Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
899/10.2TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PODERES DA RELAÇÃO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
MATÉRIA DE FACTO
CASAMENTO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
BENS PRÓPRIOS
SUB-ROGAÇÃO REAL
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL / DIREITO DA FAMÍLIA / REGIME DE BENS /BENS COMUNS / BENS PRÓPRIOS
Doutrina: Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, 2.ª ed., vol. I, 2.ª ed., pág. 515
Legislação Nacional: CPC: ARTS. 685.º-B, 712.º, AL. A), 722.º, N.º 2;
CC: ARTS. 1717.º, 1723.º, AL. C), 1724.º, AL. B) E 1726.º, N.º 1;
Jurisprudência Nacional: AC. STJ 01-07-2010, PROC. N.º478/08.4L1.S1, BMJ, 459.º 535;
AC. STJ 06-03-2007, PROC. N.º 06A4619;
AC. STJ 07-11-1990, PROC. N.º 079735;
Sumário :

I - Inexiste violação do princípio do contraditório se a autora teve oportunidade de se pronunciar sobre documento junto aos autos pelo réu.

II - De acordo com o estatuído no art. 712.º, n. º 1, al. a), do CPC, a Relação pode alterar a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, tanto mais que o que se especificou está provado por documento autêntico, podendo, pois, o tribunal extrair as conclusões que nele entenda caberem.

III - Mau grado o art. 1723.º, al. c), do Código Civil, ter perfilhado a orientação de que a conexão dos actos que conduzem à última aquisição deve resultar expressamente do título aquisitivo, para que os bens adquiridos possam considerar-se exclusivos de um dos cônjuges, a evolução doutrinal e jurisprudencial posterior tem entendido diferenciar, dentro dessa orientação, os casos em que existem interesses de terceiros a acautelar e outros em que apenas estão em causa os das partes.

IV - Não estando – como, no caso, sucede – em causa interesses de terceiros – nomeadamente, credores a que interesse legitimamente saber a quem pertence o bem –, a falta, na escritura de compra da casa, da menção a quem pertencia o dinheiro com que se obteve esse bem ou de declaração equivalente dessa aquisição em documento assinado por ambos os cônjuges, pode ser suprida por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas com dinheiro ou bens próprios de um deles, o que permite afastar a aplicação do disposto no art. 1724.º, al. b), do CC, e chamar à colação o disposto no n.º 1 do art. 1726.º do mesmo diploma.

V - Tendo-se demonstrado que a casa foi comprada maioritariamente com dinheiro exclusivo da autora, a mesma, ainda que não haja tido intervenção na escritura, adquiriu, por direito próprio, o prédio comprado, nos termos do art. 1726.º do CC.

Decisão Texto Integral:
      1. RELATÓRIO.


      Acordam na secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.

      AA, com os sinais dos autos, instaurou acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra BB, com os sinais dos autos, alegando em síntese, que na pendência do casamento contraído entre as partes, foi adquirido um imóvel que veio a tornar-se a casa de morada de família, cujo preço foi pago com dinheiro proveniente de poupanças da Autora, ainda em solteira, ou com a venda de bens que lhe advieram por sucessão de seus pais, pelo que tal imóvel não integra o acervo de bens comuns do casal, devendo antes ser considerado como bem próprio da Autora, excluído da comunhão, o que pede seja declarado, condenando-se o Réu a reconhecê-lo como tal e determinando-se o registo respectivo.

      O Réu contestou, por excepção e impugnação, defendendo a impropriedade do meio processual por ser meio próprio o processo de inventário, impugnando a proveniência do dinheiro empregue no pagamento do sinal, preço e empréstimo, e pedindo, na procedência da reconvenção que deduz, a condenação da Autora a indemnizar o Réu de todos os gastos por ele suportados com a aquisição do imóvel em causa, no montante de € 205.307,06.

      Replicou a Autora defendendo a propriedade do meio processual utilizado e impugnando os factos alegados em reconvenção.

      Foi proferido despacho julgando procedente a excepção de erro na forma de processo e, em consequência, foi o Réu absolvido da instância, decisão de que houve recurso que foi julgado procedente, determinando-se o prosseguimento dos autos.

      Foi designada audiência preliminar e proferida decisão que julgou inadmissível a reconvenção, absolvendo a Autora da instância reconvencional, e organizou a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações. Cumprido o demais legal, foi proferida sentença que julgou a acção procedente.

      Desta decisão interpôs recurso o Réu, sendo certo que, na procedência da apelação, a 2ª instância revogou o decidido, julgando a acção improcedente.

