Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17908/16.4T8LSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: DECISÃO SUMÁRIA
Data da Decisão Sumária: 07/15/2021
Votação: ----
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DECISÃO SUMÁRIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 17908/16.4T8LSB-C.L1.S1

Revista: Tribunal recorrido – Relação ..., ... Secção

Com Reclamação Prévia sobre a admissão (arts. 643º, 6, CPC)  

DECISÃO LIMINAR SUMÁRIA (arts. 652º, 1, c), 656º, 679º, CPC)

I. Relatório

1. Em acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., em 5 de Novembro de 2019, foi apreciada a apelação interposta pelo Réu AA contra o despacho proferido em 26 de Junho de 2019 pelo Juiz ... do Juízo Central Cível ..., que, por sua vez, rectificara a sentença proferida em 22 de Março de 2019 na parte relativa à decisão sobre custas – em que a Autora, «Fundo de Recuperação de Créditos – INQ – Papel Comercial ESRI e Rio Forte», sendo «PATRIS – SGFTC, S.A.» a respectiva entidade gestora (uma vez habilitada após transmissão de créditos), fora condenada, depois de decidida a absolvição dos Réus da instância por incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria em acção declarativa sob a forma de processo comum intentada contra “Banco Espírito Santo, S.A.”, Banco de Portugal, BB, CC, DD, EE, FF, CC, AA, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, “ESI – Espírito Santo International”, “Novo Banco, S.A.” –, uma vez solicitada a isenção prevista no art. 69º da Lei 69/2017, de 11 de Agosto (assim se argumentou: “o fundo de recuperação de créditos fica isento de custas judiciais nas ações por si intentadas ou em que por outra forma intervenha na prossecução das respetivas finalidades, nomeadamente com vista à cobrança dos créditos que lhe tenham sido cedidos pelos participantes”).

Decidira-se nesse despacho que:  

“ao abrigo do preceituado no art. 614.º/1 do C.P.C., rectifica-se o lapso constante da sentença, por forma a que onde se lê custas pela A. se leia, sem custas, por delas estar isento o Fundo A. (art. 69.º da Lei 69/2017 de 11 de Agosto). Notifique e introduza a rectificação no local próprio em formato de papel”.

Esse recurso de apelação visou revogar a sentença rectificada pelo despacho superveniente na parte em que a decretada isenção de custas abrangia também o pagamento das “custas de parte” devidas como reembolso às partes vencedoras da acção (os Réus) a esse título, por via do art. 4º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo art. 1º do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, sendo alegado pelo Apelante que essa quantia correspondia ao montante total de € 9.588,00. Por isso se identificou como única questão recursiva “determinar se[,] não obstante a isenção de custas reconhecida à autora, parte vencida na decisão final do processo principal, deve esta suportar a quantia correspondente às custas de parte a que o réu ora recorrente teria direito”. Decidiu então o TR... julgar procedente a apelação, por se ter concluído que “a recorrida deve ser condenada no pagamento das custas, na vertente de custas de parte, ficando isenta das demais custas”, embora sem existir “fundamento bastante para quantificar a quantia a que o mesmo tem direito a título de custas de parte”; no dispositivo do acórdão, alterando-se o despacho recorrido, determinou-se inscrever que “no dispositivo da sentença datada de 22-03-2019 (…), onde consta ‘Custas pela A. (art. 527.º/1/2 do CPC)’ passe a constar: ‘Custas pela A., na vertente de custas de parte, estando a mesma isenta das demais custas – arts. 527.º, n.os 1 e 2 do CPC, 69.º da Lei 69/2017, de 11-08, e 4.º, nº 7 do RCP’”.

2. Desse acórdão veio a Autora interpor recurso de revista para o STJ, alegando a impugnação nos termos do art. 671º, 1, e 674º, 1, a), do CPC, tendo em vista revogar o acórdão recorrido e a manutenção integral da sentença com a redacção do despacho superveniente de rectificação.

           

A finalizar as suas alegações, apresentou as seguintes Conclusões:

“A) O FRC é um fundo de recuperação de créditos e, neste âmbito, está sujeito à disciplina constante da Lei n.º 69/2017, de 11 de Agosto.

