exclusão da responsabilidade no contrato de seguro”, in Scientia Iuridica, Abril-Junho de 2006, tomo LV, nº 306, p. 245). Por seu turno, as condições particulares são constituídas pelas cláusulas identificadoras do concreto seguro ajustado e enformam o âmbito individualizado do mesmo, destinando-se a responder, em cada caso, às circunstâncias específicas dos riscos a cobrir – neste sentido, cfr. José Vasques, “Contrato de Seguro”, pp. 30 e 31 – e, normalmente negociadas entre as partes. E, como referem Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro (“Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, 1987, p.26) a “experiência ensina, de facto, que a presença de acordos específicos demonstra a vontade das partes de não subscrever as cláusulas contratuais gerais que se lhes oponham. Estas devem considerar-se, pois, sempre prejudicadas”. E, nessa sequência de raciocínio, pode ler-se na sentença: “É, mais uma vez o sublinhamos, essencial distinguir as normais cláusulas de exclusão da responsabilidade com aqueloutras que delimitam o objecto do contrato, circunscrevendo o âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro, como é o caso da constante das condições particulares que define estar segura a responsabilidade civil extracontratual decorrente da exploração da actividade de construção civil, sem os danos causados em prédios contíguos. Por outro lado, e como é sabido, Ora, tal tipo de condição particular só poderia ser considerada nula se e quando desvirtuasse por completo o objecto do contrato de seguro, tornando despedido de qualquer garantia operante. (…) Ora, não vemos como a não contratação opcional da cobertura dos danos em prédios contíguos possa esvaziar completamente de conteúdo um seguro de responsabilidade civilextracontratual ainda que referido à actividade de construção civil, nem tão pouco desvirtuar a natureza deste. A natureza de um seguro de responsabilidade civil não é desvirtuada, considerando o quadro negocial padronizado, pelo facto de se excluírem os riscos originados em prédios contíguos numa obra de reabilitação, como a dos autos, que não implica escavações ou demolições de paredes ou estruturas exteriores, posto que são estes os trabalhos que, normalmente, implicam riscos típicos, próprios e acrescidos para os prédios contíguos. Com efeito, visto o orçamento e o mapa de trabalhos de fls.51 e seg., verifica-se que foram apenas efectuadas demolições interiores, não tendo ocorrido quaisquer escavações na obra em causa e que precedeu o sinistro ocorrido. E, em face disso, não fica o seguro em causa esvaziado de conteúdo, pois que remanesce ainda a cobertura de uma panóplia de circunstâncias típicas de um seguro de responsabilidade civil extracontratual, como sejam, por exemplo e para além das indicadas pela 3ª Ré nas suas alegações e réplica escritas (respectivamente refªs. ...18 e ...71), o atingimento de um transeunte ou de um veículo (ou de outros bens) de terceiro por queda de materiais ou andaimes; os estragos causados em veículos de fornecedores que estejam a descarregar material, entre outros. Tal condição particular apenas delimita o concreto âmbito de garantia do contrato de seguro em apreço, em concretização da expressão da liberdade contratual das partes e das opções de segurado e seguradora. De facto e em última instância, considerar proibida e nula tal condição particular redundaria numa verdadeira reconfiguração do contrato de seguro, com a aposição de uma veste distinta da acordada e que, verdadeiramente, não corresponde ao que as partes quiseram contratar. Visto isso, improcedem as excepções deduzida pelas Autoras, concluindo-se que o contrato de seguro dos autos não cobre os danos em prédios contíguos, o que impõe a absolvição da Ré Seguradora dos pedidos por aquela formulados.”. Cremos, pois, que a sentença olhou adequadamente para a questão ao concluir que através da cláusula correspondente ao risco ou objecto seguro, “Construção Civil s/ Danos Prédios Contíguos”[35], por acordo entre a Ré seguradora e a Ré empreiteira, foi decidido não incluir no seguro de responsabilidade civil extracontratual os danos em prédios contíguos. Vejamos. Mostra-se consensual que a interpretação das cláusulas particulares do contrato de seguro se encontra submetida aos critérios consignados nos artigos 236.º a 238.º, do Código Civil, e no tocante às cláusulas gerais e especiais, por terem a natureza de cláusulas contratuais gerais, o regime do DL n.º 486/85 de 25-10, do qual decorre (artigo 7.º) que as cláusulas particulares devem prevalecer sobre o conteúdo das cláusulas especiais e gerais. Por outro lado, importa ter em conta que as condições especiais não podem modificar a natureza dos riscos cobertos, atento o tipo de contrato celebrado (artigo 45.º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, Lei n.º 72/2008, 16-04). No caso, no que se refere à delimitação do objecto do seguro, mencionando o campo de actividade, “Construção Civil”, consta uma exclusão – danos prédios contíguos - patente numa cláusula particular a qual, igualmente, se mostra explicita na folha de resumo do contrato de seguro, no campo correspondente ao risco ou objecto seguro. Destaque-se que as partes, através das cláusulas particulares, previram a inclusão dos danos causados a cabos, canalizações ou instalações subterrâneas, derrogando expressamente a alínea a) do n.