      Por seu turno, inconformada, recorre, agora de revista, a Autora AA, tendo pedido que se revogue o Acórdão recorrido, julgando-se procedente a acção declarativa que a Recorrente intentou contra o Recorrido, nos termos decididos na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

      Foram para tanto apresentadas as seguintes,

      Conclusões:

      1) Vem o presente recurso interposto do Acórdão de 11 de Julho de 2013 que julgou procedente a apelação e revogou a sentença recorrida, ou seja, improcedeu a acção com processo comum e sob a forma ordinária intentada pela ora Recorrente contra o ora Recorrido, absolvendo este do pedido;

      2) Não se conformando, a ora Recorrente interpôs tempestivamente o competente recurso, o qual é de revista, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo;

      3) O presente recurso versa sobre matéria de direito por violação da lei substantiva, por erro de interpretação (artigo 722°, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil) e por violação do processo (artigo 722°, n." 1, alínea b) do Código de Processo Civil; (sic).

      4) O Tribunal da Relação confirmou os factos provados pelo Tribunal de 1ª instância, com excepção dos factos constantes dos artigos 17º, 18º e 19º da matéria de facto dada como provada, que foi substituída pela alínea Q) e aditou à matéria de facto a alínea CC);

      5) A A., ora Recorrente, na petição inicial, alegou os factos que entendeu pertinentes e relevantes para fundamentar o pedido da acção;

      6) O Réu, ora Recorrido, alegou os factos que entendeu para contestar a petição inicial e deduziu pedido reconvencional;

      7) A A., ora Recorrente, deduziu articulado da réplica;

      8) O Meritíssimo Juiz de 1ª instância, com base nos factos articulados pelas partes e com base nos documentos juntos aos autos, marcou audiência preliminar e fixou a matéria de facto sem oposição das partes;

      9) O Réu, ora Recorrido, no dia 19 de Março de 2013, juntou aos autos a certidão da escritura de fls. 321 a 324 dos autos para contraprova dos factos constantes dos artigos 100 e 110 da base instrutória, mas não alega qualquer facto relativo à mesma;

      10) Na audiência de julgamento, a A. e o Réu pretenderam pronunciar-se sobre o referido documento e sobre as razões que estiveram subjacentes à sua realização;

      11) Aliás, as testemunhas arroladas pela A. tentaram justificar a existência desse documento, mas o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância entendeu que os factos, a existência ou não da doação, não estavam alegados e como tal não constituíam matéria de facto alegada, pelo que não permitiu que as partes se pronunciassem sobre esses factos;

      12) Com efeito, o Tribunal de 1ª instância recusou-se a deixar inquirir as partes sobre estes factos por não reconhecer e considerar intempestivos;

      13) Contrariamente ao referido no acórdão recorrido, a Recorrente entende que o facto de decidir sobre matéria de facto objecto de aditamento sem permitir às partes, neste caso, a ora Recorrente, de se pronunciar sobre esta questão, constitui uma manifesta violação dum princípio básico do direito processual civil, o princípio do contraditório;

      14) O Tribunal da Relação não pode aditar factos novos, que jamais constaram da base instrutória, que o Tribunal de 1ª instância se recusou a conhecê-los e que decidiu, sem ouvir a Recorrente, violando um princípio básico, o princípio do contraditório;

      15) O Tribunal da Relação, caso entendesse que existiam factos que deviam constar da base instrutória e por lapso do Tribunal da 1ª instância não constam, devia fundamentar o aditamento de tais factos e ordenar a repetição da audiência de julgamento apenas para a produção de prova nesta parte;

      16) O princípio do contraditório é em todos os ramos do direito processual, um elemento absolutamente estruturante dos meios processuais disponibilizados pela ordem jurídica portuguesa;

      17) Este princípio incide, em concreto, a toda e qualquer questão suscitada no processo. A sua exclusão seria sempre a título excepcional, em casos que ponha em causa o efeito útil de actividade judicial, o que não é o caso; (sic)                                 

      18) O Tribunal da Relação ao decidir desta forma violou o princípio do contraditório consagrado no direito processual civil e na Constituição da República Portuguesa, pelo que, nesta parte, deve ser declarado nulo e como tal não pode produzir qualquer efeito;

      19) O acórdão recorrido conclui pela improcedência do recurso, com o fundamento que "não tendo intervenção em nome próprio na escritura, a Autora apenas pode ser titular do direito de propriedade enquanto o bem não tenha natureza comum. Não por causa do artigo 1723°, mas pelo regime geral da aquisição da propriedade e pelos seus reflexos na aquisição da propriedade em sede de regime matrimonial de comunhão de bens adquiridos"; (sic)

      20) A Recorrente obviamente não concorda com a posição do Acórdão recorrido. A primeira questão que se coloca é saber se os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, conservam a qualidade de bens próprios, caso a proveniência do dinheiro não seja devidamente mencionada no documento de aquisição ou em documento equivalente, com a intervenção de ambos os cônjuges;

