Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
171/02.1TAALB-D.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA DOCUMENTAL
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO OU SUBVENÇÃO
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Em resumo, o recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º, do CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.os 1 e 2, do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado.
II - Neste caso, o arguido/recorrente invocou, como fundamento do seu recurso extraordinário de revisão, o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, alegando a descoberta superveniente de factos e de meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitam «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada p. e p. nos arts. 2.º, n.º 1, 36.º, n.º 1 als. a), b) e c), e n.os 2 e 5, als. a) e b), e n.º 8, e 39.º do DL n.º 28/84, de 20-01, por referência ao art. 202.º, al. b), do CP, juntando para o efeito 46 documentos.
III - A documentação apresentada em sede de recurso (que não deixa de ser prova documental particular sujeita a livre apreciação nos termos do art. 127.º do CPP) não interfere, nem coloca em causa a análise que foi feita em sede de acórdão condenatório, transitado, nomeadamente, quanto ao crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada pelo qual foi condenado, atenta a forma como o mesmo foi executado e considerando a respetiva motivação exposta na mesma decisão.
IV - Por isso, esses documentos juntos pelo recorrente não permitiam tomar decisão diferente daquela que pretende rever e tão pouco suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação.
V - O que na verdade acontece é que o recorrente mais uma vez, só que por um meio impróprio (recurso de revisão), pretende discutir matéria de facto que já foi debatida e apreciada, quer no julgamento na 1.ª instância, quer em sede de recurso ordinário, onde teve a oportunidade de impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto.
VI - Porém, a revisão de sentença, que é um recurso extraordinário, com pressupostos de admissibilidade limitados, não serve para obter efeitos que apenas seriam alcançados por via do recurso ordinário, do qual o recorrente já se socorreu, ainda que sem êxito.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 171/02.1TAALB-D.S1

Recurso de Revisão

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

I.1. O arguido/recorrente AA, vem nos termos do disposto nos artigos 449.º, n.º 1, al. d) e 451.º, n.º 1, do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão da 1ª instância de 12.05.2015, confirmado por tribunal superior[1], transitado em julgado em 19.10.2017, na parte em que o condenou:

 - como autor material de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravado, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, 36, nº 1 alíneas a), b) e c), e nºs 2 e 5, alíneas a) e b), e nº 8, e 39º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20/01, por referência ao artigo 202º, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão;

- como autor material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 202º, alínea b), 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão;

- como co-autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 202º, alínea b), 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão;

- em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão e na pena acessória de restituição ao Estado (IAPMEI) da quantia de €1.128.305,78, nos termos do artigo 39º do Decreto-Lei nº 28/84 de 20/01.”

I.2. Fundamenta o pedido de revisão do acórdão condenatório, transitado em julgado, em síntese, no seguinte:

- que após várias solicitações e longa demora, o IAPMEI remeteu-lhe toda a documentação com referência à candidatura a apoios com o n.º 50/10... (constituída por várias caixas de cartão contendo centenas de documentos cada uma, estando parte dela nos autos, mas havendo também outra documentação que não foi junta aos autos, circunstância que, no mínimo, gera grave estranheza pois da análise do seu conteúdo torna-se clara a sua relevância e influência numa decisão absolutória que não ocorreu) e, após exaustiva e atenta compulsa da documentação fornecida foi possível localizar os documentos concretos que atestam, sem margem para dúvida, sobre a injustiça da condenação proferida, desconhecendo, o recorrente, os motivos pelos quais tal documentação não instruiu, como devia, os autos supra referenciados, razão pela qual agora os junta, como novos elementos de prova, dada a sua capacidade probatória para provar que se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção;

- que os documentos ora descobertos colocam inevitavelmente em causa os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância, e confirmados pelo Tribunal de Recurso, e suscita graves e fundadas dúvidas sobre a justiça dessa condenação e, caso os documentos que junta com o recurso tivessem sido juntos aos autos, na altura própria, por quem era seu detentor e conhecedor (IAPMEI), a convicção do Tribunal a quo teria certamente sido oposta, sendo, em consequência, certa a absolvição do recorrente pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção;

- a conjugação desta nova prova com a já existente nos autos (nomeadamente as gravações que mostraram uma postura pouco amistosa da generalidade das testemunhas a par de falsas declarações prestadas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento) tornarão claro para este Tribunal a injustiça a que se resume a condenação operada;

- que no cerne da condenação operada pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio estão os equipamentos de laboratório constantes das facturas 73, 74 e 75 da Decontrole e o Lavador Plano, tendo assumido relevância para a condenação a concreta propriedade desses bens, quem deles dispunha, a veracidade dos negócios sobre tais bens e, ainda, se os mesmos foram incluídos na candidatura n.º ...99 ludibriando o IAPMEI e que a documentação entretanto surgida demonstra que o IAPMEI dispôs sempre de todos os elementos necessários à correta avaliação sobre a atribuição ou não de subsídio relativamente quer aos instrumentos de laboratório quer relativamente ao Lavador Plano, pelo que, se tais bens foram indevidamente alvo de subsídio, o erro nessa atribuição não foi provocado pelo recorrente, antes resultou da incúria e desleixo dos serviços junto do IAPMEI a quem incumbia, por inerência das suas funções, fiscalizar as candidaturas;

- que a condenação dá como assente que o arguido sabia estarem vedados de inclusão na candidatura equipamentos usados e, por isso, atribuiu relevância ao ponto 95, mas tal não corresponde à verdade conforme se retira, claramente, dos documentos que junta com o recurso, entretanto surgidos e que se encontravam na posse exclusiva do IAPMEI;

- que da análise do Formulário de Candidatura, que junta sob o documento n.º 3 (doc. n.º 3), preenchido no âmbito da candidatura a apoios PEDIP II n.º 50/10... (doc. que inexiste nos presentes autos, não obstante o Tribunal a quo referir-se a “candidatura de fls.”) - que configura um novo meio de prova, cuja disponibilidade nunca esteve, até agora, na esfera do arguido - retira-se que de parte alguma consta qualquer informação sobre a possibilidade (ou impossibilidade) de os apoios incidirem sobre equipamentos não novos. Diferentemente, a última página contém apenas uma cruz assinalando que o “promotor não se candidatou a apoios quer no âmbito do PEDIP II quer no de outros sistemas de incentivos, para as mesmas despesas de investimento que integram esta candidatura”. Compromisso que corresponde inteiramente à verdade na medida em que a empresa que aí se candidatava a investimento nunca antes o tinha feito e, mais, nunca o arguido tinha pertencido aos órgãos sociais de qualquer empresa (promotor) que tivesse solicitado apoios sobre os equipamentos constantes da candidatura n.º ...99 (não constando da candidatura qualquer postura ou declaração fraudulenta prestada pelo arguido, nem inverdades, falsidades, deturpações ou omissões que ocultassem uma realidade distinta que fosse do conhecimento do arguido, requisitos formais e materiais exigidos pelo artigo 36.º do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro);

- na sua perspetiva há ainda um facto novo relativamente à real propriedade sobre o equipamento Lavador Plano, tendo presente que, durante o exercício da sua defesa, apesar de ter requerido a junção de vários documentos que atestavam as transferências de propriedade sobre o Lavador Plano, o certo é que os mesmos não convenceram o Tribunal no sentido de que aquele equipamento (Lavador Plano) não esteve sempre na disponibilidade da Reficel, tendo até o Tribunal a quo descredibilizado tais operações pela circunstância do arguido pertencer (com maior ou menor poder) aos órgãos de algumas dessas empresas (concretamente o arguido desempenhou funções de ... da Reficel, de 21-12-95 até 19-03-02 e ter sido acionista da CE..., considerando que essa circunstância levava a que o património de uma empresa fosse comum a todas aquelas nas quais o arguido se “integrava”), mas a verdade é que não obstante algumas empresas envolvidas nos negócios dos ativos da Celrisco integrarem nos seus órgãos elementos comuns entre si, essa circunstância não conduz a que se trate de uma única entidade e, esta foi a convicção que esteve na base da condenação operada tendo por fito o crime de fraude na obtenção de subsídio;

- que o facto que agora surge de novo é a perceção, após a consulta do processo da candidatura n.º ...99 do IAPMEI que este organismo forneceu ao arguido, que o IAPMEI sempre foi detentor e conhecedor daqueles documentos que demonstravam tanto as transferências do Lavador Plano desde a Celulose do Caima como da circunstância de não se tratar de um equipamento novo, pelo que ninguém, e muito menos o arguido, tentou, mediante engano, defraudar o IAPMEI para que investisse em equipamentos usados como se de novos se tratassem, antes lhe foi fornecido toda a informação relativa ao equipamento em causa para que aquele organismo apreciasse a sua inclusão na candidatura a apoios (quanto à condição de usado do equipamento Lavador Plano, o IAPMEI detinha no seu processo físico relativo à candidatura n.º ...99 plantas/esquemas do referido equipamento ainda com carimbo da Celulose do Caima, como se verifica do doc. junto sob o n.º 4 (doc. n.º 4), que configura uma parcela da planta baixa de instalação do Lavador Plano, sendo certo que se tal documento foi remetido àquele organismo é porque o arguido nunca tentou esconder o estado de usado do equipamento);

- que o IAPMEI sempre esteve na posse e no conhecimento de todos os elementos necessários à correta decisão de concessão ou não concessão de apoios, não foi induzido em erro pelo arguido, antes de forma autónoma, cometeu o erro;

- ainda quanto ao conhecimento que o IAPMEI sempre deteve sobre a condição de usado do equipamento Lavador Plano (também designado por Plane Washer, Chemi-Washer e Tratamento de Águas) veja-se o seguinte conjunto de documentos igualmente constantes do processo existente junto do IAPMEI e não constantes dos presentes autos que encerram em si despesas com materiais e serviços relacionados com a reabilitação do Lavador Plano, despesas que não existiriam se o equipamento fosse novo:- Orçamento de trabalhos procedente da sociedade Joaquim Henriques & Filhos, Lda, datado de 99-04-22, que se junta sob o documento n.º 5 (Cfr. Doc. 5); - Proposta remetida pela sociedade EFACEC, Empresa Fabril de Máquinas Eléctricas, S. A. de serviços e materiais diretamente relacionados com o Lavador Plano, que se junta sob o documento n.º 6 (Cfr. Doc. 6); - Documento intitulado Budget For Investiments To Be Realized, com origem na Reficel, Sociedade de Recuperação de Fibras Celulósicas, S.A., datado de 30-08-01 (data em que o recorrente já não exercia qualquer cargo nos órgãos sociais da sociedade), onde são previstos trabalhos de reabilitação do Lavador Plano nas rúbricas 4.20, 4.21 e 4.22, que se junta sob o documento n.º 7 (Cfr. Doc. 7);

- além disso, outros equipamentos foram reabilitados no seio da referida candidatura sem que o IAPMEI se tenha sentido defraudado, como sucedeu, a título meramente exemplificativo, com a Turbina de Vapor da marca ..., cuja reabilitação foi financiada pelo IAPMEI no âmbito da mesma candidatura, equipamento incluído no anexo do Contrato-Promessa de Compra e Venda do Estabelecimento Industrial da Celulose do Caima para a Celrisco, de folhas 2169 dos presentes autos, despesas constantes dos comprovantes n.ºs 75 e 76, documentos que se juntam (por configurarem novo meio de prova) sob os n.ºs 8 e 9. (Cfr. Doc. 8 e 9); com o compressor de ar da marca ..., igualmente incluso no referido contrato de trespasse e que foi alvo de reabilitação subsidiada pela candidatura n.º ...99 do IAPMEI, como se vê pelas despesas com o equipamento (usado) nos comprovantes n.ºs 288, 289 e 290 que se juntam sob os documentos n.ºs 10, 11 e 12 e ainda no documento intitulado Mapa de Comprovantes de Investimento que se junta sob o n.º 13 (Cfr. Doc. 10, 11, 12 e 13); com os sistemas de ar condicionado foram reabilitados na medida em que não foram adquiridos em estado novo no âmbito da candidatura n.º ...99 mas, antes, já existiam nas instalações da Reficel, conforme comprovante n.º 292 que se junta sob o documento n.º 14. (Cfr. Doc. 14);

- que a negligência dos serviços do IAPMEI encarregues de apreciar as candidaturas e despesas elegíveis foi de tal forma gritante que no âmbito da candidatura em causa até despesas da Reficel, com combustíveis foram reembolsadas, conforme comprovante n.º 298, 299 e 300 que se junta sob o documento n.º 15, 16 e 17 (Cfr. Doc. 15, 16 e 17); a despesa constante do comprovante n.º 162 do processo da candidatura, que se junta sob o documento n.º 18. (Cfr. Doc. 18) efectuada com a reparação de Válvulas NELES dos antigos DIGESTORES para serem utilizadas na Crivagem (processo incluso no mecanismo do Lavador Plano a par da Lavagem e Deslignificação) só existe porque o Lavador Plano não é novo (pois se fosse novo e esta despesa não faria sentido em ocorrer) e os técnicos junto do IAPMEI têm, por inerência das suas funções, a obrigação de saber isto; o documento intitulado Avaliação do Impacto e Verificação Final do Projecto, que se junta sob o n.º 19 refere expressamente que o projecto de candidatura n.º ...99 passa pela reabilitação e aproveitamento de estruturas e equipamentos usados, ao mesmo tempo que afirma ter verificado in loco os equipamentos procedendo a anotação das referências de marca, modelo e número de série (páginas 5 e 7) (Cfr. Doc. 19), pelo que o arguido em momento algum afirmou que iria adquirir um Lavador Plano novo (até porque o preço de um equipamento novo faria triplicar o preço pago, o que também é de conhecimento básico dos técnicos do IAPMEI) e se os documentos existentes no processo compulsado pelo IAPMEI no seio da candidatura em causa revelam de forma clara que o equipamento não é novo, nada permite imputar ao arguido uma conduta ardilosa e enganadora, sendo evidente injustiça operada com a condenação;

- que os documentos agora juntos provam, para lá de qualquer dúvida que 1) o IAPMEI subsidiava equipamentos ainda que não fossem novos e 2) o IAPMEI conhecia, ou tinha a obrigação de conhecer dada a documentação compulsada pelo próprio, o estado usado de alguns equipamentos integrantes da candidatura em causa, pelo que o arguido não cometeu o crime de fraude na obtenção de subsídio por que foi condenado, não agiu com dolo, não quis enganar o IAPMEI, nem obter investimento que sabia indevido e, assim sendo, se o investimento foi indevido, isso não se deveu a qualquer conduta ilícita do arguido mas antes à incompetência e incúria do IAPMEI, e esta conclusão resulta de forma directa e clara dos documentos supra mobilizados e demonstra de forma gritante a injustiça da condenação operada (se o Tribunal a quo tivesse tido a oportunidade de valorar a prova de forma global, isto é, a prova existente nos autos conjugada com a que ora se junta e o seu juízo valorativo seria, definitivamente, inverso ao que subjaz a condenação levando necessariamente à absolvição por este crime);

-  quanto aos factos n.ºs 97 e 117 provados dos quais resulta que inexistem comprovativos (guias) de transporte relativos aos equipamentos de laboratório e ao Lavador Plano, apesar de não estarem juntos aos autos verifica-se no processo do IAPMEI relativo à candidatura n.º ...99, primeiramente que, a grande maioria dos equipamentos e materiais, que posteriormente justificaram despesas, não é acompanhada de qualquer guia de transporte, daí se retirando que as respetivas guias de transporte não configuravam um documento essencial ou sequer relevante para o IAPMEI comprovar as despesas sobre as quais o investimento incidiria, mas naquele caso é inquestionável que esse transporte ocorreu necessariamente (A título exemplificativo e demonstrativo do que se acaba de afirmar referem-se as despesas efectuadas pelo IAPMEI, no âmbito desta candidatura, plasmadas nos comprovantes de investimento n.ºs 1 a 64, 66 a 70, 72 a 77, 78 B, 80 a 82, 84 a 219, 226, 230, 231, 242, 258 a 276, 278 a 293, 295 e 298 a 485.Todas estas despesas de investimentos não se encontram acompanhadas de qualquer guia de remessa ou transporte e nenhuma questão sobre uma simulação ou sobre a veracidade de tais aquisições ou serviços ou foi, alguma vez, levantada por aquele organismo); em segundo lugar, não corresponde à verdade que inexistam guias de transporte quer relativas aos instrumentos de laboratório quer relativas ao Lavador Plano, dado que a nova documentação entretanto trazida ao conhecimento do recorrente revela que existe comprovação de transporte relativo aos referidos equipamentos, facto (novo) que inquina de forma gritante a factualidade dada como assente na condenação, constando essa informação relativa aos instrumentos de laboratório dos comprovantes n.ºs 178, 179, 180, 181, 181ª, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188 e 476 que se juntam sob os documentos n.ºs 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33. (Cfr. Doc. 20 a 32) e relativamente ao Lavador Plano, a comprovação do seu transporte consta do comprovante n.º 132 que se junta sob o documento n.º 33. (Cfr. Doc. 33), mais, os comprovantes n.ºs 146 a 153 contêm a descrição de trabalhos efectuados com relação ao Lavador Plano, juntam-se sob os documentos n.ºs 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41 (Cfr. Doc. 34 a 41) e o comprovante n.º 149 demonstra, especificamente, a realização de operações de desmontagem e transporte do Lavador Plano;

- Os novos meios de prova que, entretanto, surgiram e que ora se juntam evidenciam a injustiça da condenação operada que imputou ao arguido uma intenção e concretização fraudulenta contra o IAPMEI, simulando negócios e fazendo aquele organismo investir em equipamento usado sem que fosse do seu conhecimento. Os elementos de prova ora juntos revelam de forma clara que 1) nunca e em nenhum documento o arguido declarou características (estado novo/usado) de qualquer equipamento sem correspondência total com a verdade, 2) todos os equipamentos inseridos na candidatura que não se encontravam em estado novo foram acompanhados de documentação de onde o seu actual e efectivo estado facilmente se retira, 3) o IAPMEI sabia que comparticipava em investimento em reabilitação e manutenção de equipamento usado no âmbito da candidatura n.º ...99, 4) se esse investimento por parte do IAPMEI foi indevido, essa circunstância somente ao IAPMEI é imputável, não se devendo a qualquer comportamento fraudulento do arguido e 5) o IAPMEI não tinha como não saber que as despesas efectuadas com o Lavador Plano se destinavam a um equipamento não novo, quer pelo preço pago pela R..., pelo equipamento, quer pelas despesas e serviços de manutenção que não ocorreriam fosse o equipamento novo;

- que a absolvição do arguido tem como consequência necessária e inerente a absolvição da restituição ao Estado (IAPMEI) da quantia de 1.128.305,78 € a que foi igualmente condenado, nos termos do disposto no artigo 39.º do DL n.º 28/84 de 20-01 mas, também novos meios de prova (obtidos no processo da candidatura n.º ...99 que lhe foi facultado pelo IAPMEI), após o trânsito em julgado da decisão condenatória com relevo para a quantia a restituir em caso de condenação, circunstância relevante para o presente recurso na medida em que directamente relacionada com a medida da pena aplicada;

- que o Tribunal a quo, para cálculo do valor a restituir (valor que teria sido ilicitamente obtido pelo arguido), baseou-se em 4 ... - factura ...77 da Markein, referente ao Lavador Plano, no valor de 178.953.000$00 e os valores constantes das facturas n.ºs ...73, 74 e 75 da Decontrole, referentes a alguns instrumentos de laboratório que perfazem 47.252.000$00, sendo a soma dos dois valores de 226.205.000$00, o que perfaz a quantia global de 1.128.305,78 € - mas, cometeu erros, quando não analisou devidamente o Contrato de Concessão de Incentivos celebrado entre o IAPMEI e a Reficel,, constante dos autos a fls. 188 a 202, mas cuja junção ao recurso (sob o documento n.º 42) se justifica não por configurar novo meio de prova mas porque os novos meios de prova que se juntarão necessitam de ser analisados em conjugação com esse contrato, que é o que se passa com o teor da Proposta de Decisão, documento não constante dos autos, do qual só teve conhecimento com a remessa pelo IAPMEI de cópia integral do processo da candidatura n.º ...99 e que junta sob o documento n.º 43; acresce, relativamente à subvenção na modalidade de bonificação de juro, que este montante máximo foi reduzido após a descativação de 2.696 contos à quantia máxima de 38.510 contos, conforme doc. n.º 19 (cuja informação não chegou ao conhecimento do Tribunal a quo aquando do julgamento realizado, por fazer parte da documentação relativa à candidatura n.º ...99, configurando novo meio de prova); veja-se igualmente o documento constante do referido processo remetido pelo IAPMEI intitulado Mapa de Comprovantes do Investimento, composto de 16 folhas e não apreciado pelo Tribunal a quo por não ter sido junto aos autos por quem do mesmo era possuidor e conhecedor, até agora, e que se junta sob o documento n.º 13; também a consultar a Ficha de Pagamentos efectuados no âmbito da Candidatura a apoios n.º 50/10..., que se junta sob o documento n.º 44 (Cfr. Doc. 44), e é porque o IAPMEI encontra-se totalmente ressarcido do seu investimento, mesmo num contexto de comportamento ilícito e fraudulento por parte do arguido (aliás, quem sofreu prejuízo em razão do falhanço do projecto foi, efectivamente, o arguido), que chama a atenção para essa circunstância ao remeter missiva datada de 17 de Maio de 2018 (recorda-se que o trânsito em julgado ocorreu a 19-10-2017) dirigida ao Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., com referência aos presentes autos, onde este instituto afirma que o valor por si recebido com o pagamento da referida garantia bancária não foi tido em consideração para a fixação do montante a indemnizar e que não pretende receber qualquer valor que não lhe seja devido (sendo que esta missiva configura um novo meio de prova e é junto sob o documento n.º 45); neste contexto, releva igualmente a missiva enviada pelo IAPMEI ao, aqui, recorrente, a 13-03-2019, documento que se junta sob o n.º 46, onde aquele organismo assevera que tinha sido prestada garantia bancária pelo Banco BPI, SA, que assegurava, em caso de incumprimento, a restituição do incentivo (Cfr. Doc. 46), pelo que a restituição, sendo devida, já ocorreu e de forma sobejante.

