Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA VÍCIOS DO ARTº 410 CPP RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | SJ200810080030683 | ||
Data do Acordão: | 10/08/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário : | I - O STJ, sendo um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais. II - Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos apontados vícios por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação. III - Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 – inalterada com a operada pela Lei 48/2007, de 29/08 –, que alterou a redacção da al. d) do art. 432.º do CPP, fazendo-lhe acrescer a expressão, antes inexistente, “visando exclusivamente o reexame da matéria de direito”, opção que visou limitar o acesso ao STJ, sob pena de o sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é. IV - Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente restabelecer a equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto. V - E esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, se bem que por vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem se o recurso para ali for logo encaminhado. VI - O recurso da matéria de facto tem em vista questionar o passo que se deu da prova produzida aos factos dados por assentes e/ou o passo que se deu destes à decisão. No primeiro caso, o recorrente deverá impugnar a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova; no segundo, invocar um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º). VII - Quando o recorrente alega, por referência ao art. 410.º, n.º 2, do CPP, vícios da decisão recorrida, mas fora das condições previstas nesse normativo, limita-se a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127.º do CPP. VIII - Não tendo o recorrente exercido o recurso em matéria de facto de forma processualmente válida, não podia o Tribunal da Relação reanalisar pontualmente a matéria de facto – nem era legalmente exigível que o fizesse –, porque não havia objecto factual preciso, explicitado em invocação de pontos de facto incorrectamente julgados, com identificação concreta das passagens da gravação em que se fundava a impugnação. IX - A nulidade por omissão de pronúncia – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP –, mesmo não alegada, é oficiosamente cognoscível em recurso, visto que as nulidades da sentença enumeradas naquele preceito têm tramitação própria e diferenciada do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que tais nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de JustiçaNo Tribunal Judicial de Fafe – 3º Juízo – Pº n.º 1051/07.0GAFAF, foi julgado pelo tribunal Colectivo o arguido AA, com os demais sinais dos autos, na sequência de acusação que lhe moveu o MºPº, imputando-lhe a autoria material, com dolo directo, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas nos artigos 131º e 132º nº 1 e nº 2 alíneas e) e j) do Código Penal. - BB, viúva de CC, id. nos autos, deduziu pedido de indemnização civil no montante de € 176.950, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação e até integral pagamento.- Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que julgando a acusação parcialmente provada e procedente:- Condenou o arguido AA pela autoria material de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de dez anos de prisão; - Absolveu o arguido AA da imputada autoria material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º, 132º nº 2 alínea d) parte final (motivo fútil) e i) (frieza de ânimo) do Código Penal; - Julgando o pedido de indemnização parcialmente provado e procedente: - Condenou o demandado AA a pagar à demandante BB: - O que vier a ser liquidado em incidente próprio relativamente a despesas de funeral e de deslocação aludidas nos pontos 31) e 32) da fundamentação de facto; - € 55.200 a título de alimentos, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 10 de Janeiro de 2008 até integral e efectivo cumprimento; - € 25.000 a título de compensação por danos não patrimoniais por esta sofridos, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento; - Absolveu o demandado AA da instância relativa às pretensões deduzidas pela demandante BB nos artigos 30º e 39º do pedido cível; - Absolveu o demandado AA do remanescente do pedido. --- Dessa decisão foi interposto recurso, para o Tribunal da Relação de Guimarães “no qual se defende que das provas produzidas em audiência e da pericial e documental, resulta que o disparo não foi intencional, nunca tendo o arguido querido matar o seu irmão, tendo apenas ocorrido o disparo «porque a vítima agarrou os canos da arma em sua direcção, com o intuito de a retirar ao arguido e, nessa