Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA BEM IMÓVEL NEGÓCIO FORMAL ESCRITURA PÚBLICA DOCUMENTO AUTÊNTICO DOCUMENTO AUTENTICADO CONFISSÃO FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL ABUSO DO DIREITO QUESTÃO PRÉVIA ÓNUS DE CONCLUIR NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA | ||
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Data do Acordão: | 10/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | O contrato de compra e venda de imóvel é formal (formalidade ad substantiam) em que documento (escritura pública ou documento particular autenticado) é legalmente exigido como condição de validade do contrato (arts. 875.º e 220.º CC), pelo que a única forma admissível de fazer prova do contrato é a junção da certidão correspondente, não podendo ser substituída pela confissão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.1.- O Autor - AA – instaurou acção declarativa, sob forma de processo comum, contra a Ré - BB. Alegando, em resumo, que adquiriu o prédio identificado por via sucessória, e que a Ré ocupa esse prédio, sem título que a legitime, recusando-se a abandonar o prédio, o que causa prejuízo ao Autor, pediu cumulativamente que seja: a)Declarado que o Autor é o único dono e exclusivo proprietário do prédio urbano sito na Rua ..., União das freguesias ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.° ...80, e inscrito na matriz sob o artigo 9928, da referida freguesia, e condenada a Ré a reconhecer tal facto; b)Condenada a Ré a pagar, a título de indemnização, a quantia de € 18.000,00, calculada até à data da entrada da presente ação, a que acresce a quantia mensal de € 1.000,00 até à entrega do prédio, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos; subsidiariamente, caso se considere que a Ré é arrendatária do prédio: c)Declarar a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento pontual das rendas desde fevereiro de 2018; d)Condenar a Ré no pagamento das rendas vencidas e não pagas desde fevereiro de 2018, no valor que se apurar, e das vincendas até à entrega do prédio, devoluto de pessoas e bens; e) Condenar a Ré na entrega do prédio, devoluto de pessoas e bens, condenando-se a pagar uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da sentença. A Ré contestou, por exceção e impugnação, bem como deduziu reconvenção, alegando que começou por ocupar o prédio no ano de 2002, com base em contrato de arrendamento verbal, e no ano de 2003 acordou com o falecido pai do Autor a compra do imóvel, tendo pago a totalidade do preço acordado. Apesar deste facto, o pai do Autor nunca se dispôs a celebrar a escritura pública de compra e venda. Com o acordo do pai do Autor realizou benfeitorias no prédio. Pediu a condenação do Autor no reembolso do preço pago, bem como na indemnização das benfeitorias, no valor global de € 700.000,00. O Autor respondeu à reconvenção, pugnando pela sua improcedência. 1.3. Realizada audiência de julgamento, foi proferida (10/3/2022) sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção parcialmente procedente, decidindo nos seguintes termos: “Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a ação procedente e a reconvenção parcialmente procedente, e em conformidade: 1. Declara que o A. AA é o exclusivo proprietário do prédio urbano sito na Rua ..., União das freguesias de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...80, e inscrito na matriz sob o artigo 9928, da referida freguesia; 2. Condena a R. BB a pagar ao A. a quantia mensal de € 1.000,00 desde a data da citação até à entrega do prédio, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até à presente data, à taxa de 4%, e desde a presente data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal. 3. Condena o A. a pagar à R. a quantia de € 55.490,49, acrescida de juros de mora contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até à presente data, à taxa de 4%, e desde a presente data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal. 4. Condena o A. a pagar à R. a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, com respeito às benfeitorias realizadas no prédio pela R., descritas nos factos 13. e 14. da matéria de facto provada. 5. Absolve, no mais, a R. do pedido e o A. do pedido reconvencional. Custas pelas partes, na proporção do respetivo vencimento, estando a R. dispensada do seu pagamento, por força do apoio judiciário de que beneficia.” 1.4.- A Ré recorreu de apelação e o Autor subordinadamente, e a Relação de Lisboa, por acórdão de 2/3/2023, decidiu: “Julgar improcedente a apelação da Ré. “Julgar parcialmente procedente a apelação subordinada do Autor, pelas razões referidas em 111 e assim revogar o ponto 3 do dispositivo quanto à condenação do Autor no pagamento à Ré da quantia de 55.490,49 euros acrescidas de juros como aí referido. Manter no mais a decisão recorrida. Regime de Responsabilidade por Custas: as custas da apelação da Ré são da responsabilidade da Ré, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido e as da apelação do Autor pelo mesmo e pela Ré, em razão do decaimento, em conformidade com o disposto nos n.°s 1 e 2 do art. 527, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Ré”. Inconformada, a Ré recorreu de revista, com as seguintes conclusões: A)O Douto Tribunal da Relação apresentou as seguintes conclusões:I – Quando a lei exige forma especial para a validade substantiva da declaração negocial como é o caso do artigo 875.º do CCiv relativa à compra e venda de imóvel, a forma assume uma função ad substantiam comina-se com nulidade o acto em desrespeito de formalidade ad substantiam, nos termos do art. 220.º CCiv. II – Por força do disposto no n.º 1 do art. 393.º do CCiv, em conjugação com o disposto no art.º 875.º do CCiv, não é admissível prova do acto de compra e venda do imóvel por testemunhas. III – A confissão só substitui o documento ad probationem em falta se ela própria, sendo extrajudicial, constar de documento com igual ou superior valor probatório aquele que pretende substituir (art. 364/2 do CCiv). Inexistindo escritura pública de compra e venda do imóvel (formalidade ad substantiam do negócio), face ao disposto nos art.s 875, 393/1 e n.º 1 do art.º 364 do CCiv, a sua substituição por confissão só seria admissível se fosse por meio de prova ou outro documento de força probatória superior. B) As conclusões em apreço são o resultado de uma errada interpretação relativa à lei substantiva, nomeadamente, do artigo 364.º, em conjugação com o artigo 875.º, ambos do Código Civil. C) Da conjugação de estes dois normativos não se retira, sem mais, que a compra e venda de um imóvel não seja possível provar no caso de se incumprir ou de se omitir a formalidade de se tratar de uma escritura pública ou de um documento particular autenticado, sendo que a lei refere que a omissão dessa exigência de forma apenas poderá ser ultrapassada por outro meio de prova ou por outro documento de força probatória superior. D) O Douto Tribunal da Relação excluiu dos “meio de prova ou por outro documento de força probatória superior”, a prova testemunhal e a prova documental, esta última, consubstanciada por sua vez em emails trocados entre a Ré e o Sr. CC (pai do Autor). E) Contrariamente ao entendimento contido no Douto Acórdão, a prova testemunhal e o email (e até SMS), podem e deverão ser considerados com força probatória suficiente para ultrapassar a omissão de exigências de formalidade. F) No caso em concreto, de facto existiu omissão quanto à forma no que se refere ao negócio de compra e venda do imóvel em apreço, sendo este facto admitido ab initio pela Ré, mas, o negócio em apreço, desde a negociação do preço até o pagamento do mesmo foram provados, não só através de emails trocados entre a Ré e o pai do Autor (vendedor da casa em questão) – emails, esses considerados como válidos e com força probatória pelo Tribunal de 1.