º 2 das exclusões específicas. Acresce que se encontra expressamente mencionado que as condições especiais aplicáveis ao contrato são exclusivamente as mencionadas nestas condições particulares. Perante tal clausulado, afigura-se-nos incontornável que as partes não quiseram, efectivamente, incluir no âmbito do contrato os danos causados em prédios contíguos. Este entendimento merece acolhimento perante a realidade fáctica provada n.ºs 14 a 18, que evidencia que as condições particulares acordadas entre as partes visaram delimitar o âmbito do contrato de seguro, dele excluindo os danos resultantes da responsabilidade contratual causados aos clientes da segurada, que no caso era a 2.ª Autora. Ao invés do entendido pelo tribunal a quo, não é possível considerar que se trata de cláusula surpresa, porquanto, para além de constar das condições particulares sem estar dissimulada, está igualmente consignada na folha de rosto que acompanha a apólice de seguro, onde estão indicadas e ressaltadas as condições particulares, e bem assim as demais cláusulas contratuais gerais e especiais que não se mostram contrárias ou avessas ao teor desta cláusula particular. Por outro lado, como se foi realçado no acórdão deste tribunal de 09-07-2020[36], “na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais e Particulares nas apólices dos contratos de seguro caberá destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do citado artigo 18.º, das que visam a delimitação do objecto de contrato, porquanto estas configuram-se plenamente válidas [Pedro Romano Martinez, “Cláusulas Contratuais Gerais e Cláusulas de Limitação ou de Exclusão da Responsabilidade no Contrato de Seguro”, in Scientia Iuridica – Tomo LV, n.º 306, Junho de 2006, p. 258; Acórdão do STJ de 15/04/2015 (processo n.º 235/11.0TBFVN.C1.S1), acessível através das Bases Documentais do IGFEJ9]. Nessa distinção importa antes de mais atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice. E, assim, apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize (ou esvazie) o objecto do contrato.”. Por conseguinte, ponderando ainda a situação sob o princípio da boa fé, indispensável à lisura contratual (que deverá ser feita em função da “confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis” - cfr. artigo 16.º, alínea a), do DL 446/85, de 25-1), não é possível concluir que a referida cláusula particular delimitativa do âmbito do objecto do risco desrespeite o referido princípio, uma vez que se está no domínio de um seguro facultativo em que as partes não se encontravam obrigadas a contratualizar um conjunto tipificado de coberturas, podendo livremente delimitar o âmbito de coberturas da responsabilidade transmitida, isto é, encontra-se consagrada uma grande margem de autonomia às partes para definirem em concreto quais os riscos cobertos e quais os riscos excluídos. Acresce que, ao invés do afirmado na decisão recorrida, a não cobertura dos danos causados em prédios contíguos não esvazia o conteúdo útil do objecto do seguro, ou seja, não retira a utilidade ao seguro contratado, conforme se encontra suficientemente explanado na sentença (cfr. transcrição levada a cabo com sublinhado nosso). Tal como se fez realçar no acórdão de 09-07-2020 supra indicado, “através da celebração do contrato seguro a entidade seguradora obriga-se, mediante o pagamento de determinada quantia (prémio enquanto contrapartida da cobertura acordada) a garantir um determinado risco (situação coberta), sendo que a cobertura varia consoante o tipo de contrato de seguro e as cláusulas contidas no mesmo (que usualmente constam das condições particulares). Note-se que neste tipo de contratos a liberdade negocial do segurado circunscreve-se à delimitação das Condições Particulares pois que, querendo firmar o contrato, é obrigado a aceitar o clausulado que, nesse sentido, lhe é imposto – artigo 1.º, do DL 446/85, de 25-10). Num quadro de seguro facultativo de danos (que não colide com a natureza de seguro de responsabilidade civil em que a seguradora se obrigou a indemnizar terceiros dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados em consequência de trabalhos de construção civil) mostra-se legitimo que as partes, na sua autonomia na definição concreta dos riscos cobertos, ponderando os respectivos custos/benefícios, aceitem livremente circunscrever o âmbito do objecto do contrato deixando a possibilidade de a cobertura do mesmo ser alargada mediante um pagamento adicional ao prémio inicial.”. Está-se, assim, perante uma cláusula particular, que resultou da negociação entre as partes, no âmbito de um seguro de responsabilidade civil facultativo, que não redunda no esvaziar de conteúdo do objecto do contrato, sendo que não se vislumbra, igualmente, que a mesma seja desproporcional ou contrária à boa-fé. Consequentemente, há que considerar que o contrato de seguro em causa não abrange os danos que ocorreram no prédio da 1.ª Autora, por se tratar de dano em prédio contíguo. Procedem, assim, nesta parte, as conclusões da revista[37].