sequência a mesma disparou, não tendo sido possível determinar o autor do disparo».Em consequência, o recorrente pedia que se altere ou elimine a matéria de facto dos pontos 4, 6, 9, 13, 14, 16, 19, 20, 21, 22 e 28 e que se decida a sua absolvição ou, no máximo, que lhe seja aplicada uma pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos.” O Tribunal da Relação proferiu douto acórdão em que julgou improcedente o recurso.De novo inconformado, vem o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões: A-) O douto acórdão recorrido limitou-se a enfatizar o constante do douto acórdão proferido em primeira instância, não querendo saber, em momento algum, da argumentação expendida pelo arguido/recorrente; B-) Tratando-se, como se tratava de um recurso que versava também sob a matéria de facto, impunha-se que o julgador do Tribunal de recurso, se pronunciasse em concreto sob as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento; C-) Limitou-se o julgador do Tribunal de recurso, a insistir na forma como entendeu ter actuado o Tribunal recorrido, demonstrando claramente não admitir alterar a matéria de facto, por entender que é o julgador de primeira instância que contacta com a prova testemunhal, que vê e valora a forma como as testemunhas depõem, não dispondo o julgador do Tribunal de recurso, de meios para fazer uma correcta interpretação da prova testemunhal produzida em julgamento; D-) Diz também que o julgador de primeira instância actuou com todos os cuidados, fez um juízo adequado e seguiu o caminho que entendeu correcto face à prova produzida e que o arguido apenas apresentou uma visão diferente da prova produzida em julgamento; E-) É evidente que estamos perante diferentes análises à prova produzida em julgamento; F -) Dúvidas não temos que o Tribunal de primeira instância actuou como entendeu adequado. E o recurso não é e nem nunca pode ser entendido como uma visão de censura da decisão proferida, entenda-se em sentido pejorativo; G-) Os julgadores da primeira instância e todos em geral, nos merecem o maior respeito. Temos também o direito de pensar de modo diverso e de ver de forma diferente os depoimentos prestados e a restante prova produzida em audiência de discussão e julgamento; H- ) Se assim não fosse, de nada servia o recurso! 1-) O que se visava e visa com a interposição do recurso para o agora Tribunal "a quo", era que este procedesse a uma reanálise da prova que se produziu em audiência de julgamento. Porém, este recusou-se a fazê-lo! J-) Pretendeu também o recorrente que o agora Tribunal "a quo" face à matéria de facto dada como provado, fizesse uma diferente aplicação do direito. Também, nesta parte, o agora Tribunal "a quo", se recusou a fazê-lo! K-) É pois nulo, por omissão de pronúncia, o acórdão recorrido, nulidade, essa, que se invoca para todos os devidos e legais efeitos. L-) O Acórdão recorrido padece de vício de erro notório na apreciação da prova, tal como o Tribunal de primeira instância, uma vez que manteve a matéria de facto dada como assente, sendo que na primeira instância, a maior parte dos factos dados como provados, sobretudo os de maior relevo, foram-no em total desconformidade com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e bem assim com a pericial e a demais constante dos autos; M-) Tem pois que se proceder à alteração da matéria de facto dada como assente, e conformá-la com a decorrente das provas produzidas; N-) A factualidade assente e que carece de revisão é a constante dos pontos 4.,6.,9., 13., 14.(apenas do inicio e até disparo), 16., 19.,20.,21.,22. e 28.; 0-) O Tribunal de primeira instância, entendeu valorizar os depoimentos de DD e de BB, filho e mulher da vítima e de não valorar os depoimentos de EE, FF, GG e as declarações prestadas pelo arguido, com o seguinte e surrealista fundamento: "Os restantes depoimentos não foram valorados por consubstanciarem uma lamentável tentativa de transformar a vítima no "mau da fita". Com efeito, não podemos deixar de salientar que o arguido optou por não prestar declarações na fase inicial do julgamento e dar a sua versão antes do início da audição das testemunhas de defesa, funcionando como uma espécie de prelúdio para o relato destas. Contudo, a encenação resultou numa série de versões desconexas, com contradições intrínsecas entre si."; P-) O Tribunal de primeira instância, ab initio, isto é, mesmo antes de produzida a prova que se demonstrou condizente com as declarações do arguido, já tinha formado a sua convicção; Q-) Curioso é notar, que no caso da testemunha BB, o Tribunal adopta outra postura. Veja-se o que afirma o Tribunal de primeira instância: "O Tribunal não valorou o seu depoimento