ª Instância -, como, ainda, por meio de prova testemunhal (sobretudo no que se refere à liquidação total do preço acordado - e até mais), como, ainda, através da junção de depósitos efetuados a favor do pai do Autor para a aquisição do imóvel. G) O Douto Tribunal da Relação de Lisboa mal interpretou de forma errada os normativos relativos à valoração da prova apresentada para ultrapassar a omissão da exigência formal (artigos 654.º e 875.º do Código Civil), sendo que a interpretação correta passa pela valoração da prova apresentada como sendo suficiente para provar a compra e venda do imóvel, designadamente, os emails trocados entre o pai do Autor e a Ré, no que se refere ao imóvel em apreço (onde aquele indica sem sombra para dúvidas que a casa é da Ré), sendo um documento particular (válido, tendo sido considerado como tal pelo Tribunal de 1.ª Instância), complementado com a prova testemunhal que corroboram tal facto (nomeadamente, indicando a entrega dos valores para liquidação do preço junto do pai do Autor). H) Por seu turno, consequentemente, o Douto Tribunal da Relação, deveria ter entendido pela legitimidade da Ré para se encontrar no imóvel, devendo a mesma ter sido absolvida do pedido relativamente ao pagamento de quantias junto do Autor equivalentes a rendas mensais pelo uso do imóvel, e muito menos de entregar o imóvel. I)O motivo/fundamento para se entender pelo reconhecimento de propriedade a favor do Autor, não poderia ter sido apenas o registo do imóvel em nome deste (sendo até posterior à entrega do imóvel e do pagamento do mesmo na sua totalidade por parte da Ré), mesmo que a Ré não tenha pedido o reconhecimento de propriedade a favor dela (poderia fazê-lo em processo autónomo ao presente). J)Da prova produzida não só resultou a legitimidade para estar no imóvel como a compra efetiva do mesmo, considerando os valores entregues pela Ré junto do pai do Autor, sendo que o pedido de indemnização apresentado pela Ré contra o Autor, foi feito para o caso de se reconhecer efetivamente a propriedade do Autor relativamente ao imóvel em apreço, não tendo a Ré em momento algum reconhecido essa mesma propriedade, pois entregou o preço total acordado com o pai deste (e até mais) para aquisição do imóvel, tendo falhado o pai do Autor no registo do imóvel a favor da Ré. K) Reconhecendo-se a propriedade a favor do Autor e a ilegitimidade para se encontrar a residir no imóvel por parte da Ré – o que por mero dever de patrocínio se admite -, então, os valores deverão ser reembolsados junto da Ré, pois, caso contrário estaremos perante uma situação de enriquecimento sem causa. L) Considerando a prova documental e testemunhal apresentada pela Ré, contrariamente ao que foi o entendimento do Douto Tribunal da Relação, a mesma tinha e tem legitimidade para se encontrar a residir no imóvel (nunca tendo o pai do Autor interpelado a mesma para a sua devolução/entrega, antes tendo assumido que a casa é da Ré, conforme emails juntos aos autos a fls. …), tendo procedido ao pagamento total do preço acordado conforme sobejamente referido. M) Existe, assim um contrato verbal de compra e venda entre a Ré e o pai do Autor relativamente ao imóvel ora em apreço, tal como foi entendimento do Tribunal de 1.ª Instância, como, ainda, que a Ré procedeu ao pagamento do preço total relativamente ao mesmo, conforme prova documental e testemunhal junta aos autos. N) A Ré deverá ser absolvida quanto ao pagamento de qualquer montante junto do Autor. O) Deverá o Douto Tribunal entender pela errada interpretação no que se refere à admissão como meio de prova suficiente os emails trocados entre a Ré e o pai do Autor, quanto a aquisição do imóvel e pagamento do preço do mesmo, como, ainda a prova documental consubstanciada nos comprovativos de depósitos e transferências feitas a favor do mesmo, e ainda a prova testemunhal que complementa estes factos, com indicação por todas as testemunhas da Ré dos pagamentos realizados para tal aquisição, como prova suficiente para provar a existência de um contrato de compra e venda do imóvel, embora com omissão da forma prevista no artigo 875.º, do Código Civil, ultrapassada, precisamente pela prova produzida. P) Consequentemente, deverá o Douto Tribunal entender pela existência de legitimidade por parte da Ré para residir no imóvel, devendo absolver a Ré de qualquer pagamento junto do Autor, por não ser devida qualquer quantia ao mesmo, seja por permanecer no imóvel que aquela adquiriu ou por qualquer outro motivo. Q) Caso assim não se entenda, deverá o Autor ser condenado na devolução dos valores entregues pela Ré para aquisição, manutenção e reparação do imóvel, no montante global de € 700.000,00 (setecentos mil euros) R) O Tribunal da Relação concluiu pela não pronúncia quanto à valoração de um meio de prova, conforme alegado pela Ré, considerando que, segundo o entendimento do Tribunal da Relação esta não cumpriu com o ónus de alegação, sendo que a ora Recorrente não poderá concordar com tal conclusão, por se tratar de uma interpretação errada da lei processual, nomeadamente, do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, no que se refere ao ónus de alegar. [“III.3.7. Como bem diz o Autor nas contra-alegações a Ré não cumpre o primeiro dos ónus qual seja a especificação dos contratos pontos de facto incorretamente julgados. Será o ponto e) dos factos dados como provados, será o ponto f)? Na alínea h) referem-se os depósitos em Portugal no BES na conta do CC no montante de 30 mil euros, mas esses depósitos em si são inócuos na medida em que tal como vem alegado pela Ré e se deu como não provado não resulta o fim a que se destina esses depósitos. Não cabe ao Tribunal de recurso em reapreciação da decisão “escolher” os factos dados como não provados que a recorrente pretende dar como provados, cabe à recorrente o ónus de indicar com precisão os factos que foram incorretamente julgados, na sua ótica e o sentido correto da decisão em razão dos meios de prova e isso a recorrente não faz, por isso não se conhecerá desse segmento do recurso da Ré”] S)O ponto indicado pela Ré foi o seguinte: “Não se compreende o motivo para desconsiderar, sem mais, os depósitos realizados para a conta nº ...00, atendendo a que, se o Douto Tribunal dúvidas tinha em relação à titularidade da conta, facilmente as teria desfeito oficiando o Banco Espírito Santo para indicar a titularidade da mesma, algo que a Recorrente não poderia fazer, pois que não obteria a resposta por parte do banco, considerando as regras de sigilo bancário e a proteção de dados pessoais cada vez mais restritas. Pelo que ou se admite como recebido pelo Sr. CC a quantia de € 30.000,00 (três mil euros) –comprovativos bancários junto aos autos a fls. ..., ou, terão os autos que descer, por forma ao Novo Banco(Banco Espírito Santo) ser oficiado para indicar a titularidade da conta n.º...00, não sendo possível à Recorrente obter essa informação por meios próprios, dando-se de seguida como provado este pagamento para aquisição do imóvel.” T) O único ponto em que se refere a esta questão na Douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância é o ponto h) dos factos não provados [“h) Foram feitos os seguintes depósitos em Portugal, no BES, na conta de CC, no montante de € 30.000,00:• 05.11.2009 -€ 10.000,00 –Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) –conta n.º ...00;• 03.11.2009 -€10.000,00 –Banco Espírito Santo(atual)Novo Banco)–conta n.º...00; 30.10.2009 -€ 10.000,00 –Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) –conta n.