IV. DECISÃO Lisboa, 8 de Fevereiro de 2022 Barateiro Martins Luís Espírito Santo
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
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[1] Pedido que as Autoras vieram corrigir (acrescentando a pretensão de “Serem as rés condenadas na demolição e remoção dos escombros existentes no prédio ou no pagamento da despesa inerente a esses trabalhos, cujo valor se desconhece, mas se relega para momento posterior”), rectificação deferida por despacho de 13-03-2018. [5] A lei - artigo 671.º, n.º3, do CPC - instituiu três requisitos caracterizadores da dupla conforme enquanto pressuposto (negativo) de admissibilidade da revista: unanimidade da decisão colegial, fundamentação essencialmente idêntica e conformidade decisória. Este último requisito foi objecto de evolução interpretativa, dando origem ao aparecimento de um critério aferidor da conformidade decisória, que deixou de assentar na coincidência formal de decisões (critério da dupla conforme plena ou irrestrita, determinado pelo elemento literal de interpretação da lei), passando a estar radicado na ideia de decisão mais favorável ao recorrente (critério da dupla conforme mitigada, ponderada ou racional, levando em conta o elemento racional ou teleológico de interpretação), pelo que a sobreposição caracterizadora da conformidade decisória, não obstante partir de uma coincidência de julgados (sobreposição parcial), é aferida em função da decisão mais favorável – quantitativa ou qualitativamente, ou seja, quando o acórdão da Relação se revela mais benéfico ao recorrente do que a proferida em 1.ª instância. Este é o posicionamento que seguimos, sendo, aliás, o que se mostra preponderante neste tribunal – cfr., entre outros, acórdão de 17-12-2019, Processo n.º 796/14.2TBBRG.G1.S2, acessível através das Bases Documentais do ITIJ. [6] Nos termos do qual é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade que decorre da exigência prescrita no n.º2 do artigo 608.º, do CPC, que impõe ao juiz o dever de “ resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. [12] Abandonado de vez um critério formal pretensamente assente na demarcação rígida entre o que constitui matéria de facto e matéria de direito, importa que se admita que seja feita uma descrição da realidade que subjaz ao litígio a partir de outros pressupostos que valorizem os aspectos de ordem substancial - Abrantes Geraldes Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina. pp292-293). [15] Importa realçar que a autonomia decisória do tribunal da Relação no julgamento da matéria de facto mediante a reapreciação dos meios de prova constantes do processo, não só não o limita quanto aos meios de prova indicados pelo recorrente, como lhe impõe que forme a sua própria convicção (juízo autónomo em função dos elementos de prova acessíveis) numa apreciação global de todos os elementos de prova carreados para os autos. [16] Cfr. neste sentido acórdão do STJ de 25-10-2005, Processo n.º 05A3083 (acessível através das Base Documentais do ITIJ) onde se pode ler no respectivo sumário: “I - Se na execução da empreitada houve defeitos construtivos (tomando este termo no sentido de se compreenderem dentro do que o concreto contrato de empreitada obrigava), ao empreiteiro competia a sua eliminação (existirem significa o não respeito das regras da arte e ou das especificações técnicas, que o cumprimento foi defeituoso). II - Existindo defeitos, provando-se a sua existência, presume-se a culpa do empreiteiro, ainda que, na execução da obra, este tenha sido fiel ao projecto da obra ou ao caderno de encargos - é que além desse respeito se lhe exige a conformidade com as regras da arte e as normas técnicas exigidas em matéria de construção. [24] Por outro lado, não foi demonstrado que a 1ª Autora (ou o seu companheiro) tivesse carregado demasiadamente o equipamento, nem de que não escolheu uma posição no controlo de ar de combustão de forma a ter uma queima suave e duradoura (pontos 25 e 26 dos factos não provados). [29] Embora tenha concluído que foi a deficiente execução do isolamento das tubagens de exaustão que deu causa ao incêndio, considerou, porém, que a ausência de casa deixando o recuperador em funcionamento constituiu conduta com significativo contributo para o agravamento dos danos (omissão do dever de vigilância e cuidado de prevenção dos riscos próprios da utilização de um recuperador de calor); como tal, ao abrigo do disposto no artigo 570.º, do Código Civil, fixou a medida da graduação das culpas na proporção de 1/3 a cargo das Autoras e 2/3 da responsabilidade da 1ª Ré, com a consequente redução da indemnização devida à 1.ª Autora. [31] Conforme foi consignado no acórdão do STJ de 22-05-2018 (Processo n.º 1646/11.7TBTNV.E1.S1, a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ), a “expressão “culpa” do lesado inserida no artigo 570.º, do Código Civil, assume um sentido impróprio, querendo abarcar as situações em que o acto do lesado tenha sido concausa do dano (segundo os princípios da causalidade adequada), mas que traduza um comportamento censurável, ainda que não tenha natureza ilícita ou corresponda à violação de um dever. III - A faculdade de reduzir a indemnização a atribuir ao lesado ao abrigo do referido preceito mostra-se dependente do acto deste ter sido uma das causas do dano, cabendo igualmente fazer a ponderação quanto à preponderância dessa mesma conduta em função do comportamento temerário revelado (não consentâneo com os cuidados que se exigiam a um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso).”. |