Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | RECURSO PENAL ROUBO AGRAVADO QUESTÃO NOVA OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DA SENTENÇA DOCUMENTO PRAZO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA FUNDAMENTAÇÃO EXAME CRÍTICO DAS PROVAS PROVA INDICIÁRIA REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM IN DUBIO PRO REO MATÉRIA DE FACTO ACUSAÇÃO INTENÇÃO DE MATAR NEXO DE CAUSALIDADE AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO HOMICÍDIO QUALIFICADO CONCURSO DE CRIMES ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA | ||
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Data do Acordão: | 10/24/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - FACTO/ PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO - CRIMES EM ESPECIAL/ CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA / MEIOS DE PROVA / PROVA DOCUMENTAL - RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS | ||
Doutrina: | - Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 191. - Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, p. 961 e ss.. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Anotada”, p. 799. - Letizia Gianformaggio, Conf. Perfecto Andrés Ibanez “Acerca de la motivacion de los hechos en la sentencia penal”. - Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 379 do CPP, Comentário ao Código de Processo Penal. - Simas Santos e Leal Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, II vol., p. 740. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 660.º, Nº 2. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 165.º, 379.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E E), E N.º2, 399.°, 410º, Nº 2. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 15.º, 132.º, N.º2, ALÍNEA G), 210.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.°, Nº1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13/10/1992; DE 12-07-1989, BMJ 389-510; DE 07-10-1993, PROC. N.º 43879; DE 09-03-1994, PROC. N.º 43402; DE 12-05-1994, PROC. N.º 45100; DE 01-03-2000, PROC. N.º 43/2000; DE 05-04-2000, PROC. N.º 160/2000; DE 12-04-2000, PROC. N.º 182/2000; DE 28-06-2001, PROC. N.º 1293/01-5; DE 26-09-2001, PROC. N.º 1287/01-3; DE 08-11-2001, PROC. N.º 3142/01-5; DE 16-01-2002, PROC. N.º 3649/01-3; DE 27-02-03, PROC. N.º 255/03; DE 7/1/2004, PROC. N.º 3213/03; DE 24/3/2004, PROC. N.º 4043/03; DE 4/02/2005; DE 17/2/2005, PROC. N.º 58/05-5; DE 2-2-06, PROC. N.º 4409/05-5; DE 16/9/2008. -PUBLICADOS NOS BMJ NºS. 476, PÁG. 82; 477, PÁG, 338; 478, PÁG. 113; 479, PÁG. 439; 494, PÁG. 207; E 496, PÁG. 169. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.ºS 31/87, 65/88, 178/88 (ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOL. 12.º, P. 569); -N.º 359/86 (ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOL. 8.º, P. 605); -N.º 24/88 (ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOL. 11.º, P. 525); -N.º 450/89 (ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOL. 13.º, P. 1307); -N.º680/98; -N.º 40/2008; -N.º 244/08. | ||
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Sumário : | I - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. II - A «pronúncia» cuja «omissão» determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas. III -Invoca o recorrente que existiu omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação uma vez que este não apreciou a junção de documento por si pretendida nomeadamente o seu passaporte com vista a provar a impossibilidade de se encontrar em Portugal na altura do crime. Tal pedido tem necessariamente subjacente a ideia de que a decisão recorrida não se pronunciou sobre algo em relação ao que se deveria ter pronunciado porque solicitado. IV -O recurso interposto de uma determinada decisão não pode abranger questões que não constam dessa mesma decisão. Assim, reafirma-se a jurisprudência do STJ no sentido de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. V - No caso, não podia nem devia o Tribunal da Relação conhecer de questões que não tinham sido colocado ao tribunal de que recorria. A pronúncia sobre a admissibilidade do documento cuja junção se pretendia consubstancia uma questão prévia situada a montante da decisão recorrida. De facto, o momento daquela apreciação era prévio à decisão recorrida e, a eventual omissão seria não da decisão recorrida, que apreciou o que tinha de apreciar, mas sim de uma omissão situada a seu montante. VI -Mas mesmo que sobre a decisão recorrida incidisse o ónus de se pronunciar sobre a requerida junção, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, tal patologia não implica necessariamente a nulidade da decisão recorrida, pois o STJ pode suprir uma eventual omissão de pronúncia em relação à nulidade suscitada. VII - Face ao disposto no art. 165.º do CPP, os documentos devem ser juntos, de preferência, no inquérito, ou na instrução, e em função das diversas finalidades a que correspondem aquelas fases processuais. A possibilidade de serem juntos na audiência de julgamento é subsidiária, decorrendo da circunstância de não ter sido possível a sua junção em fases anteriores. VIII - Após o encerramento da audiência em 1.ª instância não é admissível a junção de documentos. Efectivamente, a redacção do n.º 1 daquele normativo cinge-se aos ciclos processuais, e enquanto o processo se encontra na 1.ª instância, o que se compreende, pois que, a partir do momento em que está fixada a matéria de facto, a admissão de um documento por pertinente implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituíram o meio de convicção do juiz de 1.ª instância, mas também sobre algo distinto que é o documento. Caso pertinente, tal documento poderá ser analisado como fundamento de revisão da sentença. IX -Pretender juntar um documento em fase de recurso e extrair dele consequências a nível probatório viola o espírito e a letra da lei. É fora de toda a lógica pretender que o tribunal de recurso vá sindicar a forma como se formou a convicção do tribunal recorrido utilizando prova que não foi acessível a este. Assim, considerando-se, em primeira linha, que a decisão recorrida não incorreu em qualquer omissão de pronúncia igualmente é certo que a existir uma omissão a mesma é suprida pela decisão de que não é admissível a junção do documento em causa. X - Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos, assim, perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que hão-de fundamentar a decisão. XI -No caso em apreço, ao explanar os factos e fazer incidir sobre os mesmos as inferências lógicas impostas pelas regras da experiência, a decisão recorrida e a decisão de 1.ª instância seguiram um caminho lógico. XII - É certo que tal caminho não é o pretendido pelo recorrente, que exacerba as virtualidades da prova directa e o menosprezo da prova científica e dos indícios que levassem ao emergir de uma dúvida que seria sempre resolvida em seu favor para cair no proclamado princípio in dubio pro reo. Sucede que, independentemente de quaisquer afirmações que tenham sido produzidas em julgamentos anteriores relativamente aos mesmos factos e em relação a outros arguidos, o certo é que o seu ADN está inscrito no local dos factos. Excluída a possibilidade de o arguido ser convidado das vítimas, a presença no local de um sinal inelutável da sua presença apenas poderia ser explicado por duas formas: ou alguém, mal-intencionado, colocou ali o objecto com o seu ADN para o incriminar ou, na alternativa, porque foi um dos criminosos que estiveram no local. XIII - Na valoração de situações em que está presente o indício só a prova de um contra-indício poderá abalar a força de tal presunção. Efectivamente, é incorrecta alguma prática judiciária em que, perante a hipótese mais absurda de explicação sobre a forma como surgiu o indício, faz surgir um estado de dúvida persistente justificativo do princípio in dubio pro reo. O apelo a este princípio, consagrado por alguma prática judiciária, como forma de rebater a força da lógica argumentativa assente num funcionamento concreto e adequado dos princípios inerentes à prova indiciária apenas se pode compreender como a via mais fácil de ultrapassar o mais difícil. XIV - Se as regras de experiência comum são o crivo à face das quais se deve examinar a razoabilidade da forma como se formou a convicção do tribunal, é evidente que as decisões das instâncias ao ligarem inelutavelmente a presença do ADN do arguido com a sua presença no local do crime e a sua responsabilidade neste procederam de forma adequada e segundo as regras da lógica. Tal conexão é imposta pelas regras de experiência e pela prova indiciária existente, ou seja, é lógica a conclusão de que, inexistindo explicação razoável para a presença de ADN do arguido, o mesmo esteve no local com os restantes arguidos, seus companheiros e conterrâneos. XV - A decisão recorrida omitiu pronúncia sobre um ponto concreto da acusação e tal ponto tem potencialidade para assumir uma relevância essencial em sede de relação de causalidade e na afirmação de uma intenção de matar que conduz à tipificação do crime de homicídio voluntário em face do crime de roubo. XVI - A resposta à questão enunciada é a chave que permite distinguir entre a existência de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 3, do CP, ou a existência de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 2, do CP, em concurso com um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art. 132.º, n.º 2, al. g), do mesmo diploma (aqui se divergindo parcialmente do imputado na acusação) com as consequentes implicações a nível da qualificação jurídica (arts. 358.º e ss. do CPP). | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA veio interpor recurso da decisão que, pela prática em co-autoria material e de forma consumada, em concurso real, de um crime de roubo pº e pº pelo artigo 210 nº1 e 2 alínea b) do Código Penal o condenou na pena de oito anos de prisão e pela prática de um crime de roubo pº e pº pelo artigo 210 nº 1 e 3 do mesmo diploma o condenou na pena de quinze anos de prisão. Em sede de cúmulo jurídico o arguido foi condenado na pena única de dezanove anos de prisão. As razões de discordância do recorrente encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: I. Há nulidade do Acórdão por não se pronunciar sobre a questão do passaporte do arguido, em violação do art. 379.º,n.º 1, alínea c) e art. 374.º, n.º 2, ambos do CPP, pois quanto a tal documento superveniente que confirma a saída do arguido de Portugal no início do mês de Abril de 2005, foi requerida a sua junção nos termos do art. 712.º, n.º 1, al. c) e art. 693-B e 524.º do CPC, aplicáveis por força do artigo 4.º do CPP, e ainda por razões de economia e celeridade processual e como garantia da defesa do arguido, pois tal prova era e é suficiente para destruir toda a argumentação probatória em que assentava a condenação. II. Sucede que o MP concretamente se pronunciou (fls. 4 e 5; e ponto 3.5., de fls. 22 a 24 da sua Resposta), quanto ao passaporte em causa e à sua entrega superveniente; e igualmente se pronunciou o Sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação de Évora, no seu douto Parecer, a que o arguido respondeu nos termos do art. 417.º, n.º 2 do CPP; passando essa questão assim a fazer parte indiscutível desse recurso; porém, sendo esta, neste termos, uma questão em discussão e sobre a qual forçosamente a Relação se deveria pronunciar, o douto Acórdão ora recorrido omite integralmente tal questão não lhe dedicando sequer uma palavra, nem quanto à admissão, nem quanto à superveniência, nem quanto ao conflito probatório que esse documento coloca à prova em que a condenação assenta; III. Estamos assim perante uma questão que o Tribunal tinha a estrita obrigação de sobre ela se pronunciar, nos termos do artigo 374.9, n,° 2, examinando-a criticamente para formação da sua convicção e decidindo sobre ela fundamentadamente. Não o tendo feito, o Tribunal deixou de pronunciar-se sobre uma questão de que deveria tomar conhecimento, pelo que o Acórdão proferido pela Relação é nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 1 al. c) do CPP, nulidade que se deixa aqui invocada, tendo o Tribunal recorrido violado os artigos 379.