º ...00 (40º cont. e 41º arti. aperf.).”] U) Foi identificado de forma expressa qual o facto em causa, não se tendo dado a escolher nada ao Tribunal da Relação, mas apenas, recorrendo-se ao mesmo para se obter uma decisão justa e adequada às questões em apreço, considerando a prova apresentada em sede de audiência de julgamento e com a própria contestação e a interpretação contraditória que o Tribunal de 1.ª Instância indicou relativamente a estas. V) A Ré cumpriu, sim, com o seu ónus de alegação, tendo não só identificado os factos considerados como erradamente julgados, como tendo procedido à transcrição dos depoimentos considerados necessários à corroboração de tal entendimento e, ainda, tendo indicado qual deveria ter sido a interpretação ou julgamento por parte do Tribunal de Primeira Instância a respeito dos mesmos. W) Pelo que, mal esteve o Tribunal ao interpretar o artigo 640.º do CPC da forma por que o fez, devendo ter conhecido desse segmento do recurso da Ré, por cumprir com todos os requisitos processuais para tal, tendo omitido desadequadamente a pronúncia quanto a esta questão, estando perante uma NULIDADE no Acórdão do Tribunal da Relação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. X) Outra questão a realçar, prende-se com o facto de o Tribunal da Relação decidir não se pronunciar relativamente à impugnação relativa aos comprovativos de depósitos juntos, entendendo que a Ré não cumpriu com ónus de alegar, mas considerar não só como cumprido o ónus de alegar, como ainda a utilização dos depoimentos da mãe do Autor por parte deste, para concordar com o entendimento do Autor em relação aos pontos 9 e 10 dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância, quando estes depoimentos foram os mais contraditórios e duvidosos de todos. Basta ouvir esses depoimentos para perceber que a mãe do Autor se encontrava a mentir por diversas ocasiões – nomeadamente, quanto o conhecimento dos factos relativos ao imóvel em questão e à proximidade com o pai do Autor -, não sendo, de todo uma prova testemunhal digna de valoração para corroboração de seja qual facto fosse, devendo, antes, ter sido alvo de extração de certidão por falso testemunho, o que apenas não se requereu para não aumentar ainda mais a litigiosidade entre as Partes. Y) Assim, deverá entender-se pelo cumprimento da Ré no que se refere ao ónus de alegação nas suas alegações de recurso, nomeadamente, no facto vertido na conclusão X) das alegações de Recurso da Ré. Termos em que se impõe aos Colendos Conselheiros que determinem que seja revogado o douto Acórdão proferido, devendo: a) Entender-se pela errada interpretação por parte do Tribunal da Relação no que se refere à admissão como meio de prova suficiente os emails trocados entre a Ré e o pai do Autor, quanto a aquisição do imóvel e pagamento do preço do mesmo, como, ainda a prova documental consubstanciada nos comprovativos de depósitos e transferências feitas a favor do mesmo, e ainda a prova testemunhal que complementa estes factos, com indicação por todas as testemunhas da Ré dos pagamentos realizados para tal aquisição, como prova suficiente para provar a existência de um contrato de compra e venda do imóvel, embora com omissão da forma prevista no artigo 875.º, do Código Civil, ultrapassada, precisamente pela prova produzida. b) Consequentemente, deverá o Douto Tribunal entender pela existência de legitimidade por parte da Ré para residir no imóvel, devendo absolver a Ré de qualquer pagamento junto do Autor, por não ser devida qualquer quantia ao mesmo, seja por permanecer no imóvel que aquela adquiriu ou por qualquer outro motivo. c) Caso assim não se entenda, deverá o Autor ser condenado na devolução dos valores entregues pela Ré para aquisição, manutenção e reparação do imóvel, no montante global de € 700.000,00 (setecentos mil euros) d) Deverá entender-se pela errada interpretação do artigo 640.º do CPC, por parte do Tribunal da Relação, e pelo cumprimento da Ré no que se refere ao ónus de alegação nas suas alegações de recurso, nomeadamente, no facto vertido na conclusão X) das alegações de Recurso da Ré, visto que a lei não exige que se indique a letra ou número do facto em causa, mas que se indique expressamente qual o facto que se deu como provado ou como não provado de forma errada pelo Tribunal, o que a Ré fez. O Autor contra-alegou, dizendo o seguinte: 1) A Recorrente limitou-se, salvo algumas poucas palavras suprimidas ou reorganizadas, a copiar o texto das alegações e a colá-lo na parte das conclusões, não cumprindo assim com a obrigação de formular conclusões sintéticas, prevista no n.º 1 do art.º 639.º do CPC, pelo que a consequência a retirar deverá ser a prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 641.º do CPC, nomeadamente, o indeferimento do recurso. 2) As questões da nulidade do alegado contrato de compra e venda e da falta de título para ocupar o imóvel, propriedade do Recorrido, foram objeto de decisão idêntica, tanto pela 1.ª Instância, como pela Relação de Lisboa, pois que tanto uma como a outra decidiu pela inexistência de qualquer contrato e pela também inexistência de qualquer título para ocupar o imóvel. 3) Tendo havido decisão igual quanto a estas questões, formou-se Dupla Conforme nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, pelo que o recurso não pode ser admitido. 4) Não tem razão a Recorrente ao interpretar os artigos 875.º e 364.º do CC no sentido de que a prova de um contrato que exige forma autêntica ou autenticada pode ser substituída por outra prova qualquer. 5) A interpretação feita pelo tribunal recorrido, de que os artigos 875.º e 364.º do CC obrigam que a prova de um contrato de compra e venda de um imóvel seja feita por documento autêntico ou autenticado, é a correta. 6) E é também correta a interpretação feita pelo mesmo tribunal e quanto aos mesmos artigos com especial incidência para o n.º 2 do art.º 364.º, relativamente à exigibilidade da mesma força probatória para a confissão expressa. 7) Pelo que se deve manter a decisão de inexistência de qualquer contrato e de também inexistência de qualquer título para ocupar o imóvel do Recorrido. Reconhecimento da propriedade em processo autónomo 8) A Recorrente não tem qualquer razão quando alega no recurso que, mesmo não tendo pedido o reconhecimento do direito de propriedade em sede de reconvenção, que ainda assim o poderá fazer em processo autónomo. 9) O direito da Recorrente de poder ver sindicada a questão do seu direito de propriedade precludiu quando a mesma decidiu não deduzir reconvenção à ação proposta pelo Recorrido, estando a mesma, por força da Autoridade do Caso Julgado, impedida de colocar novamente esta questão aos nossos tribunais, quer seja em processo autónomo ou não. 10) Não tem razão a Recorrente ao insurgir-se contra a decisão proferida pela Relação de Lisboa, que não admitiu a parte do recurso sobre o alegado erro de julgamento da 1.ª instância ao não dar como provado que foram pagos € 418.940,49 a título de pagamento do preço. 11) Não tem razão a Recorrente ao interpretar o art.º 640.º do CPC no sentido de que, do mesmo, não resultam para o recorrente que pretende impugnar a matéria de facto, os ónus de alegar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios que impunham decisão diferente. 12) É correta a interpretação do tribunal recorrido, de que a Recorrente deveria ter indicado os concretos pontos de facto que considera incorretamente Julgados. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – A questão prévia O Autor suscitou a questão prévia da inadmissibilidade da revista com fundamento na falta de conclusões sintéticas, violando o art.639 nº1 CPC, e por se verificar a dupla conforme quanto à nulidade do contrato de compra e venda e falta de título da Ré a legitimar a ocupação do imóvel. A questão prévia deve ser rejeitada. A lei impõe o ónus de alegação e o ónus de conclusão, como resulta do art.637 nº2 CPC (“o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade “ ) e do art.639 nº1 CPC ( “ o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão “ ). Compreende-se a exigência do ónus de conclusão, porque é através dele que se delimita objectivamente o recurso, logo, o poder de cognição do tribunal da Relação e como se observou no ac do STJ de 26/5/2015 ( proc. nº 1426/08), disponível em www dgsi.pt – “ a exigência de conclusões na alegação cumpre uma missão importante de levantamento das questões controversas, procurando evitar a impugnação geral, vaga e indefinida, mas, também, a viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações”. O vício da confusão radica na falta de discriminação entre as questões ligadas aos factos e as de direito, por se revelarem amalgamadas. A obscuridade emerge da falta ou dificuldade de inteligibilidade. A complexidade reporta-se à prolixidade, à falta de sintetização. Sendo perfeitamente inteligíveis as questões submetidas a recurso, e que o Autor compreendeu, não tem fundamento a rejeição do recurso por falta do ónus de conclusão. Por outro lado, dado que a Ré coloca em causa a violação do direito probatório material praticada pela Relação, não se verifica quanto a esta questão a dupla conforme. Improcede a questão prévia. 2.2. Delimitação do objecto do recurso As questões essenciais, submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes: A nulidade do acórdão por omissão e pronúncia; A violação de lei adjectiva – não conhecimento pela Relação da impugnação de facto; Se a Ré é proprietária do imóvel – prédio urbano – por contrato de compra e venda a CC ( vendedor) e a violação do direito probatório material. 2.3. Os factos provados 1. Com respeito ao prédio urbano sito na Rua ..., União das freguesias ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob a ficha n.° ...20 (correspondente à descrição n° ...80, Livro n° 81), e inscrito na matriz sob o artigo 9928, da referida freguesia, está inscrita: a) pela Ap. 620, de 16.01.2014, a aquisição, por compra, a favor de CC, sendo sujeitos passivos da aquisição DD e EE; b) pela Ap. 1702, de 09.01.2019, a aquisição, a favor do A., por sucessão hereditária de CC. 2. O prédio tem uma área bruta privativa de 249m2, sendo composto por rés-do-chão com 4 divisões, sala/cozinha, casa-de-banho, sanitário, despensa c terraço; por um Io andar com três divisões, casa-de-banho, vestíbulo, arrumos e duas varandas; e por garagem e churrasqueira. 3. O prédio tem um valor patrimonial de € 244.391,70, determinado no ano de 2018. 4. CC faleceu a ....01.2018. 5. O A. é filho de CC e seu único e universal herdeiro. A R. celebrou, verbalmente, com CC, em fevereiro de 2002, um contrato de arrendamento da vivenda unifamiliar (32° cont.). 6. O contrato em apreço foi mediado por FF, de origem ..., que lhe disse que poderia confiar no senhorio, por nunca ter tido qualquer problema com o mesmo, nem com a casa, pelo que, sendo também a R. de origem ..., esta confiou (33° cont.). 7. Durante a vigência do contrato de arrendamento, que durou de fevereiro de 2002 a janeiro de 2003, a R. liquidou a renda, mediante cheques pré-datados, cada um no valor de € 1.700,00, estipulado para a renda (34° cont.). 11. O imóvel sofreu inundação, por não ter sido esvaziada a fossa séptica, que recolhe, também, águas pluviais, o que obrigou a despesas com a remoção do respetivo conteúdo, cada uma no valor de € 150,00 (35° e 43° cont). 12. A canalização, já obsoleta, foi renovada pela R., e por esta também foi realizada a remoção do pavimento, o revestimento e isolamento de todos os terraços (por forma a travar as infiltrações que a casa sofria), para além de obras relativas ao aquecimento da casa, tubagem de gás e gradeamentos (os quais se viu forçada a colocar após ter sido assaltada por falta de proteção externa adequada) (42° cont.). 13. A R. procedeu, ainda, a obras na piscina, cujo tanque teve de ser todo betonado e reapetrechado com bombas de sal, realizou arranjos interiores devido à humidade, pinturas internas e externas e pavimentação do quintal (43° cont.). 14. A R. fez as obras, confiante de que o imóvel seria seu (45° cont.). 15. Sempre que a R. lhe dava conhecimento das obras realizadas e dos gastos relativos às mesmas, CC afirmava "Faça..., faça..., faça..., a casa é sua!", e assim fez a R. (45° cont.). 17. Inicialmente a utilização do imóvel por parte da R. não era diária, considerando que a mesma dividia a sua vida entre ... e Portugal e estava longas temporadas em ..., pelo que queria adquirir o imóvel para poder passar a sua velhice com maior tranquilidade em Portugal e para poder deixar legado à sua filha e netos (26° arti. aperf). 18. Durante o tempo em que durou o acordo em apreço, a R. e CC mantiveram uma relação de confiança mútua, sendo que a R., com os vários conhecimentos que tinha em ..., pela sua experiência profissional e social, inclusivamente, aconselhou e apresentou ao a CC diversos potenciais parceiros e clientes, nomeadamente, clientes institucionais com quem, à época, mantinha relações comerciais (no âmbito do exercício da sua atividade comercial, de formação profissional, com vertente editorial e de prestação de serviços) (54° cont). 19. Inclusivamente, por indicação da R., CC chegou a trabalhar com a Alfândega (54° cont.). 20.Em setembro de 2017, a R. verificou, através de uma certidão de registo predial, que se encontrava registado um mero "terreno para construção" (57° cont.). 21. Embora CC tivesse exigido que no local da reunião - a casa cm apreço -não estivesse mais ninguém, a R. pediu a duas amigas - GG e HH - que estivessem na casa, mas em local que o mesmo não as pudesse ver (elas encontrando-se nas escadas interiores da casa e CC na cozinha, tendo entrado pelas traseiras), acreditando que se encontravam só os dois (59° cont.). 22. A R. informou CC de que a casa em apreço não tinha licença de habitação e que nem sequer estava registada, exibindo ao mesmo a certidão predial que obtivera (62° cont.). 23.A R. e CC reuniram no dia 17.12.2017, sendo que o mesmo se fez acompanhar de um indivíduo do sexo masculino e a R. se fez acompanhar da sua amiga, e também arquiteta, HH (66° cont.). 24. O indivíduo que acompanhava CC vinha munido de rolos de arquitetura, contendo plantas, e começam a percorrer a casa (67° cont.). 25.A R. e a sua amiga vão com eles, tendo sido possível às mesmas, ouvindo o diálogo mantido entre o indivíduo e CC, que nas plantas não estava prevista a piscina, que a mesma teria de ser retirada - tendo sido o próprio CC que a construiu -, devido a incongruências entre a realidade e o que se encontrava aprovado nas plantas do imóvel (68° cont.). 26.As expectativas criadas no espírito da R. relativamente ao negócio da compra da casa foram frustradas (69° cont.). 27.A R. sentiu-se traída, sobretudo atendendo ao investimento que tinha realizado na casa, que ficaria para a sua filha (70° cont.). 28.Aquilo que a R. conseguiu obter de CC, foi, após muita insistência, que na companhia do seu colaborador, II, fossem mudados os contratos de serviços de TV, telecomunicações e Internet (71° cont). 29.A R. não exigiu a apresentação de qualquer tipo de documentação, confiando não só no pai do A., como na agente imobiliária que ajudou a concretizar o negócio em apreço, tendo realizado os contratos em causa e toda a negociação verbalmente, com ocasionais trocas de comunicações escritas (31° arti. aperf.). 