Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03S3875
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VÍTOR MESQUITA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO A PENSÃO
PENSÃO POR MORTE
FACTOS RELEVANTES
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200407130038754
Data do Acordão: 07/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1798/03
Data: 05/28/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Quer no âmbito da anterior LAT (Lei n.º 2127, de 03-08-65), quer no âmbito da actual LAT (Lei n.º 100/97, de 13-09), são pressupostos do direito dos ascendentes à pensão de acidente de trabalho por morte: o carácter regular e contínuo da contribuição do sinistrado para as despesas familiares e a necessidade dessa contribuição por os ascendentes dela carecerem.
II - Por se tratarem de factos constitutivos do direito, aos autores/ascendentes cabe a prova dos mesmos.
III - Provando-se apenas que o sinistrado vivia em comunhão de mesa e habitação com os autores/ascendentes e que contribuía com quantias variáveis do seu salário mensal para as despesas domésticas, nomeadamente, alimentação, não se mostra preenchido o pressuposto da necessidade dos ascendentes.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
"A" e B, patrocinados pelo Ministério Público, intentaram, no Tribunal do Trabalho do Funchal, acção especial emergente de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros C e D, pedindo a condenação das rés a pagarem-lhes:
a) A pensão anual e vitalícia de 460.260$00, sendo 441.481$00 da responsabilidade da seguradora e 18.779$00 da responsabilidade da 2.ª R.; e, quando os AA. atingirem a idade da reforma, a referida pensão passará para o montante de 613.680$00, sendo 588.641$00 da responsabilidade da seguradora e 25.039$00 da responsabilidade da entidade patronal;
b) A quantia de 765.000$00 referente a subsídio por morte;
c) A quantia de 510.400$00 a título de reparação por despesas de funeral;
d) A quantia de 2.880$00, a título de despesas com deslocações a tribunal;
e) juros de mora, contados a partir de 10 de Fevereiro de 2000 (dia seguinte ao óbito do sinistrado).
Alegaram, para o efeito, e em síntese, que são pais de E, que com eles vivia em comunhão de mesa e habitação, e que, no dia 09-02-2000, quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 2.ª R., mediante a remuneração mensal de Esc. 92.300$00 x 14 + 22.000$00 x 11, a título de férias e subsídio de férias, Natal e alimentação, sofreu um acidente que consistiu numa queda de uma altura de seis metros para o solo, quando se encontrava a pintar, em cima de "chaprões", cujos barrotes de suporte se partiram, o que lhe provocou diversas lesões, que foram causa directa e necessária da sua morte.
A 2.ª R. tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a R. seguradora.
Contestou a R. seguradora, aceitando que à data do acidente a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado E, se encontrava para si transferida até ao montante de 88.700$00 x 14 + 950$00 x 22 x 11.
Porém, sustentou que o acidente ficou a dever-se a falta grave e indesculpável do sinistrado, porquanto se encontrava a trabalhar a uma altura do solo de cerca de seis metros, sem que utilizasse o capacete individual de protecção e cinto de segurança, quando é certo que a sua entidade patronal, 2.ª R., tinha não só disponibilizado tais equipamentos, como também dado ordens quanto ao seu uso obrigatório.
Acrescentou que, ao invés do que consta dos autos, caso se venha a provar que a entidade patronal nem sequer tinha fornecido equipamento de segurança, nomeadamente capacete e cinto de segurança, nem tão pouco havia sido prestada informação conveniente e ordenado o respectivo uso, o acidente ter-se-à ficado a dever a inobservância da regras de segurança por parte da entidade patronal, pelo que ela, 1.ª R., apenas responde subsidiariamente, relativamente à responsabilidade da 2:ª R., até ao limite da responsabilidade transferida e pelas prestações normais.
A 2.ª R. não contestou, sendo certo que requereu autorização para a prática de tal acto fora de prazo, por considerar haver justo impedimento na sua não realização tempestiva, o que lhe foi indeferido.