º n.º 1 al. c) e 374.º, n.º 2 do CPP. IV. A única forma de ser suprida a presente nulidade, é decidir-se a admissão e a junção ao recurso do referido passaporte; e consequentemente apreciá-lo criticamente, enquanto prova, no cotejo e em conjugação com as demais, e com o reflexo que tal importará na alteração de quais os factos provados e não provados. V. Existe ainda nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia, nos termos do 379.º, n.s 1. al. c) do CPP e art. 374.º, n.º 2, ambos do CPP, pois que a fls. 42 e 43 do seu douto Acórdão, pronunciou-se a Relação quanto à questão da nulidade por excesso de pronuncia levantada no 1º recurso, dizendo: a técnica "utilizada na redacção da matéria apurada e não apurada, já que foram dados certos factos como apurados e como não apurados os resultantes do seu inverso, o que poderá parecer excessivo e desnecessário, ou mesmo fartos negativos (...) trata-se de uma técnica de redacção de matéria apurada e não apurada perfeitamente coerente e harmónica". VI. Ora, não há qualquer fundamentação nesta decisão, pela qual se perceba porque que aquela técnica de redacção (que parece ser um conjunto de factos negativos, como a própria Relação diz), não é afinal uma colecção de factos negativos; e que pelo contrário é perfeitamente coerente e harmónica; estando assim a decisão da Relação em absoluto sem fundamentação, mantendo incólume a arguição de nulidade que se havia invocado, e permitindo que agora, face à falta de fundamentação, se renove a mesma arguição, desta vez relativamente ao Acórdão da Relação, precisamente por falta de fundamentação da decisão, nessa sede. VII. Violou assim o douto Acórdão o n.º 5 do art. 97.º do CPP, pelo que se mantêm in totum as alegações produzidas em sede de recurso para a Relação, na questão da nulidade ali invocada, a que acresce a falta de fundamentação da decisão da Relação neste ponto. Na verdade, como se alegou no 1º Recurso, o Tribunal não se limitou a dizer que a Acusação ou os seus pontos ou se provavam, ou não se provavam; foi muito para além disto, dando a cada facto uma resposta totalmente dúbia, ou seja, que não se provou que sim, mas também não se provou que não; e foi por esta forma de listar factos, que a douta Decisão de 1ª instância ultrapassou a formulação correcta e expectável para os factos não provados, pronunciando-se sobre pontos de facto que vão além da tese acusatória, e que não constavam sequer da contestação. VIII. Ao ter optado por aquela fórmula de alternativa, para lá do expectável, o Tribunal de 1ª instância pronunciara-se sobre questões que a contestação não continha, desse modo havendo um excesso de pronúncia, que se traduziu em nulidade, que foi invocada; e a Decisão da Relação ora recorrida, limita-se tão só a dizer que esta forma de redacção é coerente e harmónica, ficando-se por esta alegação genérica e infundamentada. O que motiva a nulidade que aqui se invoca, neste recurso, quanto à decisão da Relação, por falta de fundamentação, nulidade que deve ser declarada, e que a sê-lo se estende à nulidade anteriormente invocada, fazendo renascer essa. IX. Violou o douto Acórdão da Relação, desta forma, e neste ponto, os artigos 97.º, n° 5, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º l alínea c) do CPP. X. Existe claramente uma errada apreciação e valoração das provas, sem apelo às regras da experiência, em violação do artigo 127º do CPP. O douto Acórdão ora recorrido diz "no caso em apreço a prova foi reputada suficiente para a decisão do Tribunal recorrido; isto é, foi considerada bastante e não dando margem para dúvidas quanto à autoria por parte do arguido dos ditos crimes de roubo agravado" (fls. 46 d ) Acórdão recorrido); mas a única prova que existe é o aparecimento no local de uma garrafa que continha ADN do arguido. Não há outra prova (reconhecimento, testemunha, declaração, documento, depoimento ou seja o que for) que coloque o arguido naquele local, e naquele local a praticar o crime. A garrafa (como resulta do Acórdão recorrido e do Acórdão anterior) apareceu naquele local por forma não apurada, não se sabendo quem a levou, quando ou de que forma XI. Ademais, afigura-se que o raciocínio condenatório partiu da conclusão para a premissa, em vez de o fazer ao invés: "o arguido esteve no local, naquela data; por isso a garrafa com o seu ADN está lá". O que se fez sem se ter apurado como e quando ela lá foi parar; e sem colocar sequer a possibilidade de outras tantas hipóteses lógicas e plausíveis para o aparecimento da garrafa no local. E tira-se assim a condenação. XII. A consequência deste raciocínio, a nosso ver inquinado por este método de apreciação inversa e portanto violador das regras do art. 127.º, há depois que, para que ele suceda, pôr em causa toda a prova da defesa, como a Relação ora recorrida faz, a fls. 47 e 48 do Acórdão recorrido. XIII. Ora, mesmo que essas provas que a defesa apresentou, pudessem cada uma por si levantar dúvidas ou ser susceptíveis de deixar perguntas em aberto, isso nunca poderia ter a virtualidade de transformar esses meios de prova em inverdades ou provas falsas, tornando-as completamente ineficazes XIV. Até porque foi o arguido, ante essa incapacidade da Acusação em demonstrar como a garrafa lá tinha aparecido, quem ensaiou, invertendo o ónus da prova, demostrar (a nosso ver cabalmente) que naquela data não podia estar naquele local, porque nem sequer estava em Portugal. Fê-lo com as provas testemunhais e documentais de que dispunha; e mais não se lhe podia pedir, e apresentou, sem recurso a nenhuma teoria da conspiração, hipóteses plausíveis para o aparecimento da garrafa no local. XV. Ora, sem que se opusessem ao arguido outras e demais provas que, corroboradas pela da garrafa e conjugadas com ela, demonstrassem indesmentivelmente que ele tinha que lá ter estado, puseram-se em total crise as provas da defesa, como se fosse o Arguido quem tivesse que demonstrar a sua inocência - que até demonstrou! - e não coubesse à Acusação provar a sua inequívoca culpabilidade. XVI. Por outro lado, se não tivesse ocorrido a nulidade que neste recurso em primeiro lugar se invoca (a omissão de pronuncia sobre o documento oficiai que é o passaporte do arguido), demonstrada estava sem nenhuma dúvida a presença do arguido na Roménia à data dos factos; ou, pelo menos, a sua não presença em Portugal nessa data. XVII. O ADN na garrafa, sem mais, pode deixar o arguido na posição de suspeito, mas não pode permitir ao Tribunal avançar daí. Pelo que a conjugação de todos os meios de prova que a defesa pôs à disposição do Tribunal, se apreciados nos termos do artigo 127.º do CPP, com recurso às regras da experiência e à normalidade das situações, imporia uma decisão de absolvição, no respeito das garantias de defesa e da presunção de inocência de que o arguido goza. Ao decidir como decidiu, o Acórdão da Relação viola claramente o artigo 127.º do CPP e ainda o art. 124.º, n.º 1 e 125.º do CPP. XVIII. As eventuais dúvidas que poderiam residir no espírito do Tribunal, se não se decidisse por uma absolvição clara face às provas, sempre teriam que pender favoravelmente ao Arguido e não em seu desfavor, por aplicação do princípio processual e civilizacional in dúbio pro reo. Manter a condenação de alguém, ademais em pesados 19 anos de prisão, ignorando-se as dúvidas que a prova imporia e ainda a prova superveniente "passaporte, como faz o Acórdão recorrido, é totalmente contrário às garantias de defesa e à presunção de inocência de que o arguido goza. Assim, decidindo como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o princípio in dúbio pro reo; e violou ainda, tendo condenado o arguido numa clara situação de imposição de dúvida, o princípio constitucional da presunção de inocência, e as garantias constitucionais do art. 32.º da CRP. XIX. Sem prejuízo do supra alegado, no que tange à medida da pena, as provadas condições pessoais, sociais e profissionais do Arguido, a sua inserção familiar e laborai, e a ausência de passado criminal, deveriam ter pesado na determinação concreta da medida da pena, nos termos do art. 71.º do CP, o que não resulta do texto do Acórdão da Relação (que manteve a pena de 19 anos de prisão). Deveria, a ter sido aplicada uma pena, aplicar-se uma muito menos gravosa. Ao manter a pena de 19 anos de prisão, o Tribunal da Relação violou os artigos 70 e 71 do CP. Termina pedindo que sejam declaradas as invocadas nulidades do Acórdão recorrido; ou se assim o não entender, declarar a existência de errada valoração da prova com violação do art. 127º do CPP; e ainda haver violação do princípio in dúbio pro reo, e das garantias constitucionais do art. 32º da CRP, determinando a revogação da decisão do Tribunal da Relação de Évora recorrida, declarando a absolvição do recorrente; ou, se assim o não entender, fixando ao arguido uma. pena menos gravosa, Respondeu o Ministério Publico referindo, em sede conclusiva, que o recurso ser rejeitado, por carência absoluta de motivação, nos termos do disposto nos artigos 414° n° 2 e 417°, n° 6 al a) e c) e 420°, n° 1 todos do Código de Processo Penal. Nesta instância o Ex.ºMº Sr. Procurador Geral Adjunto pronuncia-se pela improcedência do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais. * Cumpre decidir. Em sede de decisão recorrida está provada a seguinte factualidade: -No dia 28 de Abril de 2005, cerca da 01.00 hora, o arguido acompanhado de outros indivíduos deslocaram-se à residência de BB e CC (sita no ..., área desta comarca de Loulé) a fim de se apoderarem dos objectos e valores que aí encontrassem. Fizeram-se acompanhar de rádios emissores/receptores (walkie-talkie de marca Motorola) de forma a poderem comunicar entre si, envergando máscaras e luvas que traziam de forma a não serem reconhecidos e a não serem identificados. Após saltarem o muro que dava acesso ao jardim da residência, dirigiram-se à porta das traseiras desta e que dava acesso à zona da cozinha, pelo que forçaram então a respectiva fechadura e abriram a mesma. No interior da residência, os indivíduos onde se incluía o arguido, percorreram diversos compartimentos no rés-do-chão e subiram ao primeiro andar onde, num dos quartos, estava o casal CC a dormir. Acordados os proprietários da casa, decidiram então o arguido e acompanhantes, através da força física, amarrar os mesmos e obrigarem-nos a dizer onde estavam guardados os valores, designadamente jóias e dinheiro. Assim, enquanto um dos indivíduos agarrou a ofendida CC, e porque BB se debatia e resistia, desde logo gesticulando, outros desferiram diversos murros no ofendido, atingindo-o em todo o corpo, colocando-se mesmo em cima dele e agarrando-o pelo pescoço, enquanto o agrediam e impediam de levantar, perguntavam-lhe onde estava o cofre e o dinheiro, até que o ofendido se imobilizou. Como consequência directa e necessária da conduta supra descrita, BB sofreu as seguintes lesões que lhe determinaram, directa e necessariamente, a morte: Ao nível do hábito externo: (cara) Escoriação com 0,2 cm de diâmetro, na parte superior do lado esquerdo do queixo, centrada a cerca de 4 cm abaixo; e 3 cm à esquerda do canto esquerdo da boca; Lesão abrasiva, com 4 cm de diâmetro, centrada a cerca de 2 cm abaixo, e 