30.O pai do A. apresentou-se como dono e legítimo proprietário do imóvel, tendo apresentado provas aparentes de tal qualidade (como ter as chaves de casa, ter a agente imobiliária a concretizar os negócios, com titularidade nos contratos de luz ,telecomunicações) (32° arti. aperf). 31.A R. tinha rendimentos em ... originários da empresa "F...", que a mesma constituiu em 2009 (6º arti. aperf). 32.Considerando a situação económica e política de ..., a R. decidiu abandonar a atividade, começando a diligenciar nesse sentido desde 2017, onde apenas se preocupou em terminar os trabalhos que tinha em andamento, antes de vir definitivamente para Portugal (7º arti. aperf). 33.O último Alvará foi obtido em 2015, tendo o mesmo o prazo de validade de 05 anos, tendo caducado em fevereiro de 2020 (8º arti. aperf). 34.Considerando que já não iria mais prestar os seus serviços em ..., atenta a situação do país e a sua própria idade, a R. decidiu não renovar o Alvará em apreço, encontrando-se a empresa "F..." inativa e não auferindo rendimentos da empresa em apreço, desde meados de 2017 (9º arti. aperf36. Foi em 25.04.2017 a entrega do último Documento de Liquidação de Impostos em ... (equivalente ao IRC português) (10° arti. aperf). 35. Mesmo em relação aos últimos serviços prestados, a R. não recebeu os respetivos pagamentos, mais uma vez, por conta da situação económica e política de ..., tendo por receber quantias por parte do Estado ..., da Polícia ... e das Forças Armadas ..., clientes habituais da "F...", a qual desconhece quando ou se receberá (1 Io arti. aperf). que foi devolvida ao remetente, tendo sido de novo enviada por carta datada de 21.03.201 8 (10° p.i.). 36.Dadas as suas características e atendendo aos valores de mercado para o arrendamento de prédios equivalentes, a rentabilidade mensal da moradia não é inferior a€ 1.000,00 (20° p.i.). 2.4. – Os factos não provados Em 2003, a R. e CC acordaram a compra da moradia pelo preço de € 400.000,00 (32° e 46° cont.). A casa iria ser paga em dinheiro ou transferências (37° cont.). Para a conta de CC foram feitos os seguintes depósitos em ..., equivalentes, na altura, do câmbio, a aproximadamente €55.940,49: • 14.08.2012 - € 8.508,93 (aproximadamente equivalente a 1.000.000,00 ...) - Banco Caixa Geral Totta de ... - conta n. "...01; • 14.08.2012 - € 12. 763,40 (aproximadamente equivalente a 1.500.000,00 ...) - Banco Caixa Geral Totta de ... - conta n. " ...01; • 22.08.2013 - € 19.597,67 (aproximadamente equivalente a 2.500.000,00 ...) - Banco Caixa Geral Totta de .... - conta n. "...01; ' 20.08.2014 -€15.070,49 (aproximadamente equivalente a 2.000.000,00 ...) - Banco Caixa Geral Totta de ... - conta n. "...01 (40" cont. e 41" ar ti. aperf. Aquando do contrato de arrendamento foi acordada a venda da casa (32° cont.). O contrato de arrendamento durou até finais de 2003 (34° cont.). Foi acordado entre as partes, desde 2004, a pedido de CC, que este só receberia quantias em numerário (36° cont.). O qual lhe foi regularmente entregue, em secretismo, na casa da M..., após serem enviadas transferências de Angola para Portugal, através de casas de câmbio (R..., N...), sob rubricas como "ajuda familiar" ou "remessa de emigrante", realizadas, inclusive, em nome de terceiros (36° e 38° cont.). Foram entregues, desde logo, € 122.100,00, incluindo depósitos bancários, o cheque de € 5.000,00 e mais 10 cheques, cada um de € 1.700,00, entregues a JJ em 02.04.2002, que depois entregaria a CC (37° cont.). Através das transferências/envios de dinheiro por via das casas de câmbio foram pagos, ao longo dos anos, aproximadamente, € 500.000,00 (39° cont.). O numerário que a R. trazia com os bilhetes de passagem de avião, no valor de € 15.000,00, também serviu para pagar a CC, o que aconteceu por três vezes (40°cont.). Foram feitos os seguintes depósitos em Portugal, no BES, na conta de CC, no montante de € 30.000,00: 05.11.2009 - € 10.000,00 - Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) -conta n.° ...00; 03.11.2009 - € 10.000,00 - Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) -conta n.c ...00; 30.10.2009 - € 10.000,00 - Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) -conta n.° ...00 (40° cont. e 41° arti. aperf). Inicialmente, os pagamentos foram regulares, sucessivos e iguais, à semelhança de qualquer renda, mas, especialmente desde 2010, o pagamento foi realizado mediante solicitação de CC (51° cont). Considerando que os valores entregues pela R. a CC seriam já para atingir o preço estipulado para a aquisição do imóvel por aquela, entre as partes ficou acordado que seriam realizados pagamentos de quantias avultadas (€ 10.000,00 ou mais), sempre que fosse solicitado por CC, até ser liquidado o valor total do preço acordado, liquidando a R. as quantias solicitadas assim que pudesse (52° cont.). A R. liquidou o preço acordado, mas CC, em vez de transmitir a propriedade da moradia para a R., exigiu-lhe mais montantes (47° cont.). A R. procedeu ao pagamento dos valores exigidos por CC (48° cont.). A partir de 2015, considerando ter cumprido com o acordado, e até tendo sido ultrapassado esse valor, a R. não procedeu a mais pagamentos (50° cont.). Relativamente às remessas realizadas a favor do pai do A., entre 2014 e 2016 a R. remeteu a este o montante global de € 360.566,20 (43° arti. aperf.). o) A inundação ocorreu em 2006; o desentupimento da fossa séptica é semestral (35° cont.). Em 2006 foram necessárias e realizadas as seguintes obras de reparação interior e exterior da moradia, por anomalias apresentadas, consequência de deficiente execução, tais como ausência de sistema de gás e pré-instalaçáo de ar condicionado: • No piso do rés-do-chão e no primeiro andar: o Abertura de roços na moradia interior e exterior para instalação da rede de ar condicionado em cobre e respetivos equipamentos interiores e unidades de condensadores exteriores - total de 08 unidades de AC; o Execução de tapamento de roços em argamassa de cimento e estuque nas paredes e tetos no interior e exterior; o Execução e fornecimento da rede de gás em tubagem de cobre 25" incluindo abertura de vala desde a casa da casa à habitação; o Abertura de roços na habitação para ligação de rede de gás (fogão e esquentador); o Execução da casa de gás em alvenaria, com reboco e pintura nas dimensões legais de projeto; o Execução de controlador da válvula de segurança do gás, incluindo fornecimento de portas em alumínio em grelha;o Reparação de telos em estuque e pintura geral (17° arti. aperf.). Os trabalhos acima referenciados foram orçamentados pelo valor global de € 28.000,00(18° arti. aperf). Em meados de 2008, o imóvel foi alvo de novos trabalhos de reparação interior e exterior, desta feita, devido a anomalias apresentadas no mesmo, como consequência de deficiente execução dos pavimentos, redes de águas pluviais e residuais, mais concretamente, as seguintes: • No piso do rés-do-chão e no primeiro andar: o Levantamento de pavimento exterior a moradia em calçada portuguesa; o Execução de base em betão para suporte do pavimento (dada a verificação de ausência desta função de suporte); o Execução de novas redes de drenagem de águas pluviais e residuais com ligação em PAD e execução de novas caixas de visita; o Reabilitação da piscina com colocação de novo revestimento em pastilha, assim como no sistema de bombagem alimentado a sal; o Pintura geral da moradia e muros a cor branca; o Levantamento de pisos dos terraços/varandas no piso superior dada às infiltrações de água no piso inferior; o Execução de isolamento nos pisos das varandas com impermeabilizantes da Silka e colocação de novo pavimento em mosaico; o Execução de remates com novo rodapé; o Pintura geral de tetos no piso inferior (19° arti. aperf). Os trabalhos descritos foram orçamentados pelo montante de € 35.000,00, pago pela R.