      21) O artigo 1723°, alínea c) do Código Civil permite a conservação da qualidade de bens próprios de um dos cônjuges, desde que os bens tenham sido adquiridos com dinheiro ou valores de um dos cônjuges, mas impõe que a proveniência do dinheiro ou valores seja mencionado no documento de aquisição ou em documento equivalente com a intervenção de ambos os cônjuges;

      22) No entanto, a maioria da doutrina e da jurisprudência defende que as limitações ou a exigência das formalidades constantes do artigo 1723°, alínea c) do Código Civil, só se aplicam quando estiverem em causa interesses de terceiros, credores, o que não é o caso, nomeadamente para acautelar a garantia de credores perante a mesa matrimonial;

      23) A maioria da doutrina e jurisprudência defende que quando estão em causa apenas interesses dos próprios cônjuges, não ocorrem as exigências das formalidades mencionadas no artigo 1723°, alínea c) do Código Civil;

      24) A maioria da doutrina e da jurisprudência defende que quando não estiverem em causa interesses de terceiros, mas apenas a relação entre os cônjuges, nada impede que a conexão entre o bem e os bens próprios do cônjuge se faça por qualquer meio de prova;

      25) Neste sentido a nossa doutrina, Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, 1987, páginas 488 e seguintes, Castro Mendes / Teixeira de Sousa, Direito da Família, 1990/1991, página 170 e Pereira Coelho / Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, 2ª Edição, Vol I, página 519;

      26) Também neste sentido a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/07/2010, Oliveira de Vasconcelos, de 6/03/2007, Faria Antunes, de 12/07/01, Sousa Inês, m www.dgsi, 24/09/96 e Cardona Ferreira, BMJ 459°, 535 e seguintes;

      27) A este respeito, vejamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24110/2006, in JSTJOOO, Relator João Camilo:

      "Estando em causa, apenas os interesses dos ex-cônjuges que foram casados no regime de comunhão de adquiridos, pode um deles provar, por qualquer meio, a natureza de bem próprio do dinheiro empregue na compra de um imóvel que efectuara na constância do casamento, apesar de na respectiva escritura nada constar sobre a natureza daquele dinheiro; "

      28) Igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/03/2007, in JSTJ000, Relator Faria Antunes:

      "1 - O artigo 1723°, c) do Código Civil, ao determinar que, no regime de comunhão de adquiridos, os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges só conservam a qualidade de bens próprios desde que a proveniência do dinheiro ou dos valores seja devidamente mencionada no documento da aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges, só vale quando estiverem em jogo interesses de terceiros.

      II - Se estiverem em jogo apenas os interesses dos próprios cônjuges, a falta da declaração referida em I pode ser substituída por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas com dinheiro de um deles, ou com bens próprios de um deles, afastando-se então a presunção de comunhão do artigo," 1724°;"

      29) Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/05/2002, in JST00000406, Relator Sousa Inês:

      "I - Para efeitos da alínea c) do artº 1723° do C.C. a exigência de documentação da proveniência do dinheiro ou valores só se aplica onde o interesse de terceiros o exija.

      II - A ideia subjacente à exigência de documentação em foco é a da protecção de terceiros, em especial de credores que contem com a massa patrimonial como garantia (geral) de créditos pelos quais os bens comuns possam ser chamados a responder, o mesmo não acontecendo com os bens próprios de um dos cônjuges; "                      

      30) Ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/09/1996, BMJ, 459° - 535°:

      31) Por fim, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/10/2002, in JTRL 00044747, Relator Silva Santos:

      "Nas relações entre os cônjuges, estando em causa apenas os seus interesses, é de interpretar o artigo 1723°, nº 1, alínea c) do Código Civil no sentido de permitir, para efeitos de qualificação do bem próprio de um dos cônjuges, a prova por qualquer meio de que o mesmo foi adquirindo com dinheiro ou valores próprios que admite de um dos cônjuges", ou seja, admite qualquer meio de prova quando estiveram apenas em causa os interesses dos cônjuges;

      32) Outra questão a ter em conta, é o facto de o bem ter sido adquirido em parte com dinheiro próprio de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns, como sucede no caso em apreço;

      33) Esta questão está consignado no disposto no artigo 1726°, n.º 1 que nos diz que "reveste a natureza da mais valiosa das duas prestações;"

      34) A este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/11/1990, in JSTJ00005458, Relator Pereira da Silva:

      "De acordo com o artigo 1726°, n.º 1 do Código Civil, no regime da comunhão de adquiridos, os bens comprados em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações, donde resulte que, sendo as duas prestações de igual montante, o bem adquirido teria natureza de bem próprio ou de bem comum, conforme seja uma ou outra a prestação de mais elevado montante;"