1,5 cm do lado direito do canto a boca; Descoloração de cada lado da parte interior do lábio superior, mais evidente do lado esquerdo, e nos tecidos moles entre a parte interior do lábio inferior e a margem da gengiva, ao nível de cada um dos “dentes caninos” e do primeiro dente para a esquerda a partir da linha média; Lesão abrasiva, com cerca de 4 cm de altura e 2,5 de largura, na parte superior do lado direito do peito, mesmo abaixo da clavícula direita; (pulso direito) Lesão abrasiva de 0,5 cm de diâmetro, na parte exterior (estilóide radial à direita); Lesão abrasiva de 0,7 cm de diâmetro, na parte posterior do punho do prolongamento do dedo mínimo, mesmo de trás da «proeminência óssea» (distal relativamente ao processo estilóide do cúbito direito); (coxa direita) Arranhão curvo, na convexidade em direcção da cabeça, com cerca de 2 cm de largura por 0,2 cm de comprimento, na parte superior da zona frontal da coxa, aproximadamente 74 cm acima do calcanhar. Ao nível do hábito interno: Irregularidade no topo da cabeça atrás da orelha direita, sendo visíveis algumas contusões nos tecidos moles profundos do escalpe, cerca de 2,5 cm de diâmetro, por detrás da orelha direita perto de onde essa linha de sutura acaba; Descoloração dos tecidos ao nível do escalpe na têmpora direita e hemorragia no músculo dessa têmpora; Contusão de 2 cm de diâmetro, mesmo por baixo da parte inferior do lado esquerdo da ponta do queixo e hemorragia, não tão definida, na superfície do músculo na zona ascendente do lado esquerdo do maxilar inferior, estendendo-se até à cavidade do olho (órbita); Hemorragia no “músculo subjacente do lado esquerdo do rosto (músculo masseter esquerdo). Essa hemorragia observada no músculo temporal direito estende-se para baixo ao longo da face por baixo da “maçã de rosto” direita (ziogma do lado direito) até ao ângulo do lado direito do maxilar inferior; Descoloração dos “tecidos moles do lado esquerdo abaixo do principal músculo da zona (profunda na zona do esternocleidomastóideo), acompanhada por uma delgada camada de sangue (hemorragia em toalha delgada) por cima do “tecido entre o lado esquerdo da caixa vocal e a raiz da língua” (músculo tiro-hioideu e membrana tiro-hióidea), tendo havido uma fractura “fissura” na “junção entre o corpo e os grandes cornos do osso hióide na raiz da língua” (fractura entre os cornos esquerdo e o lado esquerdo do corpo do osso hióide); Descoloração nos tecidos moles à volta da “parte interna da principal artéria do lado esquerdo do pescoço” (artéria carótida comum esquerda e a sua divisão em ramos da carótida externos e internos); Hemorragias no “tecido gorduroso por baixo da pele (tecido subcutâneo) na parte superior da zona frontal do lado direito do peito; Descoloração no tecido mole do lado direito da região lombar; Fractura na parte interior da zona posteorolateral da quinta costela do lado esquerdo e na parte lateral da sexta costela do lado esquerdo; (antebraços e costas) Cinco escoriações focais no pulso direito do prolongamento do dedo polegar (estilóide radial à direita), numa área até 4,5 cm de comprimento por 2 cm de largura in toto. Após as mencionadas agressões, o arguido e acompanhantes retiraram a aliança de casamento (no valor de 426,76€, 290 libras), o anel de noivado com uma pedra de diamante (no valor de 6.989,40€, 4.750 libras) e um anel de três pedras de três pedras com safira e com um diamante (no valor de 1022,66€, 695 libras) que a ofendida CC trazia nas mãos e retiraram ao ofendido BB uma aliança em ouro (no valor de 426,76€, 290 libras), o relógio Rolex Oyster Perpetual Date (no valor de 4.340,78€, 2950 libras) e o fio em ouro (de 9 kt, com 45 cm de comprimento, no valor de 492,93€, 335 libras) que o mesmo usava. De seguida viraram os ofendidos BB e CC de barriga para baixo e amarraram-lhes os pés e as mãos com cintos e fio do candeeiro que arrancaram. Depois, e enquanto um dos participantes ficou no quarto onde estavam os ofendidos, os restantes percorreram os vários compartimentos da residência, tendo-se apoderado dos seguintes objectos, que levaram consigo: - Um rádio de marca Bose, de valor não apurado; - Um rádio de marca Robertson, de valor apurado; - Uma aparelhagem Bang e Olufsen, com duas colunas de som, de valor não apurado; - Dois televisores de marca Sony, de 14 polegadas, no valor de 215,39€ cada; - Um televisor com a marca Grundig, no valor de 197,04€; - Um televisor Samsung Wide, ecrã LCD com 17 polegadas (com o serial number T1273 KFW428857 R), no valor de 1.119,03€; - Dois leitores de DVD (um de cor preta e outro de cor cinzenta, respectivamente de marca Sony e LG) de valor não apurado; - Um vídeo (de cor preta, de marca não apurada) de valor não apurados; - Um telemóvel, marca Nokia (com o nº ...), de valor não apurado; - Um relógio de pulso de senhora, marca Longines, de valor não apurado; - Um fio de ouro da ofendida CC, de valor não apurado; - Um par de brincos em ouro, tricolores (rosa, amarelo e branco), de valor não apurado; - Dois cartões de crédito Gold do Banco Espírito Santo; - Dois cartões de débito, da mesma conta, do Banco Espírito Santo; - Dois cartões de crédito, um Gold e um Silver, do Lloyds Bank; - 350,00€ em dinheiro; - 70 libras (no valor, à data, de 103,00€); Apoderam-se, também, das chaves do veículo marca BMW (modelo X5, 3.0D, com a matrícula -VM), no valor de 51.624,00€ e do veículo de marca Mercedes (modelo C 220, com a matrícula -CV) no valor de 29.576,22€ (20.100 libras), propriedade de BB e CC, e que se encontravam estacionados dentro do jardim em frente à garagem da mesma residência. Após isso, o arguido e acompanhantes saíram da residência levando as viaturas e bens referidos. No interior do veículo Mercedes encontrava-se um telemóvel, marca Nokia (modelo 6310, de cor preta, com o IMEI ...), pertencente a BB CC, no valor de 617,00€. No dia 28 de Abril de 2005, DD e EE venderam a FF, pai de GG o telemóvel marca Nokia (modelo 6310, com o IMEI ...) pelo valor de 100€ e o televisor plasma Samsung (com o serial number …) pelo valor de 250,00€. Posteriormente, na sequência da investigação levada a cabo nos autos, veio a apurar-se que ainda em Maio de 2005, em dia não especificamente apurado, GG vendeu a HH o telemóvel marca Nokia (modelo 6310, a funcionar com o número ...) pelo preço de 100,00€. O telemóvel e o televisor foram recuperados. Aquando da respectiva detenção, DD e EE guardavam por cima do armário da cozinha da sua residência (sita no Sítio ...) três rádios emissores/receptores, marca Motorola (modelo “T5522”, de cor preta e cinzenta) que haviam sido utilizados na prática dos factos supra descritos. Na segunda gaveta da mesa-de-cabeceira, do lado direito da cama do quarto de EE, encontravam-se também duas notas de cinco libras do Banco de Inglaterra. GG tinha no interior da sua residência (sita no Sítio do ..., em Almancil), adquiridos a DD: - O telemóvel da marca Nokia (modelo 6600, com o IMEI ...), com um cartão com o nº ...; - O televisor plasma, marca Samsung (referência TVLW 17N13WX TFT LCD); Por sua vez, HH tinha consigo o telemóvel, de marca Nokia (modelo 6310), a funcionar com o cartão nº ..., adquirido a GG que, por sua vez, adquirira a DD. Agiram, o arguido e acompanhantes, mediante prévio acordo e em conjugação de vontades e de esforços, cada um aceitando a conduta dos outros, com o propósito concreto de se apoderarem dos objectos e valores que encontrassem na residência de CC e BB CC e que sabiam não lhes pertencer. Sabiam que ao cercearem a liberdade e usarem da violência descrita sobre CC e BB CC, os impediam de se oporem à apropriação dos seus bens. Sabiam igualmente que ao molestarem fisicamente BB, nas circunstâncias acima descritas, actuavam de modo concertado e adequado a causar-lhe ofensa física grave, representando a possibilidade de poderem essas lesões vir a provocar a morte do ofendido, porém sem se conformarem com esse resultado. Actuando de forma livre, deliberada e consciente, sabendo da punibilidade criminal da sua conduta. O arguido não confessou integralmente e sem reservas os factos constantes da acusação ou os acima assentes. Não tem antecedentes criminais documentados em Portugal. A mulher do arguido é prima de II. DD, II e EE são todos nacionais da Roménia, da Província de Maramures. Mais se provou, O arguido é casado, vivendo com a mulher e três de filhos comuns. À data da detenção e cumprimento dos MDEs emitidos nestes autos, estava na Hungria. Vive habitualmente em Maramures, terra de onde é natural. O arguido é oriundo de uma família cujos meios de subsistência assentavam na actividade mineira do pai, falecido quando o arguido tinha 4 anos de idade, caracterizando-se a vida familiar a partir de então num quadro de precariedade, impondo ao arguido que iniciasse actividade laboral ainda enquanto estudante, na construção civil. Aos vinte anos constituiu a sua família, com períodos de emigração com vista a conseguir ultrapassar as dificuldades do mercado de trabalho no seu País. Fixou residência em Portugal no ano de 2001 e a partir de 2002 começou a trabalhar na empresa I..., até 2005. O arguido deslocava-se anualmente, pelo menos, à Roménia, onde permanecia a mulher e filhos. Em data não apurada e nesse ínterim, a mulher do arguido e o filho mais novo do casal vieram a Portugal. O arguido tem trabalhado com regularidade, sendo que após a sua saída de Portugal estabeleceu-se por conta própria na Roménia, na área da construção civil, ainda assim trabalhando também algum tempo, não apurado e em período não apurado também, na Áustria. Não resultaram provados os seguintes factos: O arguido estivesse fora de Portugal na data dos factos. Que, na data de 16.04.05, o arguido AA tenha sido internado num Hospital da Roménia, aí permanecendo até ao dia 07.05.05 ininterruptamente e em tratamento. Que o arguido tenha, ou não, diagnosticada desde pelo menos 2005 uma úlcera duodenal. Que o escrito de fls. 1884, cujo original se encontra a fls. 2075, tenha sido emitido por qualquer entidade hospitalar ou autenticado, atestando-se a veracidade dos seus elementos e teor, por qualquer entidade credenciada pelos serviços locais, regionais ou nacionais de saúde da Roménia. Que a garrafa de refrigerante de onde foram recolhidos vestígios de ADN do arguido tenha sido levada e colocada por terceiras pessoas na casa dos ofendidos, depositada ali, com ou sem intuito de implicar o arguido nestes factos. Que o arguido desconheça a pessoa de qualquer dos ex co-arguidos, II, DD, EE, e mesmo do identificado nos autos como JJ. Que o arguido, da noite de 27.04.05, cerca das 21h00m, tenha, ou não, estado com os restantes acompanhantes e ainda com um indivíduo de nome JJ, no Bar ..., sito no ..., onde combinaram todos encontrar-se. Que se tenham, ou não, dirigido todos para a casa dos ofendidos no veículo de marca Volkswagen, modelo Golf, propriedade do mesmo JJ e conduzido por este, e o lugar que cada um deles ocupou no interior da viatura. Que foi o arguido, ou não, que foi dando as instruções a JJ sobre o caminho que deviam seguir. Que, uma vez chegados à casa dos ofendidos, o mesmo JJ tenha, ou não, estacionado a viatura a cerca de cinco metros de distância dos portões da casa. Que tenha sido, ou não, após isso que o arguido e acompanhantes colocaram as máscaras e luvas que traziam. Que tenham sido, ou não, DD e EE quem forçou a fechadura da porta com um pé-de-cabra e que desferiram pontapés nela para lograrem abrir a mesma. Que tenham, ou não, sido o arguido e II a dizer aos restantes que, num dos quartos, estava o casal a dormir. Que tenha sido o arguido, ou não, a colocar-se directamente sobre o peito do ofendido BB. Que quando abandonaram a casa do casal, tenha, ou não, sido o arguido a conduzir o veículo BMW dos ofendidos para o levar dali, e tenha sido, ou não, II a conduzir o veículo Mercedes, acompanhado por EE. Que tenham, ou não, depois disso, o arguido e acompanhantes levado os veículos para junto da Estação de Caminhos de Ferro em Vale d’Éguas, para um sítio isolado, transferindo aí todos os objectos subtraídos das viaturas dos ofendidos para o carro do citado JJ. Para onde transportaram seguidamente, o arguido e acompanhantes, as referidas viaturas ou que tenham esperado por uma pessoa que acabou por não aparecer nesse ou outro local, que seria a pessoa que iria ficar com os veículos subtraídos. Que o arguido tenha ficado, ou não, apenas com o dinheiro e objectos em ouro subtraídos, decidindo que o veículo Mercedes seria levado para Espanha e que o dinheiro seria, ou não, depois, repartido entre todos. Que tenha, ou não, concluído que seria arriscado levar para Espanha também o veículo BMW, razão por que foi este abandonado no local onde viria a ser encontrado. Que nesse mesmo dia, ou não, o arguido e JJ tenham levado o veículo Mercedes para Espanha e que foi, ou não, EE que abandonou o veículo BMW no local onde veio a ser encontrado posteriormente.