Responderam os AA. à contestação da 1.ª R., reafirmando o constante da petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, consignados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
Os autos prosseguiram os seus termos, tendo as RR. reclamado, sem êxito, da resposta à matéria de facto, e a 22.10.02 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
"Termos em que julgo parcialmente provada e procedente a presente acção especial emergente de acidente de trabalho e condeno a Ré "D", como entidade patronal, no pagamento a cada um dos Autores da pensão anual e vitalícia de € 3.781,28 (três mil setecentos e oitenta e um euros e vinte e oito cêntimos) e ao casal das indemnizações supra fixadas, no valor de € 2.597,74 (dois mil quinhentos e noventa e sete euros e setenta e quatro cêntimos) quanto a despesas de funeral do sinistrado e na quantia de € 14,37 (catorze euros e trinta e sete cêntimos) despendida com deslocações a este Tribunal, bem como nos juros de mora sobre a pensão e indemnizações, desde a data da tentativa de conciliação de fls. 99 .
Subsidiariamente, caso não se consiga o pagamento através da entidade patronal e excutido que esteja o património dela, condeno a "Companhia de Seguros C" no pagamento a cada um dos Autores, na proporção de 95,92%, de uma pensão anual no montante de € 1.147,88 (mil cento e quarenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos) com efeito a partir do dia seguinte ao do óbito do sinistrado e a partir da idade da reforma ou no caso no caso de doença física ou mental que afecte o beneficiário em mais de 75% na sua capacidade de trabalho, no pagamento, na mesma proporção de 95,92%, de uma pensão anual de € 1.530,51 (mil quinhentos e trinta euros e cinquenta e um cêntimos) para cada um dos Autores .
Mais condeno subsidiariamente a dita Seguradora, caso não se consiga o pagamento através da entidade patronal e excutido que esteja o património desta, no pagamento aos Autores, na mesma proporção de 95,92%, de uma indemnização de € 2.597,74 (dois mil quinhentos e noventa e sete euros e setenta e quatro cêntimos) quanto a despesas de funeral do sinistrado e na mesma proporção, da indemnização de € 14,37 (catorze euros e trinta e sete cêntimos) relativa a deslocações a este Tribunal".
Não se conformando com a sentença, a R. entidade patronal dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 28.05.03, julgou parcialmente procedente o recurso, "...absolvendo-se ambas as Rés do pagamento das pensões aos Autores, nos termos em que tinham sido condenados, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida".
Inconformados, agora os AA, vieram, ainda com o patrocínio do Ministério Público, recorrer de revista, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
1 - Para que os ascendentes do sinistrado de acidente de trabalho possam beneficiar da pensão por morte, o art. 20°, al. d) da Lei 100/97, de 13.9 apenas exige que a vítima contribuísse com regularidade para o seu sustento.
2 - O requisito da carência de auxílio económico dos ascendentes não tem consagração expressa na Lei.
3 - E muito menos a Lei impõe - e nem podia impor - aos familiares previstos na al. d) do art. 20.º supra referido que façam prova da sua dependência económica em relação à vítima.
4 - Porém, a nível jurisprudencial, tem-se entendido que a necessidade de auxílio económico por parte desses beneficiários da pensão por morte é um pressuposto para a atribuição dessa pensão que se encontra implícito na lei.
5 - Mas também se tem entendido que tal pressuposto se presume, logicamente, da regularidade e periodicidade da prestação com que a vítima contribuía para o sustento dos seus ascendentes.
6 - Ou seja, que o facto de a vítima contribuir regularmente para o sustento dos seus pais indicia que estes carecem dessa contribuição.
7 - No caso presente, contrariamente ao que se afirma no douto Acórdão recorrido, a necessidade de auxílio económico dos AA. até foi alegada no art. 3.° da petição inicial, embora de forma não autónoma relativamente ao restante conteúdo do articulado.