B) Nessa sequência, o FRC não pode conformar-se com o Acórdão recorrido, já que, nos termos da referida Lei, está isento do pagamento de custas judiciais, o que, ao invés do que foi decidido no mesmo, deve ser interpretada no sentido de a referida isenção abranger as custas de parte.

C) Como resulta claro do respectivo conteúdo, a isenção do FRC do pagamento de custas judiciais ou processuais encontra-se determinada no artigo 69º da citada lei.

D) Neste sentido, as custas de parte estão naturalmente incluídas na referida isenção que resulta do regime especial conferido ao FRC previsto no aludido artigo 69.º da mesma.

E) Ainda que da interpretação literal desta norma não se retirasse a isenção de custas de parte – o que, como se viu, não acontece na medida em as mesmas estão incluídas no conceito de custas processuais previsto no artigo 3º, n.º 1, do RCP, e ora apenas se admite por cautela de patrocínio, sem conceder –, tal conclusão sempre resultaria da sua ratio.

F) O activo do fundo é composto exclusivamente pelos créditos adquiridos aos participantes, os valores mobiliários relacionados com esses créditos (o papel comercial) e os depósitos bancários que aquele mantenha em cada momento e estritamente necessários à gestão da respectiva actividade (os “activos principais”).

G) Para o efeito de potenciar a recuperação daqueles créditos, o fundo beneficia de um regime especial, devidamente pensado e previsto na já referida Lei n.º 69/2017, de 11 de Agosto.

H) E por ser lei especial, prevalece sobre o Regulamento das Custas Processuais, não sendo ao FRC aplicável o regime do artigo 4.º, n.º 7 daquele regulamento, porquanto o que se pretendeu foi uma isenção tout court de todos os custos inerentes a um processo judicial.

I) Trata-se de uma solução política, transposta para a ordem jurídica através da mencionada lei, que compreende necessariamente a isenção relativamente a custas de parte.

J) Tal isenção de custas judiciais é expressamente mencionada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 74/XIII, que deu origem à Lei n.º 69/2017, de 11 de Agosto, e que evidencia a intenção do legislador.

K) A qual é perceptível quando pensamos no propósito e vocação dos fundos de recuperação de créditos.

L) Condenar o fundo no pagamento de custas de parte logicamente contraria a “maximização da recuperação de créditos”, ao abrigo do artigo 52.º da referida lei.

M)Condenar o FRC em custas de parte seria retirar o efeito útil à isenção prevista na lei e impedir a recuperação de créditos que é o principal objectivo de constituição do FRC.

N) Já que tal interpretação limita toda a actividade do FRC – que se realiza forçosamente pelas vias judiciais – e compromete o propósito da sua constituição.

O) Pelo que se deverá concluir que o FRC beneficia por lei de um regime de isenção de custas processuais, que abrange necessariamente as custas de parte, considerando o desiderato e propósito final do fundo, bem como a intenção do legislador.

P) Ao condenar o Recorrente em custas de parte, o Tribunal a quo violou o artigo 69.º da Lei n.º 69/2017, de 11 de Agosto, pelo que se impõe a manutenção da sentença proferida em primeira instância, na redacção conferida pelo despacho de rectificação (referência n.º ...69), mantendo-se assim a isenção do FRC do pagamento de custas de parte.”

O Réu e Recorrido AA apresentou contra-alegações, que mereceu a adesão do Réu GG.


3. No âmbito de Reclamação prevista no art. 643º do CPC, foi proferido Acórdão que admitiu o recurso e ordenar a requisição do processo ao tribunal recorrido nos termos do art. 643º, 6, do CPC.

Cumpre apreciar e decidir, de acordo com o art. 656º, ex vi art. 679º, do CPC, considerando a simplicidade da questão.


II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

1. Objecto do recurso

Vistas as Conclusões da Recorrente, que delimitam o objecto da revista (arts. 634º, 2  a 4, 639º, 1 e 2, CPC), a questão que se visa decidir é a de saber se a isenção de custas judiciais reconhecida pelo art. 69º da Lei 69/2017, de 11 de Agosto, beneficiando a Autora enquanto “fundo de recuperação de créditos”, abrange ou não a quantia correspondente às “custas de parte”, uma vez vencida na decisão final do processo.