I Invoca o recorrente que existiu omissão de pronúncia por parte do tribunal recorrido uma vez que este não apreciou a junção de documento por si pretendida nomeadamente o seu passaporte com vista a provar a impossibilidade de se encontrar em Portugal na altura do crime. Importa precisar: -Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Setembro de 2008 a omissão de pronúncia constitui uma patologia da decisão que consiste numa incompletude [ou num excesso] da decisão, analisado por referência aos deveres de pronúncia e decisão que decorrem dos termos das questões suscitadas e da formulação do objecto da decisão e das respostas que a decisão fornece. Quando se configura a existência de omissão está subjacente uma omissão do tribunal em relação a questões que lhe são propostas. Admitindo que a decisão se consubstancia num silogismo assente na conclusão inferida de duas premissas a omissão de pronúncia implica que uma daquelas premissas está incompleta– artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP. A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões que o juiz deveria apreciar são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (artigo 660, nº 2 do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. Retomando ao Acórdão citado, as questões que são submetidas ao tribunal constituem o thema decidendum, como complexo de problemas concretos sobre que é chamado a pronunciar-se. Os problemas concretos que integram o thema decidendum sobre os quais o tribunal deve pronunciar-se e decidir, devem constituir questões específicas que o tribunal deve, como tal, abordar e resolver, e não razões, no sentido de argumentos, opiniões e doutrinas expostas pelos interessados na apresentação das respectivas posições (cfr., v. g., os acórdãos do Supremo Tribunal, de 30/11/05, proc. 2237/05; de 21/12/05, proc. 4642/02 e de 27/04/06, proc. 1287/06). A “pronúncia” cuja “omissão” determina a consequência prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido á cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas. . Basicamente pretende o recorrente que se declare a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora porquanto não se pronunciou sobe a admissibilidade e junção aos autos do passaporte por si apresentado. Tal pedido tem necessariamente subjacente a ideia de que a decisão recorrida não se pronunciou sobre algo em relação ao que se deveria ter pronunciado porque solicitado. Porém, no caso vertente, tal admissibilidade só foi suscitada autonomamente, e posteriormente, em relação á decisão de primeira instância. Face a tal excurso é manifesto que o recurso interposto de uma decisão não pode abranger questões que não constam dessa mesma decisão. Assim reafirma-se a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. Na verdade, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso (cfr., por todos os Acs do STJ de 12-07-1989, BMJ 389-510, de 07-10-1993, Proc. n.º 43879, de 09-03-1994, Proc. n.º 43402, de 12-05-1994, , Proc. n.º 45100, de 01-03-2000, Proc. n.º 43/2000, de 05-04-2000, Proc. n.º 160/2000, de 12-04-2000, Proc. n.º 182/2000, de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01-5, de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01-3, de 08-11-2001, Proc. n.º 3142/01-5, de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01-3, de 27-02-03, proc. n.º 255/03 e de 2.2.06, proc. n.º 4409/05-5) Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento em recurso não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas a admitidas alegações escritas) (cfr., neste sentido, por todos, o Ac. de 17.2.05, proc. n.º 58/05-5). Não podia nem devia o Tribunal da Relação conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorria.
A pronúncia sobre a admissibilidade do documento cuja junção se pretendia consubstancia uma questão prévia situada a montante da decisão recorrida. O momento daquela apreciação era prévio á decisão recorrida e, a eventual omissão, motivo para arguição de nulidade, não da decisão recorrida, que apreciou o que tinha que apreciar, mas sim de uma omissão situada a seu montante. Tal arguição não existiu.
Mas, admitamos, por mera hipótese, que sobre a decisão recorrida incidia o ónus de se pronunciar sobre a requerida junção. Contrariamente ao pretendido pelo recorrente tal patologia não implicaria necessariamente a nulidade da decisão recorrida pois que este Supremo Tribunal de Justiça pode suprir uma eventual omissão de pronúncia em relação á nulidade suscitada. Em ultima análise o que está em causa é a configuração do exercício do direito ao recurso e, nomeadamente, o desenho do duplo grau de jurisdição que consubstancia o direito de defesa. Sobre o mesmo tema refere Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 379 do CPP constante do Comentário ao Código de Processo Penal, que o tribunal de recurso tem o poder de "suprir" as nulidades da sentença. Mas este poder, afirma o mesmo Autor, é muito reduzido na prática, porque ele só poderá ser exercido negativamente. Isto é, o tribunal de recurso só pode exercer o poder de suprir a nulidade nos casos em que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões de que não podia conhecer (nulidade da 2ª parte da alínea c) do nº 1). Neste caso, o tribunal superior exerce o seu poder de suprimento da nulidade simplesmente declarando suprimida na sentença recorrida a parte atinente à questão que não deveria ter sido conhecida. Em todos os outros casos, o tribunal de recurso não pode exercer o seu poder de suprimento, pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição. Tal entendimento não é isento de dúvidas. Na verdade, estando em causa o exercício do direito ao recurso importa salientar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o seu exercício constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Mesmo antes de o artigo 32.°, nº1, da Constituição da República Portuguesa ter passado a especificar o recurso como uma das garantias de defesa, o que sucedeu com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, constituía jurisprudência pacífica e uniforme do Tribunal Constitucional que "uma das garantias de defesa, de que fala o nº1 do artigo 32.°, é, justamente, o direito ao recurso”. Este direito ao recurso, como garantia de defesa, é de há muito identificado pelo Tribunal Constitucional com a garantia do duplo grau de jurisdição, "quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais" . O que significa que embora valha no processo penal português o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, plasmado no artigo 399.° do Código de Processo Penal (CPP), do ponto de vista jurídico-constitucional não são ilegítimas, à luz do artigo 32.°, nº 1, da CRP, restrições do direito ao recurso relativamente a decisões penais não condenatórias ou que não afectem a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido. Esta disposição constitucional não imporá, portanto, a concessão ao arguido do direito de recorrer de toda e qualquer decisão judicial que lhe seja desfavorável. Assim, e na sequência do entendimento do Tribunal Constitucional, conclui-se que o direito ao recurso, enquanto garantia de defesa do arguido é suficientemente tutelado através da consagração do grau único de recurso e da dupla jurisdição em matéria de facto, segundo o modelo da revista alargada, quando estão em causa acórdãos de tribunais colegiais. Na verdade é uma imposição constitucional a existência de tribunais de recurso, podendo concluir‑se, como faz o Acórdão do Tribunal Constitucional 244/08, que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões [1] O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.’» No Acórdão n.º 40/2008 do Tribunal Constitucional referiu-se, a propósito, que: «(…) afigura‑se que – para além dos casos em que este Tribunal tem tradicionalmente afirmado a imposição constitucional de um direito ao recurso jurisdicional (ou direito a um duplo grau de jurisdição), a saber: as decisões condenatórias em processo penal ou que impliquem a adopção de medidas restritivas da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (…) – é sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer actos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses actos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, forçoso é que se garanta o direito à impugnação judicial de actos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou actuações materiais) que constituam a causa primeira e directa da afectação de tais direitos. Considera‑se, pois, que quando uma actuação de um tribunal, por si mesma, afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação.» Contrapondo o exposto em relação á eventual hipótese equacionada nos autos entende-se que, quando o tribunal superior constata a existência de uma omissão, e procede á sua supressão nos termos do citado artigo 379 nº2, age em consequência do exercício do direito de defesa consubstanciado no recurso. Assim, nada obsta que, se o tribunal superior concluir que estão reunidas as condições para suprir a omissão verificada, seja qualquer for a sua configuração, lhe seja lícito proceder em conformidade. A garantia do duplo grau de jurisdição não é menosprezada por tal interpretação na medida em que a intervenção do tribunal superior já surge no exercício do direito ao recurso. Tal interpretação é aquela que, a nosso ver, melhor se compagina com a teleologia da própria norma, e visa um processo linear em que os tribunais, nomeadamente os superiores, são chamados a assumir a sua responsabilidade na condução do processo. Aliás, saliente-se que não estamos em face de uma imposição absoluta da supressão da nulidade pelo tribunal superior, mas perante a mera afirmação da licitude de uma actuação que vise a supressão da patologia encontrada. A interpretação contrária, defendida pelo autor citado, valoriza uma concepção do processo penal em que as garantias processuais são exponenciadas na sua aplicabilidade, mas sem justificação em termos de catálogo dos direitos constantes do estatuto dos sujeitos processuais. Na verdade, assumido que o tribunal superior detém os elementos necessários para proceder á supressão da omissão, a devolução do processo para o tribunal recorrido para nova decisão não consubstancia qualquer superior garantia concedida ao recorrente, nomeadamente em sede de duplo grau de jurisdição, pois que foi no exercício deste que a questão foi suscitada. Nestes termos entende-se que sempre seria lícito a este Supremo suprir uma eventual omissão.