      35) Por fim, importa referir que o Acórdão recorrido julgou pela improcedência da acção com o fundamento que a A., ora Recorrente, não outorgou a escritura de aquisição do imóvel sito na Rua Cidade de Margão, n.º 8, nos Olivais, Lisboa;

      36) A Recorrente obviamente não pode concordar com esta posição. Com efeito, já vimos que a maioria da nossa Doutrina e Jurisprudência orienta-se no sentido que as formalidades exigidas pelo disposto no artigo 1723°, n.º 1, alínea c) do Código Civil só se aplicam quando estiverem em causa o interesse de terceiros, credores da massa patrimonial, sub-rogação de terceiros, e não quando estiveram em causa apenas os interesses dos cônjuges;

      37) A maioria da doutrina e jurisprudência defende que qualquer dos cônjuges, quando estiverem em causa apenas os interesses destes, pode fazer prova, por força de qualquer meio, da aquisição do bem com dinheiro ou valores de um dos deles;

      38) Segundo a interpretação do Acórdão recorrido, a exigência de que o documento de aquisição do imóvel tem de ser outorgado pelo menos pelo cônjuge titular dos meios, não tem, salvo o devido respeito, qualquer sentido;

      39) Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que a A., ora Recorrente, não outorgou a escritura de aquisição, porque quando os cônjuges adquirem um imóvel, apenas um outorga a escritura pública, transmitindo-se a propriedade ao outro cônjuge, mas a escritura de hipoteca, a outorgar com o banco credor é obviamente assinada por ambos os devedores e no caso dos autos foi outorgada pela A., ora Recorrente, e pelo Réu, ora Recorrido;

      40) Importa referir que a escritura de hipoteca foi outorgada em simultâneo com a escritura de aquisição do referido imóvel;

      41) No caso em apreço toma-se imperioso realçar que quando da escritura pública de aquisição do identificado prédio, os cônjuges só pagaram uma parte do valor, valor esse proveniente da venda de bens próprios da A., ora Recorrente, conforme está provado nos autos na matéria de facto assente;

      42) Quando da aquisição do imóvel, os cônjuges contraíram um empréstimo junto da Banco CC e outorgaram uma escritura de hipoteca (alínea E) dos factos assentes);

      43) Só em datas muito posteriores, o valor da hipoteca foi pago com dinheiro resultante da venda de bens ou valores próprios da A., conforme está também provado nos autos (alíneas H) e seguintes dos factos assentes);

      44) O facto de ser um ou outro cônjuge a intervir na escritura, outorgando-a, é indiferente porque é como se estivessem presente os dois, ou seja, o interveniente age por si e em benefício do outro;

      45) Aliás, a formalidade do artigo 1723°, alínea c) do Código Civil, que exige a intervenção de ambos os cônjuges, só se aplica quando estiverem em causa interesses de terceiros. Só estando em causa os interesses dos cônjuges não se aplica essa formalidade;

      46) Acresce que essa exigência visa, quanto estão em causa interesses de terceiros, que os cônjuges declarem a aquisição do bem com dinheiro ou valores próprios de um deles, no acto da escritura ou em documento equivalente onde façam constar essa especificidade para poderem declarar como bem próprio para obstarem à acção a intentar por terceiros, credores, contra a massa patrimonial;

      47) Em suma, no caso vertente, a A. fez prova que a aquisição do imóvel sito na Rua ..., em Lisboa, foi adquirido em grande parte com dinheiro ou valores próprios seus, pelo que a acção deve ser julgada procedente e declarar-se que o imóvel constitui bem próprio da ora Recorrente, oficiando-se à competente conservatória, após o trânsito em julgado, da alteração do registo; (sic)

      48) Deve, assim, revogar-se o Acórdão recorrido e julgar-se procedente a acção declarativa sob a forma de processo ordinário que a Recorrente intentou contra o Recorrido, nos termos decididos na douta sentença proferida pelo Tribunal de I." Instância.


      Contra-alegou o recorrido pugnando pela sua tese.

      Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                                                      *

                                2. FUNDAMENTOS.

      O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes,

      2.1. Factos.

      2.1.1. A. e R. celebraram casamento civil, um com o outro, no dia 24 de Julho de 1982, sem convenção ante-nupcial - alínea A).

      2.1.2. No dia 9 de Junho de 1988, na qualidade de promitente compradora, a Autora celebrou contrato-promessa de compra e venda, tendo prometido comprar pelo preço de PTE 50.000.000$00, o prédio urbano sito ..., freguesia dos Olivais, Concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... - alínea B).

      2.1.3. O sinal e princípio de pagamento para aquisição do prédio referido e que constitui a casa morada de família da Autora e Réu até à separação do casal, foi no montante de 15.000.000$00 - alínea C).