2. Factualidade

Revela-se como pertinente para a decisão da causa o que se descreve supra no Relatório.

3. Direito aplicável

Sobre a questão, invertendo parcialmente o julgado em 1.ª instância – isenção total de custas judiciais –, decidiu o acórdão recorrido que “a recorrida deve ser condenada no pagamento das custas, na vertente de custas de parte, ficando isenta das demais custas”, determinando que “no dispositivo da sentença datada de 22-03-2019 (…), onde consta ‘Custas pela A. (art. 527.º/1/2 do CPC)’ passe a constar: ‘Custas pela A., na vertente de custas de parte, estando a mesma isenta das demais custas – arts. 527.º, n.os 1 e 2 do CPC, 69.º da Lei 69/2017, de 11-08, e 4.º, nº 7 do RCP’”.

Fundamentou-se nos seguintes termos:

 
“A decisão recorrida considerou a recorrida isenta de custas, nos termos do disposto no art. 69º da Lei nº 69/2017, de 11-08.
Estabelece o citado preceito que “O fundo de recuperação de créditos fica isento de custas judiciais nas ações por si intentadas ou em que por outra forma intervenha na prossecução das respetivas finalidades, nomeadamente com vista à cobrança dos créditos que lhe tenham sido cedidos pelos participantes.”
No caso em apreço não constitui objeto de litígio que a autora decaiu totalmente na causa que correu termos nos autos principais, sendo igualmente pacífico que a mesma beneficia da isenção de custas consagrada no preceito citado.
O que cumpre apreciar é se esta isenção abrange as custas de parte.
Isto porque o art. 4º, nº 7 do RCP estabelece que “com excepção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará”.
Deste preceito decorre claramente que a regra geral é a de que as partes que beneficiam de isenção de custas não ficam isentas do pagamento de custas de parte, excecionado-se apenas a situação daqueles a quem foi concedido o benefício de apoio judiciário (na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo), enquanto tal benefício subsistir.
Tal preceito aplica-se às isenções de custas previstas em diplomas avulsos, exceto quando destes resulte solução diversa.

No caso vertente é manifesto que a isenção de custas de que a autora e ora recorrida beneficia não lhe foi concedida no âmbito da Lei de acesso ao direito e aos tribunais [Lei nº 34/2004, de 29-07, alterada pela Lei nº 47/2007, de 28-08, pela Lei nº 40/2018, de 08-08, e pelo DL nº 120/2018, de 27-12.] nem tem como fundamento a sua insuficiência económica, pelo que aquela isenção não abrange os reembolsos a título de custas de parte.
Como é sabido, os reembolsos a título de custas de parte constituem uma das vertentes ou componentes das custas, integrando-se na condenação em custas – cfr. art. 26º, nº 1, 1ª parte do RCP.
Nesta conformidade, concluímos que a recorrida deve ser condenada no pagamento das custas, na vertente das custas de parte, ficando isenta das demais custas.”

Atenta a fundamentação quanto à interpretação e aplicação da normatividade aplicável da Lei 69/2017 e do art. 4º, 7, do RCP (aprovado pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro), não se vê razões para censurar a decisão da Relação.

Razão pela qual se adere e remete-se para o excerto reproduzido, nos termos do art. 663º, 5, 2ª parte, ex vi art. 679º, do CPC.

Em acrescento, refira-se que:

(i)  o art. 4º do RCP se aplica a todas as isenções de custas nos processos a que o Regulamento se aplica, ou seja, nos termos do art. 2º, pelo menos, aos «processos que correm termos nos tribunais judiciais, nos tribunais administrativos e fiscais e no balcão nacional de injunções»;

(ii) o facto de as entidades, que gozam de isenção subjetiva ou objetiva de custas, se ficarem vencidas, pagarem às partes vencedoras o valor por elas despendido com processo no âmbito das “custas de parte”, é um corolário do princípio-regra da justiça gratuita para o vencedor, que decorre do art. 527º, 1 e 2, do CPC (v. SALVADOR DA COSTA, As custas processuais. Análise e comentário, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, págs. 104 e 128).

 

Improcedem assim as Conclusões da Recorrente. 


III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista.

Custas pela Recorrente.




STJ/Lisboa, 15 de Julho de 2021 

Ricardo Costa (Relator)