Concluiu que deverá o presente recurso ser recebido, julgado procedente, por provado, autorizada a revisão, ordenando-se o reenvio do processo para o Tribunal que proferiu a decisão a rever, seguindo-se os ulteriores termos, até final.

I.3. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo que:

Dos meios de prova ora indicados como novos, os que foram juntos como documentos nº 4 e nº 19, já se mostravam juntos aos autos – sendo que o documento correspondente ao nº 19 foi objecto de específica apreciação no acórdão de 1ª instância, na parte atinente à fundamentação da matéria de facto;

Os documentos juntos pelo recorrente e identificados como documentos nºs 3, 5, 6 e 7, não se opõem a qualquer dos factos dados como provados, nomeadamente aos factos essenciais para fundamentação da condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção – sendo que, desses novos factos e/ou novos meios de prova, ainda que se tenham por bons, nada se retira que contrarie a factualidade dada como provada ou que, conjugadamente com esta ou com os meios de prova anteriormente produzidos, leve sequer a supor que, de um novo julgamento, pode resultar uma alteração da matéria de facto dada como provada;

A demais documentação destinada a demonstrar que os serviços do IAPMEI terão sido relapsos na verificação de outras despesas e na autorização dos pagamentos dos valores correspondentes, não vem colocar em crise a análise feita quanto aos equipamentos que estão em causa nestes autos;

Do que vem alegado não resulta, ademais, factualidade nova que, não tendo sido apreciada na decisão condenatória, levasse agora a conclusões diversas das que fundamentaram a condenação;

Assim sendo, dos meios de prova ora invocados pelo recorrente nada resulta que suscite a mínima dúvida acerca da justiça da condenação.

Pelo exposto, inexiste fundamento para a revisão pretendida pelo recorrente.

O que o recorrente pretende é, uma vez mais, debater matéria de facto que foi amplamente debatida e apreciada no julgamento que levou à sua condenação.

Ou seja, o recorrente almeja, pela via da revisão, obter efeitos que apenas poderia alcançar pela via do recurso ordinário – mecanismo a que oportunamente recorreu, embora sem sucesso.

Sendo o instituto da revisão de sentença um meio de recurso absolutamente extraordinário, tem como pressupostos de admissibilidade os estreitos requisitos que resultam do artigo 449º, nº 1, do Código de Processo Penal, nomeadamente os que acima se enunciaram e apreciaram.

Que, no caso dos autos, manifestamente não estão verificados.

Termina pedindo o indeferimento do requerido.

I.4. No Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., a Ilustre Magistrada pronunciou-se sobre o mérito do pedido (art. 454.º, CPP), nos seguintes termos (transcrição):

O arguido veio ao abrigo do disposto no art. 449º, nº 1 al. d) do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário de revisão, alegando em síntese que se descobriram novos meios de prova documental cuja existência se desconhecia na altura do julgamento que tanto por si só como conjugada com outras provas apreciadas no processo, suscitam graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da condenação sofrida pelo ora recorrente e muito concretamente a condenação operada no que concerne o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, alínea a), b) e c), e n.º 2 e 5 alíneas a) e b) e n.º 8, e 39.º do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro, por referência ao artigo 202.º, alínea b) do Código Penal.

Alega que tivesse o tribunal de primeira instância tido acesso à documentação, entretanto surgida a convicção do julgador certamente levaria à absolvição do arguido da prática deste crime referindo que os documentos - que de seguida enumera - não foram apresentados ou apreciados em julgamento porque não estavam na disponibilidade do recorrente, nem este tinha da sua maior parte conhecimento.

Alega que a condenação dá como assente que o arguido sabia estarem vedados de inclusão na candidatura equipamentos usados. Daí se ter atribuído relevância ao ponto 95. Contudo, tal não corresponde à verdade conforme se retira, claramente, dos documentos, entretanto surgidos e que se encontravam na posse exclusiva do IAPMEI.

Invocou em primeira linha o Formulário de Candidatura, que junta sob o documento n.º 3, preenchido no âmbito da candidatura a apoios PEDIP II n.º 50/10..., afirmando que este inexiste nos presentes autos, concluindo que em momento algum vemos na candidatura qualquer postura ou declaração fraudulenta prestada pelo arguido, não constando de tal documento inverdades, falsidades, deturpações ou omissões que ocultassem uma realidade distinta que fosse do conhecimento do arguido, requisitos formais e materiais exigidos pelo artigo 36.º do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro.

Mais invoca que o IAPMEI tinha na sua posse o documento nº 4 (parcela da planta baixa de instalação do Lavador Plano, que alega refere claramente Companhia de celulose do Caima, para concluir que se tal documento foi remetido àquele organismo o arguido nunca tentou esconder o estado de usado do equipamento.

Alega que este documento não consta dos autos mas pertence ao processos de candidatura ...99 do IAPMEI.

Para fundamentar a asserção de que o IAPMEI sempre conheceu a condição de usado do equipamento Lavador Plano (que alega também ser conhecido por Plane Washer, Chemi-Washer e Tratamento de Águas) invoca o seguinte conjunto de documentos que refere igualmente constantes do processo existente junto do IAPMEI e não constantes dos presentes autos que, na interpretação que deles faz, encerram em si despesas com materiais e serviços relacionados com a reabilitação do Lavador Plano, despesas que não existiriam se o equipamento fosse novo.

Assim:

- Orçamento de trabalhos procedente da sociedade Joaquim Henriques & Filhos, Lda., datado de 99-04-22, que se junta sob o documento n.º 5 (Cfr. Doc. 5);

- Proposta remetida pela sociedade EFACEC, Empresa Fabril de Máquinas Eléctricas, S. A. de serviços e materiais diretamente relacionados com o Lavador Plano, que se junta sob o documento n.º 6 (Cfr. Doc. 6);

- Documento intitulado Budget For Investiments To Be Realized, com origem na Reficel, Sociedade de Recuperação de Fibras Celulósicas, S.A., datado de 30-08-01 (data em que o recorrente já não exercia qualquer cargo nos órgãos sociais da sociedade), onde são previstos trabalhos de reabilitação do Lavador Plano nas rúbricas 4.20, 4.21 e 4.22, que se junta sob o documento n.º 7 (Cfr. Doc. 7);

Conclui que estes documentos provam que o IAPMEI tinha, e sempre, teve conhecimento do estado de não novo do Lavador Plano. Estes trabalhos a realizar, e dos quais o Lavador Plano carecia para funcionar em pleno no âmbito do projeto em que estava inserido, não se tornariam necessários caso de um equipamento novo se tratasse.

Mais alega que da consulta dos autos se verifica que outros equipamentos foram reabilitados no seio da referida candidatura sem que o IAPMEI se tenha sentido defraudado (docs. 8 e 9 e 10 a 13, 14.

Alega que “a negligência dos serviços do IAPMEI encarregues de apreciar as candidaturas e despesas elegíveis foi de tal forma gritante que no âmbito da candidatura em causa até despesas da Reficel, com combustíveis foram reembolsadas”, conforme comprovante n.º 298, 299 e 300 que se junta sob o documento n.º 15, 16 e 17. (Cfr. Doc. 15, 16 e 17) e ainda os documentos 18 e 19.

Conclui então que “se o arguido em momento algum afirmou que iria adquirir um Lavador Plano novo (até porque o preço de um equipamento novo faria triplicar o preço pago, o que também é de conhecimento básico dos técnicos do IAPMEI) e se os documentos existentes no processo compulsado pelo IAPMEI no seio da candidatura em causa revelam de forma clara que o equipamento não é novo, nada permite imputar ao arguido uma conduta ardilosa e enganadora.

Concluindo resultar “daqui a evidente injustiça operada com a condenação”.

Conclui em síntese que os documentos acima referidos provam, para lá de qualquer dúvida que:

1) o IAPMEI subsidiava equipamentos ainda que não fossem novos e,

2) o IAPMEI conhecia, ou tinha a obrigação de conhecer dada a documentação compulsada pelo próprio, o estado usado de alguns equipamentos integrantes da candidatura em causa.

Refere não ser verdade a inexistência de guias de transporte do lavador e instrumentos de laboratório juntando os documentos que, no seu entender, justificam a sua existência.

Conclui que o valor a restituir ao IAPMEI também está incorreto considerando que a sua “restituição já ocorreu de forma sobejante”.

A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de que como vem sendo quase unanimemente entendido os factos ou meios de prova são considerados como novos quando não tenham sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação – mesmo que fossem conhecidos ou não fossem ignorados pelo arguido à época em que o julgamento teve lugar.

Em segundo lugar, devem esses novos factos ou meios de prova suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação – ou seja, devem ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de suscitar fundadamente a questão de o arguido dever ter sido absolvido.

Constituindo o recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado – tendo como escopo fundamental a modificação essencial de uma sentença injusta, a reparação de um erro judiciário, e afetando a estabilidade do caso julgado – a dúvida suscitada deve ser uma dúvida qualificada, pugnando não ser este o caso dos autos.

Alega que dos meios de prova ora indicados como novos, os que foram juntos como documentos nº 4 e nº 19, já se mostravam juntos aos autos – sendo que o documento correspondente ao nº 19 foi objeto de específica apreciação no acórdão de 1ª instância, na parte atinente à fundamentação da matéria de facto;

Os documentos juntos pelo recorrente e identificados como documentos nºs 3, 5, 6 e 7, não se opõem a qualquer dos factos dados como provados, nomeadamente aos factos essenciais para fundamentação da condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção – sendo que, desses novos factos e/ou novos meios de prova, ainda que se tenham por bons, nada se retira que contrarie a factualidade dada como provada ou que, conjugadamente com esta ou com os meios de prova anteriormente produzidos, leve sequer a supor que, de um novo julgamento, pode resultar uma alteração da matéria de facto dada como provada;

A demais documentação destinada a demonstrar que os serviços do IAPMEI terão sido relapsos na verificação de outras despesas e na autorização dos pagamentos dos valores correspondentes, não vem colocar em crise a análise feita quanto aos equipamentos que estão em causa nestes autos;

Concluindo que do que vem alegado não resulta, ademais, factualidade nova que, não tendo sido apreciada na decisão condenatória, levasse agora a conclusões diversas das que fundamentaram a condenação e inexistir fundamento para a revisão pretendida pelo recorrente.

Nos autos foi determinada a notificação ao arguido recorrente para junção dos documentos apresentados com o presente recurso, na medida em que grande parte deles se mostram ilegíveis, não os tendo o arguido junto.

Não se vislumbram outras diligências que se considerem indispensáveis para a descoberta da verdade.

Cumpre nos termos do disposto no art. 454º do Código de Processo Penal proferir informação quanto ao mérito do pedido.

Nos termos do disposto no art. 449º, nº 1 al d) a revisão de sentença é permitida quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Os factos e/ou meios de prova terão, pois, de ser novos, no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, ainda que fossem já conhecidos do arguido.

Os factos que sustentam a condenação do arguido no crime em causa constam do acórdão condenatório fundamentalmente nos pontos 33 a 137, resultando da respetiva fundamentação o raciocínio efetuado para a sua prova.

Como bem salienta a Digna Magistrada do Ministério Público os autos principais são constituídos até final do julgamento por 32 volumes, e 29 apensos de documentos (numerados de 01 a 29) e sete anexos contendo documentos (anexo A a G) e ainda caixas contendo documentação junta em inquérito e instrução.

Analisando na medida do que nos foi possível tais autos não se vislumbra a junção do documento nº 3 (formulário de candidatura) sendo que apesar de tal formulário não estar junto existem variados documentos como sejam aquele expressamente indicados no acórdão condenatório ( fls. 7674 dos autos), isto é, os documentos de fls. 2567 e 2625 a os constante do apenso 18 fls. 2 e ss.) e bem assim o contrato celebrado junto a fls. 199 do anexo F (mencionados expressamente na fundamentação dos factos provados) que integram a referida candidatura que não se limita, naturalmente, ao respetivo formulário.

Este documento (nº3) consistindo um mero formulário tipo a preencher com informações genéricas não serve para fundamentar a conclusão pretendida pelo recorrente, isto é, a de que este documento permite comprovar que o arguido na sua candidatura não fez constar “falsidades de deturpações ou omissões que ocultassem uma realidade distinta que fosse do conhecimento do arguido”.

Não pode pretender reduzir-se todo o processo de candidatura em causa ao formulário inicial, sem atender a toda a inúmera documentação e legislação devidamente invocadas para fundamentação da matéria de facto em apreço, como sejam os contratos promessa mencionados os elementos contabilísticos apreendidos, o contrato efetivamente celebrado com o IAPMEI e bem assim com a natureza do próprio incentivo e bem assim a declaração que constitui o documento junto a fls. 16 do apenso 01, todos elementos a que o arguido não podia ser alheio, que estão juntos aos autos e que inculcam precisamente conclusão diversa.

Os pagamentos relativos ao financiamento do projeto foram feitos à medida que foi sendo feita a comprovação documental da sua implementação, sendo a verificação física efetuada posteriormente a tais pagamentos – pontos 65., 70., 71., 72., 73., 74. e 75. da matéria de facto provada, que se encontram adequadamente fundamentados na respetiva fundamentação.

Para comprovação da realização da parte do projeto ora em causa (aquisição dos equipamentos mencionados), apurou-se que foi utilizado um esquema de correspondência comercial e faturação falsas, que não apenas ocultava o estado de usados de tais equipamentos e que os mesmos já se encontravam nas instalações da empresa subsidiada, mas simulava a sua aquisição no estado de novos – pontos 34. a 36., 39., 40. a 44., 54., 55., 57., 82. a 130. da matéria de facto provada, resultando da respetiva motivação igualmente os documentos e restante prova que sustentaram tais conclusões.

No que concerne ao documento 4 (parte de uma planta) o mesmo já se encontrava nos autos, mais concretamente a fls. 87/88 do Apenso 01 (Documentação oriunda do IAPMEI), sendo esta a correspondente a fls. 88.

Porém, a fls. 87 idêntico documento está junto tendo-se sobreposto o nome da “R..., S.A.” onde constava o que aparentava ser C....

Este documento, estando já nos autos e constando deles um outro onde se substituiu o nome da respetiva empresa, não poderá, pois, também servir para os fins pretendidos pelo recorrente, designadamente quanto ao estado de novo ou usado do equipamento.

No que concerne aos documentos 5, 6 e 7, pese embora estes não sejam na íntegra legíveis, do que se depreende deles, não é correta a afirmação de que os trabalhos orçamentados apenas fossem possíveis em face de um equipamento usado.

- o documento nº 5, da indicação de valores para fornecimento de materiais e serviços necessários à concretização do projeto – sendo que, tendo data de 22/04/1999, parece remeter para datas futuras a realização da obra em causa;

- o documento nº 6, tratando-se de esclarecimentos a uma proposta de trabalhos anterior que não foi junta, refere-se a montagem de equipamentos elétricos e instalação elétrica, não resultando dali qualquer relação com os equipamentos financiados – sendo que, estando datada de 21/11/1997, se refere a serviços a prestar futuramente;

- o documento nº 7 mostra-se praticamente ilegível e não está redigido em língua portuguesa – não resultando do mesmo, na parte em que é possível a sua leitura, qualquer referência aos equipamentos financiados, além de se tratar de um orçamento/proposta para fornecimentos futuros.

O conteúdo destes documentos não permite a conclusão de que os funcionários do IAPMEI na sua presença teriam que concluir tratar-se de equipamento usado, como afirma o recorrente, ou que estes serviços não seriam necessários se de equipamento novo se tratasse (tanto mais que neles se inclui a montagem do próprio equipamento – doc. 5).

O documento nº 19 – que se encontrava já nos autos – foi objeto de análise como meio de prova em relação com os pontos 60. e 63. da matéria de facto provada (cf. págs. 71 do acórdão de 1ª instância – fls. 7675 dos autos e a referência ao documento de fls. 2570 e ss.).

Invoca ainda o recorrente a questão da existência de uma guia de transporte relativa ao lavador Plano juntando para o efeito o documento nº 33.

Analisando o aludido documento verificamos que o mesmo corresponde a uma fatura (invoice) em que apenas se menciona “Machinery” dela não resultando que se trate do Lavador Plano em causa.

Acresce que a questão do alegado transporte foi equacionada e apreciada no acórdão em causa e muito concretamente a questão do alegado transporte pela “S...” como consta dos pontos 96 e 97 da matéria de facto provada, sendo certo que esta factualidade não pode ser apreciada isoladamente mas antes em conexão com os restantes factos provados e muito concretamente com o constante dos pontos 130 e 131 dos factos provados e da fundamentação da sua prova, o mesmo se dizendo relativamente ao documento nº 37 (comprovante 149) sendo que dele não se retira que seja relativo ao lavador em causa.

Não se vislumbra, pois, que estes documentos também permitam decisão diferente da tomada ou que nos leve a ter dúvidas sobre a justiça da condenação.

Acresce que as faturas juntas pelo recorrente e que referem “trabalhos no “Chemi Washer e recuperador de águas, e a sua junção à candidatura em causa também não permitem a conclusão de que o equipamento por precisar de intervenção era usado, não sendo muito percetível que as intervenções tenham sido efetuadas a 05.03.2000 (doc. 35 - comprovante 147) e a 06.03.2000 (doc. 36 - comprovante 148) e o alegado transporte efetuado a 03.04.2000 (documento nº 37 - comprovante 149) isto é em data posterior.

Em suma, estes documentos não permitem igualmente a conclusão pretendida pelo arguido no presente recurso.

Relativamente aos documentos 42, 43 e 44. Em primeira linha o documento nº 44 não se mostra legível. Por outro lado, a questão da restituição já ter ocorrido foi matéria que foi objeto de recurso ordinário onde a esse propósito foi invocada a existência de faturas da “Decontrol” e bem assim do acionamento da garantia bancária (cf. fls. 7758 a 7903 e douto acórdão do Tribunal da Relação ... a fls. 8054 a 8143).

Em suma, todos os documentos que o recorrente ora junta não se opõem a qualquer dos factos dados como provados, e muito concretamente aqueles factos essenciais para fundamentação da condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção.

Na verdade, ainda que se considere que alguns novos factos ou meios de prova deles nada surge que contrarie a factualidade dada como provada ou que, conjugadamente com esta ou com os meios de prova anteriormente produzidos, leve sequer a supor que, de um novo julgamento, pode resultar uma alteração da matéria de facto dada como provada.

A restante documentação destinada a demonstrar que os serviços do IAPMEI terão sido relapsos na verificação de outras despesas e na autorização de pagamentos dos valores correspondentes, não vem colocar em crise a análise feita quanto aos equipamentos que estão em causa nestes autos.

Neste conspecto, em nossa modesta opinião, o presente recurso extraordinário de revisão não merece ser provido.

No entanto, os Excelentíssimos Senhores Conselheiros melhor decidirão.

(Junte aos presentes autos certidão do acórdão condenatório proferido nestes autos e do acórdão proferido pelo Tribunal superior na sequência do recurso interposto).

Notifique e após remeta de imediato os presentes autos ao Supremo Tribunal de Justiça para apreciação do recurso.

I.6. Já neste Tribunal o Sr. PGA pronunciou-se pela improcedência do recurso, por não se verificar a existência dos pressupostos previstos no art. 449.º, do CPP, tanto mais que «os documentos agora juntos, ou alguns deles, mesmo que se considerassem “novos”, não tinham a virtualidade de pôr em causa a apreciação das provas produzidas em julgamento e muito menos a justiça da condenação, como se salienta na resposta ao recurso apresentada pela Magistrada do Mº Pº e na informação prestada pelo Tribunal recorrido nos termos do disposto no art. 454, do CPP»

*

I.7. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

II Fundamentação

II.1. Factos provados (transcrição):

“O contexto dos factos

1. Em meados de 1993, em data contemporânea com a suspensão da atividade da unidade fabril em ... da Companhia Celulose do Caima S.A., o arguido AA, pelo conhecimento que tinha desta unidade (trabalhou nela entre os anos de 1980 a 1989), tomou a iniciativa de desenvolver um novo projeto naquelas instalações.

2. O projeto tinha como objetivo aproveitar os equipamentos e instalações existentes de produção de pasta de papel daquela unidade e alocá-los à recuperação de fibras para produção de celulose e pasta de papel a partir da reciclagem de papéis velhos.