      2.1.4. A escritura pública de compra e venda do prédio referido em B) foi outorgada no dia 7 de Janeiro de 1999, tendo nela figurado como comprador o Réu, casado na comunhão de adquiridos com a Autora - alínea D).

      2.1.5. Autora e Réu, no dia da escritura pública de compra e venda, contraíram um empréstimo junto da Banco CC para pagamento parcial do preço da aquisição do mencionado prédio, no montante de 212.138,75 €, correspondente a esc. 42.530.000$00 - alínea E).

      2.1.6. Desse empréstimo, a quantia de 35.000.000$00 destinou-se ao pagamento do remanescente do preço da aquisição do imóvel - alínea F).

      2.1.7. Na sequência do falecimento de seus pais, ocorrido em Novembro de 1988 e Outubro de 1989, a Autora herdou património imobiliário - alínea G).

      2.1.8. A Autora, em Maio de 2000, prometeu vender pelo preço de esc. 29.500.000$00 a fracção "E" correspondente ao 2º andar Dto. do prédio sito na Rua ..., Arroios, Lisboa - alínea H).

      2.1.9. Na escritura de compra e venda dessa fracção, celebrada a 28/07/2000, consta que o preço de venda foi de 18.000.000$00 - alínea I).

      2.1.10. A Autora, em 21 de Abril de 2001, prometeu vender pelo preço de 21.500.00$00, a fracção "D" correspondente ao 29 andar Esq., do prédio sito ..., Arroios, Lisboa 00 - alínea J).

      2.1.11. A escritura de compra e venda dessa fracção teve lugar no dia 25/05/2001, e nela consta que o preço da venda foi de 15.000.000$0000 - alínea L).

      2.1.12. A Autora apôs a sua assinatura no cheque sacado sobre a conta n.º 200014191300, em que consta como primeiro titular, da CGD 00 - alínea M).

      2.1.13. O empréstimo referido em E) foi amortizado nos seguintes valores e datas:

                                                             

      08/05/0024.939,89 €
      07/08/0089.783,62 €
      07/11/00 27.433,62 €
      07/5/0129.927,87 €
      07/8/0114.963,94 €
      07/10/117.481,97 €

                                                     

      2.1.14. A Autora consta como aforrista de certificados de aforro na conta ns.º ... com as subscrições:


      200 Unidades23/8/87
      2300 Unidades 24-11-1998


      Os certificados foram resgatados em 30/11/1998.

      Nessa conta, consta como movimentador o Réu - alínea O).

      2.1.15. O empréstimo referido em E) estava associado à conta .../.../... do Banco CC, balcão da FCTUNL, Monte da Caparica, titulada pela Autora e pelo Réu e na qual estava sediado o vencimento do Réu - alínea P).

      2.1.16. Os restantes 7.530.000$00 do empréstimo contraído junto do Banco CC e referido em E) foram destinados ao pagamento de despesas inerentes à escritura de compra e venda referida em D), ao registo do imóvel e a parte das obras de remodelação do imóvel - resposta ao quesito 1º.

      2.1.17. Foram amortizados certificados de aforro no montante de PTE 3.530.270$00 em 30 de Novembro de 1998, subscritos em 24 de Novembro de 1988, constando a Autora como titular e o Réu como movimentador autorizado, da conta 10446206 referida em N) supra - resposta ao quesito 2º.

      2.1.18. A Autora, em Junho de 1998, vendeu em comum, com o irmão DD, pelo preço de 30.000.000$00, um prédio rústico e um prédio urbano sito no Livramento, freguesia de Azueira, Concelho de Mafra -resposta ao quesito 5º.

      2.1.19. A Autora, desta venda recebeu, no mês de Maio de 1998, a quantia de 2.500.00$00 e, no mês de Junho de 1998, a quantia de esc. 12.900.000$00, o que perfaz o montante de 15.400.000$00 - resposta ao quesito 6º.

      2.1.20. O dinheiro recebido foi aplicado no pagamento integral do sinal do prédio sito na rua ... em Lisboa - resposta ao quesito 7º.

      2.1.21. Pela venda da fracção referida em H) e I), a Autora recebeu esc. 29.500.000$00 - resposta ao quesito 8º.

      2.1.22. Desses 29.500.000$00 a Autora aplicou 28.500. 000$00 (142.157,39 €) na amortização parcial do empréstimo ao Banco CC - resposta ao quesito 9º.

      2.1.23. Pela venda da fracção referida em J) e L), a Autora recebeu 21.500.000$00 - resposta ao quesito 10º.

      2.1.24. E desses aplicou 10.500.000$00 (52.373,78 €) na amortização parcial do empréstimo contraído junto do Banco CC - resposta ao quesito 11º.