Nesse quadro que, repete-se, se equaciona como hipotético e pronunciando-nos sobre a pretendida omissão, dir-se-á que, face ao disposto no artigo 165 do CPP, os documentos devem ser juntos, de preferência, no inquérito, ou na instrução, e em função das diversas finalidades a que correspondem aquelas fases processuais. A possibilidade de serem juntos na audiência de julgamento é subsidiária, decorrendo da circunstância de não ter sido possível a sua junção em fases anteriores. Após o encerramento da audiência em primeira instância não é admissível a junção de documentos. Efectivamente a redacção do número 1 daquele normativo cinge-se aos ciclos processuais, e enquanto o processo se encontra na primeira instância, o que se compreende pois que, a partir do momento em que está fixada a matéria de facto, a admissão de um documento por pertinente implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituíram o meio de convicção do juiz de primeira instância, mas também sobre algo distinto que é o documento. Caso pertinente, tal documento poderá ser analisado como fundamento de revisão de sentença. Pode-se assim dizer que os documentos serão juntos durante o inquérito ou a instrução, consoante a fase em que o processo se encontra; - excepcionalmente - poderão ser juntos até ao encerramento da audiência: - relativamente a qualquer documento - desde que provada a impossibilidade da sua junção durante o inquérito ou a instrução; Pretender juntar um documento em fase de recurso e extrair dele consequências a nível probatório viola o espirito e a letra da lei. É fora de toda a lógica pretender que o Tribunal de recurso vá sindicar a forma como se formou a convicção do tribunal recorrido utilizando prova que não foi acessível a este. Assim, considerando-se, em primeira linha que a decisão recorrida não incorreu em qualquer omissão da decisão recorrida igualmente é certo que a existir uma omissão a mesma é suprida pela decisão de que não é admissível a junção do documento em causa
II O tribunal de primeira instância ao pronunciar-se sobre a matéria de facto não provada optou por uma redacção abrangente considerando, simultaneamente, a possibilidade de o mesmo facto ter ou não ter acontecido. Ao proceder por tal forma o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão cujo conhecimento lhe estivesse vedado pois que o que era pedido era exactamente uma afirmação ou seja o conhecimento sobre a circunstância de tais factos terem, ou não, acontecido. A dualidade “não se provou que” e “não se provou que não” pode traduzir uma resposta excessiva uma vez que o que é pedido é a afirmação de que está, ou não está, provado o facto e não também afirmação da não prova do seu contrário. Porém, a resposta abrangente enunciada pela decisão de primeira instância não traduz qualquer conhecimento de questão que não devia conhecer mas, unicamente, uma eventual excessiva completude na resposta enunciada. Não existiu, assim qualquer patologia na forma como se elencaram os factos provados e não provados
III Afirma o recorrente que XVI O ADN na garrafa, sem mais, pode deixar o arguido na posição de suspeito, mas não pode permitir ao Tribunal avançar daí. Pelo que a conjugação de todos os meios de prova que a defesa pôs à disposição do Tribunal, se apreciados nos termos do artigo 127º do CPP, com recurso às regras da experiência e à normalidade das situações, imporia uma decisão de absolvição, no respeito das garantias de defesa e da presunção de inocência de que o arguido goza. Ao decidir como decidiu, o Acórdão da Relação viola claramente o artigo 127º do CPP e ainda o art. 124º nº 1 e 125º do CPP. XVII As eventuais dúvidas que poderiam residir no espírito do Tribunal, se não se decidisse por uma absolvição clara face às provas, sempre teriam que pender favoravelmente ao Arguido e não em seu desfavor, por aplicação do princípio processual e civilizacional in dúbio pro reo. Manter a condenação de alguém, ademais em pesados 19 anos de prisão, ignorando-se as dúvidas que a prova imporia e ainda a prova superveniente ''passaporte, como faz o Acórdão recorrido, é totalmente contrário às garantias de defesa e à presunção de inocência de que o arguido goza. Assim, decidindo como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o princípio in dúbio pro reo; e violou ainda, tendo condenado o arguido numa clara situação de imposição de dúvida, o princípio constitucional da presunção de inocência, e as garantias constitucionais do art. 32º da CRP. Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal. Nessa concretização o julgador aprecia livremente a prova produzida com sujeição às respectivas regras processuais de produção aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão bem como às regras de experiência que integram o património cultural comum e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes á aplicação do direito. Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos assim perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que hão-de fundamentar a decisão. A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova que se situa nos limites propostos, ente outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também a nível do Supremo Tribunal de Justiça com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido Por essa forma acabaram por obter consagração legal as opções daqueles que consideravam a fundamentação uma verdadeira válvula de escape do sistema permitindo o reexame do processo lógico ou racional que subjaz á decisão. Também por aí se concretiza a legitimação do poder judicial contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto. Igualmente é certo que a exigência de motivação emerge directamente de um dever de fundamentação de natureza constitucional-artigo 208-em relação ao qual ponderam Gomes Canotilho e Vital Moreira que é parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso (Constituição Anotada pag 799).Na verdade é um dado adquirido o de que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com razões que hão-se impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. O entendimento que a lei se basta com a mera indicação dos elementos de prova frustra a “mens legis”, impedindo de se comprovar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo portanto uma decisão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova. Tal entendimento assume assim uma concreta conformação violadora do direito ao recurso consagrado constitucionalmente.
Como refere Letizia Gianformaggio motivar significa justificar. E justificar significa justificar-se dar a razão do trabalho produzido admitindo como linha de princípio a legitimidade das críticas formuladas ou seja a legitimidade de um controle [2] A exigência de motivação responde, assim, a uma finalidade do controle do discurso, neste caso probatório, do juiz com o objectivo de garantir até ao limite de possível a racionalidade da sua decisão, dentro dos limites da racionalidade legal. Um controle que não só visa uma procedência externa como também pode determinar o próprio juiz, implicando-o e comprometendo-o na decisão evitando uma aceitação acrítica como convicção de algumas das perigosas sugestões assentes unicamente numa certeza subjectiva. A concretização de tal obrigação de fundamentação em sede de motivação da sentença é formulada em termos lapidares pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1992 quando refere que: "A sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência ''Ou seja, "trata-se ( .. .) de referir os elementos objectivos de prova que permitam constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova, por uma parte; e de indicar o íter formativo da convicção, isto é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir, em especial na prova indiciária, comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi irracional absurdo, por outra". Também Paulo Saragoça da Mata se pronuncia sobre o tema referindo que a fundamentação das sentenças consistirá: num elenco das provas carreadas para o processo que se consubstanciará numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras; numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e, numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente. Adianta o mesmo Autor que apenas desse modo se garante uma tutela judicial efectiva. Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente levante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer). A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor. * Considerando por tal forma temos que, em primeira análise importa apreciar a forma como o Tribunal de primeira instância exprimiu a lógica dedutiva que permitiu a aceitação de determinados factos em detrimento de outros e obteve a aprovação do Tribunal da Relação. É evidente que o dever de fundamentação da decisão começa, e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida. Não conforma tal conceito uma obrigação de explanação de todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenrolou a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos de equacionar todas as perplexidades que assaltam a cada um dos intervenientes processuais, no caso o arguido, perante os factos provados. O tribunal tem o dever de indicar os factos que se provam e os que não se provam e a forma como alcançou a respectiva conclusão.