3. No quadro deste desiderato, o arguido AA inicialmente previu adquirir a preços módicos as instalações desta unidade, com inclusão de todos os seus equipamentos e bens, pretendendo alienar, posteriormente, a preços de mercado, prédios urbanos e rústicos detidos pela ..., mas não diretamente ligados à atividade, procurando valorizar os bens industriais com a introdução da atividade de reciclagem.

4. Visando obter capitais para a concretização deste projeto, o arguido AA, começou a aliciar para o projeto vários antigos quadros desta unidade, bem como outras pessoas das suas relações.

5. Deste modo, o arguido AA conseguiu, numa primeira fase, reunir em redor deste projeto, um conjunto de investidores, a saber, BB, CC, DD e EE, que viam na reativação desta unidade e nas indicações de ganho que lhes foram dadas pelo arguido, uma oportunidade de aplicação das suas poupanças.

6. A partir daí, constituído este grupo de investidores, tiveram então lugar uma série de reuniões com vista a definirem as estratégias de concretização do projeto.

7. Numa dessas reuniões no ..., em 06/11/1993, ficou desde logo e, entre todos, acordado que a concretização do projeto passava pela constituição de uma sociedade comercial denominada Reficel, que, na sequência do projeto, adquiriria à Celulose do Caima os ativos de ....

8. Em 15/11/1993, com um capital social de 1.100.000$00 (repartido por onze quotas de 100.000$00), é então constituída a sociedade comercial Reficel - Sociedade de Recuperação de Fibras Celulósicas., Lda., na forma de sociedade por quotas, com sede, inicialmente no ..., posteriormente alterada para a Quinta..., ..., tendo como sócios, para além do arguido AA, os investidores acima referidos.

9. No capital social inicial desta sociedade, o arguido AA detinha uma quota de 700.000$00, agregando sete quotas de 100.000$00, a sua e de mais seis investidores, detendo BB, CC, DD e EE, uma quota de 100.000$00, cada um.

10. Em 05/06/1994, o capital da Reficel, foi aumentado para 36.000.000$00, com reforços do arguido AA e restantes sócios e ainda pela entrada de um novo sócio, FF.

11. Sendo o arguido AA o impulsionador do projeto, não obstante todos estes sócios e investidores fundadores tenham sido nomeados gerentes, pela confiança que nele depositavam e pelo facto de terem cargos meramente nominais, ou por apenas participarem no projeto em áreas operacionais ou com intervenções esporádicas, não tendo conhecimento direto dos negócios e afastados, portanto, da gestão e da área financeira da empresa, sempre foi o arguido quem assumiu individualmente a condução e concretização de todos os atos, contratos e negócios em que a Reficel, foi parte, tomando todas as decisões.

12. Deste modo, ficou entre todos os investidores acordado que seria o arguido AA a conduzir as negociações com a ... e que as mesmas poderiam ser desde logo iniciadas.

13. Seguidamente, com um ou outro desses investidores iniciais, designadamente DD, efetuou o arguido AA diversas reuniões com quadros da ... destinadas a definir um preço para aqueles ativos e respetivos termos e condições.

14. Sucede que, em data não concretamente apurada, mas, pelo menos, em meados de 1995, o arguido AA, apercebendo-se da existência e interesse de outros investidores pelo projeto R...,, decidiu recorrer a uma operação contratual (que adiante se descreve) de molde a conseguir captar as entradas de capital desses mesmos investidores.

15. No plano gizado pelo arguido AA tal passaria por constituir uma nova sociedade comercial que, ao invés da Reficel, adquiriria pelo preço acordado os ativos da ..., revendendo-os seguidamente à Reficel, a um preço sobreavaliado.

16. Para que os investidores fundadores (BB, CC, DD e EE) aceitassem esta operação contratual, o arguido AA convenceu-os da necessidade, não só de aumentar o capital da Reficel, para dar uma melhor imagem junto das entidades bancárias e do IAPMEI, como para aproveitar a entrada de novos sócios que trouxessem capital fresco ao projeto.

17. O arguido AA convenceu-os ainda que, para mais facilmente alienar ativos não industriais adquiridos à ..., melhor seria que estivessem enquadrados numa outra sociedade, que não a Reficel, pese embora viesse a ser detida por esta.

18. Com este argumento, o arguido AA conseguiu que os demais investidores da Reficel, acordassem na revogação do Contrato Promessa de Compra e Venda antes celebrado com a Calma, o que veio a ocorrer em 03/08/1995, com a devolução em singelo de 54.000.000$00 entregues por conta de sinal.

19. Contudo, ao invés da participação dos investidores fundadores na nova sociedade, em 02.08.1995, o arguido AA, aliado apenas a José de Mello, S.G.P.S S.A. e a GG, constituíram a Celrisco - Sociedade de Reciclagem de Papel e Produção de Celulose, S.A., com sede no ... e um capital de 5.000.000$00, distribuído por 5.000 acções com o valor nominal de 1.000$00, em que o arguido AA detém 2.498 acções, GG, com 1.500 acções, a José de Mello  SA, fica com mil acções (e as restantes duas ações para HH e II).

20. Por sua vez, em 03/08/1995, esta sociedade Celrisco celebrou um contrato promessa de compra e venda com a Caima, com vista à aquisição das instalações fabris e prédios de ..., agora pelo preço de 130.000.000$00, com sinal a adiantar no montante de 54.000.000$00, mais 63.000.000$00 a pagar com a escritura de trespasse, e os restantes 13.000.000$00, com a escritura de alguns prédios rústicos e urbanos circundantes.

21. O sinal de 54.000.000$00 entregue à Caima por via deste contrato era dinheiro pertença da Reficel, que o arguido AA e os demais acionistas da CE... (GG e José de Mello), com total desconhecimento dos sócios e investidores daquela empresa, utilizaram em benefício próprio para cumprimento desta obrigação.

22. Para acautelar os seus interesses, designadamente transferindo o risco da operação contratual para a Reficel, em 19/09/1995, o arguido AA promoveu a celebração entre a Celrisco e a Reficel, de um contrato promessa de cessão de exploração, em que a Reficel, adquiriu o direito, por cinco anos e pelo preço anual, no primeiro ano, de 12.000.000$00, e nos demais, 60.000.000$00, de explorar a atividade projetada nas instalações adquiridas à Caima.

23. Neste contrato, a Reficel, não só assumiu as responsabilidades que a Celrisco assumira perante a Caima, a exemplo da manutenção dos equipamentos, como se comprometeu a entregar por conta de financiamentos o montante que a Celrisco solicitasse até 50.000.000$00.

24. Em 19/09/1995, o arguido AA, celebrou ainda, em nome da Reficel, com os acionistas (sendo ele um deles) da Celrisco, S.A., um contrato promessa de compra e venda das 5.000 acções (100% do capital) desta vez, pelo preço de 613.000.000$00, em que a R..., se obrigava a entregar até 30/11/1995, a quantia de 58.000.000$00, até 21/12/1995, um reforço de 520.000.000$00, e o remanescente de 35.000.000$00, na data da escritura pública e entrega das ações, em data a convir pelas partes, mas entre 15/11/1996 a 31/12/1996.

25. Em 29/09/1995, a CE... celebrou escritura pública definitiva de contrato de compra e venda dos ativos industriais da ... tendo os seus acionistas procedido ao pagamento da parte relativa a 63.000.000$00, através de cheque, acompanhado de garantia bancária emitida pelo Banco .....

26. Posteriormente, no dia 17/07/1996, a CE... celebrou ainda contrato definitivo de aquisição dos ativos imobiliários da ..., agora com o pagamento de 3.000.000$00.

27. Tanto os 63.000.000$00, cobertos pela garantia bancária, como o montante de 3.000.000$00, vieram a ser pagos com dinheiro da R..., que o arguido AA, com total desconhecimento dos sócios investidores fundadores, movimentou como empréstimo feito por esta empresa à CE....

28. Em 21/12/1995 (data do pagamento pela ... aos ditos acionistas da CE...) a R..., procedeu a um aumento de capital de 36.000.000$00 para 840.000.000$00, com transformação em sociedade anónima, e subsequente emissão de ações nesse número,

29. Com a transformação da R..., em sociedade anónima, o arguido AA assumiu a… da ... desta empresa, tendo como … JJ e KK.

30. Não obstante a presença de JJ e KK na ... da R...,, sempre foi o arguido AA quem até 30/01/2002, data em que renunciou ao cargo, assumiu individualmente a condução concretização de todos os atos, contratos e negócios em que esta sociedade foi parte, tomando todas as decisões, sendo da sua responsabilidade o controlo das atividades desenvolvidas pela R...,.

31. Em 23/12/1996, foi realizada a escritura definitiva de venda de 100% das ações da CE... à R...,, passando esta a deter, por intermédio daquela, a propriedade de todos os ativos adquiridos à ....

32. Ainda em 23/12/1996, é efetuado um terceiro aumento de capital, agora para 1.100.000.000$00, por incorporação de suprimentos de vários acionistas.

**

Dos factos especificamente atinentes ao crime de Fraude na Obtenção de Subsídio:

33. Em data não concretamente apurada, mas que se situa, em finais do ano de 1996, o arguido AA, no âmbito de um plano por si gizado e previamente delineado, tomou ainda a decisão de, usando a R...,, apropriar-se de subsídios ao abrigo do programa PEDIP II.

34. Para tanto, o arguido AA decidiu recorrer a um elaborado plano assente em correspondência comercial e faturação falsa, com o fito de iludir os funcionários do IAPMEI e assim, ao arrepio da legislação vigente, integrar no projeto de candidatura apresentado junto deste organismo, equipamentos industriais em estado de uso que tinha já na sua disponibilidade e de que a ..., através da sua subsidiária CE..., já era possuidora e legítima proprietária.

35. Pretendia o arguido AA que a aquisição de dois equipamentos, um “Lavador Plano” e “Equipamentos de Instrumentação e Laboratório”, fossem financiados pelos subsídios a que a ... se propunha candidatar, bem sabendo que os mesmos já existiam e estavam na sua disponibilidade, que tinham sido adquiridos em estado de usados e que, nos termos do regulamento do Sindedip, eram excluídas da noção de aplicações relevantes, para efeitos de cálculo da participação financeira a atribuir, não só bens próprios, como as despesas efetuadas com equipamentos em estado de uso.

36. Os equipamentos usados apresentados nessa candidatura, o lavador plano e os equipamentos para laboratório e controle industrial, foram ambos adquiridos em 03/08/1995 à C..., SA, através da subsidiária da R...,, a CE....

37. O lavador plano foi construído em Portugal na década de 90 pela M... com licença da RC... para a C..., inicialmente instalado numa unidade de Constância, depois transferido para a unidade de ..., onde funcionou até ao encerramento desta, em 1993.

38. Em data anterior à candidatura ao subsídio do SINPEDIP, a .../CE..., por iniciativa do arguido AA, chegou mesmo a tentar a sua venda a uma empresa ..., a C..., contudo sem sucesso.

39. O equipamento de instrumentação e laboratório já existia igualmente na unidade industrial de ....

40. Pelo que elaborou o arguido AA um plano que permitiria à R...,  obter subsídios que financiassem a aquisição de tais equipamentos, ocultando que já eram pertença da R...,, bem como o respetivo estado de usados e dar a entender ao IAPMEI que se pretendia adquirir bens de equipamento em estado de novos.

41. Para apresentação ao IAPMEI da referida candidatura e para justificar as despesas com a aquisição de bens de equipamento, como se de novos se tratassem, o arguido AA contactou, pelo menos, com (LL), MM e NN (estes sócios da D...), de forma a emitir faturas fictícias das sociedades "M...," e “D...”, da qual eram os únicos sócios e gerentes.

42. Essas faturas reportar-se-iam a equipamentos que já estavam, como referido, na disponibilidade do arguido AA e seriam destinadas, como o foram, a sustentar e a integrar a candidatura aos subsídios do programa Sindedip.

43. No caso do equipamento de grande porte, usualmente designado como Lavador Plano (Plane Multi-Stage Secondary Fiber Washer), o plano gizado pelo arguido AA, passava, em paralelo com a candidatura ao IAPMEI, pela concretização das seguintes ações sequenciais:

a) A M..., enviaria uma proposta de venda deste equipamento à R...,;

b) a R...,, seguidamente, enviaria uma carta de aceitação da proposta da M..., juntamente com a encomenda;

c) Outra sociedade portuguesa (a definir) enviava posteriormente uma fatura da máquina por 90% do preço atribuído (de molde a justificar a aquisição) à M...,;

d) Essa mesma sociedade portuguesa enviava 4 meses mais tarde uma outra fatura à M..., cobrando uma instalação da dita máquina por cerca de 10% daquele valor (com intuito deliberado de justificar um gasto e não incorrer em proveitos tributáveis no mesmo montante);

e) A M..., remeteria posteriormente uma fatura por 100% do valor recebido à R..., ;

f) A R..., faria depois os pagamentos do dito lavador plano em conta bancária da M...,;

g) A M..., entregaria depois ao arguido AA o montante correspondente a 90% do recebido da R...,, em cheque ou cheques bancários ao portador;

h) A M..., ficaria com os restantes 10%.

44. No caso dos equipamentos de laboratório e controle industrial, o estratagema gizado pelo arguido AA era em tudo semelhante ao ocorrido com o lavador plano, a saber.

 a) A D... encomendaria à M..., aqueles equipamentos;

b) A M...,, por um pré-determinado preço, propunha-os à D..., com “data de fecho” 28/11/1998;

c) Uma empresa terceira emitiria fatura pela totalidade do valor da oferta da M..., ou encomenda da D...;

d) A M..., emitiria faturas à D... de acordo com os pagamentos estipulados, sendo que a primeira fatura da M..., à D... não poderia ser paga e a segunda fatura teria um pagamento prévio da soma das faturas iniciais;

e) A R..., pagaria à D... o valor da fatura, que por sua vez entregaria à M...,;

f) A M..., entregaria depois ao arguido AA o montante correspondente a 90% do recebido da D..., em cheque ou cheques bancários ao portador;

g) Dessa operação a D... reteria 5%, indo os restantes para a M...,.

45. A M..., tem como objeto a fabricação, compra e venda, comercialização, importação, exportação e distribuição de material escolar, venda a granel e enchimento de produtos químicos em aerossol em toda a classe de recipientes e realização de operações mercantis de qualquer classe ou produto, tendo como ... único, LL.

46. A M..., não apresenta inscrição no registo mercantil de ..., nem número de IVA válido.

47. A M...,, constituída em 14/12/1987, não tem atividade desde pelo menos 21/02/1996, data em que deixou de estar registada para efeitos tributários.

48. A M..., não tem sequer instalações ou sede na morada constante das faturas que emitiu, a saber, ..., ....

(49. não provado)

50. Quanto à D..., são seus sócios e gerentes, os referidos MM e NN, tendo esta empresa como objeto a importação, exportação, comercialização e instrumentação e válvulas de controlo industrial pneumático e de eletrónica.

51. O arguido AA foi também seu sócio e gerente desde a sua constituição em 1986 até 1995, data em que renunciou ao cargo.

52. O arguido AA, não obstante a renúncia ao cargo na D..., manteve-se, até 2006, como ... desta sociedade para efeitos fiscais.

53. Ambos os referidos MM e NN para além da atividade na D..., no período em referência nos autos, desempenhavam também funções na R...,.

54. Em paralelo com a faturação fictícia (de que adiante se fará descrição), manipulando os destinos da R...,, o arguido AA, em 30/04/1999, apresentou, então, uma candidatura ao Regime de Apoio do SINPEDIP, junto do ..., que adotou o n° 50/10..., com o objetivo de criar uma nova unidade industrial destinada ao fabrico de pasta de papel a partir da reciclagem de papéis velhos.

55. No quadro da legislação vigente, este regime compreendia o apoio à inovação e internacionalização de estruturas empresariais e a projetos estratégicos de regime contratual, em que, do conjunto do investimento total previsto e desde que não tenha sido iniciada a sua realização antes da data da candidatura, eram apoiadas algumas despesas elegíveis, ditas aplicações relevantes, designadamente com a aquisição de equipamentos destinados à modernização da estrutura produtiva e do controle de qualidade, sendo que delas ficariam excluídas despesas com a aquisição de equipamentos em estado de uso.

56. O sistema de incentivos dado por este regime revestia as formas de subsídios a fundo perdido, bem como bonificação de taxas de juro resultantes de empréstimos bancários obtidos para a realização de componentes do projeto de investimento.

57. No contexto desta candidatura, a R..., apresentou então um projeto de investimento com despesas no custo global de 1.062.659 contos (5.300.520,00€), para tanto juntando a descrição detalhada dos investimentos a realizar, melhor descrito no mapa de comprovantes, dele constando, entre outros, os equipamentos para tratamento de águas, (vulgo Lavador plano) a adquirir à M...,, no montante de 178.953 contos (892.613,80€), e os equipamentos de instrumentação e laboratório, a adquirir à D..., no montante total de 47.252 contos (235.927,67€).

58. Para dar consistência financeira ao projeto e como condição de atribuição dos ditos subsídios, o IAPMEI exigia que a R..., se financiasse também em instituição bancária, pelo que, a solicitação desta empresa, em 14/06/1999, foi aprovado por sindicato bancário (composto entre outros pelo Banco ... e Banco ....) o financiamento de 2.493.989,49€ (aproximadamente 500.000 contos).

59. A R..., deu da aprovação do empréstimo bancário conhecimento ao IAPMEI em 01/03/2000, sendo que o mesmo, em 28/04/2000, foi celebrado com os ditos bancos.

60. Tendo por base as declarações e documentos apresentados pela R...,, e que davam por preenchidas as condições de acesso tanto do promotor, como do projeto de investimento, o IAPMEI veio a considerar aplicações relevantes despesas no valor de 1.050.200 contos (5.238.375,50€), resultando desta apreciação a atribuição de um incentivo no total de 323.706.800 contos (1.614.642,71€), nas seguintes formas:

- Subsídio a fundo perdido Feder/Ambiente, no valor de 3.579 contos (17.851,97€)

- Subsídio a fundo perdido Feder/Indústria, no valor de 245.298 contos (1.223.541,26€)

- Subsídio a fundo perdido FSE no valor de 33.623,8 contos (167.714, 80€)

- Subsídio de Bonificação de Juros, no valor de 41.206 contos (205.534,66€)

61. Em 24/02/2000, a R..., enviou ao IAPMEI a minuta do contrato de incentivos n° ...99, assinado pelo arguido AA e pelo, também ..., JJ (já falecido) acompanhado da declaração de não início prévio do projeto, contrato esse que veio a ser subscrito pelo IAPMEI, em 02/03/2000.

62. Posteriormente e em data ainda contemporânea à anterior, tal contrato sofreu um aditamento, alterando apenas o Banco financiador (do ... para o ...) que veio a ser assinado em 04/04/2000, pelos anteriores subscritores.

63. Como já referido, este contrato determinou a atribuição de incentivos por parte do IAPMEI à R...,, no montante global de 1.614.642,71€, no quadro da execução de um projeto de investimento global de 5.728.946,89€.

64. Os incentivos tomaram a forma de subsídio a fundo perdido calculado sobre o montante das aplicações relevantes e ainda uma bonificação na taxa de juro por encargos financeiros originados pelo mencionado crédito bancário.

65. Nos termos legais, os pagamentos dos subsídios do FEDER e FSE seriam efetuados pelo IAPMEI após a realização e verificação final do projeto mediante a apresentação dos documentos justificativos das despesas reportadas ao mapa de comprovantes de investimento.

66. Nos termos legais ainda podia a R..., solicitar adiantamentos sobre os montantes atribuídos, contra a apresentação de garantia bancária e desde que comprovasse o inicio do projeto.

67. A R..., para obter esses adiantamentos de parte das despesas do projeto apresentou então a garantia bancária n° ...94, emitida pelo B..., no montante de 124.438.500$00.

68. Relativamente ao subsídio de bonificação da taxa de juro, nos termos legais, estes pagamentos seriam transferidos pelo IAPMEI na data em que fossem devidos pela R..., diretamente para o Banco financiador, sendo a bonificação correspondente à última parcela entregue após a verificação final do projeto, ou 60 dias, após a informação da R..., de encerramento do projeto.

69. Dos incentivos a fundo perdido aprovados, durante o ano 2000, a R..., recebeu do IAPMEI, como adiantamento para ações de formação, o montante de 14.717.730$00 (73.441,72€) e para bonificação de juros, o montante de 6.389.245$00 (31.869,41€).

70. Entre 31/12/2000 e 15/10/2002, o IAPMEI iniciou então o procedimento de pagamento dos subsídios, seja por adiantamento, seja por execução do projeto, recebendo a R..., nas suas contas bancárias o montante total de 1.435.678,23€, distribuídos pelos seguintes montantes:

- Em 31/12/2000, como Bonificação de juros, a quantia de 31.869,42€;

- Em 30/01/2001, a Fundo perdido, a quantia de 496.557,30€;

- Em 20/03/2001, a Fundo perdido, a quantia de 489.416,51€;

- Em 28/09/2001, a Fundo perdido, a quantia de 193.933,62€;

- Em 25/05/2001, como Bonificação de juros, a quantia de 42.852,65€;

- Em 09/11/12001, como Bonificação de juros, a quantia de 49.131,40€;

 - Em 16/10/2001, como Bonificação de juros, a quantia de 68.230,93€;

- Em 15/04/2002, como Bonificação de juros, a quantia de 12.658,48€;

- Em 03/10/2002, como Bonificação de juros, a quantia de 22.402,28€;

- Em 15/10/2002, como Bonificação de juros, a quantia de 28.625,64€.