(20° arti. aperf). Em 2014 foram necessárias novas obras no imóvel, de canalização, entre outras, para cuja realização a R. despendeu o montante aproximado de € 50.000,00 (21° arti. aperf). Quanto a estes trabalhos, foram os mesmos orçamentados e efetuados em 2006, 2008 e 2014, pela empresa E..., Lda., NIPC ...38, sendo o responsável o Senhor KK, Engenheiro Civil e sócio gerente da empresa (23° arti. aperf). v) De 2002 a 2016, para estes despejos, a R. terá despendido o montante global de € 11.200,00 (22° arti. aperf). No total, as obras, arranjos e manutenção do imóvel ascenderam a € 200.000,00 (44° cont.). As anomalias foram omitidas conscientemente pelo pai do A. (25° arti. aperf). Com a finalidade de resolver a questão do registo da propriedade da casa e de passagem da luz e água para o seu nome, em 17.09.2017, a R. convocou CC para uma reunião -estando já a confiança quebrada perante o mesmo, considerando, apesar de todos os favores e cedências feitas a pedido daquele pela R., CC continuava a não cumprir com o acordo celebrado (56° e 58° cont.). Durante a reunião, CC disse que em breve iriam à casa técnicos da Câmara Municipal para a realização de vistorias, no entanto, em vez de apresentar uma solução definitiva para a questão da aquisição do imóvel por parte da R., conforme acordado, afirmou que se encontravam por receber quantias por conta do preço do imóvel (60° cont.). Perante tal afirmação, a R. questionou CC sobre as quantias a que se estava a referir, atendendo a que aquela já tinha liquidado preço superior ao inicialmente acordado (61° cont.). CC, tendo ficado inicialmente sem reação, posteriormente balbuciou a desculpa de que se tinha esquecido de ir buscar um documento à Câmara Municipal, e que retornaria, munido de plantas da casa e daquilo que fosse necessário para pedir o licenciamento, para, posteriormente, se poder registar a propriedade em nome da R. (63° cont.). Contudo, CC não cumpriu com o prometido (64° cont.). Até novembro de 2017, tendo estado em território nacional, a R. não teve mais notícias de CC, no entanto, tendo voltado de Angola em dezembro de 2017, resolveu entrar novamente em contacto com aquele (65° cont.). Tendo sido afirmado, ainda, que teria de ser retirado o WC da garagem, dentre outros problemas que foram mencionados (68° cont.). As anomalias que levaram à obrigatoriedade de realização de obras foram descobertas aos poucos e com a utilização do imóvel (25° arti. aperf). Para pagamento do preço foram feitos os seguintes depósitos em kwanzas, equivalentes, na altura do câmbio, a aproximadamente € 55.940,49: • 14.08.2012 - € 8.508,93 (aproximadamente equivalente a 1.000.000,00 KW A) - Banco Caixa Geral Totta de Angola - conta n. "...0 1; • 14.08.2012 - € 12. 763,40 (aproximadamente equivalente a 1.500.000,00 KWA) - Banco Caixa Geral Totta de Angola - conta n. " ...0 1; • 22.08.2013 - € 19.597,67 (aproximadamente equivalente a 2.500.000,00 KWA) - Banco Caixa Geral Totta de Angola. - conta n. "...0 1; ' 20.08.2014 -€15.070,49 (aproximadamente equivalente a 2.000.000,00 KWA) - Banco Caixa Geral Totta de Angola - conta n. "...0 1 (40" cont. e 41" ar ti. aperf. 2.5.- A nulidade do acórdão A Ré/revistante arguiu a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, dizendo que a Relação não conheceu da impugnação de facto no tocante ao facto não provado ( descrito em h) ), requerida na apelação. A nulidade por omissão de pronúncia ( art.615 nº1 d) CPC) traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no art.608 nº2 do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras. No entanto, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, a nulidade consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Por outro lado, não há omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada. A Relação conheceu da questão, ao considerar que a Ré apelante não deu cumprimento ao ónus de especificação, implicando a rejeição do recurso, nesta parte. Improcede a arguição da nulidade do acórdão recorrido. 2.6.- A violação de lei adjectiva – não conhecimento pela Relação da impugnação de facto A sentença deu como não provado que: h) Foram feitos os seguintes depósitos em Portugal, no BES, na conta de CC, no montante de € 30.000,00: 05.11.2009 - € 10.000,00 - Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) -conta n.° ...00; 03.11.2009 - € 10.000,00 - Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) -conta n.c ...00; 30.10.2009 - € 10.000,00 - Banco Espírito Santo (atual Novo Banco) -conta n.° ...00 (40° cont. e 41° arti. aperf). A Ré, no recurso de apelação, alegou que: “Com efeito, em relação ao pagamento do preço pela Recorrente junto do pai do Recorrido para aquisição do imóvel, o Tribunal a quo apenas admite como tendo sido liquidado o montante de € 55.940,49 (cinquenta e cinco mil, novecentos e quarenta euros e quarenta e nove cêntimos), considerando os depósitos de: • 14.08.2012 - € 8.508,93 (aproximadamente equivalente a 1.000.000,00 KWA) – Banco Caixa Geral Totta de Angola – conta n.º 2807537 10 1; • 14.08.2012 - € 12.763,40 (aproximadamente equivalente a 1.500.000,00 KWA) – Banco Caixa Geral Totta de Angola – conta n.º ...0 1; • 22.08.2013 - € 19.597,67 (aproximadamente equivalente a 2.500.000,00 KWA) – Banco Caixa Geral Totta de Angola – conta n.º ...0 1; • 20.08.2014 - € 15.070,49 (aproximadamente equivalente a 2.000.000,00 KWA) – Banco Caixa Geral Totta de Angola – conta n.º ...0 1 (40º cont. e 41º arti. aperf.). Sendo que, por motivos que não se poderão considerar válidos, o Douto Tribunal decidiu desconsiderar os demais valores entregues ao Sr. CC, para aquisição do imóvel, conforme os três depósitos efetuados em 2009 para a conta n.º ...00, de € 10.000,00 (dez mil euros) cada um, no montante global de € 30.000,00, e conforme os depoimentos das testemunhas da Recorrente, nomeadamente as testemunhas LL, GG, MM, II e NN. Com efeito, não se compreende o motivo para desconsiderar, sem mais, os depósitos realizados para a conta nº ...00, atendendo a que, se o Douto Tribunal dúvidas tinha em relação à titularidade da conta, facilmente as teria desfeito oficiando o Banco Espírito Santo para indicar a titularidade da mesma, algo que a Recorrente não poderia fazer, pois que não obteria a resposta por parte do banco, considerando as regras de sigilo bancário e a proteção de dados pessoais cada vez mais restritas. Pelo que, estes três depósitos de € 10.000,00 (dez mil euros) realizados em 30.10.2009, 03.11.2009 e 05.11.2009, junto aos autos a fls. …, no montante global de € 30.000,00 (trinta mil euros) deverão ser considerados como fazendo parte do preço liquidado junto do Sr. CC para a aquisição do imóvel, considerando que era a conta bancária indicada pelo mesmo para o efeito de depósitos ou transferências (as poucas que foram possíveis), ou, terão os autos que baixar, por forma a ser o Novo Banco (Banco Espírito Santo) ser oficiado para indicar a titularidade da conta n.º ...00, não sendo possível à Recorrente obter essa informação por meios próprios.” Na conclusão X expôs o seguinte: “X) Não se compreende o motivo para desconsiderar, sem mais, os depósitos realizados para a conta nº ...00, atendendo a que, se o Douto Tribunal dúvidas tinha em relação à titularidade da conta, facilmente as teria desfeito oficiando o Banco Espírito Santo para indicar a titularidade da mesma, algo que a Recorrente não poderia fazer, pois que não obteria a resposta por parte do banco, considerando as regras de sigilo bancário e a proteção de dados pessoais cada vez mais restritas. Pelo que ou se admite como recebido pelo Sr. CC a quantia de € 30.000,00 (três mil euros) – comprovativos bancários junto aos autos a fls. …, ou, terão os autos que descer, por forma ao Novo Banco (Banco Espírito Santo) ser oficiado para indicar a titularidade da conta n.