Tal ónus foi absolutamente cumprido no caso vertente e a questão suscitada pelo recorrente não é propriamente uma questão de fundamentação, mas sim de discordância sobre a inferência lógica que a decisão recorrida faz dos factos apurados. A questão fulcral colocada pelo recorrente é exactamente esta: existe, ou não um incorrecto entendimento das regras ministradas pela dinâmica da vida, pelas máximas da experiência, e, se existe, como configurar tal vício? - No que concerne a este segundo ponto entende-se que, se em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis ...” (Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 740) Como se refere em decisão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/02/2005 “O "erro notório na apreciação da prova" constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.[3] A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). - cf.. os acórdãos deste STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc.3213/03, e de 24 de Março de 2004, proc. 4043/03.. Partindo de tal pressuposto importa agora sindicar a sua aplicação ao caso vertente. Equacionemos o que está em questão: Refere a decisão recorrida que formou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, a qual segundo as regras da experiência e do normal suceder das coisas, foi suficiente para, para além da dúvida razoável, dar por assentes os factos que resultaram provados, nomeadamente quanto à matéria imputada ao arguido. Assim, ali se refere que parece razoável concluir, numa primeira abordagem, que existem aspectos sobre os quais o facto de o julgamento estar a correr em separado do processo inicial (já com decisão transitada como se disse), bastando para isso atender ao inquérito, não ficam suficientemente esclarecidos aqui. Alguns desses aspectos podem ser percepcionados pelo depoimento da testemunha e ofendida, CC, mas e como se verá, com as limitações inerentes, por outro lado, ao facto de os ex co-arguidos não terem aqui prestado declarações, por outro lado, ao facto de a testemunha ter percepcionado circunstâncias debaixo de extrema tensão, manietada e, outras vezes, sem que estivesse a encarar as mesmas. Em face da negação dos factos por parte do arguido, parece-nos também ser razoável concluir que a factualidade relevante resulta, sobretudo da conjugação dos restantes meios de prova mas, também, da ponderação destes no contexto das declarações do próprio arguido. Vejamos por partes. A casa dos ofendidos foi literalmente invadida por indivíduos que, usando a violência da sua actuação, quer sobre bens quer sobre pessoas, dali levaram diversos objectos de valor. Neste contexto, a investigação recolheu elementos que lhe permitiram, sucessivamente, chegar a parte desses bens e, através deles, aos eventuais suspeitos, recolhidos que foram os pressupostos de facto que apontavam nessa direcção – a localização celular dos telemóveis subtraídos aos ofendidos (através do respectivo IMEI) que permitiu se estabelecesse o percurso destes aparelhos desde os utilizadores actuais (à altura das diligências), as pessoas a quem os haviam adquirido (HH e FF) e, finalmente, a identificação dos suspeitos. A par disto, foram recolhidas sucessivas informações policiais que, conjugadas com a documentação identificativa dos mesmos suspeitos, ia permitindo concluir que se tratava de um grupo de indivíduos romenos, coincidentemente provindos da mesma região desse País, Maramures, de onde são também naturais. Circunscrito o perímetro subjectivo, avançou a investigação para o estabelecimento da compatibilidade, desde logo e também, do perfil de ADN presente em vestígios recolhidos na casa dos ofendidos, vestígios estes que, em face das declarações da ofendida, não teriam sido ali deixados pelo casal. Verificada, depois, a coincidência parcial da identificação desses perfis de ADN com parte daqueles que estavam já desenhados como suspeitos por aquela outra via, então sim, as declarações prestadas por esses já identificados foram permitindo estabelecer a sequência cronológica e lógica dos acontecimentos. Estas declarações, como se sabe, não podem ser aqui valoradas. Não podem, por outro lado, porque os indicados sujeitos, na qualidade de ex co-arguidos deste arguido no processo principal, usaram da faculdade de não prestarem aqui declarações. Isto significa, em primeira linha e sem prejuízo do que se dirá adiante, que alguns dos factos que, mercê desse enquadramento, se fizeram constar da acusação (e, aliás, da decisão já transitada do processo inicial) não lograram aqui obter prova suficiente. Estão neste acervo, em concreto, os factos que dizem respeito a qual dos indivíduos fez exactamente o quê nessas circunstâncias, como quem amarrou os ofendidos, quem deu ordens, quem perguntou o quê à ofendida, quem a agrediu em concreto ou ao seu marido. No entanto, as declarações da ofendida e das testemunhas inspectores da PJ permitem estabelecer, sem dúvidas, que este grupo (e que era grupo decorre das declarações da testemunha presencial, ofendida, antes de tudo) tinha já uma certa orgânica de actuação, tendo-se apresentado de cara tapada, luvas (e, note-se, que os resultados de ADN resultam de recolha de saliva e não de impressões digitais), com rádios transmissores/receptores com os quais comunicavam (aliás, apreendidos), com um deles a assumir claramente o papel, pelo menos, de coordenador do que faziam (que resulta também inequívoco das declarações da ofendida), numa acção concertada (o que também resulta dessas declarações), com um objectivo definido (a subtracção de bens que resulta demonstrada pelas declarações, como pela reportagem fotográfica feita) e usando de extrema violência (visível no que às fotografias respeita e quanto à forma como deixaram a casa, como a arrombaram, mas sobretudo decorrentes da descrição da ofendida, que referiu actos violentos na manietação do marido e relativamente a si mesma). Por outro lado, fica demonstrado à saciedade que a violência usada causou a morte de BB que era, como se vê nas fotografias juntas, um indivíduo robusto. Também fica demonstrado de forma inequívoca que foram deixadas latas de bebida, garrafas e pontas de cigarros espalhadas pela casa pelos agressores – a ofendida diz que as não bebia (e não que as não tinha em casa), que o marido beberia água no quarto (como se verifica estar na sua mesa de cabeceira fotografada nos autos, o que a ofendida confirmou) e que nada ficou desalinhado no piso inferior da casa quando se deitaram (sendo particularmente cuidadosa a ofendida quanto a isso). A resposta directa ao Ministério Público, visualizando as fotografias, disse que nenhuma das latas, beatas ou garrafas que foram recolhidas pela investigação e fotografadas haviam sido deixadas pelo casal no local em que foram recolhidas. Não disse que essas bebidas não existiam na sua casa, por exemplo até para consumo de amigos. Disse que não bebia bebidas com gás e que as latas e garrafas não estavam nos locais em que foram encontradas antes de se deitarem. Tudo o que a ofendida percepciona, porque vê, porque sente, passa por uma conjugação de dois factores – a violência extrema usada pelos agressores e o facto de o casal ter adormecido com a televisão ligada, o que permitiu que tivesse a ofendida luz para ver determinadas coisas que sentia. Também não suscita qualquer controvérsia o facto de ter sido encontrada, dentre essas, uma garrafa de onde foi recolhido vestígio salivar correspondente ao ADN do aqui arguido. Isso consta da documentação de recolha dos vestígios já citada, da zaragatoa bucal recolhida ao arguido e da análise pericial do LPC. Este facto, como se diz, não foi sequer controvertido para a Defesa. O que pretendeu a Defesa suscitar foi uma outra questão. Juntando um escrito que reputou como ficha hospitalar (alta hospitalar) que pretendia demonstrar que o arguido esteve internado na Roménia no período de 16.04.05 a 07.05.05, pelo que não poderia ter estado na casa dos ofendidos e praticado os factos, deixando aí um vestígio biológico. Com isto, como se percebe, pretende a Defesa é conseguir que esse escrito crie no espírito do julgador uma dúvida, ténue que seja, sobre essa possibilidade, o que, como se compreende e é de elementar justiça e justeza, levaria à ponderação, pelo menos, do princípio in dubio pro reo. Vejamos, então, o referido escrito. O original está a fls. 2075, constando já a tradução da respectiva cópia de fls. 1885. Começa por dizer-se que o escrito em causa não pode considerar-se autenticado pelos serviços hospitalares que supostamente indica. De facto, não está certificado pela instituição, constando dele, apenas, um carimbo (repetido) com um nome de um suposto médico que, mercê do facto de a folha em causa ser aparentemente do hospital de Viseu de Sus, faz deduzir que esse nome que consta do carimbo corresponderá ao de um médico dessa instituição. Por outro lado, como facilmente se compreende, qualquer pessoa com algum acesso a um hospital poderia arranjar uma folha de relatório de alta que fosse preenchida por terceira pessoa (ou podia, no limite inventar, construir, uma folha hospitalar que passa-se por verdadeira); qualquer pessoa podia, ainda assim, e nas condições específicas do documento em causa, apresentar-se num hospital a pedir a emissão de um escrito desta natureza, dependendo daquilo que possa ou não fazer-se a esse respeito no hospital em causa, alegando até ser o próprio (sem ser efectivamente) ou que o próprio precisava dessa declaração e, por exemplo, quem a emite confiasse sem mais, sem ver os efectivos registos clínicos, que assim tivesse sido; por fim, como se apresenta o documento, pode o mesmo nem sequer dizer respeito ao hospital em causa. As possibilidades são muitas, quando se veja que o escrito em causa não tem qualquer carimbo, qualquer selo, qualquer declaração de conformidade daqueles serviços clínicos (o que lhe daria, pelo menos, uma aparência mais robusta como elemento de prova a ponderar, ainda que não demonstrasse muito mais do que faz agora). Nesse sentido, o escrito em causa nem sequer demonstra que a pessoa cujo carimbo figura ali 4 vezes seja a mesma que é identificada no carimbo e/ou que o assina efectivamente. Além disso, e mais importante que isso, como nos parece claro, o escrito em causa, nestas condições, apenas, e quanto muito, demonstra que alguém preencheu uma ficha de alta supostamente do hospital de Viseu de Sus dizendo que alguém com o nome do arguido ali esteve em tratamento. Ou seja, o que o escrito evidencia é que alguém declara que AA (este ou, pelo menos com o mesmo nome e indicando a mesma data de nascimento) esteve no hospital. E não prova e nem demonstra que essa declaração corresponde à verdade, como é óbvio. Em face disto, parece que se pode concluir facilmente que o escrito em causa não tem a virtualidade de, sequer, suscitar qualquer dúvida no espírito do julgador e, muito menos, a convicção de que o aqui arguido não esteve na casa dos ofendidos