71. Por carta datada de 21/02/2001, a R..., (após pedido de prorrogação) dá por encerrado o projeto de investimento, declarando ter já efetuado despesas de 141.000 contos (703.305,00€) conforme mapa comprovativo de investimento, atestado por declaração do Revisor Oficial de Contas.

72. Em 30/05/2001, o contrato foi objeto de verificação pelo IAPMEI em que, tendo por base a declaração do Revisor Oficial de Contas (que atestou as faturas dos fornecedores de bens, designadamente da M..., e D...), se deram por implementadas no projeto as despesas de 919.415 “contos” (4.586.022,70€ - 86,5% do projeto) e,  no domínio das aplicações relevantes despesas de 875.465 “contos” (4.366.801,00 – 83,3%).

73. Por via do Contrato de Incentivos, a título de subsídio a fundo perdido, o IAPMEI efetuou os referidos pagamentos através de cheque que deram entrada nas contas bancárias da R...,, deles dando esta empresa competente quitação (recibos n°s 2000/001, 2000/002, datados de 25/07/2000, 2000/003, datado de 09/11/2000, n° 2001/001, datado de 30/01/2001, 2001/002, datado de 20/03/2001, n° 2001/003, datado de 23/10/2001).

74. Por via ainda do mesmo contrato, o IAPMEI creditou, na conta bancária n° ....1 da R..., junto do Banco ... e a título de subsídio de bonificação de juros e reembolso dos encargos bancários realizados, os montantes de 31.869,42€, 42.852,65€, 49.131,40€, 12.658,48€, 22.402,28€, 28.625,24€, sendo o último em 15/10/2002.

75. Dos valores subsidiados pelo IAPMEI e de acordo com o mapa de comprovantes do investimento, 178.953.000$00 era referente à fatura ...77 da M..., e 47.252.000$00 referente às faturas n°s ...73, 74, e 75 da D....

76. Em 13/09/2002, na decorrência de uma denúncia anónima e constatando-se situações de incumprimento do contrato de incentivos n° ...99, foi proposto ao Conselho de Administração do IAPMEI a rescisão do contrato, o que veio, após verificação final, a concretizar-se em 07/10/2002.

77. Em 08/11/2002, tal decisão foi comunicada à R...,, exigindo o IAPMEI a reposição dos subsídios.

78. Entretanto devido à declaração de falência da R..., (processo de falência nº 40...), o IAPMEI reclamou, no âmbito deste processo, créditos relativos aos subsídios, no montante de 1.435.678,23€, mais 118.716,75€ de juros, no total de 1.595.981,24€, uma vez que a R...,, apesar de interpelada, não restituiu quaisquer montantes.

79. Dos montantes em dívida pela R..., foi ativada a garantia bancária do B..., honrada por este banco em 15/04/2003, no valor de 620.696,62€, mantendo-se o IAPMEI credor do montante de 933.698,36€, visto que do rateio da falência não recebeu qualquer montante.

80. O arguido AA já no ano de 1995 previra obter estes apoios, tendo nessa data desenvolvido algumas iniciativas, como seja a solicitação dos serviços da sociedade F..., Lda. para a elaboração de uma candidatura ao PEDIP II.

81. Esta sociedade ainda chegou a apresentar uma proposta para a realização da mesma, com solicitação, em 16/01/1995 e através da fatura n° ...62, de um pagamento de 30% de honorários, valor pago pela R..., a esta empresa, não tendo esta candidatura, contudo e naquele período, qualquer seguimento.

82. O propósito delineado pelo arguido AA viria então a ser reatado em 1998, consistindo na mera movimentação documental, consubstanciado na emissão de cartas, faturas fictícias e meios de pagamento entre a R...,  e as empresas de LL, NN e MM, sem qualquer correspondente na movimentação física de bens de equipamento, que já existiam e eram pertença da R...,.

83. Na execução desse desígnio para justificar a aquisição do lavador plano, sempre sob ordens e instruções do arguido AA, foi dado então, inicio à concretização do plano.

84. Com data de 21/11/1998, a R..., enviou à M..., uma carta solicitando a apresentação de proposta de fornecimento do referido equipamento, para tanto remetendo-lhe os respetivos desenhos elaborados por RE..., OO e ...

85. Tal carta veio a ter resposta, por carta datada de 16/03/1999, na qual a M..., apresentou a sua proposta descrevendo todos os itens componentes daquele equipamento, o preço dos mesmos num total de 132.000.000 pesetas (792.729,50€), e os moldes para a efetivação de pagamentos parciais pela R...,.

86. Juntamente com esta oferta de 16/03/1999 a M..., chegou mesmo a descrever com detalhe o modo como deverá decorrer toda a operação antes planeada de “venda do lavador”, tudo de molde a melhor “fazer ver” a terceiros que a máquina havia por si sido adquirida, para depois ser revendida à R...,.

87. Sempre na execução do mesmo plano, a M..., enviou uma carta, datada de 12/12/1998 (data anterior à definição das operações concretizadoras do plano em 16/03/1999) à sociedade portuguesa PR..., solicitando proposta para o fornecimento de um lavador plano.

88. Por carta datada de 22/12/1998 (anterior também à definição das operações), respondeu a PR... oferecendo um lavador plano, em segunda mão, juntamente com o pedido de oferta n° 2/..., em que é definido um preço para o lavador plano de 713.457,00€, mais 79.273,00€, para serviços de instalação, correspondente aos 90% e 10% mencionados pela M..., em carta de 16/03/1999.

89. Ainda para concretização deste plano, a PR... emitiu duas faturas à M...,, uma com n° 142 datada de 14/06/1999, e a segunda com n° 146 datada de 5/10/1999 (distando entre si cerca dos 4 meses planeados), pelos montantes acima indicados.

90. A M..., nunca pagou qualquer desses valores à PR... visto que as transações financeiras decorreram depois diretamente entre contas bancárias da R..., e da M...,.

91. Três dias depois da data da fatura n° ...42 da PR..., a R..., emitiu nota de encomenda n° ...05, datada de 17/06/1999, solicitando à M..., o fornecimento do lavador plano pelo preço de 132.000.000 de pesetas, correspondentes em euros a 792.729,50€.

92. Por carta datada de 01/07/1999, a M..., emitiu a fatura n° ...85, pedindo o pagamento pela R..., de 20% do montante acordado, correspondente à primeira prestação do fornecimento do lavador plano, no montante de 158.546,00€ .

93. O arguido AA deu então ordem ao B..., através de fax datado de 19/08/1999, para que emitisse um cheque bancário (n° ...74) a favor da M...,, naquele valor e sobre a conta n° ...30 da R...,, que veio a ser recebido e descontado pela empresa espanhola.

94. Para melhor corporização do plano, estando ainda em falta o pagamento à M..., de 80% da encomenda pagáveis em 12 prestações, por carta datada de 28/09/1999, a R...,, sempre sob a orientação de AA, solicitou aquela empresa uma renegociação dos termos de pagamento, tendo a M...,, em 06/10/1999, acordado em 6 prestações, com início em 01/06/2000, considerado um acréscimo de juro de 9% ao ano, resultando um valor ainda em dívida de 734.094,98€.

95. Foi nessa altura, em finais de 1999, que o arguido AA  deu instruções aos responsáveis da manutenção dos equipamentos mecânicos da unidade para efetuarem uma limpeza ao lavador plano para que este, caso fosse objeto de fiscalização e verificação pelo IAPMEI, tivesse um aspeto novo.

95 A) Por carta datada de 03/02/2000, a M..., remeteu carta à R..., dando notícia de que o lavador plano, juntamente com os equipamentos de laboratório da D..., iriam ser transportados para esta empresa.

96. Por carta datada de 15/02/2000, agora para a D..., a R...,, acusou a receção dos equipamentos, dando conta que os mesmos tinham chegado à R..., no dia 14/02/2000, antecedente, através do transportador “S...”.

97. Não constam dos registos da R..., quaisquer guias de remessa ou de transporte relativas ao lavador plano, ou a transportador deste nome, pela razão de que nenhum transporte foi efetuado.

98. Por carta datada de 01/06/2000, a R..., recebeu então a fatura n° ...51 da M...,, suscitando o pagamento da 2a prestação no montante de 134.235,61€.

99. Por fax datado de 17/07/2000, a R...,, a mando e sob a ... do arguido AA, deu ordem ao Banco ... para que efetuasse transferência bancária para a conta n° ...02 da R...,, a favor da M...,, o que veio a ocorrer no dia 25/07/2000.

99.A) Este pagamento foi igualmente rececionado pela M...,.

100. Por carta datada de 7/08/2000, a M..., endereçou carta à R..., , dando não só conta dos valores acima referidos e já pagos por esta empresa, mas remetendo ainda factura n° ...77, correspondente a 100% do alegado fornecimento do lavador plano, bem como cinco letras de câmbio, correspondentes, neste caso, a um total de 599.832,35€, montantes alegadamente ainda em dívida, sugerindo a sua devolução devidamente aceites pela R...,  e a sacar sobre a conta n° ...01, desta mesma empresa junto do Banco ....

101. As cinco letras de câmbio para liquidação da fatura n° ...77 da M..., correspondem a:

- ...77, no montante de 129.479,23€, com vencimento em 31/12/2000;

- ...73...77, no montante de 124.722,85€, com vencimento em 30/06/2001;

- ...75, no montante de 119,966,47€, com vencimento em 31/12/2001;

 - ...74, no montante de 115.210,09€, com vencimento em 30/06/2002;

- ...73, no montante de 110.453,71€, com vencimento em 31/12/2002.

102. Por carta datada de 23/08/2000, tais letras de câmbio devidamente preenchidas e aceites foram enviadas pela R..., à M...,, tendo a M...,, em 04/09/2000, acusado a sua receção e dando assim por cumprido e findo o contrato de fornecimento do lavador plano.

(103. não provado)

104. Na execução do desígnio fraudulento para justificar a aquisição do equipamento de laboratório e controle industriais, para concretização do referido plano, sempre sob ordens e instruções do arguido AA, tiveram então lugar as seguintes ações:

105. Na mesma data 17/06/1999 - do envio de encomenda para a M...,, o arguido AA enviou fax a PP, redigido pelo seu próprio punho, em que lhe pede que faça aprovar uma outra operação (ou seja, para além daquela referente ao lavador plano que já vinha sendo executada desde o início de 1999) pela M...,, agora relativamente aos equipamentos de laboratório e controle industriais.

106. Com mais detalhe ainda que a operação do lavador plano, neste o arguido AA chegou mesmo a exigir que a proposta da M..., à D... tivesse data de fecho 28/11/1998 (anterior portanto á data deste mesmo fax), que a sociedade terceira poderia ser a PR... ou outra, e que os pagamentos dos montantes constantes das faturas falsas seguissem uma fórmula predeterminada.

107. Por carta datada de 28/11/1998, tal como combinado entre PP e o arguido AA, a M..., enviou então oferta à D..., exatamente com o mesmo pedido, equipamentos, preço e condições de pagamento apontados pelo arguido AA.

108. Por carta datada de 14/12/1998 (data anterior ao inicio da operação), a R..., solicitou proposta à D... para o fornecimento destes equipamentos, proposta essa n° 270/... que é por sua vez remetida pela D... à R...,, com data de 17/12/1998, precisamente com os mesmos equipamentos, preço e termos de pagamento do fax trocado em 17/06/1999 entre o arguido AA e PP.

109. Por carta datada de 08/06/1999 (ainda anterior à data da formulação do plano), a D... solicitou à M..., repetição da proposta com redenominação em euros.

110. Por carta datada de 17/06/1999 (a data do plano), a M..., respondeu à D... nos mesmos termos em que já o fizera, salvo na parte relativa à alteração da moeda e na aplicação de um desconto de 2,5% em cada uma das faturas.

111. Em 17/06/1999 (datas da encomenda do lavador plano e do fax com PP), a R...,, sempre a mando e instruções do arguido AA, emitiu duas notas de encomenda n°s ...06 e ...07, correspondentes aos pontos 1 e parte do ponto 2, da proposta n° 270/... da D....

112. Por carta datada de 12/01/2000, a D... emite as faturas n°s ...5 e ...6, pedindo o pagamento pela R..., de 20% do montante nas encomendas anteriores, correspondente à primeira prestação do fornecimento do equipamento de laboratório, no valor respetivamente de 6.765,02€ e 23.053,59€.

113. Por carta datada de 21/01/2000, a R..., emitiu posteriormente a nota de encomenda n° ...04, relativamente aos restantes materiais do ponto 2 da proposta n° 270/..., preenchendo assim integralmente o que fora planeado, bem como aos restantes pontos 2 e 3 da mesma proposta, que configuraram mais um custo de 12.500.000$00 (62.349.737,13€) para esta empresa.

114. Por carta datada de 03/02/2000, a M..., remeteu carta à R..., dando notícia de que juntamente com o lavador plano, iriam ser transportados os equipamentos de laboratório pela transportadora “S...”.

115. Por carta datada de 15/02/2000, agora para a D..., a R..., acusou a receção dos equipamentos, dando conta que os mesmos tinham chegado à R..., no dia 14/02/2000, antecedente, através do transportador “S...”.

(116. não provado).

117. Não constam dos registos da R..., quaisquer guias de remessa ou de transporte relativas aos equipamentos de instrumentação e laboratório, ou a transportador deste nome, pela razão que nenhum transporte foi efetuado.

118. Com recibos n°s 19 e 20, datados de 29/05/2000, a D... acusou o recebimento por parte da R..., das quantias referentes aos pagamentos de 20% das encomendas n°s ...06 e ...07.

119. Por carta datada de 14/06/2000, a D... emitiu as faturas nºs ...41 e ...42, pedindo o pagamento pela R..., de 30% do montante nas encomendas anteriores, correspondente à segunda prestação do fornecimento do equipamento de laboratório, no valor respetivamente de 34.580,38€ e 10.147,52€.

120. Com recibos n° 29 e 30, datados de 10/07/2000, a D... acusou o recebimento por parte da R..., das quantias referentes aos pagamentos de 30% das encomendas nos ...06 e ...07.

121. Por carta datada de 27/07/2000, a D... emitiu as faturas nos 54, 55 e 56, pedindo o pagamento pela R..., de 1/6 do remanescente de 50% do montante em dívida nas encomendas anteriores, no valor respetivamente de 9.605,67€ e 2.818,76€, bem como o montante de 10.555,26€, resultante da nota de encomenda n° ...04 da R...,.

122. Por carta datada de 16/10/2000, a D... emitiu as faturas nos 73, 74 e 75, pedindo o pagamento pela R..., da totalidade do montante em dívida nas encomendas anteriores, no valor respetivamente de 115.267,93€, 33.835,08€ e 126.663,14€.

123. Com recibos n° 51 e 52, datados de 04/11/2000, a D... acusou o recebimento por parte da R..., das quantias referentes aos pagamentos de 1/6 de 50% das encomendas nºs ...06 e ...07.

124. Para liquidação das faturas nos 73, 74 e 75 da D..., juntamente com estas faturas, remeteu igualmente cinco letras de câmbio, cada uma no valor de 4.352.347$00, num total de 26.114.082$00, e vencimentos semestrais entre 28/02/2001 a 30/08/2003, que foram preenchidas e aceites pela R...,, a sacar sobre a conta n° ...05, desta mesma empresa junto do B....

125. Tais letras de câmbio devidamente preenchidas e aceites foram entregues pela R..., ao arguido AA, que delas se apoderou.

(126. não provado)

127. Na R..., todas estas faturas, da M..., e da D..., bem como as letras de câmbio, foram conferidas pelo arguido AA, autorizando e até insistindo no seu pagamento somente a estas empresas.

128. Todas estas faturas foram elaboradas pelo arguido AA  que as enviou à D... e à M..., para que por sua vez as remetessem à R...,.

129. A D... ainda em 16/10/2000 (data da emissão da última fatura) emitiu as notas de crédito n°s 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, procurando deste modo anular o efeito fiscal e contabilístico destas operações.

130. Não deixando o arguido AA ainda assim de utilizar as referidas faturas para obter o desiderato alcançado de ludibriar o IAPMEI e assim se apoderar de benefícios do programa Sinpedip.

131. Nenhum destes equipamentos entrou na R...,, sendo certo que os mesmos já se encontravam nas instalações da empresa e na disponibilidade do arguido AA, por si adquiridos à ... através da subsidiária CE....

132. Assim agindo o arguido AA obteve para a R..., proveitos económicos indevidos no montante global de 1.435.678,23€, à custa do correspondente prejuízo patrimonial do Estado, que decorrem dos subsídios acima mencionados pagos pelo IAPMEI,

133. Assim agindo, sabia o arguido AA, que falsamente declarava na candidatura e mapas remetidos ao IAPMEI factos determinantes da quantificação destes apoios financeiros e que, o ali exarado, era desconforme à realidade já implementada e em execução naquele estabelecimento industrial e que tal determinaria a concessão de apoios financeiros indevidos, mais sabendo que tais declarações e mapas eram o bastante para fazer fé junto dos funcionários do IAPMEI de que aquela era a situação real do projeto, o que quis.

134. O arguido AA agiu com o propósito conseguido de fazer constar daquelas faturas prestações de serviços inexistentes, bem como usar essas faturas como artifício para induzir em erro os funcionários do IAPMEI incumbidos de apreciar e decidir a atribuição dos apoios financeiros em causa, ao abrigo de contrato de incentivos n° ...99, e por via disso obterem para a R...,, bem como para a D... e M...,, pagamentos que não lhe eram devidos, à custa do correspondente prejuízo patrimonial do Estado, o que quiseram.

135. Os valores monetários assim indevidamente recebidos foram pelo arguido, num primeiro momento integrados no património da R...,.

136. O arguido AA agindo, contudo, no seu interesse, fê-lo em representação da sociedade R...,, na sua qualidade de ... da mesma e no âmbito das suas funções.

137. O arguido AA agiu de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida, censurável e punível criminalmente.

*

Dos factos especificamente atinentes ao crime de burla imputado por referência à apropriação pelo arguido AA dos fundos pagos pelo incentivo do IAPMEI:

*

138. O arguido AA, para além de querer apropriar-se de verbas subsidiadas do sistema de incentivos do PEDIP II, para tanto usando de faturação fictícia, tomou também a resolução de apropriar-se em seu benefício de verbas pertencentes à R...,, assim causando a esta, aos seus acionistas e credores, prejuízo patrimonial.

139. No caso da M...,, como já referido, a R..., emitiu o cheque bancário n° ...74, com data de 24/08/1999, no montante de 158.546,00€, a debitar na sua conta à ordem n° ...30, do B..., a favor da M..., que deu entrada em 31/08/1999, na conta n° ..., sedeado em ..., de que é titular a M...,.

140. A conta bancária n° ...42-6, da titularidade da M..., e sedeada no ... foi aberta precisamente no dia 24/08/1999, data, portanto, do primeiro pagamento da R...,  a esta empresa.

141. Apesar da abertura de conta bancária, como já referido, a M...,, constituída em 14/12/1987, não tinha atividade desde pelo menos 21/02/1996, data em que deixou de estar registada para efeitos tributários.

142. Em data próxima, 26/08/1999, o arguido AA e esposa, QQ abriram igualmente a conta bancária n° 0128-03... no ....

143. Em 07/09/1999, da sua conta n° ...42-6, a M..., procedeu à transferência para a conta n° 0128-03..., do arguido AA, da quantia de 142.691,40€.

144. Nesse mesmo dia, o arguido AA procedeu à transferência do montante de 140.437,88€ para a sua conta bancária n° ...07, no B..., onde descontados os custos da operação, lhe foram depositados 28.065.400$00.

145. Nesse mesmo dia ainda, o montante de 28.000.000$00 é transferido para a conta bancária n° ...30, da R...,, onde entra por conta de suprimentos do arguido AA.

146. Relativamente à segunda prestação de 134.235,61€, a R...,, segundo instruções do arguido AA, deu ordem ao Banco ... para que procedesse ao pagamento desta quantia à M...,.

147. Por débito da conta n° ...02, da titularidade da R..., e junto do Banco ..., este valor veio a ser processado para a M...,, com data valor de 25/07/2000.

148. Este valor entrou com data valor de 26/07/2000, na conta n° ...42-6, junto do ..., da M...,.

149. No dia seguinte, a M..., procedeu à transferência bancária do montante de 123.496,76€ para a conta n° 0128-03..., do arguido AA.

150. Nesse mesmo dia, 27/07/2000, o arguido AA procedeu à transferência do montante de 120.202,42€ da sua conta bancária no ... para a sua conta n° ...07, no B..., onde foi depositado, após custos da operação, o montante de 24.023.235$00.

151. De seguida, o arguido AA transferiu para a conta da R..., n° ...30, o montante de 13.000.000$00, onde entrou por inscrição da conta de suprimentos a favor do arguido AA,

152. Logo de imediato e após a receção e movimentação daqueles valores, a M..., procedeu à liquidação da conta bancária por si titulada, sendo certo que, desde que foi constituída até que foi encerrada, não efetuou outras operações que as anteriormente referidas.