8 - E, nesse mesmo articulado, remeteu-se para a declaração da Junta de Freguesia que atesta os parcos rendimentos dos AA. (95.200$00, no total).
8-A - E porque a petição inicial continha tais elementos, não foram os AA. convidados a aperfeiçoá-la ou completá-la, como seguramente aconteceria, por força do disposto no art. 54°, n° 1 do CPT, caso a mesma enfermasse de deficiências ou obscuridades.
9 - Acresce que, no caso sub judice, no que concerne ao objecto do recurso, deu-se por provado que o sinistrado vivia em comunhão de mesa e habitação com os AA., seus pais e que o sinistrado contribuía com quantias variáveis do seu salário mensal para as despesas domésticas, nomeadamente, alimentação.
10 - Em teoria, os factos provados seriam, por si só, suficientes para inferir que os AA. careciam do auxílio económico do filho, pois, em bom português (quer para o cidadão comum quer para o intérprete da lei), resulta claro do vocábulo contribuição (para o sustento de) que quem beneficia regularmente dessa contribuição para se sustentar, carece ao menos parcialmente, de meios económicos próprios para tal.
11 - Porém, no caso presente, para além da matéria de facto provada nas instâncias, outros elementos existem que devem fundamentar de direito a decisão do julgador e que este, para bem decidir, deve tomar em conta.
12 - É que, conquanto se não trate de um documento autêntico - se o fosse teria força probatória plena e o seu conteúdo seria levado à especificação - o certo é que existe nos autos uma declaração da Junta de Freguesia da área de residência dos AA. que atesta os seus parcos rendimentos mensais provenientes apenas do vencimento do autor, como empregado de limpeza, no montante de 95.220$00.
13 - Ora, o Tribunal recorrido não podia omitir a existência de tal declaração/atestado, pelo simples facto de, como afirma, se não tratar de um documento autêntico com força probatória plena.
14 - E também não podia escamotear ou ignorar o conteúdo de tal declaração (o qual não foi infirmado) e o relevo que o mesmo tem, independentemente dos factos provados, para fundamentar a decisão quanto à constatação da carência de auxílio económico dos AA.
15 - Ou seja, independentemente da força probatória da declaração da Junta de Freguesia (que, diga-se, é exactamente o mesmo documento aceite até há bem pouco tempo nos Tribunais, para requerer o apoio judiciário, e, ainda hoje exigido pelo art. 300.º do Código do Registo Civil, para prova da insuficiência económica de quem requer a isenção de emolumentos), o certo é que não é lícito ao Tribunal recorrido omitir a sua existência ou ignorar ou escamotear o seu conteúdo do qual é inevitável concluir pela necessidade de auxílio económico dos AA., já que, como refere o Ac. da R.E, de 12.3.1987, BMJ 366, pag. 586, "o exame crítico das provas conduz a que se possam e devam tomar em consideração factos que, embora não se tenham provado por qualquer dos meios aludidos no n° 3 do are 659.º do Cód. Proc. Civil, se intuam, lógica e necessariamente, dos que se provaram, segundo regras da experiência comum".
16 - As despesas domésticas, o somatório de ambos os salários (da vítima e do autor), dividido pelas três pessoas que constituíam o agregado familiar, era inferior, per capita, ao vencimento mínimo mensal em vigor àquela data.
17 - O que é suficiente para intuir, lógica e necessariamente, que os AA. careciam do auxílio económico do sinistrado para o seu sustento, auxílio que o filho lhes vinha prestando regularmente, vivendo com os AA. em comunhão de mesa e habitação e contribuindo para as despesas domésticas, nomeadamente, alimentação, com quantias variáveis do seu salário mensal.
18 - O douto Acórdão recorrido deveria, pois, de acordo com os factos considerados provados, ter concluído que os AA. reuniam todos os requisitos legais (expressos e/ou implícitos na lei, segundo jurisprudência dominante), para beneficiarem da pensão por morte do sinistrado a que têm direito.