no que diz respeito aos disparos, porquanto a testemunha referiu que se manteve na varanda da casa da sogra até ao momento em que o cunhado disparou para o ar e que, depois, foi ter com o marido ao espigueiro, com ele se mantendo no momento do tiro que o matou. Ora, tal versão não faz sentido na medida em que é normal que as pessoas se protejam quando há disparos e se afastem do local onde o seu autor se encontra, em vez de irem ao seu encontro. Por outro lado, os pormenores que relatou não coincidem com elementos objectivos. Com efeito, referiu que o marido deu uma pancada na mão do irmão e conseguiu desarmá-lo, mas este conseguiu apanhar e municiar a arma, apontando-a e disparando à distância de 4 metros. Este relato não se conjuga com as marcas de lesões apresentadas pelo arguido, situadas nos braços e no ombro esquerdo e não na mão como certamente sucederia se fosse atingido com uma pancada. Acresce que a dor sofrida impediria o arguido de pegar na arma novamente e de imediato, antes daria a oportunidade à vítima de a agarrar e impedir a sua detenção por aquele. A circunstância de os chumbos se encontrarem no hábito interno da vítima denotam que o tiro foi disparado a curta distância e não a 4 metros como referiu, pois nesse caso, ter-se-iam espalhado pelo hábito externo. O facto de não se valorar esta parte do depoimento não afecta a parte remanescente do relato, visto que o arguido referiu a sua presença no local no início da contenda e é verosímil que estando o marido alcoolizado se deslocasse com ele a casa da sogra e aí se mantivesse por saber que o cunhado andava à procura da arma."; R-) Salvo o devido respeito, o Tribunal de primeira instância, usou de uma subjectividade tal na apreciação da prova, que inquinou por completo todo o processo, mas mais, dá como provado no ponto 9., que o arguido disparou dois tiros para o ar e no ponto 13., que o arguido conseguiu colocar um cartucho de caça no interior da arma, sendo que apenas foram encontrados no local dois cartuchos, um vazio e outro cheio, pelo que era impossível ter havido três disparas, como o Tribunal deu como provado; S-) Teríamos que ter dois cartuchos vazios, isto a considerar que os demais ficaram dentro da arma que nunca apareceu. Não é pois possível que face aos elementos constantes dos autos, o Tribunal de primeira instância, tenha valorado o depoimento do filho e mulher da vítima, e dar como provado que foram disparados três tiros; T-) Tem pois que ser alterada, nessa parte, a matéria de facto dada como assente, ficando a constar que apenas foi deflagrado um cartucho; U-) Refere o Tribunal de primeira instância, que o depoimento das testemunhas de defesa, de GG, mãe do arguido e da vítima e as declarações do arguido, que não passaram de uma lamentável tentativa de transformar a vítima no "mau da fita". Parece-nos totalmente desajustada tal afirmação, e isso não resulta dos depoimentos; v -) Antes de passar à análise dos diversos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento, importa ainda referir as contradições insanáveis que resultam dos factos dados como provados. Diz o ponto 14. da matéria dada como assente que: "Quando ambos se encontravam a pouca distância e de frente um para o outro, o arguido apontou a arma à vítima e efectuou um disparado ... "; W-) No ponto 14., mais abaixo c na transcrição do relatório de autópsia, pode a dado momento ler-se o seguinte: " ... os bordos deste orifício são ligeiramente irregulares e apresentam-se infiltrados de sangue e enegrecidos por depósito de substância cinzenta-escura"; X-) No ponto 15., pode ler-se: " ... no espaço pleural esquerdo, em correspondência com o orifício de entrada descrito no hábito externo, de "bucha" constituída por material plástico"; y-) No ponto 16. lê-se que: "O projéctil disparado pelo arguido entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita, sendo a bucha respectiva encontrada no interior do corpo da vítima"; Z-) É pois óbvio que do relatório de autópsia, resulta evidente que o tiro foi dado à queima-roupa, isto é, com a arma completamente encostada ao corpo da vítima; A' -) Quando do relatório de autópsia decorre que os bordos do orifício se encontravam " ... enegrecidos por depósito de substância cinzenta-escma ... ", quer isto significar que se trata de pólvora; e ainda, a entrada da bucha no hábito interno da vítima, demonstra que o tiro não foi dado a curta distância, como foi dado como provado, mas sim, que o tiro foi dado com a arma encostada ao corpo da vítima; B' -) Impõe-se ainda referir que dos documentos dos autos, existem dois em contradição um com o outro; C' -) O relatório de autópsia refere que o projéctil entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita, sendo a bucha respectiva encontrada no interior do corpo da vítima; D'-) E o documento da Policia Judiciária de fis. refere que" ... não existiu qualquer dispersão dos bagos de chumbo, sendo o seu trajecto de frente para trás e, ligeiramente de baixo para cima, isto em relação á vitima."; E' -) O Senhor Inspector da Polícia Judiciária que escreveu tal informação, numa "cota" a fis. , diz que aquela informação foi obtida junto do Médico legista; F' -) Falta pois saber se o Agente da Polícia Judiciária se equivocou e interpretou erradamente a informação do Médico legista, ou pura e simplesmente se a transcreveu de forma errada, ou ao invés, se foi o Médico legista que ao elaborar o relatório de autópsia, se equivocou e escreveu de forma errada a informação obtida pelo exame ao hábito interno da vítima; G' -) A verdade é que dos autos resultam informações contraditórias, quanto ao facto de se o disparo foi efectuado de cima para baixo, ou de baixo para cima, e tal não é despiciendo, antes pelo contrário, é que se o disparo foi efectuado de baixo para cima, nunca poderia ter ocorrido por forma intencional, já o inverso, o que resulta como provado, pode ou não ter ocorrido com intencionalidade; H'-) Impunha-se que o Tribunal "a quo", uma vez que o Tribunal de primeira instância o não fez, esclarecesse tal questão, o que não sucedeu e que se impõe se venha a esclarecer; l' -) No ponto 28., da matéria de facto assente, foi dado como provado que arguido e vítima estavam alcoolizados. Porém, quanto a este facto, o único elemento de prova credível é o relatório de autópsia, que demonstra que a vitima tinha 2,57 g/l de álcool no sangue; J' -) Quanto ao arguido nenhuma prova segura foi apresentada, que demonstrasse que este estava igualmente alcoolizado; K' -) Toma-se imperioso agora, analisar as declarações do arguido, e os depoimentos das testemunhas DD, BB, EE FF e GG. L'-) ARGUIDO: O arguido prestou declarações, com relevo para a boa decisão da causa, no dia 20 de Fevereiro de 2008 e entre o período de gravação 01,20,41 a 01,25,36. Das declarações do arguido, cuja audição se impõe, naquele referido período de tempo, resulta que o arguido foi agredido pelo seu irmão (vitima) e pela sua cunhada, a testemunha BB. Resulta também que, o arguido a dado momento refugiou-se em sua casa e o seu irmão (vítima), o perseguiu no interior da mesma, tendo-o aí agredido novamente e também à mulher do arguido que se encontrava grávida. Que o arguido se socorreu da arma de fogo (caçadeira), com o único intuito de afastar a ameaça que comportava o seu irmão, que se encontrava altamente alcoolizado (veja-se relatório de autópsia, a vítima tinha 2,57 g/l). Que apesar de o arguido estar munido de arma de fogo, a vítima não se intimidou e dirigiu-se a ele com um pau, tendo-lhe dado uma pancada no braço esquerdo (vejam-se as fotografias constantes dos autos, do estado do arguido), e imediatamente a seguir agarrou-se aos canos da arma e puxou-a contra si, tendo-se esta entretanto disparado, não sabendo o arguido afirmar a forma como tal disparo ocorreu, tendo dito a instâncias da Mta Juiz Presidente do Tribunal de primeira instância, que tinha o dedo fora do gatilho. Disse ainda que andou envolvido com o seu irmão durante alguns minutos, ele a puxar a arma e este (arguido), a tentar evitar que o irmão lha tirasse, pois dado o seu estado de alcoólico, tinha medo que aquele se apoderasse da arma e que o matasse. Nunca teve qualquer intuito de matar o seu irmão, pessoa de que gostava e de quem era muito amigo (veja-se nesta parte matéria dada como assente); M-') DD: As declarações desta testemunha, filho da vítima, foram efectuadas a 20 de Fevereiro de 2008, entre as 00,13,55 e as 00,29,35. Afirma que o pai estava muito bêbado; que ainda queria sair, que não queria ir para casa; como ele tinha que trabalhar ao outro dia, foram para casa; Em nenhum momento refere que o arguido agrediu a mãe - GG. Diz ainda que o arguido não era pessoa muito agressiva. Disse que o arguido foi para casa e que o pai fugiu e agarrou num pau. Disse que ele (arguido) veio para fora e deu dois tiros de caçadeira. Disse também que o pai foi virado ao arguido com um pau, que ainda lhe chegou a dar num braço e que depois fugiu (a testemunha) para a casa da avó. Curiosamente, diz depois que: " ... quando venho a sair ouço um tiro e vejo o meu pai a cair no chão ... ". Depois, mais à frente diz: "Quando venho a sair ouço outro tiro, estava o meu pai encostado a ele, quando vou a chegar à beira do meu pai ele começou a virar-se de lado e a cair". Diz ainda, " ... o meu pai estava encostado a ele"; N'-) BB: As declarações desta testemunha, esposa da vítima, foram efectuadas a 20 de Fevereiro de 2008, entre as 00,30,40 e as 00,59,30. Diz que o arguido deu uma sapatada e um pontapé da própria mãe. Disse que: " ... 