153. Por desuso, o arguido AA viria a ter a sua conta bancária junto do ... encerrada em 22/04/2004, sendo certo que, para além das operações atrás mencionadas, a mesma não teve qualquer atividade relevante.

154. Relativamente às letras, estas foram aceites pela R...,  e remetidas à M..., em 23/08/2000, que as recebeu antes mesmo de 04/09/2000.

155. As letras de câmbio foram depois entregues em mão ao arguido AA, que delas se apropriou.

156. No caso da D..., a R..., procedeu aos pagamentos com data valor 16/05/2000, das faturas n°s 5, 6 e 11, no montante de 11.056.830$00 (55.151,23€) com data valor de 04/07/2000, das faturas 41, 42 e 43, no montante de 16.585.244$00 (87.726,84€), com data valor 10/10/2000, das faturas 54 e 55, no montante de 1.527.992$00 (7.621,59€).

157. Para simulação das transações, a D... emitiu à ordem da M..., e a partir da sua conta n° ...16, junto do Banco ...., em 24/05/2000, o cheque n° ...95, no montante de 7.744.760$00 (38.630,70€), em 12/07/2000, o cheque n°...38, no montante de 11.617.140$00 (57.946,00€), em 27/07/2000, o cheque n° ...41, no montante de 3.094.940$00 (15437,49€).

158. Cheques esses que foram entregues ao arguido AA, que a si próprio os endossou, descontando-os de seguida.

159. As letras de câmbio, emitidas pela R..., a favor da D..., foram igualmente entregues em mão ao arguido AA, que delas se apropriou, não chegando sequer a ser devolvidas à D....

160. Destas operações financeiras em prejuízo da R..., arguido AA, entre as faturas falsas emitidas pela M..., e pela D..., beneficiou pelo menos do montante de 378.202,35€.

(161. não provado)

(162. não provado)

163. Para que os pagamentos à M..., e à D... fossem feitos pela R...,, o arguido AA dava instruções aos funcionários administrativos para que os efetuassem e somente àquelas duas empresas, sendo certo que já nessa data havia múltiplos fornecedores com créditos vencidos.

164. Para locupletar-se com estes montantes, o arguido AA  chegou mesmo a deslocar-se propositadamente a ... para abrir a referida conta no ... e assim efetuar estas operações bancárias e apropriar-se destas quantias em proveito pessoal.

165. Assim agindo, de forma livre e voluntária bem sabia o arguido AA que os pagamentos feitos pela R..., à M..., e à D... não consubstanciavam um qualquer negócio, e que as faturas e negócios fictícios constituíram apenas um artifício para ludibriar a R..., e os seus acionistas.

166. Agiu o arguido com o desígnio concretizado de, usando faturas falsas, levar a R...,, indiretamente, a pagar e creditar a favor de contas por si tituladas as quantias supra referidas e a debitar essas quantias no mesmo valor na sua conta, assim obtendo um enriquecimento ilegítimo a que sabia não ter direito, bem ciente, de que com a sua conduta, causava um prejuízo patrimonial àquela, o que quis.

167. O arguido agiu de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respetivas condutas.

**

 Dos factos especificamente atinentes ao crime de burla imputado por referência à coautoria dos arguidos AA e RR:

168. Em data não concretamente apurada, mas certamente no início do ano de 2002, o arguido AA, na posse das letras de câmbio que a R..., ilegitimamente subscrevera a favor da M...,, decidiu ainda, agora e m conluio e comunhão de esforços com RR, apropriar-se de bens da R...,, para tanto usando e enganando os tribunais se necessário fosse, para conseguir os seus intentos.

169. Estas letras nunca foram apresentadas a pagamento quer junto do Banco ..., quer noutro local, nem foram objeto de protesto por falta de pagamento.

170. Na execução desse desígnio e pretendendo ocultar perante terceiros a forma como estes títulos haviam chegado à sua posse, o arguido AA entregou as letras de câmbio acima mencionadas ao arguido RR, para que este, em seu nome e benefício, as executasse em juízo e desta forma lograsse obter penhora e venda dos bens da R...,.

171. O arguido RR, a mando e sob ordens do arguido AA (em que aparece como testemunha), interpõe uma providência cautelar (Proc. 194/..., a correr termos na ... Vara Cível, 3ª... de ..., com carta precatória n° 73/03...., para execução do arresto, que correu termos no ... Juízo de ...), com base na presuntiva existência de... de crédito sobre a R..., no montante de 489.378,00€, neste caso, relativos a 4 das seguintes letras:

- ...77, no montante de 129.479,23€, com vencimento em 31/12/2000;

- ...73...77, no montante de 124.722,85€, com vencimento em 30/06/2001;

- ... 0746675, no montante de 119.966,47€, com vencimento em 31/12/2001;

- ...74, no montante de 115.210,09€, com vencimento em 30/06/2002.

172. De tal procedimento resultou uma decisão judicial, em 22/01/2003, decretando o arresto de bens de equipamento da R...,, que só não foi convertido em penhora e vendidos, em virtude da declaração de insolvência desta empresa (Proc. n° 40..., que correu termos no Tribunal ...), e do trânsito destes bens para a respetiva massa falida.

173. Sempre a mando do arguido AA, o arguido RR intentou ainda uma ação declarativa de condenação (Proc. n° 781/03...., que correu termos na ... Vara Cível, ... Secção das ...), reclamando o pagamento, para além das 4 letras acima referidas, também da letra n° ...73, com vencimento em 31/12/2002, e no montante de 110.453,71€, tudo num montante total de 528.749,00€.

174. Esta ação teve provimento, condenando a ré R..., no pagamento dos respetivos montantes.

175. Munidos desta sentença, o arguido RR, sempre conluiado com o arguido AA, em 25/02/2003, apresentou à execução (Proc. n° 1535/03...., que correu termos na ... Vara Cível de ..., ... Secção) uma das letras, a n° ...73, com vencimento em 31/12/2002, e no montante de 110.453,71€ que, não obstante determinasse a penhora de bens da R...,, só não obteve provimento subsequente porque se deu, como já referido, a insolvência da R..., em 28/02/2003.

176. Ainda assim, o arguido RR, sempre a mando do arguido AA, ambos munidos da mesma vontade reclamou tais créditos no processo de insolvência n° 40..., pedindo que os mesmos fossem atendidos e antes tomados em consideração na execução já mencionada.

177. De tal reclamação resultou o reconhecimento na insolvência do respetivo crédito no montante referido de 110.453,71€.

178. Assim agindo, bem sabiam os arguidos AA e RR que as letras de câmbio entregues pela R..., à M..., eram de origem ilícita, não consubstanciando um qualquer negócio e que as mesmas constituíam apenas um artifício para ludibriar a administração da justiça.

179. Agiram ainda os arguidos com o desígnio concretizado de, usando letras de câmbio fictícias, levar o tribunal a ordenar o arresto de bens da R..., e a condená-la a pagar os referidos títulos, assim obtendo uma decisão a que sabiam não ter direito, bem cientes, de que com as suas condutas, causavam um prejuízo patrimonial àquela e à administração da justiça, o que quiseram.

180. Os arguidos AA e RR agiram de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respetivas condutas.

(…)

Em sede de motivação da decisão de facto, fez-se constar do acórdão condenatório, no que aqui interessa:

A abundante prova documental existente nos autos, só por si, é elucidativa de como se desenrolaram os acontecimentos, razão pela qual relativamente a cada facto far-se-à a correspondência com o(s) documento(s) que o(s) sustenta(m). No entanto, não se deixará de ter em conta, obviamente, todos os depoimentos prestados em audiência, como, pontualmente, se referirá.

A fundamentação da matéria de facto provada e não provada será, dada a sua extensão, separada, tal como na decisão instrutória, por temas.

Assim explicitar-se-à a convicção do tribunal relativamente:

I. ao contexto dos factos;

II. aos factos especificamente atinentes ao crime de fraude na obtenção do subsídio;

III. aos factos especificamente atinentes ao crime de burla imputado, por referência à apropriação pelo arguido AA de fundos pagos à R..., pelo incentivo do IAPMEI.

IV. aos factos especificamente atinentes ao crime de burla imputado, por referência à coautoria dos arguidos AA e RR.

I

(O contexto dos factos )

No que concerne ao contexto dos factos, o ponto 1, resultou, na generalidade, provado, uma vez que as testemunhas ouvidas, que trabalharam na C..., demonstraram conhecer os factos e situaram-nos no tempo nas datas constantes da pronúncia. Especialmente a testemunha SS, que situou, com precisão no tempo, a colaboração do arguido AA na C..., mas também a testemunha J..., que trabalhou na C... mais de 40 anos e foi aí que conheceu o arguido AA, a testemunha TT que trabalhou com este arguido mais de 10 anos, o mesmo ocorrendo com UU e ainda outras testemunhas como VV, WW, XX, YY e ZZ, embora este durante menos tempo, todos trabalharam quer na C..., quer na R...,, conhecendo o arguido AA de ambas as situações profissionais.

Antes de continuar, impõe-se dizer que os depoimentos das referidas testemunhas na sua generalidade se revelaram genuínos e isentos apesar de se sentirem prejudicados pela atuação do arguido - , quer porque perderam salários, quer porque não conseguiram reaver investimentos, quer porque se sentiram traídos, - como a seu tempo se referirá (embora não de forma exaustiva, uma vez que todos os depoimentos se encontram gravados). Efetivamente alguns depoimentos foram prestados com grande dramatismo, de forma dorida, sofrida -  de que foi expoente máximo o testemunho de AAA - pela traição que envolveu, relativamente a alguns seus amigos, o comportamento do arguido AA. No entanto percebeu-se que a maior parte das testemunhas ouvidas não estavam movidas por qualquer sentimento de vingança, porque dado o tempo já decorrido, aceitaram as perdas patrimoniais e pessoais (de amizade), nada querendo do arguido, nada esperando dele. Há quem, contudo, claramente mantenha  vivas as feridas, como é o caso de BBB, ..., que acreditou seriamente no projeto R...,, a ele se entregou absolutamente, não aceitando bem também ele ter sido enganado, sentindo-se ludibriado e, por essa razão, continuando a intervir no processo juntando relatórios, documentos, desde que foi apresentada queixa até ao julgamento. O seu depoimento, apesar da emoção que deixa transparecer, foi merecedor de credibilidade, até porque, documentalmente, se encontra sustentado, como adiante se verá.

Os depoimentos das testemunhas (não comuns com a acusação)  apresentadas pelo arguido AA - (que, pode dizer-se, se dividem em dois grandes grupos: aquelas que nada sabiam de relevante para a decisão, fosse por ignorarem totalmente quaisquer factos (ex: CCC) fosse por não recordarem já devidamente o que se passou (DDD, EEE, FFF; GGG, HHH, III) e aquelas que demonstraram algum conhecimento, embora pontual, JJJ, GG, KKK, LLL, MMM) –  não abalaram, de modo algum, a versão dos factos constantes da pronúncia. Efetivamente, quer por nada - ou quase nada - saberem ou recordarem de relevante, quer por terem um conhecimento pontual de factos, os seus depoimentos não afastaram a convicção adquirida pelo Tribunal a partir do confronto do depoimento das testemunhas indicadas na pronúncia, com o teor da abundante documentação junta aos autos.

A propósito da documentação diga-se, desde já, que muitos dos documentos que o arguido AA juntou aos autos mereceram sérias reservas. A este respeito, merece, desde já, neste momento, especial referência o comportamento da testemunha BB que sendo portador de documentos prestou um depoimento claramente nervoso, inseguro, procurando dar uma imagem de que estava por dentro de todos os assuntos, mas traído, por exemplo, quando demonstrou surpresa ao ser confrontado com documentos por ele próprio entregues (como aconteceu com os de folhas 6733 e 7217) em que, espontaneamente, perguntou “fui eu que entreguei?”, ou quando perante letras de que foi portador questionou “estas letras estavam comigo?”; ou quando não sabia explicar a razão pela qual era portador de atas avulsas (cfr. folhas 7231, com ata nº 10 do livro de atas do ... e que são diferentes) ou de originais de cartas e outros documentos (ex. folhas 7192, 7195) que lhe não foram dirigidos, nem por si redigidos, a tal ponto que o Tribunal ordenou fosse efetuada a peritagem de vários documentos. Não mereceu, então, o depoimento desta testemunha, qualquer credibilidade.

Aliás, também outras testemunhas, mesmo apresentadas pelo arguido, foram surpreendidas com o teor de documentos alegadamente por si assinados, cujo conteúdo disseram não reconhecer, tendo ainda negado as assinaturas neles apostas (testemunhas MMM e GG relativamente aos documentos de folhas 6718, 6719, 6732, 7228 a 7230), fazendo-o de forma merecedora de credibilidade, porque genuína, sentida, frontal.

A falsidade de documentos entregues pelo arguido AA durante o julgamento será, de novo, adiante referida.

No que respeita à natureza e objetivo do projeto R..., (pontos 2, 3, 4 e 5 da pronúncia) eles ficaram também claros durante o julgamento. Embora sem se saber qual a concreta promessa de ganho imediato, porque não foi referido pelos investidores, o certo é que, quer antigos colaboradores da ..., quer pessoas das suas relações, investiram dinheiro no projeto R..., que foi apresentado aos olhos de todos como lucrativo e inovador. Assim aconteceu com as testemunhas NNN, WW, como os próprios referiram e, bem assim, com EE, tendo-se aqueles referido ao projeto como uma “esperança para os trabalhadores”, tendo o último dito ter “ficado impressionado com o projeto” no qual “trabalhou dia e noite” e com o perfil do arguido AA pela “capacidade de persuasão e profissionalismo”. Por isso ele próprio investiu no projeto e, como disse, angariou investidores, “dezasseis alemães”, segundo afirmou; também a testemunha Eng. OOO disse que “emprestou dinheiro” para o projeto, vindo posteriormente a receber ações e a ser demandado pelo arguido PPP “como se fosse devedor e não credor” (a folhas 2952 encontra-se cheque passado ao arguido AA que a testemunha reconheceu); ainda a testemunha QQQ que conheceu o projeto R..., através de um amigo (o Eng. KK), enviou dinheiro para a ... “10.000 contos” mas, como disse, nunca chegou a receber as ações; RRR que também adquiriu, como também disse, 5.500 contos de ações que não lhe chegaram a ser entregues, vindo posteriormente a ser demandado pelo arguido PPP, “que lhe pediu uma indemnização de 500.000€”; de igual modo a testemunha AAA também entrou com dinheiro “inicialmente – 10.000contos” que seriam pagos em três prestações e depois um total de 16.500 contos. (O depoimento desta testemunha foi o mais dramático e impressionante dos depoimentos prestados em julgamento, uma vez que a amizade e a confiança com o arguido AA começaram por ser de tal forma que passavam Natais juntos e acabaram com a verificação pela testemunha de que o dinheiro que tinha entregue não estava, nem em ações, nem em suprimentos e acabou por ser demandado judicialmente, tendo sido penhorados todos os móveis (ao ponto de “ter ficado a dormir no chão”).

Um outro investidor foi QQQ (esta testemunha tem o mesmo nome de outra já referida) que investiu “pela consideração que tinha com DD” e que lhe apresentou o arguido AA “como sendo um filho”. Perdeu “120.000 contos”. O seu testemunho foi corroborado pelo de SSS (filho de DD) que disse que o pai, acreditando no arguido AA “meteu lá as economias que tinha, alguns milhares de contos” e que perdeu tudo “empresa, saúde, casa” até que teve que pedir a insolvência; a testemunha TTT também investiu cerca de 2000€ no projeto R..., e verificou posteriormente que não constava da lista de acionistas.

Apesar de todos os investimentos terem acabado muito mal, o certo é que a partir dos depoimentos prestados em julgamento, pontualmente documentados, não ficaram quaisquer dúvidas de que o arguido AA se rodeou de um conjunto de investidores que viam na reativação da unidade fabril e nas indicações de ganho prometidas uma oportunidade de aplicação de poupanças.

As reuniões de grupos de investidores referidos nos pontos 6 e 7 da pronúncia, tendo em vista a constituição da sociedade R...,, estão documentadas no volume 18 a folhas 3944 e seguintes.

A constituição da sociedade, repartição do capital social e aumento do capital (pontos 8, 9 e 10 da pronúncia) resulta da certidão comercial junta a folhas 10 e seguintes do volume 1.

O papel principal assumido pelo arguido AA como impulsionador do projeto, a que se referem os pontos 11 a 13 da pronúncia, seu principal mentor e estratega foi o denominador comum da generalidade dos depoimentos ouvidos em julgamento (a testemunha BB deu ênfase ao papel desempenhado por DD – já falecido - mas o seu depoimento não mereceu credibilidade, conforme atrás referido).

Mesmo quem foi prejudicado pelo arguido, ou quem se sentiu traído, se referiu a ele como sendo o meu “...” (Engº. SS); “... máximo” – (testemunhas TTT e UUU), “o ...” – (testemunha WW); “reconhecido por todos como o responsável dos projetos” e com “características de líder” – (testemunha VVV). Também a testemunha ZZ referiu o “espírito inovador”. A capacidade de persuasão foi realçada pela testemunha BBB bem como o “profissionalismo”, percebendo-se até que, na opinião inicial desta testemunha, o arguido tinha o “perfil ideal para avançar com o projeto”. E, por isso, ficou “à cabeça de tudo” como referiu a secretária WWW.

Todos, mesmo os mais “feridos”, de que são exemplo os já referidos AAA e SSS, filho de DD (já falecido) confiaram cegamente nele, na sua competência, nas suas decisões. Não discutiam, nem questionavam as orientações.

 Por essa razão resultou, claramente, provado que foi sempre o arguido AA a conduzir as negociações e que foi ele quem assumiu individualmente a condução de todos os atos e negócios.

É certo que – embora não tenha prestado declarações sobre os factos – se percebeu que o arguido orientou a sua defesa sustentando que a gestão não era só sua, que tinha sido implementado um modelo alemão, em que as decisões são sempre colegiais e sujeitas a uma comissão de fiscalização.

Mas o certo é que resultou absolutamente claro do julgamento que, na prática, era o arguido AA o cérebro de tudo que conseguiu que confiassem nele cegamente, - há depósitos de accionistas da R..., feitos na conta particular do arguido no B... (conta ...) – cfr folhas 26 a 39 do apenso 29 - deixando-o agir sem oposição.

Esta conclusão até pelos depoimentos de testemunhas indicadas pela defesa é obtida, já que o arguido AA era o único dos arguidos que conheciam e com quem tinham colaborado de forma mais estreita.

As testemunhas YYY e ZZZ que foram ouvidas,- embora não constassem inicialmente de quaisquer dos róis-, referiram também o “papel preponderante” do arguido AA.

Não há, pois, dúvidas de que o arguido AA pôs e dispôs como quis e enquanto quis de tudo o que se relacionou com a R...,.

A matéria relativa à constituição da nova sociedade, constante dos pontos 14 a 17 da pronúncia e que levou à revogação do contrato promessa de compra e venda celebrado com a ... referido no ponto 18, consta do relatório de contas do exercício de 1995 junto a folhas 14 e seguintes do anexo B e, bem assim, está referida no documento de folhas 6715 “execução do contrato de 24.09.95”, junto já no decorrer do julgamento. O relatório pericial – apenso 29 – faz também um périplo sob o ponto de vista financeiro e contabilístico das decisões que foram sendo tomadas, que permitiu perceber a intenção subjacente ao comportamento do arguido AA.

O acordo de revogação do contrato promessa de 24.09.94, celebrado em 03.08.95, mostra-se junto a folhas 15 e seguintes do anexo C.

A esta matéria referiram-se as testemunhas ZZ e EE de cujo depoimento resultou, inequivocamente, que na altura da criação de CE... ainda todos confiavam no projeto do arguido AA, razão pela qual a testemunha EE disse “não ter acompanhado muito” tal processo. O relatório pericial também espelha esta realidade v.g. folhas 10 do Apenso 29.

O ponto 19 está também documentado e foi referido em julgamento pela testemunha GG. Carece no entanto de precisão porquanto na escritura da constituição da sociedade, para além de constarem como outorgantes AA, GG e MMM em representação da J... – Sociedade Gestora de participação sociais, constam ainda HH e II ( razão pela qual estes nomes foram incluídos neste ponto da matéria de facto), sendo que ambos são titulares de apenas um ação do capital social, cada um e o arguido AA não detém 2.500 ações, mas 2.498 ações.

 O ponto 20 está também documentado e foi confirmado pela testemunha GG. Efetivamente no dia seguinte ao da constituição da sociedade CE..., foi celebrado o contrato promessa de compra e venda com a ..., junto a folhas 15 e seguintes, do anexo A e completado a folhas 77 e seguintes do mesmo anexo. As modalidades e os preços acordados para pagamento da aquisição constam da cláusula segunda do referido contrato promessa.