19 - Não decidindo deste modo, censurando e revogando, como censurou e revogou, a decisão da primeira instância, o douto Acórdão recorrido fez uma errada interpretação da lei.
20 - E violou o disposto nos art.s 20.°, n.° 1, al. d), da Lei 100/97, de 13.9, 659.º, n.° 3, parte final e 514.° do Código de Processo Civil e 376.° do Código Civil.
21 - Pelo que deve o mesmo ser revogado para ser substituído por outro que julgue procedente a acção e condene as Rés a pagar aos AA. as pensões por morte do sinistrado.
Contra-alegaram as recorridas, pugnando pela improcedência do recurso.
II. Enquadramento fáctico
As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:
1. Os Autores são os pais do sinistrado E .
2. E, no dia 9 de Fevereiro de 2000, pelas 9 horas, quando trabalhava sob as ordens, direcção, fiscalização e proveito da 2ª Ré como pintor (oficial de 2ª) mediante a remuneração mensal de 92.300$00 x 14 meses + 22.000$00 x 11 meses, a título de férias, subsídios de férias, Natal e alimentação, sofreu um acidente de trabalho que consistiu numa queda de uma altura de seis metros para o solo, quando se encontrava a pintar em cima de "chaprões" cujos barrotes de suporte se partiram .
3. Em consequência de tal acidente sofreu o sinistrado as lesões constantes do relatório de autópsia de fls. 22 a 66 dos autos, nomeadamente traumatismo crânio-encefálico, que lhe causaram directa e necessariamente a morte .
4. À data do acidente, a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado E achava-se transferida para a 1ª Ré, pelo menos, até ao montante de 88.700$00 x 14 + 950$00 x 22 x 11, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 20/5.221.726 .
5. Os Autores custearam as despesas com o funeral do sinistrado.
6. Os Autores gastaram 2.880$00 com deslocações a este tribunal .
7. Foi dado como reproduzido o documento de fls. 146 (Folha de remunerações entregue pela R. entidade patronal à Segurança Social, referente a retroactivos de Janeiro e Fevereiro de 2000, onde, entre outros, consta o sinistrado como beneficiário).
8. O sinistrado vivia em comunhão de mesa e habitação com os AA.
9. O sinistrado contribuía com quantias variáveis do seu salário mensal para as despesas domésticas, nomeadamente, alimentação .
10. No momento do acidente o sinistrado não utilizava o capacete individual de protecção .
11. Nem utilizava o cinto de segurança .
12. Se o sinistrado tivesse colocado devidamente o capacete de protecção, reduziria ou obstaria às lesões crânio-encefálicas que determinaram a sua morte .
13. O sinistrado já exercia funções de pintor há mais de cinco anos .
14. Na altura em que ocorreu o acidente, o sinistrado encontrava-se sobre um andaime em madeira .
15. A estrutura do andaime era composta de "chaprões" colocados sobre barrotes em madeira .
16. Os barrotes encontravam-se apoiados em aberturas no betão e sobre as vigas que suportam a estrutura da cobertura que estava a ser pintada .
17. A construção do andaime em causa foi efectuada pelos próprios pintores, neles incluído o sinistrado .
18. As tábuas de pé não haviam sido assentes de junta no sentido transversal e imbricadas no sentido longitudinal .
19. A união dos elementos que compunham o andaime não era feita por meio de parafusos de ferro, com anilhas e porcas.
III. Enquadramento jurídico
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes - como resulta do disposto nos art.s 684.º, n.º 3 e 690.º, ambos do CPC, ex vi do art. 1.º, n.º 2, a), do CPT -, a única questão a decidir consiste em saber se os AA., pais do sinistrado E, Têm ou não direito, em consequência da morte deste, às pensões previstas na Lei dos acidentes de trabalho (LAT) e respectivo regulamento (RLAT).