porque estava internado na Roménia. O que significa que este elemento oferecido aos autos não só não demonstra a realidade que aí se descreve, como não contribui para que o Tribunal, relacionando-o com o vestígio de ADN recolhido, tenha qualquer motivo para considerar a força probatória deste último ilidida. Argumentou, ainda a Defesa que, aceitando como existente a garrafa (o que é uma evidência), não exclui a possibilidade de ter ela sido colocada no local para implicar o arguido. O que, conjugado com o facto de o arguido ter tido um diferendo profissional com o ex coarguido EE, poderá incutir a ideia de que alguém (designadamente o próprio EE) teria um eventual interesse em deixar ali um vestígio apenas para o incriminar. Claro, adensando com esta suposta intenção a dúvida que presumivelmente o documento atrás referido criaria. Como se disse, no entanto, o escrito em causa não suscita dúvidas de convicção a este Tribunal. Também não é criada qualquer dúvida sobre a existência, na casa, da garrafa com a saliva do arguido por várias ordens de razão. Em primeiro lugar, porque este vestígio se enquadra nos restantes indícios apurados, ajustando-se a esse todo. Desde logo que se tratava de um grupo de indivíduos provindo do leste da Europa, todos da mesma região da Roménia (o arguido é de Maramures, tal como é de Maramures HH a quem foram localizados pertences das vítimas vendidos por DD que, por sinal, também é de Maramures, tal como o referido EE, tal como II, conforme atestam os documentos a fls. 529, 550, 554, 561, 704 e quanto ao arguido ainda os documentos de identificação juntos à contra-capa), como se viu, todos a viverem perto uns dos outros em Portugal, conhecendo-se todos, alguns deles até com relações profissionais no território nacional (e quanto a isto não se nos suscitam dúvidas, uma vez que o arguido e II são ainda familiares, DD conhece o arguido como disse na sua identificação, EE conhece o arguido, como o próprio arguido reconhece, pelo que todos se conhecem efetivamente) e até familiares. Em segundo lugar, porque, ao contrário do que entendeu a Defesa em alegações, nada demonstra que o arguido e o mesmo EE tenham um diferendo antigo que, aliás, só foi invocado pelo arguido por razões que nos parecem óbvias neste momento, sendo que nem o antigo patrão do arguido, ouvido em julgamento, se referiu nunca a esta circunstância, e muito menos ao facto de ter sido o arguido a despedir o mesmo EE a seu pedido (pelo contrário, resulta das declarações dessa testemunha que o arguido, como se disse, era um empregado perfeitamente comum, muito embora dedicado e exemplar no serviço, mas sem que tivesse destacado qualquer qualidade além disso, inclusivamente dizendo que o arguido tinha funções também perfeitamente corriqueiras, como servente e ajudante de pintor). Em terceiro lugar, porque a própria ideia deixada pela Defesa em alegações de que algum dos ex co-arguidos, designadamente o EE (por referência ao tal diferendo que existiria), teria porventura algum interesse em deixar na casa dos ofendidos uma garrafa com saliva do arguido para o incriminar, não faz muito sentido, não se enquadra nas regras de normalidade deste tipo de circunstâncias e, na nossa opinião, contraria mesmo as restantes evidências. Não faz sentido por diversas razões, sendo que a primeira e mais evidente é a de que quem quer que fosse que assim tivesse querido, não se teria dado ao trabalho de plantar no local um vestígio do arguido, deixando lá também os seus também, a menos que fosse totalmente néscio, o que se não demonstra, pelo contrário. De facto, contraria frontalmente as regras de experiência e de normalidade pensar, porque é apenas disso que se trata, na possibilidade de um dos ex co-arguido ter-se dado ao trabalho de (com todos os cuidados, porque a garrafa não tinha vestígios de qualquer outro dos ex co-arguidos) levar para uma casa que iam assaltar a garrafa com saliva do arguido e, deixando-a lá, deixando também no local um vestígio próprio, que o incriminava a si próprio, como aconteceu. Por outro lado, dois dos ex co-arguidos chegaram a julgamento e não quiseram prestar declarações, como se viu. Porquê? Diz a Defesa que, se calhar, por vergonha de terem incriminado inicialmente um inocente. E também esta justificação não nos parece consistente. Os ex co-arguidos estão condenados e com decisão transitada. A normalidade das coisas diz-nos que, acaso tivessem inculpado um compatriota, agora vinham disponíveis para o excluir dos factos, uma vez que eles de condenados não passavam. Mas não, fizeram questão de não falar, sabendo nós que ambos conhecem o arguido, evidenciando que não queriam ser questionados sobre o ocorrido, circunstância de que não poderiam excluir o arguido. Ao não falarem, num dos casos tendo tido mesmo o cuidado de se apresentar com o respectivo Advogado ao fundo da sala, estas testemunhas demonstraram ao Tribunal que tinham um motivo para não falarem, e não era a vergonha. E esta, voltando aos princípios da normalidade, é a reação normal numa situação destas. Pena é que o nosso sistema penal continue a permitir este tipo de válvula de escape no processo que, não sendo qualquer garantia de defesa, é um contributo para a ineficácia. Quando se fala em normalidade tem-se em conta que a vida é uma sequência de circunstâncias que, dependendo do facto originador, mantêm no processo sequêncial uma certa coerência interna e temporal, por isso, normalidade. A normalidade aqui diz-nos que os ex coarguidos, já condenados, sempre iriam esforçar-se por excluir dos factos um elemento que, em liberdade, ainda possivelmente lhes pode dar auxílio, ou às famílias distantes na Roménia. O que seria a normalidade, a nosso ver, era estes indivíduos terem vindo falar, excluindo o arguido dos factos ou/e admitindo que teriam levado a garrafa usada por ele para o local para o incriminarem (o que para eles era já absolutamente indiferente). Mas não, as testemunhas caladas, sabendo nós a esta altura que se conhecem todos, evidenciaram uma de duas coisas – ou a vontade de não entregar o arguido ou uma combinação ou outra coisa qualquer entre todos que os inibe de falar. Posto que assim seja, resta-nos o vestígio, tal como ele aparece na casa dos ofendidos, compatível com o arguido, por referencia à zaragatoa bucal recolhida ao mesmo. E este vestígio, conjugado com a restante prova já referenciada, não permite ao Tribunal senão firmar uma convicção inequívoca de prova no sentido de que era o arguido um dos elementos do grupo assaltante que, além de subtrair os bens dos ofendidos, agrediram a ofendida CC e o ofendido BB, no caso deste, ainda provocando-lhe as lesões graves que a autópsia denuncia e que o levaram, necessariamente, à morte. Resumindo, os elementos probatórios nestes autos conjugam-se todos num mesmo sentido, apontando o arguido como membro deste grupo de indivíduos que invadiram a casa dos ofendidos. Eis, pois, a convicção de prova do Colectivo.”
Ao discorrer por tal forma, explanando os factos e fazendo incidir sobre os mesmos as inferências lógicas impostas pelas regras da experiência a decisão recorrida e a decisão de primeira instância seguiram um caminho lógico. É certo que tal caminho não é o pretendido pelo recorrente que pretenderia que o exacerbamento das virtualidades da prova directa e o menosprezo da prova científica e dos indícios levassem ao emergir de uma dúvida que seria sempre resolvida em seu favor para cair no proclamado princípio do “in dúbio”. Sucede que, independentemente de quaisquer afirmações que tenham sido produzidas em julgamentos anteriores relativamente aos mesmos factos e em relação a outros arguidos, o certo é que o seu ADN está inscrito no local dos factos. Excluída a possibilidade do arguido ser um convidado das vítimas, a presença no local de um sinal ineludível da sua presença apenas poderia ser explicado por duas formas:-ou pela forma que pretendeu o recorrente, ou seja alguém, mal-intencionado, colocou ali o objecto com o seu ADN para o incriminar ou, na alternativa, porque foi um dos criminosos que estiveram no local. Aquela primeira explicação, de que um dos arguidos anteriormente julgados pelos mesmos factos teria pretendido inculpar o arguido, deixando no local uma garrafa com o seu ADN é, sem margem para dúvida, imaginativa. Tal explicação presta homenagem á eventual inteligência e perícia de um hipotético arguido que, portador do domínio das legis artis e dos conhecimentos técnicos conseguiu um objecto com o ADN do arguido quando este ainda estava em Portugal, o conservou em seu poder e, ao cometer os graves actos criminosos praticados, conservou o sangue frio para depositar tal objecto no local do crime. O mesmo arguido mal-intencionado, mas bem informado, tinha, ainda, a percepção que a Policia Portuguesa iria utilizar a recolha do ADN como forma de identificação dos responsáveis pelo crime. Trata-se de toda uma construção vazia de sentido, ou lógica, incapaz de sustentar uma explicação coerente. Para que tal explicação tivesse um mínimo de plausibilidade o arguido invoca a sua permanência no seu país de origem na altura dos factos o que tornaria uma evidência a sua inocência. Porém, tal ausência não se provou. Repete-se aqui algo que, quanto a nós é essencial na valoração de situações em que está presente o indício pois que a partir do momento em que as regras da experiência conduzem inelutavelmente a uma conclusão de facto só a prova de um contraindício poderá abalar a força de tal presunção. É incorrecta alguma da prática judiciária em que, perante a hipótese mais absurda de explicação sobre a forma como surgiu o indício, faz surgir um estado de dúvida persistente justificativo do princípio “in dubio”. O apelo a este princípio, consagrado por alguma prática judiciária, como forma de rebater a força da lógica argumentativa assente num funcionamento concreto e adequado dos princípios inerentes á prova indiciária apenas se pode compreender como a via mais fácil de ultrapassar o mais difícil.
Se as regras da experiência são o crivo á face dos quais se deve examinar a razoabilidade da forma como se formou a convicção do tribunal é para nós evidente que as decisões das instâncias ao ligarem inelutavelmente a presença do ADN do arguido com a sua presença no local do crime e a sua responsabilidade neste procederam de forma adequada e segundo as regras da lógica. Nenhuma crítica existe a fazer á decisão recorrida no que concerne. Tal conexão é imposta pelas regras da experiência e pela prova indiciária existente, ou seja, é lógica a conclusão de que, inexistindo explicação razoável para a presença do ADN do arguido, o mesmo esteve no local com os restantes arguidos, seus companheiros e conterrâneos de Marramures. Dito por outra forma o afastamento de tal conclusão corresponderia a uma inadmissível negação da admissibilidade de outro tipo de prova que não a prova directa. Assim, entende-se inexistir razão ao recorrente no que concerne.