O facto referido no ponto 21, embora negado pela testemunha GG em julgamento, resultou provado a partir da análise do relatório pericial (Ap. ...29), explicado em julgamento pelo perito ZZZ, não havendo nos autos outra prova que contrarie o seu teor. De facto consta do relatório pericial (folhas 10, apenso 29 que remete para o registo contabilístico na conta ...04-CE... (folhas 19 e 23, anexo C), que o montante de 54.000€ foi emprestado pela R..., à CE.... A análise da documentação contradiz, portanto, o depoimento do Dr. GG.

Teve-se ainda em atenção as declarações do inspetor AAAA que referiu que a CE... não chegou a ter atividade, tendo sido apenas constituída por forma a poder ser possível ser adquirida pela R..., por valor inflacionado, o que também decorre da análise dos valores envolvidos, e das datas em que ocorrem as operações e está absolutamente claro no relatório pericial v.g. no ponto 4.2. a folhas 12 do apenso 29, que nos dispensamos de reproduzir.

No entanto sempre se impõe evidenciar que a CE... foi constituída em 02.08.1995, com um capital de 5.000.000$00 e que logo no dia a seguir (03.08.95) assinou um contrato de compra e venda com a “...” que visou a aquisição de unidade fabril sita em ... por 130.000.000$00. No mesmo dia 03.08.1995, a R..., assinou o “Acordo de Revogação” com a ... (que visava a aquisição desta por 270.000.000$00). e financiou a CE... para esta poder pagar a dívida de 130.000.000$00, que tinha para com a ....

Passado pouco mais de um mês sobre a constituição da CE..., em 19.09.95, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda em que foi acordada a aquisição da totalidade do capital social da CE... pela R..., por 613.000.000$00! (isto é a R..., vem a adquirir por 613.000.000$00, um património que poderia ter adquirido por 270.000.000$00).

Não é também irrelevante notar que dos 613.000.000$00, 578.000.000$00 entraram nas contas dos accionistas do CE... e que no aumento de capital de 36.000.000$00 para 804.000.000$00, 520.000.000$00 estão suportados por três transferências de fundos para a R..., e outras três transferências que fazem sair os referidos fundos para as mesmas entidades. Assim as contas ...83 do Banco .... titulada por J... – ..., movimentada por 102.960.000$00; a conta ...11 do Banco .... titulada pelo arguido AA, movimentada por 262.600.000$00 e a conta ...06 do Banco ...., titulada por GG movimentada por 154.440.000$00 foram debitadas e creditadas pelos mesmos montantes...

Os factos constantes dos pontos 22 e 23 da pronúncia foram referidos em julgamento pela testemunha ZZ e estão documentados a folhas 55 a 57 do anexo A.

O contrato promessa de compra e venda das ações, referido no ponto 24, está documentado a folhas 60 e seguintes do Anexo C.

A escritura pública definitiva do contrato da compra e venda dos ativos industriais da ... referida no ponto 25 encontra-se junta a folhas 1237 e seguintes do volume 7 e a garantia bancária também referida neste ponto está a folhas 80 do anexo A.

O contrato definitivo da aquisição dos ativos imobiliários da ... (ponto 26) mostra-se junto a folhas 2129 e seguintes do volume 11.

O ponto 27 retira-se quer do relatório pericial (folhas 3 e 7/8 do apenso 29) quer do relatório da administração do exercício de 1995 elaborado pela CE..., que se encontra a folhas 226 e seguintes.

O aumento do capital referido no ponto 28 consta da certidão do registo comercial da R..., e, bem assim, a constituição dos órgãos sociais da empresa, o capital social e sua distribuição, a transformação em sociedade anónima (ponto 29) e o novo aumento de capital referido no ponto 32.

A venda de 100% das ações da CE... à R..., (ponto 31) está retratada a folhas 59 e seguintes do anexo C.

O papel preponderante do  arguido AA na condução de todas as negociações, na concretização de todos os contributos e negócios (referido no ponto 30) foi por todos evidenciado em julgamento, conforme já atrás referido, tendo sido feitas referências aos outros colaboradores como pessoas que acreditaram cegamente no arguido AA, que era persuasivo bastante para impor e fazer valer os seus pontos de vista, como todos os que depuseram em julgamento sobre esta matéria, disseram.

É certo que, recorde-se, o arguido juntou documentos no decorrer da audiência – alguns na posse da testemunha BB - dos quais se retiraria que não seria apenas o arguido a tomar decisões. Mas não só o teor de tais documentos não foi aceite por alguns dos alegados intervenientes (cfr testemunhas MMM e GG), como as assinaturas deles constantes foram negadas perentoriamente também pelas referidas testemunhas (cfr. documentos de folhas 6718, 6719, 6732, 7228 a 7230).

Aliás, a veemência da negação do conteúdo e assinatura de documentos juntos pelo arguido foi tal que o Tribunal, durante o julgamento, ordenou a realização de perícia aos documentos de folhas 7191 a 1231, 6732 e 6733 - para se aferir se o texto constante dos documentos foi elaborado na data que deles consta, - tendo-se obtido resposta inconclusiva para a generalidade dos documentos (pelas razões expostas a folhas 7517 e seguintes, que não abalam as suspeitas que determinaram a realização da perícia), mas confirmando-se a falsidade do documento de folhas 7192. Acresce que não deixa de ser relevante o facto dos documentos juntos a folhas 7192, 7198, 7210 e 7220 (alegadamente elaborados em locais muito diversos) terem sido impressos com toners de características espetrais semelhantes entre si.

Esta forma de proceder do arguido – elaboração e junção durante o julgamento de documentos forjados – é também ilustrativa da sua personalidade uma vez que evidencia do que é capaz para atingir os seus objetivos.

Por outro lado e em jeito conclusivo desta primeira parte da matéria de facto, diga-se que a análise pericial feita à documentação bancária, à documentação contabilística entregue à PJ pelo liquidatário Dr. BBBB e constante do apenso 29 e anexos A a G que o complementam, é evidenciadora de como, ao longo dos anos, foi sendo delineado pelo arguido AA o objetivo de, através de manobras financeiras fictícias ir beneficiando de avultadas verbas e solidificando a imagem de ser ele próprio credor da R...,.

  II.

(Dos factos especificamente atinentes ao crime de fraude na obtenção de subsídio).

O ponto 33 (com exceção da data situada em finais do ano de 1998 e do nível de participação de PP) resultou provado, uma vez que já no relatório do exercício do ano de 1996, datado de 14.02.1997, é referida a preparação de formalização da candidatura ao ....

A colaboração de PP pode ter existido, como se verá mais adiante, mas os termos em que ocorreu não resultaram provados, de forma cabal, em julgamento. De facto o arguido PP não compareceu em julgamento, o arguido AA não prestou declarações e, com exceção de referência pela testemunha BBB, quando disse que chegou a ver os dois (PP e AA) a falar de forma sigilosa, nada mais se provou que permita concluir mais do que a documentação o permite, e que adiante se fará referência.

Os pontos 34 a 36 e 39 dizem respeito à apresentação da candidatura ao ... de equipamentos que já existiam na C... (cfr. contrato promessa de compra e venda de folhas 2169 e seguintes, volume 11) – o lavador plano e equipamentos de laboratório, como se fossem adquiridos no âmbito da mesma candidatura.

A sua existência na C... foi amplamente referida em julgamento por todas as testemunhas que conheciam quer o lavador plano, quer instrumentos de laboratório e constam do anexo I junto à escritura de venda das instalações da ... à CE....

A história do lavador plano referido no ponto 37 foi confirmada em julgamento pela testemunha AAAA e decorre também da análise de diversos documentos juntos aos autos (folhas 212 do volume 2, também cota de folhas 507, cujo teor foi confirmado pela referida testemunha em julgamento e, bem assim, carta junta a folhas 60 do apenso I).

A tentativa de venda do lavador plano a uma empresa ... referida no ponto 38 está também documentada (folhas 604 e seguintes (volume 4)) e foi referida em julgamento, pela testemunha VV, embora de forma vaga e de forma mais precisa pela testemunha CCCC, que disse ter chegado a ir ao ... no âmbito da tentativa de venda. A testemunha BB relacionou esta tentativa de venda com DD, mas fê-lo de forma superficial, inconsistente, não merecendo qualquer credibilidade.

A partir do ponto 40 até ao ponto 45 está descrito o plano elaborado pelo arguido AA tendo em vista a obtenção de subsídio para aquisição dos equipamentos, que eram já usados, como se fossem novos.

Esse plano resultou provado porque está também documentado em carta assinada por LL. Sobre esta pessoa não será, contudo, feita qualquer referência, por já ter sido declarada prescrita a sua responsabilidade criminal.

Não ficou qualquer dúvida, contudo, de que as sociedades com quem o arguido AA, em representação da R...,, elaborou o plano foram a M..., e a D..., conforme decorre do teor de folhas 261 e seguintes, (elaborado pelo arguido AA). A afirmação de que se tratou de um plano sem correspondência com a realidade, decorre do facto de a M..., ter como objeto social a venda de material escolar e de produtos químicos em aerossol, não ter no registo comercial de ... inscrição, não ter atividade desde 21.02.96 e não ter instalações, tudo conforme resulta dos estatutos da mesma juntos a folhas 477 e seguintes (volume 3), do seu registo comercial obtido pela PJ e junto a folhas 994 e seguintes, da declaração da ... junta a folhas 153, da qual resulta ser desconhecida a localização da M..., (cfr também folhas 993-volume 6) e da declaração de invalidade de IVA (folhas 154).

Está, portanto, documentada a matéria constante dos pontos 45 a 48. É certo que, mais uma vez se diga, a testemunha BB pretendeu dar a entender que o lavador plano foi comprado e vendido por DD, mas a confusão com que delineou a alegada transação, as vezes em que se socorreu de nome de DD (já falecido…) e a forma como o fez (hesitações, atropelos, contradições) não mereceu, como já se disse, credibilidade.

Não ficaram, pois, quaisquer dúvidas de que foi o arguido AA quem desenvolveu a estratégia para simular a aquisição do lavador plano e do material de laboratório, mas já ficaram dúvidas de que, para o efeito o seu “parceiro” espanhol tenha sido PP em representação da M...,. É que conforme está documentado (doc. folhas 996 volume 6) o único ... desta empresa era LL. Por outro lado, embora se perceba que houve contactos do arguido AA com PP, os seus contornos ficaram por apurar, como já se disse.

  Documentada está também a constituição da D... – ponto 50 a 52 - (folhas 148 e seguintes, volume 1); o facto de o arguido AA ter sido também sócio desta empresa (folhas 807, volume 5), a sua renúncia ao cargo e a sua manutenção como ... da sociedade - que levou a que lhe fosse retirado o apoio judiciário com que litigava (folhas 2738, volume 13)-.

A circunstância de MM e NN terem desempenhado cargos na R..., referido no ponto 53, foi confirmada em julgamento quer pela testemunha que foi rececionista da empresa (J...), quer por VVV que trabalhou na R..., de maio do ano de 2000 até Novembro de 2001, recordando que, nesse período, trabalharam lá a “engenheira MM e o marido”. Também a testemunha YYY o referiu, embora sem dizer em concreto quais as funções que desempenhavam, que por isso não se apuraram.

A candidatura ao ... referida a folhas 54 está documentada a folhas 2567 e seguintes (volume 13) e consta também do apenso 18 folhas 2 e seguintes.

As características do projeto, as despesas consideradas elegíveis, as formas de subsídios e bonificações das taxas de juros (pontos 54 a 56) além de decorrerem da lei, v.g. despacho normativo nº 10-A/98 de 13.02 constam também do contrato celebrado e junto a folhas 199 e seguintes do anexo F.

O mapa de comprovantes do investimento a realizar, referido no ponto 57, encontra-se junto a folhas 6 e seguintes do apenso 18 dele constando o equipamento para tratamento de águas “fornecido” pela M..., (folhas 10) e os instrumentos de laboratório “fornecidos” pela D... (folhas 11) (cfr também folhas 32 do relatório pericial – apenso 29).

A entrada e o financiamento por parte de um sindicato bancário integrando (entre outros) os B... no projeto, foram referidos pela testemunha AAAA e está também documentada a folhas 347 do volume 3 e 254 e seguintes do volume 7. Assim resultam também provados documentalmente os pontos 58 e 59.

Os valores atribuídos constantes do ponto 60 e 63 constam do documento “avaliação do impacto e verificação final do projeto” junto a folhas 2571 e seguintes e do contrato de concessão de incentivos nº ...99 junto a folhas 199 e seguintes do anexo F e estão contabilisticamente tratados a folhas 196 e seguintes do mesmo anexo.

A matéria constante do ponto 61 está também documentada, sendo que no documento de folhas 188 (2º volume) constam as assinaturas do arguido AA e de JJ (já falecido) e na cópia junta a folhas 84 e seguintes do volume I consta já a assinatura do representante do IAPMEI.

A natureza dos incentivos e momento de pagamento referido nos pontos 64 e 65 resulta do teor do próprio contrato.

A garantia bancária ...94 necessária à obtenção de adiantamentos está referida a folhas 111 do volume I e foi também referida em julgamento pela testemunha DDDD e, bem assim, pelo também técnico do IAPMEI EEEE, no respeitante ao subsídio de bonificação de taxa de juro referido no ponto 68.

A matéria do ponto 69 está também documentalmente provada, mas carece de correção, uma vez que os valores recebidos foram 6.389.245$00 (folhas 210 anexo F) (e não 6.389.000$00) e 14.716.730$00 (4.407.767$00 + 10.308.963$00) e não 14.717.000$00 (folhas 212 a 215 do anexo F).

Os valores constantes do ponto 70 para além de confirmados em julgamento pelos técnicos do IAPMEI DDDD e EEEE, constam também de folhas 115 do volume I e de folhas 216 e seguintes do anexo F.

Os factos referidos nos pontos 71 a 74 estão documentados a folhas 191 e seguintes do apenso I e 109 e seguintes do volume I, foram referidos em julgamento pela testemunha DDDD e pela ROC que reconheceu a declaração junta a folhas 1 do apenso 2 e explicou que se bastava com a documentação que lhe era apresentada, dela não duvidando no caso de estar – como estava - formalmente correta.

Os pagamentos efetuados por cheques e a quitação dos mesmos constam de folhas 24 e seguintes do apenso 18 e 96 e seguintes do volume I.

A análise do mapa de comprovantes junto a folhas 10 e 11 do apenso 18 permite chegar à conclusão vertida no ponto 75 a qual carece, contudo, de correção porquanto onde consta 179.953.000$00 referente à fatura ...77 da M...,, deve constar 178.953.000$00.

A rescisão do contrato referida nos pontos 76 e 77 está documentada a folhas 113 do volume I e a reclamação de créditos no processo de falência 40... do ... Juízo ... consta também de folhas 76 e seguintes, estando a falência certificada a folhas 72 e seguintes, tendo também sido referida em julgamento pela testemunha LLL e pelo liquidatário BBBB.

A não restituição dos montantes, apesar da interpelação foi referida em julgamento pela testemunha DDDD e, bem assim, o facto de ter sido acionada a garantia bancária do B... no valor de 620.969,62€, restando por cobrar 933.698,36€. Tal matéria foi alvo de apreciação na sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos de falência acima referidos (407-A/....) e junta a estes autos a folhas 1665 e seguintes do volume 9 e está também referida na carta junta pelo IAPMEI a folhas 3891 (volume 18).

Não ficaram, pois, dúvidas quanto à matéria vertida nos pontos 78 e 79.

A matéria constante dos pontos 80 e 81 está também documentada (folhas 192 e 193 do anexo F) embora tal documentação diga respeito ao ano de 1995 e não de 1994, razão pela qual se alterou a referência ao ano.

Os pontos 82 e 83 introduzem a matéria seguinte e que respeita à invocada aquisição do lavador plano e dos instrumentos de laboratório às empresas M..., e D....

A carta datada de 21.11.98 que a R..., enviou à M..., e constante do ponto 84 está referida na carta enviada pela M..., à R...,, à atenção do arguido AA, com data de 16.03.99, junta a folhas 37 do volume I.

A descrição detalhada de como deverá decorrer toda a operação da “venda do lavador” (pontos 85 e 86) encontra-se a folhas 69 do volume 4, já anteriormente referido, e a resposta desta (ponto 88) encontra-se junta a folhas 133 e 134 do Apenso I.

As faturas a que se refere o ponto 89 estão documentadas a folhas 135 e 138.

A conclusão que consta do ponto 90 será mais adiante alcançada. Sempre se diga no entanto, desde já, que os recibos de folhas 7199 e 7202 trazidos a julgamento pela testemunha BB não mereceram credibilidade, não justificando a testemunha por que razão os tinha na sua posse. Certo é que não tinha ligação com qualquer dos invocados negócios, pelo que não é lógico que os tenha e tendo-os, não saiba explicar porquê.

A encomenda do lavador plano referido no ponto 91 está documentada a folhas 141 do apenso 1.

O pedido de pagamento de 20% do montante acordado referido no ponto 92 está documentado a folhas 637 do volume 4.

A ordem dada pelo arguido AA (ponto 93) para emissão de cheque bancário no montante de 158.546€, consta de folhas 638 e o seu recebimento pela empresa espanhola de folhas 643.

Quanto ao ponto 94, a renegociação do pagamento dos 80% em falta, em 6 prestações, restando um valor em dívida de 734.094,98€ e um acréscimo de juro de 9%, resulta de folhas 45 do volume I. Esta documentação, que não mereceu qualquer reserva, afasta totalmente mais uma vez a versão da história trazida aos autos pela testemunha BB.

A ordem dada aos responsáveis pela manutenção dos equipamentos mecânicos para efetuarem limpeza, (referida no ponto 95), ao lavador plano para que tivesse um aspeto novo foi referida pelos trabalhadores que efetuaram tal tarefa. Desde logo o SS, que tinha a seu cargo a manutenção do lavador, a quem o arguido AA disse “para o mandar limpar para melhorar o aspeto”. Explicou que para isso foi desmontado e montado. Nesse trabalho também colaboraram as testemunhas FFFF, VV e TTT, sendo o primeiro quem coordenou os trabalhos, tendo recebido ordens para arranjar produtos químicos “para dar brilho à máquina, para parecer nova”. Mais disse que depois de “lixada” e “polida” ficou como nova. A testemunha FFFF confirmou que andaram duas pessoas de manhã à noite “a polir o inox”.

Estes trabalhadores demonstraram saber que o objetivo era a visita do IAPMEI às instalações até porque, passada a visita, “foi para o mesmo sítio”, como disseram.

A carta referida no final do ponto 95 está junta a folhas 680 no volume 4 e a carta acusando a “receção dos encomendas” através do S... (ponto 96), assinada pelo arguido AA, está junta a folhas 681.

A matéria do ponto 97 foi explicada em julgamento pela testemunha ZZZ, especialista financeiro que, na análise efetuada à documentação da R...,, não encontrou quaisquer guias de transporte das mercadorias alegadamente adquiridas. Note-se que nenhuma testemunha, nem mesmo as apresentadas pelo arguido, disseram ter alguma vez o lavador plano saído das instalações da R..., e, portanto, ter sido transportado pela empresa S....

A fatura ...51 referida no ponto 98 é a que consta de folhas 46 do volume I, a que se segue (folhas 48) a ordem de pagamento dessa mesma fatura dada ao Banco ..., de que é beneficiária a M..., (folhas 50), que o confirmou (folhas 51). Está, pois, também documentada a matéria que consta do ponto 99.

A carta a que se refere o ponto 100 (e que não se sabe se foi entregue em mão dadas as dúvidas a esse respeito levantadas pela testemunha GGGG) é a que consta de folhas 51 do volume I.

Nela são referidas as 5 letras constantes dos pontos 101 e 102 que de novo constam da carta enviada pela R..., à M..., (folhas 53), sendo que as letras de folhas 55 e seguintes foram entregues em mão ao arguido AA, como disse a testemunha ZZ.

Impõe-se neste momento referir que não obstante se ter optado por referir como fundamentação da factualidade atrás indicada a documentação existente nos autos, não ficaram dúvidas de que os relacionamentos comerciais que eles espalham, foram fictícios, também pela audição das testemunhas em julgamento.

De facto todos demonstraram saber que quer o lavador plano, quer os equipamentos de laboratório não foram adquiridos, já existiam desde a C.... Foi, aliás, isto mesmo que suscitou dúvidas, designadamente, à testemunha ZZ que trabalhou quer na ..., quer na R..., e que, sendo funcionário administrativo, estranhou o facto de se ter “esfumado” o dinheiro proveniente do sindicato bancário e de se terem pago equipamentos que já existiam. Disso deu conhecimento ao diretor JJ que fez “uma espécie de memorando” que se encontra junto por rascunho a folhas 205 e seguintes, dizendo que ia dar conta ao ... das anomalias detetadas.

A testemunha ZZ confirmou também que fez as encomendas à D... e que o que fez foi com instruções do arguido AA.

Mais disse que o arguido AA pressionava para que fosse paga a M..., com preferência em relação aos demais fornecedores; que foi também ele (testemunha ZZ) quem preencheu as letras a mando do arguido AA e que as entregou em mão ao mesmo arguido, porque este disse que as faria chegar à M...,.

Esta testemunha revelou ter conhecimento direto e seguro dos factos que referiu em julgamento.

Referiu também várias idas a ... por parte do arguido AA, idas estas que foram também confirmadas pela secretária do arguido AA, HHHH.