º ...00, não sendo possível à Recorrente obter essa informação por meios próprios, dando-se de seguida como provado este pagamento para aquisição do imóvel.” A Relação rejeitou o recurso, nessa parte, com fundamento em não ter cumprido o ónus de especificação imposto por lei, justificando nos seguintes termos: “ Como bem diz o Autor nas contra-alegações a Ré não cumpre o primeiro dos ónus qual seja a especificação dos concretos pontos de fcato incorrectamente julgados. Será o ponto e) dos factos dados como não provados, será o ponto f)? Na alínea h) referem-se os depósitos em Portugal no BES na conta do CC no montante de 30 mil euros, mas esses depósitos em si são inócuos na medida em que tal como vem alegado pela Ré e se deu como não provado não resulta o fim a que se destinam esses depósitos. Não cabe ao Tribunal de recurso em reapreciação da decisão e facto "escolher" os factos dados como não provados que a recorrente pretende dar como provados, cabe à recorrente o ónus de indicar como precisão os factos que foram incorrectamente julgados, na sua óptica e o sentido correcto da decisão em razão dos meios de prova e isso a recorrente não faz, por isso não se conhecerá desse segmento do recurso da ré.” Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art. 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08 e positivamente se expressa nos arts. 662.º, n.º 4, 674.º n.º 3, e 682.º, n.º 2, CPC. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça está limitada aos casos previstos no art. 674.º, n.º 3 (2.ª parte), e 682.º, n.º 3, CPC, ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (isto é, violação das regras direito probatório material), reenvio do processo para ampliação dos factos (devido ao vício da insuficiência ) ou contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica. Por isso, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir no juízo que a Relação faz com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como os depoimentos testemunhais, documentos sem força probatória plena ou uso de presunções judiciais. Já quanto à posição da Relação em não conhecer de factos impugnados por falta do ónus de especificação impostos no art.640 nº1 CPC, por se tratar de violação de lei adjectiva, e não se verificando quanto a ela a dupla conforme, o Supremo pode conhecer, sendo admissível a revista. A revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL nº329-A/95 de 12/2, instituiu, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, que foi reforçada com o novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26/6 ( art. 662 ), nomeadamente quanto à incrementação dos poderes conferidos à Relação no âmbito da reapreciação de facto. No entanto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume um espectro tão abrangente que implique um novo e integral julgamento de facto. Desde logo, porque a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.640 nº2 CPC (ónus de especificação). A razão de ser da exigência do ónus da especificação consta do preâmbulo do Dec. Lei nº39/95 de 15/2, visando afastar a possibilidade de o recorrente se limitar “a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância e manifestando genérica discordância com o decidido”, decorrendo ainda dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais. Por seu turno, a jurisprudência constitucional tem reiteradamente afirmado que a imposição de ónus e preclusões processuais às partes no âmbito do processo civil, inserindo-se na liberdade de conformação do legislador ordinário, não é, em princípio, incompatível com a garantia fundamental de acesso ao direito e à justiça ( art.20 CRP). Mas tais ónus e preclusões já afrontam a constituição e o direito a um processo equitativo quando haja uma injustificada desproporção entre a falta e a sanção cominada, dificultando ou inviabilizando actuação das partes pondo em causa o acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva. Dispõe o art.640 nº1 CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: “a) - Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; “b) - Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.” c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de factos impugnadas”. Os concretos pontos de facto impugnados devem ser feitos nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação, mas em todo o caso impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes. Para além deste ónus primário, a lei impõe ainda um ónus secundário ( art.640 nº2 a) CPC), pois quando os meios de prova tenham sido gravados “ incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Na situação dos autos, é patente que a Recorrente não cumpriu o ónus primário de especificação, como justifica o acórdão da Relação, pois não individualizou sequer os factos concretos, o que tanto basta para a rejeição do recurso, nessa parte. Acresce, como foi pertinentemente anotado, não resultando provada a finalidade do alegado depósito de € 30.000,00, sempre seria inútil a preconizada impugnação. 2.7.- Se a Ré é proprietária do imóvel – prédio urbano – por contrato de compra e venda a CC e a violação do direito probatório material Estamos perante acção de reivindicação (art.1311 CC) que, como manifestação do direito de sequela, visa afirmar o direito de propriedade e pôr fim a situações ou actos que o violem, tendo como primeiro desiderato a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização ( “ condennatio”). A Ré alegou que ocupa legitimamente o prédio dado que o adquiriu em 2003 ao CC, quem sucedeu o Autor. O acórdão considerou a nulidade formal da compra e venda, reconheceu o direito de propriedade ao Autor, afirmando que a Ré não tem título que legitime a ocupação. Muito embora aceite a falta de escritura pública ou de documento particular autenticado, a Ré sustenta na revista que a Relação violou o direito probatório material por considerar que essa falta pode ser substituída pela prova da confissão constante dos emails juntos, conjugados com as declarações da própria Ré. A Relação julgou não provados os factos descritos em 8 a 10 da sentença dado que não foi feita a prova através de escritura pública, não sendo legalmente admissível a prova da compra e venda do imóvel, com base numa alegada confissão de venda constante dos e-mails juntos, conjugada com as declarações interessadas da própria Ré alegada compradora. A este respeito, afirma-se no acórdão: “Contudo o Tribunal não só admitiu os e-mails como meio de prova da compra e venda como valorou o conteúdo desses e-mails como constituindo uma confissão da venda à Ré do imóvel sem que a lei consinta essa substituição; ainda que se considerasse admissível, tão-pouco o conteúdo dos e-mails poderia fazer prova contra o falecido alegado confitente por a lei a considerar insuficiente para tal (art.n 354/a do CCiv), e o seu valor probatório apenas ocorreria se a declaração fosse inequívoca (art.