      2.1.25. O cheque referido em M) foi para pagamento do sinal referido em C) - resposta ao quesito 12º.

      2.1.26. A conta sob a qual foi sacado o cheque era conjunta da Autora e do Réu - resposta ao quesito 13º.

      2.1.27. Através da conta referida em P) foram pagas 111 prestações mensais do empréstimo referido em E), no montante de 31.805,16 € - resposta ao quesito 15º.

      2.1.28. A Autora ordenou em 7/05/2008, a amortização do remanescente de 7.197,56 €, no empréstimo referido em E), utilizando para o efeito a transferência de 5.486,34 € da conta poupança-habitação nsº ..., aberta em nome da Autora e do Réu - resposta ao quesito 16º.

      2.1.29. Em 13 de Janeiro de 1997, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, perante o respectivo Notário, a Autora declarou doar ao Réu, por conta da quota disponível, e este declarou aceitar a doação de metade da fracção autónoma individualizada pela letra D, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., em São Jorge de Arroios, Lisboa, conforme consta de fls. 321 a 324 dos autos - documento referido cuja conformidade não foi impugnada.


      *


      2.2. O Direito.


      Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:


      - Bosquejo da temática em análise.

      - Mostra-se violado o estatuído no artigo 722º nº 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil?

      - A sub-rogação real a que alude o artigo 1723º alínea c) do Código Civil. Requisitos para a sua verificação. Teses em presença; tese adoptada.


      2.2.1. Bosquejo da temática em análise.


      Pretende a Autora que se declare que, na pendência do casamento entre as partes, foi adquirido um imóvel – Casa dos Olivais - que veio a tornar-se a casa de morada de família, cujo preço foi pago com dinheiro proveniente de poupanças da Autora, ainda em solteira, e com a venda de bens que lhe advieram por sucessão de seus pais, pelo que tal imóvel não integra o acervo de bens comuns do casal, devendo antes ser considerado como bem próprio da Autora, excluído da comunhão, o que pede seja declarado, condenando-se o Réu a reconhecê-lo como tal e determinando-se o registo respectivo. O Réu ripostou e deduziu por seu turno reconvenção pedindo que se condene a Autora no pagamento dos gastos que o impetrante tece com a aquisição do imóvel em causa, no montante de € 205.307,06.

      A reconvenção não foi admitida.

      Em primeira instância a acção foi julgada procedente.

      Interposto recurso pelo Réu a 1ª instância julgou a acção improcedente e absolveu-o do pedido.

      Está agora em causa a bondade do decidido. 


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      2.2.2. Mostra-se violado o estatuído no artigo 722º nº 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil?


      A Autora insurge-se contra o decidido na Relação já que entende que se mostra violado o estatuído no artigo 722º nº 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil. Estatuem as alíneas em causa respectivamente o seguinte: “a) a revista pode ter por fundamento a violação da lei substantiva que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação como no erro de determinação da norma aplicável. “b) a violação ou errada aplicação da lei do processo”.

      Neste item apreciamos a problemática processual sobre a qual a Autora refere não ter sido respeitado o princípio do contraditório precedendo o juízo probatório. Nesta senda refere que o Réu ora recorrido, no dia 19 de Março de 2013 juntou aos autos a certidão da escritura de fls. 321 a 324 dos autos para contraprova dos factos constantes dos artigos 10º e 11º da Base Instrutória mas não alegou qualquer facto relativo à mesma; Na audiência de julgamento a Autora e o Réu pretenderam pronunciar-se sobre o referido documento e sobre as razões que estiveram subjacentes à sua realização; contudo o Tribunal de 1ª instância entendeu que os factos, a existência ou não da doação (a que se reporta o documento) não estavam alegados, pelo que não permitiu que as partes se pronunciassem.

      Por outro lado o Sr. Juiz ordenou o aditamento à matéria de facto provada a alínea CC) com a seguinte redacção:

      “Em 13 de Janeiro de 1997, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, perante o respectivo Notário, a Autora declarou doar ao Réu, por conta da quota disponível, e este declarou aceitar, a doação de metade da fracção autónoma individualizada pela letra D, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., em São Jorge de Arroios, Lisboa, conforme consta de fls. 321 a 324 dos autos”. Contra este aditamento a Autora refere ainda que o mesmo contém matéria não alegada.

      Ora o documento que deu origem ao aditamento foi junto aos autos em 19/3/2012 pelo Réu, sendo certo que a Autora teve sempre a possibilidade de se pronunciar de seguida sobre o mesmo, sendo certo que não o fez. Não houve assim qualquer quebra do princípio do contraditório.

      Acresce que a junção tem cobertura jurídica face ao estatuído na alínea a) do artigo 712º do Código de Processo Civil onde se lê que a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa) ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados tiver sido impugnada nos termos do artigo 685º-B.