Isto é, para além da documentação junta aos autos também a prova testemunhal permitiu concluir que a documentação foi, de facto, trocada, os fluxos de dinheiro existiram, dando aparência da existência de negócios realmente realizados.

A matéria do ponto 103 não resultou provada por ausência de prova relativa a PP, aliada ao facto de a matéria que respeita a LL já não estar em julgamento.

O que se passou com o lavador plano teve idêntico tratamento com os instrumentos de laboratório. A esta matéria referem-se os pontos 104 a 106 da pronúncia cujos factos são retirados do teor de folhas 621 a 623 dos autos (volume 4).

Faz-se a afirmação de que a letra do fax enviada a PP é do arguido AA, porque a mesma aparece em vários locais dos autos veja-se o TIR (folhas 1721 – volume 9) e é inconfundível e consentânea com a sua assinatura.

Aqui impõe-se dizer que o facto de o fax ser remetido a PP, poderia indiciar a existência de conluio com este, mas como a empresa com quem o arguido AA “contrata” é a M..., e o ... desta empresa é só LL (folhas 996 – volume 6), desconhecendo-se qual o papel de PP, admitindo-se até que fosse apenas um intermediário sem poder de decisão e de representação da M...,, o seu papel não ficou claramente definido. Acresce que nos autos há documentação relevante relativamente aos “negócios” com a M...,, por exemplo folhas 137 e 2647, mas que está assinada por LL. Por estas razões, ou dito de outro modo, por falta de prova inequívoca,  não foi possível imputar ao arguido PP a prática do crime que lhe foi imputado.

O ponto 107 está documentado a folhas 660 e 661, o ponto 108 a folhas 670 e seguintes, o ponto 109 a folhas 662, o ponto 110 a folhas 663, o ponto 111 a folhas 674, o ponto 112 a folhas 22 e 30 do volume I, ponto 113, a folhas 676 a 679, o ponto 114 e 115 a folhas 680 e 681.

De todos estes documentos se conclui ser em tudo idêntico o modo de proceder relativamente ao lavador plano e aos instrumentos de laboratório.

Mas contrariamente ao que ocorreu para o lavador plano, não foi patenteada em julgamento qualquer prova que permitisse fazer a afirmação que consta do ponto 116, razão pela qual tal matéria não resultou provada.

O ponto 117 para além do referido pelo perito ZZZ resulta do relatório do IAPMEI v.g. a folhas 360 do volume 3º.

A matéria do ponto 118 está documentada a folhas 25 e 33 do volume I; o ponto 119 a folhas 23 e 31 do mesmo volume; o ponto 120 a folhas 26 e 34 também do volume 1; o ponto 121 a folhas 24 e 32, o ponto 122 a folhas 28 e 36; o ponto 123 a folhas 27 e 35.

As letras de câmbio referidas no ponto 124 estão documentadas a folhas 142 e seguintes do apenso 2.

O ponto 125 foi referido pela testemunha ZZ num depoimento revelador de que estava por dentro da documentação que circulava pela R..., quer para a M...,, quer para a D.... Disse esta testemunha que as letras de câmbio lhe foram entregues em Agosto de 2000, que as preencheu e recolheu assinaturas e que as entregou em mão ao arguido AA.

O ponto 126 não resultou provado, uma vez que não foi possível concluir, por falta de prova, a existência de tal benefício, dado que os legais representantes da empresa não foram ouvidos (Engª. MM e o Engº NN) e ninguém demonstrou saber se, de facto, foi a D... a beneficiária do valor de 7.525€.

O ponto 127 foi confirmado pela testemunha ZZ que disse ter recebido ordens mais insistentes do arguido AA para pagar preferencialmente à empresa M...,.

O ponto 128 resultou da perícia elaborada, já que foram encontrados no computador do arguido as faturas, como explicou ZZZ, perito financeiro e consta também do seu relatório que constitui o apenso 29.

O ponto 129 está documentado a folhas 980 e seguintes do volume 6.

Os pontos 130 e 131 ficaram amplamente provados em julgamento, uma vez que por todos quantos trabalharam na ..., sem exceção, foi dito que os equipamentos (lavador plano e de laboratório com especial realce para o autoclave) já há muito existiam, conforme já referido.

O ponto 132 resulta também do já anteriormente dito (ponto 70).

Tal como todos sabiam que os equipamentos já existiam, também o sabia obviamente, arguido AA razão pela qual a matéria do ponto 133 não ofereceu qualquer dúvida.

O ponto 134 restringe-se ao comportamento do arguido AA. De facto sobre o comportamento de LL o Tribunal já não se pode pronunciar (por força da prescrição do procedimento criminal) e a conduta de PP, como já se disse, não ficou evidente durante o julgamento, sendo certo que a generalidade da documentação de M..., é assinada por IIII, o qual recorde-se é seu ... único (folhas 996, volume 6).

Acresce que ninguém em julgamento demonstrou conhecer PP com exceção de EE que, contudo, não revelou saber nada em concreto a propósito desta pessoa.

É certo que há a comunicação escrita pelo arguido AA ao arguido PP (folhas 621, volume 4), mas tal não basta para que se possa afirmar que o arguido PP sabia das intenções concretas do arguido AA e que aquele agiu conluiado com intenção de ludibriar o IAPMEI.

Relativamente aos montantes alegadamente recebidos pelas empresas D... e M..., também nenhuma prova se fez concreta que os permitisse afirmar, razão pela qual tal matéria constante dos pontos 134 e 135 ficou por provar em relação a essas duas empresas.

Os pontos 136 e 137 decorreram de toda a forma de agir do arguido AA que permite concluir que bem sabia que o que fazia era ilícito, tanto mais que era por todos reconhecido como muito inteligente e capaz.

*

III

(Dos factos atinentes ao crime de burla imputados por referência à apropriação pelo arguido AA dos fundos pagos à R..., pelo incentivo do IAPMEI).

O ponto 138 introduz, em jeito conclusivo, a matéria a que a seguir se fará referência.

A matéria constante do ponto 139 está documentada e os documentos falam por si: o cheque emitido pela R..., no montante de 158.546,00€ do B..., a favor da M..., e já atrás referido, mostra-se junto a folhas 638 e seguintes (volume 4) e foi debitado da conta à ordem ...30 da R...,, conforme resulta de folhas 6 do Apenso 4. Esse cheque veio a dar entrada em conta titulada pela M...,, no dia ...99, no ..., conforme se alcança de folhas 2649 (volume 13) e folhas 2783 (volume 14). Embora a folhas 2783 do volume 14 haja a informação de que se terá iniciado em 27.08.99, no documento de folhas 2647 do volume 13 consta a data de 24.08.1999. Portanto, assim se prova também o ponto 140 da pronúncia.

A matéria do ponto 141 já atrás foi referida (pontos 45 a 48).

De facto também está documentado que a M..., deixou de ter atividade em 1996, deixando mesmo de estar registada para efeitos tributários, tudo conforme se retira de folhas 477 e seguintes, volume 3, 872, volume 5 e 154 volume I.

A abertura da conta (ponto 142) no ... pelo arguido AA e esposa QQ consta de folhas 2651 e 2652. A data de abertura de conta – ...99 – consta de folhas 2650 e a transferência ocorrida em 07.09.99 (ponto 143) da conta da M...,, atrás referida, para a conta 0128-03... do arguido AA e esposa no montante de 142.691,40€ constam da informação bancária de folhas 2783 (volume 14).

Os movimentos/transferências bancários referidos nos pontos 144 e 145 estão igualmente documentados: assim a transferência do montante de 140.437,88€ para a conta do B... titulada pelo arguido AA encontra-se plasmada a folhas 168 do apenso 3-A, donde se conclui ter dado entrada nessa mesma conta da quantia de 28.065.400$00.

No mesmo dia dessa mesma conta é transferida para a R..., a quantia de 28.000.000$00 (folhas 7, Apenso 4).

Relativamente às operações bancárias referidas nos pontos 146 a 151 elas são evidenciadas pela documentação junta a folhas 650 e 651 do volume 4 (ordem da R..., ao Banco ...) e folhas 47 e seguintes do volume I, folhas 2681 volume 13, folhas 3 e 8 apenso 20 e 2783 e seguintes, volume 14.

A entrada dos valores na R..., por inscrição na conta de suprimentos a favor do arguido AA foi referida em julgamento pela testemunha ZZ que demonstrou conhecer, em pormenor, o que se passou na R..., dado a cargo … que desempenhava e sobretudo pelo inspetor da PJ, AAAA. O teor da perícia levada a efeito, cujo relatório constitui o apenso 29 é também elucidativo de tal matéria.

Os encerramentos das contas bancárias de M..., e do arguido AA referidos nos pontos 152 e 153 estão atestados a folhas 2783.

As letras de câmbio referidas nos pontos 154 e 155 estão documentadas a folhas 51 e seguintes e a eles também se referiu a testemunha ZZ que disse tê-las preenchido, acatando ordens do arguido AA a quem as entregou em mão, conforme também lhe foi solicitado.

No respeitante aos pagamentos da R..., à D... das faturas ...5, 6, 11, 41, 42, 43, 54 e 55, eles estão documentados a folhas 97, 102 e 108 do Apenso 2.

As movimentações bancárias referidas nos pontos 157 e 158 e os cheques que as titulam mostram-se juntos, por cópia, a folhas 843 e seguintes (volume 5) e folhas 19 e seguintes do apenso 9; o desconto dos mesmos pelo arguido AA resultou de folhas 846 e seguintes (volume 5) estando os endossos documentados a folhas 60, 61 e 71 e seguintes do Apenso 19.

Não apurou o Tribunal se os cheques pagos pela D... à M..., e endossados ao arguido AA foram entregues em mão por MM, por total ausência de prova nesse sentido já que o facto da sua assinatura constar dos cheques não é bastante para que se possa afirmar aquela entrega em mão (e a referida MM não foi ouvida).

Relativamente ao ponto 159 ele foi referido em julgamento pela testemunha ZZ, nos termos já atrás referidos e resultou da análise pericial ao computador do arguido.

A conclusão constante do ponto 160 resulta do atrás referido corresponde ao somatório dos seguintes valores que o arguido AA se apropriou: 123.496,27€ + 142.691,40€ + 38.630,70€ + 57.946,00€ + 15.437,49€.

Já as conclusões dos pontos 161 e 162 ficaram por alcançar na medida em que desconhece o Tribunal se algum lucro que possa ter advindo às empresas M..., e D... e a PP o foi nesses precisos montantes e se deles beneficiaram tais empresas, ou alguém em particular.

O ponto 163 foi confirmado em julgamento pela testemunha ZZ, como já anteriormente se disse, ao afirmar que o arguido AA, insistia para que fossem pagas preferencialmente as empresas M..., e D..., embora existissem muitos outros fornecedores credores.

Esta testemunha demonstrou ter um conhecimento profundo do que relatou.

As deslocações a ... foram também confirmadas quer pela testemunha ZZ, quer pela secretária do arguido AA, HHHH. Documentalmente encontram-se juntos a folhas 225 do volume 2 e 644 e seguintes do volume 4, comprovativos de pagamentos de tais deslocações.

Tal como se disse a propósito da fraude na obtenção de subsídio, também ficou claro que os pagamentos feitos pela R..., à M..., e D... não tinham subjacente um qualquer negócio estavam “sustentados” em faturas falsas, constituindo tão artifício para ludibriar a R...,, os seus acionistas, beneficiando com tais pagamentos, o arguido.

E tal como também já se disse, não ficaram dúvidas o arguido AA pessoa inteligente e sagaz agiu sempre de modo livre e consciente, necessariamente sabendo que praticava atos censuráveis e punidos criminalmente, que procurou encobrir pela forma aparentemente verdadeira com que formalizou os diversos passos dados, razão pela qual os pontos 165 a 167 (elemento subjetivo) também não ofereceram dúvidas.

*

IV.

(Dos factos especificamente atinentes ao crime de burla imputada por referência à coautoria dos arguidos AA e RR).

A prova dos factos 168 e seguintes não ofereceu também quaisquer dúvidas.

Como se provou o propósito da situação pessoal, familiar e financeira do arguido RR o mesmo foi criado na casa dos sogros do arguido AA, onde a mãe prestava serviços domésticos. Essa proximidade facilitou os contactos, até porque era visto como sendo da família.

Assim o disse a testemunha AAA que demonstrou sabê-lo já que era visita de casa, como já se disse.

A referida proximidade entre os dois arguidos foi usada para executar as letras de câmbio que a R..., subscreveu a favor da M..., e que ficaram na posse do arguido AA (recorde-se que a testemunha ZZ disse que lhas entregou) como resulta da análise do teor da providência cautelar 194/... da ... – ... Secção de ..., de onde foi extraída a carta precatória 73/03...., cfr folhas 1417 e seguintes do volume 8, à qual foi deduzida a oposição que se encontra a folhas 590 e seguintes do volume 4.

Subsequentemente foi intentada uma ação declarativa de condenação (processo 781/03.... que correu termos na ... Vara Cível, ... Secção das ...) reclamando o pagamento das letras referidas no procedimento cautelar atrás referido e ainda de outra no montante de 110.453,71€, como se encontra igualmente documentado a folhas 2006 do volume 10 e 1456 e seguinte do volume 8.

Está também documentado o processo de execução 1535/03.... que tem por base essa letra de 110.453,71€ (folhas 1450 e seguintes do volume 8) e, bem assim,  a declaração de falência da R..., decretada em 28/02/2003 (folhas 72 e seguintes do volume I) e ainda a reclamação apresentada pelo arguido RR no processo de falência (folhas 1455, volume 8 e folhas 1678, volume 9) no qual veio a ser reconhecido o crédito naquele referido montante.

Como decorre do já anteriormente dito nunca o arguido RR teve qualquer relação com a R..., ou com a M..., – o seu percurso, pessoal e profissional, atesta-o – nunca houve qualquer negócio entre a R..., e a M..., ou entre esta e o arguido RR que justificasse a emissão e aceitação de letras pela R...,. Não há assim qualquer dúvida, de que as regras de experiência da vida podem ser invocadas para se perceber que foi ao abrigo do ascendente que sobre o arguido RR tinha o arguido AA, que aconteceu a emissão e aceitação de letras pela R..., e que esta teve tão só em vista a apropriação pelo arguido AA com a colaboração do arguido RR, de bens da R...,.

Isto é, não obstante os arguidos AA e RR não terem prestado declarações é manifesto que a posse das letras de câmbio por este constituiu tão só um artifício para que o arguido AA, que lhas entregou, se apoderasse de bens que lhe não pertenciam.

A esta conclusão se chega facilmente conjugando os vários indícios obtidos: a morada do arguido RR (a casa da sogra do arguido AA); a sua situação de vida modesta; todo o comportamento do arguido AA exposto na análise de antecedentes pontos da matéria de facto; as características da personalidade de ambos e o conteúdo do CD apreendido, que permitiu verificar que os documentos entrados nos processos em nome do arguido RR, se encontravam no computador pessoal do arguido AA – apenso 17.

Assim sendo, não ficaram também quaisquer dúvidas ao Tribunal de que os arguidos agiram com o objetivo de obter um enriquecimento que sabiam não lhes ser devido, mesmo se para tanto tivessem que enganar os tribunais inventando ações e execuções sem sustentação em quaisquer negócios existentes e lícitos.

As condições de vida dos arguidos AA e RR, para além do por eles referido em julgamento ( única matéria a que aceitaram depor), resultaram também do teor dos relatórios sociais ( fls. 6669-6674 e 6356-6361).

As referentes ao arguido PP resultam da documentação junta pelo arguido a folhas 5798 e seguintes.

A inexistência de antecedentes dos arguidos RR e PP resulta dos teor dos CRCs juntos, respetivamente, a fls. 6277 e 6331.

Os antecedentes criminais do arguido AA estão atestados a fls. 6274 a 6276.

Relativamente à matéria de facto não provada alegada pelo arguido PP na sua contestação, tal resultou de total ausência de prova, uma vez que o arguido não apresentou em julgamento qualquer prova, para além da documentação atrás referida de onde se retira a existência de problemas de saúde determinantes da sua incapacidade e do atestado certificando a doença da esposa.

II.2. Direito

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva[2], que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).

A sua importância (por poder estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta”) é de tal ordem que é admissível o recurso de revisão ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida (art. 449.º, n.º 4, do CPP).

O que, quanto às condenações, se conforma com o artigo 29.º, n.º 6, da CRP, quando estabelece que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Tem legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no art. 450.º do CPP, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias (ver art. 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Comportando o recurso de revisão duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa analisar se ocorrem os pressupostos para conceder a revisão pedida aqui em apreço.

O arguido/condenado AA, como fundamento do seu recurso extraordinário de revisão, invoca o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP e alega a descoberta superveniente de factos e de meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitam «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada p. e p. nos artigos 2º, nº 1, 36, nº 1 alíneas a), b) e c), e nºs 2 e 5, alíneas a) e b), e nº 8, e 39º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20/01, por referência ao artigo 202º, alínea b), do Código Penal, juntando para o efeito os acima referidos 46 documentos.

Pois bem.

Dispõe o artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Portanto, para haver a revisão é necessário desde logo que o acórdão condenatório tenha transitado em julgado, o que neste caso sucede (como se verifica pela certidão junta aos autos).

Para além disso, é pressuposto do fundamento invocado pelo recorrente/condenado previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que “sejam descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Defende Germano Marques da Silva[3], “A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento.”

Sendo certo que a jurisprudência durante vários anos concordava com essa tese sem limites, a verdade é que entretanto passou a fazer uma interpretação mais restritiva e mais exigente dessa norma (até para evitar transformar o recurso extraordinário em recurso ordinário que não era), começando a entender que “novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal. Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.”[4]

No entanto, é importante (como tem defendido igualmente a jurisprudência do STJ) que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (claro que se fossem factos ou provas que podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior e só, por exemplo, por incúria ou estratégia da defesa não foram, então não se trata de caso de revisão, mas antes de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário que não é[5]).

E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do artigo 449.º) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).

Ora, o que sucede neste caso, é que o recorrente pretende suscitar dúvidas sobre a justiça da condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada (o que em caso de absolvição tem, como consequência necessária, igualmente a absolvição da condenação de restituir ao Estado - IAPMEI - a quantia de 1.128.305,78 €) argumentando, em síntese, que o IAPMEI sempre teve conhecimento do estado de “não novo” do equipamento que subsidiou (lavador plano e equipamentos de laboratório), como pretende comprovar pela documentação que junta, que lhe foi entregue por aquele instituto, o qual sempre esteve na sua posse e tinha conhecimento de todos os elementos necessários à correta decisão de concessão ou não concessão de apoios e, por isso, não foi por si induzido em erro, antes de forma autónoma, é que cometeu o erro, sustentando que (1) nunca e em nenhum documento o recorrente/arguido declarou as características ou o estado (novo/usado) de qualquer equipamento sem correspondência com a verdade; (2) todos os equipamentos inseridos na candidatura que não se encontravam em estado novo foram acompanhados da respetiva documentação que o comprovava; (3) o IAPMEI sabia que comparticipava em investimento em reabilitação e manutenção de equipamento usado no âmbito da candidatura n.º ...99; (4) se esse investimento por parte do IAPMEI foi indevido, essa circunstância somente ao IAPMEI é imputável, não se devendo a qualquer comportamento fraudulento do arguido; e (5) o IAPMEI não tinha como não saber que as despesas efetuadas com o Lavador Plano se destinavam a um equipamento não novo, quer considerando o preço pago pela R..., pelo equipamento, quer considerando as despesas e serviços de manutenção que não ocorreriam se o equipamento novo.

Pois bem.

Os factos apurados relativos ao crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada p. e p. nos artigos 2º, nº 1, 36, nº 1 alíneas a), b) e c), e nºs 2 e 5, alíneas a) e b), e nº 8, e 39º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20/01, pelo qual o arguido/recorrente foi condenado, estão descritos essencialmente nos pontos 38 a 137 da matéria de facto dada como provada acima indicados.

Convém ter presente a fundamentação da condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada (que agora o recorrente vem pedir a revisão) e, por isso, transcreve-se uma parte essencial do que se escreveu no ac. do TR... de 15.12.2016, que confirmou o acórdão da 1ª instância:

“(…) ficou provado nos pontos 40. e segs. e no 54. dos factos provados, do qual resulta que o recorrente, em paralelo com a faturação fictícia referida a partir do ponto 82., em 30/04/99, apresentou uma candidatura ao Regime de Apoio do ..., junto do ..., que adotou o nº 50/10..., com o objetivo de criar uma nova unidade industrial destinada ao fabrico de pasta de papel a partir da reciclagem de papéis velhos. E no contexto dessa candidatura apresentou então um projeto de investimentos, nos termos descritos nos pontos 57. e ss. dos factos provados. E em 24/02/2000, a R..., enviou ao ... a minuta do Contrato de Incentivos nº ...99, assinado pelo recorrente e pelo ..., JJ (já falecido) acompanhado da declaração de não início prévio do projeto, contrato esse que veio a ser subscrito pelo IAPMEI, em 02/03/2000. E foi esse contrato que determinou a atribuição de incentivos por parte do IAPMEI à R...,, no montante global de € 1.614.642,71, no quadro da execução de um investimento global de € 5.728.946,89. Tendo tais incentivos tomado a forma de subsídio a fundo perdido. Entre 31/12/2000 e 15/10/2002, o IAPMEI procedeu ao pagamento dos subsídios, seja por adiantamento, seja por execução do projeto, recebendo a R..., nas suas contas bancárias o montante total de € 1.435.678,23, como resulta do ponto 70. dos factos provados. Resultando dos autos que a instrução do processo que levou à concessão dos incentivos foi baseada em faturas fictícias e propostas também fictícias de equipamento, como resulta dos factos provados, designadamente em 86. e ss. e 104. e ss.