Tendo o acidente ocorrido em 09.02.00, ao mesmo é aplicável a Lei n.º 100/97, de 13.09, regulamentada pelo DL n.º 143/99, de 30 de Abril (1).
No que agora importa analisar, estabelece o art. 20.º, n.º 1, d), da mencionada lei, que se do acidente de trabalho resultar a morte, os ascendentes terão direito a pensão anual "...desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento...".
Em idêntico sentido dispunha a anterior LAT (Lei n.º 2127, de 03.08.65), que na Base XIX, n.º 1 d), na redacção da Lei n.º 22/92, de 14.08, atribuía as pensões por morte aos ascendentes do sinistrado, "...desde que a vítima contribuísse com regularidade para o seu sustento...".
Esta expressão tem sido interpretada, de forma uniforme e pacífica pela jurisprudência, no sentido de considerar como pressupostos do direito dos ascendentes à pensão por acidente de trabalho:
a) Que recebam uma contribuição regular e contínua da vítima;
b) Que esta contribuição se destine ao sustento do(s) beneficiário(s), o que aponta para a exigência da prova da "necessidade", ou carência dessa contribuição (2).
Verifica-se a "regularidade" quando há contribuições sucessivas, normalmente equidistantes no tempo, à medida que a vítima vai percebendo o seu salário e com as quais o(s) beneficiário(s) contava(m) para o seu sustento.
Daí que fiquem excluídas as contribuições esporádicas que não se destinam ao sustento dos beneficiários (3).
Com essa "regularidade de contribuição" não é necessário que o sinistrado satisfaça a totalidade das necessidades do beneficiários, sendo irrelevante o montante que os beneficiários concretamente beneficiam em proveito próprio: o que importa é que beneficiem dessa contribuição regular (4).
Consentâneo com tal entendimento, tem-se também sustentado que o sinistrado pode ter sido apenas um co-contribuinte, a par de outro ou outros, para o sustento do beneficiário legal, não sendo necessário que fosse o único contribuinte.
Em relação ao 2.º pressuposto de atribuição da pensão aos ascendentes - "necessidade" -, compreende-se tendo em conta o destino da contribuição e o disposto no art. 2004.º, n.º 1, do CC: com efeito, este preceito estabelece como critério definidor da medida de alimentos (5), a "necessidade daquele que houver de recebê-los".
Também o art. 2013.º, n.º1, b), do mesmo diploma legal, estipula que a obrigação de alimentos cessa quando "aquele que os recebe deixe de precisar deles".
Assim, ter-se-à que concluir, como se conclui, que o direito dos ascendentes à pensão anual resulta do próprio instituto da obrigação alimentar, existindo esta, como decorre do disposto no Código Civil, designadamente dos art.s 2003.º e 2004.º a favor das pessoas que não possam prover integralmente o seu sustento.
O que se deixa afirmado, embora no domínio da anterior LAT, vale, mutatis mutandis, no âmbito da nova LAT (Lei n.º 100/97, de 13.09), aplicável aos presentes autos).
Com efeito, nesta matéria, a redacção da anterior LAT é praticamente igual à da nova LAT, constatando-se apenas que enquanto na Lei n.º 2127 se mencionava que a "vítima contribuísse com regularidade para o ... sustento" dos ascendentes, na Lei n.º 100/97, estabelece-se que o "sinistrado contribuísse com regularidade para o ... sustento" dos ascendentes (sublinhado nosso).
Por isso, no acórdão deste Tribunal de 31.03.04 (6), considerou-se que também à luz da Lei n.º 100/97, são dois os requisitos que a norma da alínea d) do n.º 1 do art. 20.º exige para atribuição aos ascendentes do direito à pensão: contribuição do sinistrado, com carácter de regularidade, para o sustento dos ascendentes e necessidade desse auxílio.