      Por último e como bem refere o Réu, o que se especificou está provado por documento autêntico podendo o Tribunal extrair as conclusões que entenda neles caberem.


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      2.2.3. A sub-rogação real a que alude o artigo 1723º alínea c) do Código Civil. Requisitos para a sua verificação. Teses em presença; tese adoptada.

       

      Passando agora a apreciar o caso em análise na sua vertente substantiva, está provado que a Autora e o Réu contraíram casamento em 24 de Julho de 1982 sem convenção ante-nupcial, o que implica que o matrimónio terá de considerar-se à luz do estatuído no artigo 1717º do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem - celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Estatui por seu turno o artigo 1722º nº 1 alíneas a) e b) que neste regime “são considerados bens próprios dos cônjuges: os bens que cada um tiver ao tempo da celebração do casamento”; “os bens que lhe advierem depois do casamento por sucessão ou doação”.

      Na presente acção em que se discute a propriedade de prédio referido na alínea B) dos factos provados, a Autora alegou ter pago o sinal da compra da casa dos Olivais entregando esc. 15.000.000$00 com o dinheiro proveniente da venda do prédio do Livramento), herdado de seus pais (o que logrou provar conforme alíneas R) a T) dos factos provados); amortizou o empréstimo para compra da casa dos Olivais no montante de PTE 28.500.000$00, com dinheiro proveniente da venda da fracção E, que lhe adveio por sucessão de seus pais, que o foi pelo preço de PTE 29.500.000$00 (o que logrou provar conforme alíneas H), I), U); o montante de PTE 10.500.000,00, dinheiro proveniente da venda da fracção O), que lhe adveio por sucessão de seus pais, que o foi pelo preço de PTE 21.500.000$00 [o que logrou provar conforme alíneas J), l), w) e X)]; amortizou o empréstimo com dinheiro de poupanças de solteira no montante de PTE 3.530.270$00 (o que não logrou provar como acima se decidiu), alegando ainda que amortizou a totalidade do empréstimo contraído (do que apenas se provou o que consta da alínea BB) dos factos provados, ou seja, que transferiu para amortização o montante de € 5.486.34 da conta poupança-habitação aberta em seu nome e no do Réu).

      Refere o artigo 1723º do Código Civil:

      “Conservam a qualidade de bens próprios:

      a) (…)

      b) (…)

      c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges”.

      A Autora pretende assim ver reconhecido um caso de sub-rogação indirecta a seu favor; Ocorre um caso destes “quando a perda e a aquisição de bens resultam de actos jurídicos distintos; é o caso de venda de um imóvel e compra posterior de outro com o produto da alienação do primeiro”[1].

      A este respeito, já na vigência do Código de Seabra se digladiavam duas teses distintas: De harmonia com uma delas, mais favorável à sub-rogação, a conexão dos actos que conduzem à última aquisição poderá fazer-se por qualquer meio inclusive no momento da partilha; feita tal prova, os bens adquiridos em tais condições deveriam considerar-se próprios; a outra orientação exigia que a aludida conexão resultasse expressamente do título aquisitivo: Destarte os bens adquiridos em tais circunstâncias só poderiam considerar-se exclusivos se na escritura de compra fosse declarado por ambos os cônjuges que o quantitativo pago era proveniente da venda de bens próprios[2]. Caso a declaração aludida não tivesse tido lugar os bens seriam considerados comuns.

      Mau grado o Código Civil tivesse optado por esta última solução, certo é que a evolução jurisprudencial e doutrinal posterior tem entendido diferenciar, dentro da orientação perfilhada, os casos em que há interesses de terceiros a acautelar daqueles onde apenas estão em causa os das partes. Defende a Relação que não tendo a Autora intervindo na escritura de aquisição do prédio dos Olivais e vigorando o regime de comunhão de adquiridos, aquela não poderia adquirir por via do contrato de compra e venda em exclusividade o que quer que fosse, pelo que, por força de lei, o prédio só poderia ser considerado comum; seria impossível considerá-lo como próprio da Autora à luz da alínea c) do citado artigo 1723º do Código Civil. No caso em análise falta naquele instrumento notarial (a escritura de compra da casa) a menção de pertença do dinheiro com que se obteve o bem) ou a declaração equivalente dessa aquisição em documento assinado por ambos. No entanto perante o nosso direito actual é um facto (como já deixámos entrever) que a maior parte da Doutrina e Jurisprudência vêm entendendo como desnecessária a menção escrita da pertença dos bens em comum ou tão só a um dos cônjuges, quando nos encontramos apenas no domínio das relações entre ambos. No nosso caso, também consideramos desnecessária tal menção; é que, na verdade, não estão aqui em causa interesses de terceiros, nomeadamente de um terceiro credor, situação em que a expressa declaração de exclusividade da propriedade se impõe em defesa do seu legítimo interesse em saber se o bem pertence a um ou aos dois cônjuges, pois normalmente, um contrato ou a concessão de um crédito (v.g. bancário) é feita na base da confiança que lhe dá a massa patrimonial comum.