Por isso, estão mais que preenchidos os elementos objetivos do tipo, designadamente os previstos nas al. a), b) e c) do nº 1 do art.º 36º.

Assim como se mostra preenchida a agravante qualificativa prevista nos nºs 2 e 5, al. a) e b) do mesmo artigo 36º, pretendendo o recorrente pôr em causa tal qualificação apenas por considerar como não provados factos de que o Tribunal se serviu para proceder a tal qualificação. Ora, tal questão já foi objeto da decisão de mérito acima proferida sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, na qual se julgou improcedente a pretensão deduzida pelo recorrente. Razão por que a damos aqui também por resolvida. Não se vislumbrando por isso razão para afastar as agravantes previstas nos nº 2 e 5, al. a) e b), do art.º 36 do DL 28/84.

Pretende ainda o recorrente o afastamento da agravante, na fundamentação que lhe é dada por via das disposições conjugadas dal. b) do nº 5 do art.º 36º e 202º, al. b), do CP, defendendo que, não obstante o valor do subsídio ser superior ao valor de € 1.128.541,47, o tribunal deveria ter em conta apenas o montante subsidiado a título de juro bonificado quanto ao lavador e a fundo perdido quanto ao equipamento de laboratório, e isto somente tendo por base a ideia de que estes equipamentos não deveriam ter sido financiados pelo IAPMEI, pois só essas quantias constituíram um efetivo prejuízo daquela entidade.” Concluindo que assim o valor a considerar ficaria muito aquém de € 1.128.541,47. Porém, o próprio recorrente refere que o valor do subsídio foi o valor considerado pelo Tribunal a quo, e é esse o valor a ter em conta por força do disposto no art.º 36º, nº 5, al. a), do DL 28/84.

Assim como relativamente ao caráter importante dos factos a que respeitavam as informações inexatas dadas pelo recorrente, não tem cabimento a argumentação tecida por este quanto à não verificação do preenchimento dos conceitos previstos no nº 8 do artigo citado, designadamente na al. b), porquanto a importância de tais factos era tal que se não fosse a falsa informação fornecida e os negócios simulados não teria sido concedido o subsídio, nos termos em que o recorrente planeou a sua obtenção – como resulta de 133. dos factos provados.

Finalmente, ao longo da factualidade dada como provada surgem recorrentemente concretizados os elementos intelectual e volitivo do dolo, logo, a título de exemplo, no ponto 40.: “pelo que elaborou o arguido AA um plano que permitira à R...,  obter subsídios que financiassem a aquisição de tais equipamentos, que já eram pertença da R...,, bem como o respetivo estado de usados e dar a entender ao IAPMEI que se pretendia adquirir bens de equipamento em estado de novos.” E no ponto 82., 104. e no 133.: “Assim agindo, sabia o arguido AA, que falsamente declarava na candidatura e mapas remetidos ao IAPMEI factos determinantes da quantificação destes apoios financeiros e que, o ali exarado, era desconforme à realidade já implementada (…) e no 134.: “O arguido AA agiu com o propósito conseguido de fazer constar daquelas faturas prestações de serviços inexistentes (…).

Ou seja, resulta dos autos à saciedade que o arguido agiu com dolo direto, nos termos do art.º 14º, nº 1, do CP, isto é agiu com conhecimento e vontade de realização da factualidade típica, nos termos em que a mesma ficou dada como provada nos autos. Por isso também não tem fundamento a invocação pelo recorrente de que agiu apenas com mera negligência.”

Ora, o recorrente vem agora juntar documentos que selecionou entre os que lhe foram entregues pelo IAPMEI - que faziam parte de toda a documentação relativa à candidatura a apoios com o n.º 50/10... - pretendendo com eles demonstrar que se justifica a revisão da sentença condenatória, por se suscitarem dúvidas sobre a justiça da condenação pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada (tendo recebido, apesar da demora na satisfação do seu pedido, várias caixas de cartão contendo centenas de documentos cada uma, mas que nem toda foi junta aos autos, sendo que, na sua perspetiva, da análise do conteúdo da que não se encontrava nos autos, nomeadamente da que agora apresenta com o recurso, se a mesma tivesse sido junta até ao encerramento do julgamento, podia ter sido absolvido).

Ainda que o Formulário de Candidatura a apoios com o n.º 50/10... a que se refere o doc. n.º 3, junto com o recurso, não estivesse nos autos, não há dúvidas que foi com base nele, isto é (como resulta do acórdão da 1ª instância, confirmado pelo ac. do TR...), que foi no contexto dessa candidatura que “apresentou então um projeto de investimentos, nos termos descritos nos pontos 57. e ss. dos factos provados. E em 24/02/2000, a R..., enviou ao IAPMEI a minuta do Contrato de Incentivos nº ...99, assinado pelo recorrente e pelo ..., JJ (já falecido) acompanhado da declaração de não início prévio do projeto, contrato esse que veio a ser subscrito pelo IAPMEI, em 02/03/2000. E foi esse contrato que determinou a atribuição de incentivos por parte do IAPMEI à R...,, no montante global de € 1.614.642,71, no quadro da execução de um investimento global de € 5.728.946,89. Tendo tais incentivos tomado a forma de subsídio a fundo perdido.”

Os termos genéricos do Formulário de Candidatura (ver doc. n.º 3 junto com o recurso) e forma como foi preenchido não alteram, nem invalidam os factos dados como provados.

De resto, o formulário de candidatura (doc. n.º 3) apenas confirma o que foi dado como provado no ponto 54, no sentido de em 30/04/1999 a R..., ter apresentado uma candidatura ao regime de apoio do SINPEDIP, junto do ..., que adotou o nº 50/10....

Mas, ao contrário do que afirma o recorrente, não foi o formulário de candidatura mas antes (como se diz no ac. do TR...), foi o Contrato de Incentivos nº ...99, assinado pelo recorrente e pelo ..., JJ (já falecido), acompanhado da declaração de não início prévio do projeto, contrato esse que foi subscrito pelo IAPMEI, em 02/03/2000, que determinou a atribuição de incentivos por parte do IAPMEI à R...,, no montante global de € 1.614.642,71 (os quais assumiram a forma de subsídios a fundo perdido), no quadro da execução de um investimento global de € 5.728.946,89.

O doc. nº 4 (parte de uma planta, onde se faz referência ao Lavador Plano, mas do qual não consta o seu estado) junto com o recurso, já se encontrava nos autos, tal como a faturação falsa quer da M..., (relativa ao Lavador Plano), quer da D... (relativa a equipamentos de laboratório), acompanhados da declaração de não início prévio do projeto, os quais foram usados para obter o financiamento ilícito, que foi sendo pago à medida que ia sendo feita a comprovação documental da implementação do projeto, sendo a verificação física efetuada posteriormente a tais pagamentos.

O que resulta da decisão sobre a matéria de facto dada como provada e da respetiva motivação é que para a aquisição do Lavador Plano e dos equipamentos de laboratório foi utilizado um esquema “fraudulento” que consistiu na utilização de correspondência comercial e de faturas falsas (negócios simulados feitos com a M..., relativamente ao Lavador Plano e com a D... relativamente aos equipamentos de laboratório, apresentando contactos e faturas falsas, que ocultavam o seu estado de “usados”, pretendendo fazer crer que se tratavam de compras no estado de novos).

Apesar do teor do doc. nº 4 junto com o recurso, do mesmo não se pode retirar a mesma ilação pretendida pelo recorrente.

Igualmente os documentos nºs 5 (orçamento de trabalhos datada de 22.04.99), 6 (proposta remetida pela E...,  datado de 21.11.97) e 7 (orçamento/proposta), juntos com o recurso, não refletem sequer o estado dos equipamentos a que eventualmente se reportam.

Ora, desses documentos não se pode extrair que se reportam aos equipamentos que iam ser objeto do referido financiamento a fundo perdido, uma vez que estes estavam antes identificados nas faturas falsas que foram usadas quer da M...,, quer da D..., tudo conforme o plano traçado e melhor descrito particularmente nos pontos 35 a 64 dos factos provados do acórdão.

Daí que não fizesse qualquer sentido que os funcionários do IAPMEI estivessem a consultar e a analisar o teor desses documentos para verificar se se reportavam aos equipamentos que o recorrente pretendia que fossem financiados.

É que o esquema “fraudulento” usado, bem descrito nos factos provados e respetiva motivação - que consistiu em utilizar correspondência comercial e faturas falsas (simulando negócios de aquisição, inexistentes, dos equipamentos em questão) para dessa forma permitir que a R..., obtivesse, como obteve, subsídios pelos ditos equipamentos usados, que de outra forma não receberia - não é posto em causa pelos documentos nºs 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com o recurso.

Daí que, ao contrário do que refere o recorrente, os funcionários do IAPMEI não tivessem que retirar desses documentos quaisquer ilações ou conclusões acerca do estado (novos ou não novos ou usados) dos equipamentos que foram objeto do referido financiamento indevido.

Aliás, como bem se escreve na informação prestada ao abrigo do art. 454.º do CPP, “Para comprovação da realização da parte do projeto ora em causa (aquisição dos equipamentos mencionados), apurou-se que foi utilizado um esquema de correspondência comercial e faturação falsas, que não apenas ocultava o estado de usados de tais equipamentos e que os mesmos já se encontravam nas instalações da empresa subsidiada, mas simulava a sua aquisição no estado de novos – pontos 34. a 36., 39., 40. a 44., 54., 55., 57., 82. a 130. da matéria de facto provada, resultando da respetiva motivação igualmente os documentos e restante prova que sustentaram tais conclusões.

Por isso, não tem razão o recorrente quando pretende imputar aos funcionários do IAPMEI responsabilidades por não controlarem o teor de documentação que tivesse sido apresentada, onde pretende ver alusões a equipamentos (esquecendo os factos e provas que fundamentaram a sua condenação) e eximir-se da sua própria responsabilidade.

Quanto ao documento n.º 19 (avaliação do Impacto e Verificação Final do Projeto Relatório e Proposta de Decisão de Encerramento) junto com o recurso, mas que está nos autos, foi igualmente analisado pelo Tribunal como meio de prova relativamente aos pontos 60 e 63 provados do acórdão transitado, em nada alterando o decidido.

O facto de haver despesas apresentadas, como sucedeu, por exemplo, com as relativas aos documentos n.ºs 8 a 18 juntos com o recurso, que foram pagas pelo IAPMEI e de até os funcionários desse instituto não terem controlado essa documentação, não iliba de responsabilidades o arguido.

Antes o que qualquer cidadão médio pode extrair desse tipo de atitude dos funcionários daquele instituto (mesmo que o seu comportamento pudesse ser classificado como negligente, o que para ser como tal classificado exigia a devida averiguação e respetivo apuramento de responsabilidades em processo autónomo) é que posteriormente houve um aproveitamento do aparente “laxismo” dos funcionários que aceitaram aquelas despesas sem fazerem um controlo mais rigoroso.

De qualquer modo, essa eventual responsabilidade dos funcionários e o pagamento de outras despesas que poderiam não ser devidas, não interferia com o esquema fraudulento usado pelo recorrente para obter o financiamento indevido para a R...,, que se traduziu na simulação da aquisição no estado de novos dos equipamentos em questão (lavador plano e dos equipamentos de laboratório), usando correspondência comercial e faturação falsa, que escondia o seu estado de usados, bem como o local onde se encontravam (isto é, que se encontravam nas instalações da empresa subsidiada).

Igualmente a restante documentação junta sob os nºs 20 a 41 com o recurso, não se relacionam com os negócios simulados dos equipamentos que fundamentaram a condenação.

Daí que também não contrariam a factualidade dada como provada e respetiva motivação.

Nem sequer assiste razão ao recorrente quando com eles pretende impugnar o que foi dado como provado nos pontos 97 e 117, quanto à inexistência de comprovativos (guias) de transporte relativos aos equipamentos de laboratório e ao lavador plano.

Aliás, como se refere na informação prestada ao abrigo do art. 454.º do CPP, para além de não resultar do documento n.º 33 junto com o recurso que aquela fatura se refira ao Lavador Plano em causa, o certo é que «a questão do alegado transporte foi equacionada e apreciada no acórdão em causa e muito concretamente a questão do alegado transporte pela “S...” como consta dos pontos 96 e 97 da matéria de facto provada, sendo certo que esta factualidade não pode ser apreciada isoladamente mas antes em conexão com os restantes factos provados e muito concretamente com o constante dos pontos 130 e 131 dos factos provados e da fundamentação da sua prova, o mesmo se dizendo relativamente ao documento nº 37 (comprovante 149) sendo que dele não se retira que seja relativo ao lavador em causa.”

Ou seja, a documentação apresentada em sede de recurso (que não deixa de ser prova documental particular sujeita a livre apreciação nos termos do art. 127.º do CPP) não interfere, nem coloca em causa a análise que foi feita em sede de acórdão condenatório, transitado, nomeadamente, quanto ao crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada pelo qual foi condenado, atenta a forma como o mesmo foi executado e considerando a respetiva motivação exposta na mesma decisão.

Daí que, mesmo que parte daqueles documentos juntos com o recurso não estivessem nos autos (compostos por 32 volumes, 29 apensos de documentos numerados de 01 a 29, 7 apensos de documentos identificados pelas letras A a G e várias caixas com documentos contabilísticos e outros, contendo documentação junta em fase de inquérito, em fase de instrução e em fase de julgamento) não havia qualquer interferência na decisão que veio a ser tomada, uma vez que os mesmos não contrariam os que foram dados como provados na parte aqui em apreço e nunca justificavam (mesmo conjugadamente com os demais meios de prova anteriormente produzidos), um novo julgamento.

Por isso, esses documentos juntos pelo recorrente não permitiam tomar decisão diferente daquela que pretende rever e tão pouco suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação.

O que na verdade acontece é que o recorrente mais uma vez, só que por um meio impróprio (recurso de revisão), pretende discutir matéria de facto que já foi debatida e apreciada, quer no julgamento na 1ª instância, quer em sede de recurso ordinário, onde teve a oportunidade de impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto.

Ora, a revisão de sentença, que é um recurso extraordinário, com pressupostos de admissibilidade limitados, não serve para obter efeitos que apenas seriam alcançados por via do recurso ordinário, do qual o recorrente já se socorreu, ainda que sem êxito.

E, como bem diz a Srª. PGA junto deste STJ, «os documentos junto pelo recorrente, mesmo que se considerassem “novos”, não tinham a virtualidade de pôr em causa a apreciação das provas produzidas em julgamento e muito menos a justiça da condenação, como se salienta na resposta ao recurso apresentada pela Magistrada do Mº Pº e na informação prestada pelo Tribunal recorrido nos termos do disposto no art. 454, do CPP

Portanto, pelo que já se disse percebe-se que, os documentos juntos em sede de recurso não suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação e, assim, mesmo que os que faltavam estivessem nos autos na fase do julgamento, não levavam à absolvição do recorrente pelo crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada p. e p. nos artigos 2º, nº 1, 36, nº 1 alíneas a), b) e c), e nºs 2 e 5, alíneas a) e b), e nº 8, e 39º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20/01, por referência ao artigo 202º, alínea b), do Código Penal.

Por isso, também está prejudicada a parte do recurso em que o recorrente alega que a sua absolvição teria como consequência necessária e inerente a absolvição da restituição ao Estado (IAPMEI) da quantia de 1.128.305,78 € a que foi igualmente condenado.

A propósito da restituição daquela quantia em dinheiro que o recorrente pretende voltar a discutir, é certo que o mesmo junta com o recurso os documentos n.ºs 42 (que já se encontrava nos autos), 43 a 46.

De esclarecer que, para além dessa matéria estar prejudicada pela improcedência do recurso de revisão quanto ao crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravada, a questão do montante a restituir já foi debatida e decidida no lugar próprio, ou seja, em sede de recurso ordinário (ac. do TR... de 15.12.2016).

Com efeito, no referido ac. do TR... (que transitou em julgado) decidiu-se o seguinte sobre essa questão:

“Redução do montante a que o recorrente foi condenado a restituir ao IAPMEI.

Sobre a impugnação que o recorrente deduz à matéria de facto, nesta parte, já nos pronunciámos supra, no ponto 2.5..

O recorrente pretende ainda ver reduzida a quantia em que foi condenado a pagar ao IAPMEI, alegando na motivação que ao montante de € 1.435.678,23, se for deduzido o valor da garantia bancária, de € 620.696,62, ficaria apenas em dívida a quantia de € 814.981,61.

E de facto foi acionada a garantia bancária, como resulta do ponto 79. dos factos provados.

Porém, dispõe o art.º 39º do DL nº 28/84, de 20/01, sob a epígrafe “restituição de quantias”, que, “além das penas previstas nos art.ºs 36º e 37º, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas.” O advérbio sempre, a inculcar uma condenação sem exceção e a referência ao caráter total da restituição a realizar, ponderada apenas no caráter ilícito das quantias obtidas, leva a concluir pelo afastamento de qualquer ponderação sobre a determinação da obrigação de restituição, que se baseie, por exemplo, na medida do dano causado ou subsistente, como resultaria da aplicação das regras do direito civil, e nomeadamente do disposto no art.º 564º do Código Civil, relativamente à fixação da obrigação de indemnizar. Aliás, se fosse seguido um tal critério, dele resultaria, se aplicado ao caso dos autos, que o arguido ficaria assim desobrigado de devolver uma parte substancial do subsídio, tirando assim benefícios do facto ilícito praticado. Podendo eventualmente dizer-se, em tais casos, que o crime compensava.

Concordamos por isso com JJJJ, KKKK e LLLL, quando afirmam que o legislador soube perfeitamente distinguir a figura jurídica “reparação do dano causado”, a que se refere nos art.ºs 27º e 37º, “da outra ‘indemnizações’, que usa no art.º 45º, e daquela outra ‘restituição’ que empregou no art.º 39º, e não devem confundir-se os referidos conceitos.” Acrescentando mais adiante que “o dever de restituir constitui uma consequência do crime que não se confunde com o dever de indemnizar de natureza civil”. E que tal dever se constitui com a prolação de sentença condenatória[6].

Ou seja, é irrelevante que haja sido acionada a garantia bancária, porquanto o que determina o dever de restituição, não é o dano ou o prejuízo causado ao património público, mas tão só o facto de terem sido obtidas determinadas quantias, de forma ilícita, ou desviadas dos fins para que foram concedidas, e o facto de as mesmas não deverem permanecer na esfera de quem as recebeu. Por isso é que a lei determina que tenham de ser sempre e totalmente restituídas.

Por outro lado, com os mesmos fundamentos, não vemos como possa o recorrente pretender que seja deduzido o imposto, ainda por cima alegadamente referente a faturas que eram falsas, e com base em negócios simulados.

Razão por que improcede, também nesta parte, o recurso interposto pelo recorrente.”

Essa matéria relacionada com o art. 39.do DL 28/84, de 20.01, não pode ser aqui (neste recurso extraordinário, que como vimos improcede) de novo equacionada, tanto mais que não há fundamento para tal, como já se explicou.

Em conclusão: não se verificando os pressupostos da revisão da sentença requerida pelo recorrente (art. 449º, nº, al. d), do CPP), nem qualquer um dos outros fundamentos deste recurso extraordinário (ficaram por demonstrar qualquer dos pressupostos previstos no art. 449.º, n.º 1, do CPP), improcede o recurso ora em apreço.

III Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revisão.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC`s.

*

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelo Senhor Juiz Conselheiro Adjunto e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.

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Supremo Tribunal de Justiça, 27.01.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Cid Geraldo

António Clemente Lima

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[1] Acórdão do TR… transitado em julgado, sendo apenas revogada a decisão da 1ª instância na parte em que fora determinada a recolha de ADN ao arguido.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359, acrescentando o seguinte: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”
[3] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo, 1994, p. 363.
[4] Assim, Ac. do STJ de 19.11.2020, processo n.º 29/17.0GIBJA-C.S1 (Relator Francisco Caetano), consultado no mesmo site. E, a propósito, da evolução da jurisprudência sobre o dito conceito de “novidade”, recorda-se, mais à frente, quando se analisam documentos que foram apresentados em sede do recurso de revisão ali em apreciação, o que foi dito por Pereira Madeira (CPPC, 2.ª ed., p. 1509) «o arguido “se os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração e com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a justiça da condenação. É seguramente esta a jurisprudência maioritária do Supremo”.» . Com interesse, também, na matéria, entre outros, Ac. do STJ de 24.06.2021, processo n.º 1922/18.8PULSB-A.S1 (Helena Moniz), consultado no mesmo site.

[5] Ver, entre outros, Ac. do STJ de 19.11.2020, Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 (Relatora Margarida Blasco), consultado no site www.dgsi.pt.
[6] Idem, p. 120 e 121.