E acrescenta: "É que, contrariamente a uma outra categoria de beneficiários em que a lei presume, juris et de jure, a dependência económica, em relação aos ascendentes o legislador exige uma certa dependência económica concreta, para que assumam a categoria de beneficiários".
Assente, pois, que são pressupostos essenciais para que os ascendentes adquiram o direito a pensão anual, por morte do sinistrado, que este contribuísse com regularidade para o sustento daqueles, e que os mesmos necessitem desse auxílio, é agora chegado o momento de analisar se no caso sub judice se verificam tais pressupostos, sendo certo que era aos AA que competia alegar e provar os factos constitutivos do direito (7).
Na petição inicial, os AA. alegaram, a este respeito, que são pais do sinistrado, E (art. 1.º), que este vivia em comunhão de mesa e habitação com os pais (art. 2.º), "contribuindo com quantias variáveis do seu salário, cerca de 70.000$00/mês, para as despesas domésticas, nomeadamente, alimentação, vestuário e medicamentos, doc. n.º 1" (art. 3.º).
O documento n.º 1, reporta-se a um atestado, para "fins judiciais", emitido pela Junta de Freguesia da área de residência dos AA.
O facto constante do art. 1.º da p.i. foi no despacho saneador considerado como assente, sob a alínea A).
Em relação aos factos constantes dos art.s 2.º e 3.º da p.i., foram levados à Base Instrutória, formulando-se os seguintes quesitos:
"1.º
O sinistrado vivia em comunhão de mesa e habitação com os Autores?
2.º
E contribuía com quantias variáveis do seu salário, cerca de 70.000$00/mês para as despesas domésticas, nomeadamente alimentação, vestuário e medicamentos?" (fls. 162 dos autos).
Ao quesito 1.º, o tribunal respondeu: "provado"; e ao quesito 2.º: "provado que o sinistrado contribuía com quantias variáveis do seu salário mensal para as despesas domésticas, nomeadamente, alimentação".
Da resposta a estes quesitos é possível concluir que se mostra preenchido o requisito da contribuição regular e contínua do sinistrado para o sustento dos AA., ainda que não tenha ficado provado o montante, mesmo que aproximado, dessa contribuição.
Porém, pergunta-se: da mesma resposta pode concluir-se da necessidade de tal contribuição para os AA.?
A resposta, adiantando já a conclusão, não pode deixar de ser negativa.
Alegam os recorrentes (conclusão 10.ª das alegações) que os factos são suficientes para inferir que os AA. careciam do auxilio económico do filho, pois, em "bom português", resulta claro do vocábulo "contribuição", que quem beneficia regularmente dessa contribuição para se sustentar carece ao menos parcialmente, de meios económicos para tal.
É certo que o significado etimológico da palavra contribuir é "concorrer para uma despesa comum", "ter parte num resultado", "cooperar".
Todavia, não se vê que o facto de um sinistrado contribuir ou cooperar regularmente nas despesas domésticas, tal signifique a necessidade dos seus pais nessa contribuição: na verdade, pense-se que um sinistrado pode fazer uma contribuição a título meramente voluntário e individual, porventura, até por razões de natureza ética, independente da vontade e necessidade dos pais; ou ainda, noutra perspectiva, pode a contribuição resultar de exigência dos ascendentes de que todos os membros do agregado familiar com possibilidades para tal contribuam para as despesas domésticas, sem, porém, que estes tenham, forçosamente, necessidades económicas que justificassem tal contribuição.
Ademais, se da contribuição regular para as despesas domésticas dos ascendentes (que, no caso, nem sequer se apurou o montante, ainda que aproximado) se inferisse que estes careciam de auxílio económico, então não se justificaria a autonomização deste 2.º requisito, satisfazendo-se a lei com o preenchimento do 1.º, e único, requisito.