      Neste caso, aquela falta de declaração pode ser substituída por qualquer meio de prova[3] que demonstre que o pagamento foi feito apenas com o dinheiro de um deles ou com bens próprios de um deles[4], o que dá para afastar o disposto no artigo 1724º alínea b) primeira parte do Código Civil. No caso concreto, considerando a prova feita, haverá que chamar pois à colação o estatuído no artigo 1726º nº 1 do Código Civil, onde pode ler-se “1. Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações”[5].

      Ultrapassado o óbice da necessidade de intervenção da Autora na escritura de compra do prédio, fica apenas subsistindo a necessidade da prova de pertença exclusiva dos bens àquela. E a resposta a esta questão é-nos dada não pelo aludido contrato mas antes pelo regime dos bens que as partes erigiram como regulamentação do seu estatuto matrimonial, aqui a comunhão de adquiridos, nomeadamente os artigos onde se enumeram os bens próprios ou comuns de cada um dos cônjuges. Ora está provado que os esc. 15.000.000$00 utilizados como sinal do contrato-promessa da compra do prédio em causa provieram do produto da venda de bem próprio da Autora, o prédio rústico e urbano sito em Livramento – pontos 20º 21º e 22 dos factos provados. De igual forma as importâncias de € 74.939,89, € 89.783,62 e € 27.433,62 foram amortizadas respectivamente em 8/5/2000, 7/8/2000 e 7/11/2000 junto da CGD para pagamento do remanescente do preço de compra do imóvel em causa e provieram maioritariamente do produto da venda de bens próprios – cfr. os pontos 8º, 9º, 23º e 24º dos factos provados 07/08/2001 e 07/10/2001 como decorre dos pontos 10°, 11° e 25° e 26° dos FP e da fundamentação da resposta ao ponto 110 da Base instrutória.

      Poderá em suma concluir-se que os esc. 15.000.00$00 (€ 74.819,68) de sinal e os € 194.530.91 de amortização do empréstimo de € 212.138,75 provieram assim do produto da venda de bens próprios da Autora.

      Provou ainda a Autora que a importância de € 5.486,34 proveio da conta poupança-habitação que foi provisionada com dinheiros provenientes da venda de bens próprios da Autora, como decorre do ponto 30 dos factos provados.

      Finalmente foi através da conta-empréstimo referida em 15º dos Factos provados onde estava sediado o vencimento do Réu que foi paga a quantia de 31.805,16, correspondentes a 111 prestações mensais de amortização do empréstimo.

      Poderá assim concluir-se que do preço total de aquisição do prédio, € 74.819,68 de sinal e os montantes de € 194.530,91 + € 5.486,34 de amortização de empréstimo de € 138,75 provieram do produto da venda de bens próprios da Autora e apenas € 31.805,16 (de amortização de bens do casal)

      Feita a prova de que a casa foi comprada maioritariamente com dinheiro exclusivo da Autora, ainda que esta não interviesse na escritura, adquire por direito próprio o prédio comprado nos termos do citado artigo 1726º nº 1 citado.

      Assim haverá que revogar o acórdão da Relação para que em seu lugar fique a subsistir o decidido em 1ª instância. Isto, como é óbvio sem prejuízo da eventual compensação a que alude o nº 2 do mesmo normativo legal,


      *


      3. DECISÃO.


      Pelo exposto acorda-se em conceder a revista e revogando o acórdão em crise determina-se que fique a vigorar o decidido em 1ª instância.

      Custas pelo Réu e comunique oportunamente ao registo civil.


      Lisboa, 03 de julho de 2014


       Paulo Távora Vítor (Relator)

       Sérgio Poças

       Granja da Fonseca.


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[1] Cfr. A. Varela “Direito da Família” 5ª Edição pags.

[2] Cfr. Pereira Coelho “Curso de Direito da Família” 2ª Edição, Volume I, 2ª Edição págs. 515.

[3] Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Ob. Cit. 519 parágrafo 3º. Na Jurisprudência para além dos acórdãos que a recorrente aponta em benefício da sua tese podem ver-se; Cfr. Acórdão deste STJ de 01-07-2010 in Proc 478/08.4TVLSB.L1.S1 in BMJ Bol. do Min. da Just., 459, 535.

[4] Cfr. Acs. deste STJ de 6-3-2007 in JST1000; 24 de Setembro de 1996 in BMJ 459, 535.

[5] Cfr. desde logo o Ac. deste STJ de 7/11/1990 in JSTJ000005458.