°s 358/1 e 357/1/ do CCiv) e só seria inequívoca se do texto resultasse a declaração da venda do imóvel, a sua transmissão para a Ré mediante um preço o que de maneira nenhuma resulta. Admitida a produção da prova como o foi, o que ocorre é um erro na sua valoração e força probatória, razão pela qual, com base naqueles meios de prova nunca se poderia dar como provado o acordo de compra- e correspondente venda- do imóvel pelo preço de 400 mil euros. E se não se pode valorar aquela prova como acordo de compra e venda também não é possível valorar, nesse contexto, qualquer acordo de pagamento do preço da compra e venda precisamente porque o acordo quanto ao pagamento do preço da compra e venda, pressupõe que esteja provado o acordo da compra e venda que se não pode provar dessa forma e assim sendo os factos sob 9 e 10 devem ser dados como não provados.” O contrato de compra e venda de imóvel está sujeito a forma escrita (escritura pública ou documento particular autenticado). É um negócio formal ( arts. 875 CC ). Coloca-se a questão de saber se o contrato de compra e venda da moradia só pode ser provado por documento (formalidade ad substantiam) ou se pode ser substituída por outro meio de prova, postulando, assim, um problema de direito probatório material, ou seja, quais os casos em que a lei exige determinado meio de prova para se poder provar certo facto, e está em consonância com o disposto no nº5 ( 2ª parte) do art.607 CPC, ao exigir a chamada “ prova necessária”. Como se sabe, a distinção doutrinária entre formalidades “ad substantiam” e formalidades “ad probationem” radica no facto de as primeiras serem insubstituíveis por outro meio de prova, cuja inobservância gera a nulidade, enquanto que as segundas a sua falta pode ser suprida por outros mais de prova mais difíceis, nos termos do art.364 nº2 do CC, sendo verdadeiramente esta a projecção prática de tal distinção. De acordo com o princípio geral do nº1 do art.364 do CC, os documentos autênticos ou particulares são formalidades “ ad substantiam” e sê-lo-ão simplesmente probatórias, apenas nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei tal finalidade ( nº2 ) ( cf. MOTA PINTO, Teoria Geral, pág.346 ). Quando o documento seja exigido para a celebração do acto, como requisito de forma e, por consequência, como condição de validade ( formalidade ad substantiam), também se coloca um problema de prova, ou seja, a prova de que se fez o documento com determinado conteúdo, visto que a sua existência e validade depende do documento. A este respeito, não sendo a lei clara sobre o modo como tal prova se deve fazer, concebem-se três soluções possíveis: a) A prova só pode ser produzida através da exibição do respectivo documento; b) A prova pode fazer-se através do documento ou de confissão expressa judicial ou extrajudicial, constante de valor igual ou superior, seguindo o mesmo regime da formalidade ad probationem, com a diferença de que a confissão deve incidir também sobre a feitura do documento; c) A prova pode fazer-se por qualquer meio que convença que o documento foi efectivamente lavrado. Equacionando o problema no âmbito da excepção ao princípio da livre apreciação, a necessidade do documento resultaria de “imposição indirecta”, visto que “ a lei exige um documento, autêntico ou particular, como forma da declaração negocial ( art.364 nº1 CC ), o que implica o ónus de conservação do documento e a sua apresentação para prova dessa declaração, com consequente afastamento de outros meios de prova ( cf. arts.351 CC, 354 CC, 393 CC, 394 CC, 485-d e 490-2 ) “ ( cf. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol.2º, pág.636 ). Na situação dos autos, não é a prova da feitura do documento que titula o contrato de compra e venda que está em causa, mas a substituição desse documento (como condição de validade) pela confissão. Uma vez que o documento (escritura pública ou documento particular autenticado) é legalmente exigido, como condição de validade do contrato (arts.875 e 220 CC), a única forma admissível de fazer prova do contrato era a junção da certidão correspondente (arts 364º, nº 1 e 383º, nº 1 CC), não podendo ser substituída pela confissão. Neste sentido, por ex., Ac STJ de 27/3/2014 ( proc nº 879/06), ( “ Sendo a escritura publica condição de validade do contrato de compra e venda de imóvel, junção da sua certidão é a única forma de fazer prova desse contrato, não passível de ser substituída pela falta de impugnação ou confissão por parte dos réus”), e Ac STJ de 8/2/2018 ( proc nº 642/14) (“A exigência de escritura pública para a formalização do contrato de compra e venda de bem imóvel reporta-se à substância do próprio acto, não constituindo apenas meio de prova das declarações negociais”), disponíveis em www dgsi. A confissão, enquanto “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (art.352 CC ), se for efectuada em documento autêntico ou particular “ considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos, e se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena “ ( art.358 nº2 CC ). O art.352 nº2 CC deve ser interpretado no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resultar do documento em que se insere e (ainda) for feita à parte contrária ou a quem a represente, logo a confissão extrajudicial escrita (enquanto declaração receptícia) apenas assume força probatória plena quando dirigida à parte contrária, pois em relação a terceiros é livremente apreciada pelo tribunal. Ora, os emaisl nem sequer traduzem qualquer confissão de venda por parte de CC, sendo pertinente a análise crítica constante do acórdão, quando refere o seguinte: “O e-mail de fls. 162 datado de 13/5/2014 que CC dirigiu a "F..." (relacionado com a Ré) fala de obras, o dessa data um pouco mais tarde refere a certo passo "como está a comprar a casa pense na qualidade das grades e dos portões.." de que casa é que estava a falar e de que compra de casa? No e-mails de que aquele é resposta enviado de F... para CC refere-se a certo passo "...Dr CC eu vou querer falar urgente por favor consigo sobre os pagamentos já efectuados e despesas da compra da M..., pois acho que já dava para comprar dois moinhos no ...... ". Admitindo que a M... é a casa dos autos e que existiria uma negociação com vista à compra da mencionada casa pela Ré não se percebe minimamente onde é que nesses e-mails se refere a compra e venda da moradia por 400 mil euros.” Daqui resulta que a declaração constante documentos dos emails (documentos electrónicos) jamais poderá consubstanciar confissão extrajudicial. Note-se que há situações de abuso de direito em que a falta do documento escrito pode afastar a nulidade formal, ou seja, casos em que o abuso de direito pode implicar excepcionalmente a proibição do lesante de invocar a nulidade resultante da inobservância da forma legal do negócio celebrado. Entre essas excepções, estão os casos em que a parte lesada pelo comportamento abusivo confiou no negócio e, com base nisso, orientou a sua vida por forma a tomar as disposições, agora irreversíveis, provocando-lhe a declaração de nulidade danos irremovíveis através de outros meios jurídicos, designadamente com o recurso ao art.227 do CC. Por isso, improcederá a arguição da nulidade de um contrato quando esta arguição configurar abuso de direito, como sucede nos casos em que a nulidade formal é arguida pelo contraente que a provocou ou levou dolosamente o outro a não formalizar o contrato ou procedeu de modo a criar nele a convicção de que não seria invocada a nulidade, procedendo, assim, de modo iníquo e escandaloso. Contudo, para além de não haver sido sequer problematizado, embora seja de conhecimento oficioso, a verdade é que tal não sucede aqui, pois os elementos de facto não sustentam o abuso de direito. 2.8.- Síntese conclusiva O contrato de compra e venda de imóvel é formal (formalidade ad substantiam ) em que documento (escritura pública ou documento particular autenticado) é legalmente exigido como condição de validade do contrato (arts.875 e 220 CC ), pelo que a única forma admissível de fazer prova do contrato é a junção da certidão correspondente, não podendo ser substituída pela confissão. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido. 2) Condenar a Recorrente nas custas. Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Outubro de 2023.
Jorge Arcanjo (Relator) Manuel Aguiar Pereira António Magalhães |