Sustentam ainda os recorrentes (conclusão 7.ª das alegações) que a necessidade de auxilio económico dos AA. foi alegada no art. 3.º da p.i., embora de forma não autónoma relativamente ao restante conteúdo do articulado.
A este respeito, refira-se que, como se analisou supra, o que os AA. alegaram no art. 3.º da p.i. foi a contribuição regular do sinistrado para as despesas domésticas: e o facto de no final desse artigo vir a referência a "doc. 1", mais não significa que este documento é apresentado como meio de prova em relação ao alegado no artigo.
Tratando-se o documento, de uma certidão emitida pela Junta de Freguesia da área de residência dos AA./ascendentes do sinistrado, em que se "...atesta, para fins judiciais, ao abrigo do disposto na al. p) do n.º 6 do art.º 34.º, da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro...", o mesmo - como os próprios recorrentes parecem reconhecer -, não faz prova plena quanto à veracidade do seu conteúdo, mais não sendo do que um meio de prova a atender na fixação da matéria de facto (8).
Ou seja, o referido documento apenas prova a emissão da declaração pela Junta de Freguesia, mas não os factos nela atestados - que nada se diz se são do conhecimento directo da entidade documentadora -, relevando como elemento probatório a apreciar livremente pelo tribunal (cfr. art. 371.º, do CC).
Nesta sequência, importa deixar referido que a matéria fáctica alegada pelos AA. foi objecto de quesitação, tendo obtido as respostas aludidas, pelo que não existe fundamento para ordenar a ampliação da matéria de facto, nos termos estatuídos no art. 729.º, n.º 3, do CPC.
E, face à matéria de facto provada, conclui-se que o sinistrado, que vivia em comunhão de mesa e habitação com os AA., contribuía com quantias variáveis do seu salário mensal para as despesas domésticas.
Porém, nada se provou sobre as "necessidades" dos AA quanto à contribuição do sinistrado.
Daí que faltando o 2.º pressuposto para a atribuição aos AA./ascendentes da pensão, por morte de acidente de trabalho do filho, terá forçosamente a acção que soçobrar, quanto a esta matéria.
Improcedem, consequentemente, as conclusões das alegações de recurso.

IV. Decisão
Termos em que se decide negar a revista.
Sem custas.

Lisboa, 13 de Julho de 2004
Vítor Mesquita
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
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(1) Conforme decorre do disposto no art. 1.º do DL n.º 382-A/99, de 22.09, 41.º, n.º 1, a), da Lei n.º 100/97, de 13.09 e 71.º, n.º 1, do DL n.º 143/99, de 30.04, a LAT e RLAT entraram em vigor em 01.01.00, aplicando-se aos acidentes de trabalho ocorridos após essa data.
(2) Vide, neste sentido, entre outros os acórdãos deste Supremo Tribunal de 26.07.85 (BMJ 349.º-358), de 21.0.99 (Revista n.º 3/99 - 4.ª Secção), de 29.03.00 (Revista n.º 357/99 - 4.ª secção), de 07.06.00 (Revista n.º 31/00 - 4.ª Secção), de 17.10.00 (Revista n.º 1810/00 - 4.ª secção), de 13.03.01 (Revista n.º 3729/00 - 4.ª secção), de 17.04.02 (Revista n.º 1693/01 - 4.ª Secção) e de 13.11.02 (Revista n.º 1585/02 - 4.ª secção).
(3) Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, pág. 117.
(4) Vide, ac. do STJ de 20.02.91, AJ 15.º/16.º, pág. 17.
(5) Entendidos como tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário - art. 2003, n.º 1, do CC.
(6) Revista n.º 3948/03, da 4.ª Secção.
(7) Art. 342. º, n. º 1, do CC.
(8) Neste sentido, vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 04-07-96 (Proc. n.º 313/96 - 1.ª Secção), de 22-04-97 (Proc. n.º 585/96 - 1.ª Secção) e de 12-06-03 (Revista n.º 1752/03 - 7.ª Secção).