III Uma última ordem de impetração dirigida a este Supremo Tribunal de Justiça dirige-se á medida da pena. A forma como esta se estabilizou impõe a consideração prévia da correcção da qualificação jurídica da responsabilidade criminal do arguido Assim, previamente á análise das razões pelo recorrente, importa considerar que um dos crimes imputados imputado- em que foi vítima BB CC e pelo qual foi condenado pressupõe a existência de um crime preterintencional, ou seja, a fusão de um crime fundamental doloso (roubo simples doloso) e de um evento agravante negligente (homicídio)- 210 nº 1 e 3. Por seu turno, a existência de um crime de homicídio doloso praticado quando do crime de roubo tem por consequência a existência de um concurso de infracções entre os dois crimes ou seja entre o crime de homicídio e o crime de roubo. Nesta última hipótese existe uma tipificação do homicídio separada da violência exercida constitutiva do crime de roubo e que necessariamente releva em termos de pluralidade de infracções. A violência integrante do crime de roubo assume virtualidade para tipificação de um crime distinto a partir do momento e que ultrapassa atipicidade sem significado autónomo. Pronunciando-se sobre a circunstância concreta do homicídio refere-se no Comentário Conimbricense (pág. 191) que “Não cabe neste preceito [o do roubo] o latrocínio – roubo doloso com homicídio doloso (figura prevista no CP de 1886, art.º 433.º). Para caber tal situação, o legislador teria de se referir expressamente ao homicídio doloso (cfr. Damião Cunha, cit., 576 ss.); assim, uma situação em que ocorra um roubo doloso e um homicídio doloso originará um concurso de crimes...». A tipificação do crime de roubo em que está presente a morte da vítima com génese na negligência traz á colação a necessidade de recordar a lição de Figueiredo Dias (Direito Penal Parte Geral Tomo I pag 961 e seg) quando refere que o facto negligente não é, simplesmente, uma forma atenuada ou menos grave de aparecimento do correspectivo facto doloso: é "outra coisa", é "outro facto". em suma, é um aliud relativamente ao facto doloso correspondente. Tal conclusão é confirmada pela definição legal da negligência constante do art. 15.° Este preceito começa, no seu proémio, por conceber a negligência de modo unitário - "quem não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz" -, para em seguida distinguir duas formas: a da negligência consciente, na aI. a), traduzida em o agente "representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actua sem se conformar com essa realização"; e a da negligência inconsciente, na aI. b), traduzida em o agente "não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto". O essencial da definição reside, porém, no proémio unitário, sendo aí que se contém o tipo de ilícito (a violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, isto é, a violação do cuidado devido) e o tipo de culpa (a violação do cuidado que o agente. segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de prestar). Assumido que a discussão sobre a circunstância de a distinção entre negligência consciente e inconsciente revela um significado político-criminal e dogmático de grande relevo é um dado adquirido que a negligência grosseira representa, relativamente à inconsciente, uma forma mais grave (e que, por conseguinte, deve ser mais punida). Na verdade, á diferente intensidade da negligência que reside na representação ou não representação do facto acresce um grau essencialmente aumentado ou intensificado de negligência. Invocando Roxin citado por Figueiredo Dias o conceito implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também do ilícito. A nível do tipo de ilícito torna-se indispensável que se esteja perante um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada. Mas daqui não pode concluir-se sem mais que também o tipo de culpa resulta, nestes casos, inevitavelmente aumentado, antes tem de alcançar-se a prova autónoma de que o agente revelou no facto uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o comando jurídico-penal plasmando nele qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e insensatez Assim, a manifestação de uma especial intensidade da negligência, nomeadamente da consciente seria suporte de uma maior intensidade da culpa a ponderar em sede de medida da pena.
Porém, retomando á matéria dos autos para avaliar da correcção da qualificação jurídica efectuada verifica-se que na materialidade considerada provada se refere que: Assim, enquanto um dos indivíduos agarrou a ofendida CC, e porque BB se debatia e resistia, desde logo gesticulando, outros desferiram diversos murros no ofendido, atingindo-o em todo o corpo, colocando-se mesmo em cima dele e agarrando-o pelo pescoço, enquanto o agrediam e impediam de levantar, perguntavam-lhe onde estava o cofre e o dinheiro, até que o ofendido se imobilizou. Como consequência directa e necessária da conduta supra descrita, BB sofreu as seguintes lesões que lhe determinaram, directa e necessariamente, a morte: Ao nível do hábito externo: (cara) Hemorragia no “músculo subjacente do lado esquerdo do rosto (músculo masseter esquerdo). Essa hemorragia observada no músculo temporal direito estende-se para baixo ao longo da face por baixo da “maçã de rosto” direita (ziogma do lado direito) até ao ângulo do lado direito do maxilar inferior; Descoloração dos “tecidos moles do lado esquerdo abaixo do principal músculo da zona (profunda na zona do esternocleidomastóideo), acompanhada por uma delgada camada de sangue (hemorragia em toalha delgada) por cima do “tecido entre o lado esquerdo da caixa vocal e a raiz da língua” (músculo tiro-hioideu e membrana tiro-hióidea), tendo havido uma fractura “fissura” na “junção entre o corpo e os grandes cornos do osso hióide na raiz da língua” (fractura entre os cornos esquerdo e o lado esquerdo do corpo do osso hióide); Descoloração nos tecidos moles à volta da “parte interna da principal artéria do lado esquerdo do pescoço” (artéria carótida comum esquerda e a sua divisão em ramos da carótida externos e internos); Hemorragias no “tecido gorduroso por baixo da pele (tecido subcutâneo) na parte superior da zona frontal do lado direito do peito; Descoloração no tecido mole do lado direito da região lombar; Fractura na parte interior da zona posteorolateral da quinta costela do lado esquerdo e na parte lateral da sexta costela do lado esquerdo;(antebraços e costas) ………………………………………. Sabiam igualmente que ao molestarem fisicamente BB, nas circunstâncias acima descritas, actuavam de modo concertado e adequado a causar-lhe ofensa física grave, representando a possibilidade de poderem essas lesões vir a provocar a morte do ofendido, porém sem se conformarem com esse resultado. Em relação ás declarações do perito: ……………..Confirmou, ainda, as lesões ali documentadas, desde logo a fractura do osso do pescoço que disse ter sido confirmada mesmo microscopicamente, dizendo que a causa de morte avançada na primeira autópsia não foi confirmada, não tendo como tal a morte decorrido de enfarte do miocárdio, mas sim de asfixia mecânica (por sufocação manual) e sufocação facial (tapagem dos orifícios respiratórios) de onde decorre uma morte violenta, por contraposição a morte natural antes referenciada.
Porém, em sede de acusação era imputado ao arguido que, para além de desferir socos na vitima e sempre em conjunção de esforços com os restantes comparticipantes, se teria colocado sobre o peito da vítima e enquanto agrediam a mesma vítima agarraram-no pelo pescoço e apertaram-no.
É este “apertar do pescoço” referido na acusação que desenha o elemento essencial que permite estabelecer uma ligação racional lógica e cientifica entre as causas da morte-asfixia mecânica e sufocação facial- e os actos praticados pelo arguido e companheiros. Na verdade, não existe uma relação e causa e efeito entre a colocação sobre o peito ou as restantes lesões infligidas e a asfixia mecânica. Se é esta asfixia a causa da morte, como aponta a decisão recorrida, uma de duas: ou a vítima se auto infligiu as lesões que provocaram a asfixia ou elas foram provocadas pelo arguido e companheiros. Mas para serem provocadas por estes só poderiam resultar da circunstância de estes terem apertado o pescoço da vítima tal como foi referido na acusação. Sobre este ponto concreto, fundamento da afirmação de uma relação de causa e efeito com a asfixia mecânica e constante do libelo acusatório, as decisões das instâncias são omissas sendo certo que é manifesto um falência de esforço na procura da verdade material que, em contrapartida, está bem patente no julgamento autónomo e prévio a que foram sujeitos os comparticipantes e no qual se considerou provado que Então, o AA e o DD viraram o sr. BB em decúbito ventral e, com a ajuda do EE, que lhe amarrou os pés, amarraram-lhe igualmente as mãos atrás das costas e, mantendo-se o AA em cima da vítima, apertou¬lhe com força, com as mãos, a zona do pescoço e comprimiu-lhe a cara nomeadamente a boca e o nariz, de encontro à almofada, privando-o, desta forma, da possibilidade de respirar, assim se mantendo até que o BB deixasse de opor resistência, o que sucedeu quando perdeu a vida, altura em que o largaram.
Poderá, eventualmente, questionar-se a relevância da demonstração do apertar do pescoço da vítima. Porém, em nosso entender é manifesto que, estabelecido que existiu tal “apertar do pescoço” só este poderá ter provocado a sufocação que originou a morte. Provado este item, e assumido que o actual estado das neurociências não permite a indagação directa da forma como se elaborou o processo de vontade que leva á acção, a afirmação da existência dessa mesma vontade passará sempre pela existência de factos que á luz de um critério de normalidade e das regras de experiência de vida permitem conclui pela existência de um elemento subjectivo da infracção. A afirmação do animus será sempre o resultado de uma operação de lógica em que as premissas são, por um lado os factos e, por outro, as regras de experiência ou as leis científicas. Se alguém aperta o pescoço de outrem até lhe causar a morte como é que se pode afirmar, em simultâneo, que não se conformou com tal resultado. Como é que se pode, coincidentemente, afirmar a existência de um processo adequado a causar a morte, com génese de uma conduta voluntária, e negar-se o propósito de causar a mesma morte? As razões da experiência impõem que indiciariamente que, caso se prove o apertar de pescoço, se tenha por adquirido a intenção de matar ou a possibilidade de o fazer em tal circunstância a qual só poderá ser infirmada pela existência de razões que tocam a própria imputabilidade (a possibilidade de o arguido padecer de uma idiotia que o impede de ver a morte da vitima como consequência necessária do esganamento). Não se pronunciando sobre se existiu, ou não, tal apertar do pescoço as decisões recorridas entram numa aporia só explicável pela inexistência de uma perspectiva científica, nomeadamente médico-legal, na explicação dos factos. Na verdade, independentemente do significado da expressão “agarrar pelo pescoço” utilizada na decisão das instâncias não se vislumbra como é que os socos desferidos ou o colocar-se sobre o peito da vítima provocam “ Hemorragia no “músculo subjacente do lado esquerdo do rosto (músculo masseter esquerdo) que se estende para baixo ao longo da face por baixo da “maçã de rosto” direita (ziogma do lado direito) até ao ângulo do lado direito do maxilar inferior;Descoloração dos “tecidos moles do lado esquerdo abaixo do principal músculo da zona (profunda na zona do esternocleidomastóideo), acompanhada por uma delgada camada de sangue (hemorragia em toalha delgada) por cima do “tecido entre o lado esquerdo da caixa vocal e a raiz da língua” (músculo tiro-hioideu e membrana tiro-hióidea), tendo havido uma fractura “fissura” na “junção entre o corpo e os grandes cornos do osso hióide na raiz da língua” (fractura entre os cornos esquerdo e o lado esquerdo do corpo do osso hióide).
A decisão recorrida omitiu pronúncia sobre um ponto concreto referido na acusação e tal ponto tem potencialidade para assumir uma relevância essencial em sede de relação de causalidade e na afirmação de uma intenção de matar que conduz á tipificação do crime de homicídio voluntário e á sua autonomização em face do crime de roubo. A resposta á questão enunciada é a chave que permite distinguir entre a existência de um crime de roubo p.p. nos termos do artigo 210 nº 3 do Código Penal ou a existência de um crime de roubo p.p. no artigo 210 nº2 em concurso com um crime de homicídio qualificado p.p. no artigo 132 nº 2 g) do mesmo diploma (aqui se divergindo parcialmente do imputado na acusação) com as consequentes implicações a nível de qualificação jurídica (artigos 358 e seg do CPP).
Nestes termos julga-se nula a decisão recorrida nos termos do artigo 379 nº1 alínea e) do Código de Processo Penal. Sem custas
Santos Cabral (Relator) Oliveira Mendes ___________________ |