0 meu marido veio de lá do jardim e com o pau atirou-lhe a caçadeira ao chão ... ". Disse também que o arguido tomou a armar a caçadeira e acertou no marido. Disse que o marido entrou em caso do arguido, acha que lá dentro andaram pegados, no entanto não viu. Disse ainda que, a dado momento estavam os dois abraçados, só que depois veio o arguido com a caçadeira e atirou dois tiros ao ar. Também referiu que: " ... quando ele foi buscar a caçadeira foi quando o meu marido pegou no pau ... ". Referiu que o marido (vítima) tentou tirar a caçadeira ao arguido. Quando ocorreu o disparo, referiu que estava à beira do marido, que estavam os dois juntos, um dum lado e o outro do outro. A instâncias da Senhora Doutora Juiz Presidente disse que o marido deu com o pau na mão do arguido, que por sua vez deixou cair a arma ao chão e depois que a armou novamente, enquanto a vítima se dirigia em direcção ao espigueiro, onde estava no momento do disparo. Referiu que a distância, era de cerca de cinco metros, pelo menos, uma vez que refere que é mais ou menos do local onde se encontrava (testemunha), para o local onde se encontrava a Mta Juiz Presidente. A instâncias do advogado de defesa disse que não ouviu nada do que se passou dentro de casa do arguido. Mas depois referiu que ouviu a conversa entre o arguido e a sua companheira HH. Não soube explicar porque é que só OUVIU ". "…nessa maré", como referiu. Questionada porque é que não ouviu o resto, admitiu que a dado momento não estava no local, pois disse: " ... vim ver ... ". No entanto, não mais esclareceu o que foi ver; 0'-) EE: As declarações desta testemunha, irmão do arguido e da vítima, foram efectuadas a 20 de Fevereiro de 2008, entre as 01,44,50 e as 01,53,02. A testemunha refere que quando chegou ao local, que viu o seu irmão na esquina da casa com uma vara na mão e que lhe disse para ele ir embora, ao que este lhe disse, ele já levou e ainda vai levar mais. Posteriormente, que viu os dois envolvidos, agarrados um ao outro, que houve um disparo, que um caiu e que o outro fugiu. Que não viu o seu sobrinho, a testemunha DD. Que no local só estavam o arguido e a vitima engastalhados e a mãe da testemunha, do arguido e da vitima, GG; P' -) FF: As declarações desta testemunha, cunhada do arguido e da vítima, foram efectuadas a 20 de Fevereiro de 2008, entre as 01,56,50 e as 02,03,40. Esta testemunha, esposa da testemunha anterior ¬ EE, basicamente disse o mesmo que o seu marido, Aliás, ambas referiram que foram os dois juntos para o local, tendo esta testemunha afirmado que o seu marido seguia um pouco mais à sua frente. Q'-) GG: As declarações desta testemunha, mãe do arguido e da vítima, foram efectuadas a 11 de Março de 2008, entre as 00,00,00 e as 00,10,45. Disse a testemunha que, a vitima e a mulher bateram no arguido e que depois aquele levou a rastos o arguido até à porta da cozinha de casa deste. Que depois o arguido se meteu dentro de casa e que a vítima deu um pontapé na porta e arrebentou-a; que lhe deitou a mão (a testemunha à vítima), mas ele que a empurrou para trás. Que a vitima, dentro da casa do arguido, bateu neste. Disse ainda que o arguido dirigindo-se ao irmão (vítima), dizendo: "Oh Quim, não me batas mais que eu estou quase morto". E a vitima continuou a bater no arguido, tendo entretanto a mulher deste se metido ao meio, e a vítima começou a dar murros na mulher do arguido. Disse ainda que o arguido, quando com a arma, tinha a mesma com os canos virados para o chão. Disse também, que a vítima pegou num pau e " ... deu¬lhe uma troçada no braço e disse ainda meu filho da puta que agora sempre vais. Sendo que o arguido disse para a vitima "vai-te embora". Entretanto a vitima, caçou-lhe a arma, andaram de um lado para o outro, sendo que o CC(vítima) nunca mais largou a arma, e entretanto disparou-se um tiro. Instada pela Senhora Procuradora, relativamente ao tiro, se a vitima o tinha disparado contra ele próprio, a testemunha disse: "Não sei, não sei quem foi. .. ". E disse mais" ... foi ele quem puxou a arma, ele tinha a arma no chão ... , puxou os canos virados a ele ... " . Instada sobre se o arguido lhe tinha batido disse: "O meu filho nunca me bateu, nunca me agrediu, pelo contrário. isso é verdade eu juro-lhe". Disse também que "este (referindo-se ao arguido) era muito amigo do pai e da mãe". Instada se a testemunha DD, se encontrava no local, no momento dos disparos, disse: "O DD estava, mas ele fugiu ... ". Disse ainda "quem viu fui eu, que era quem lá estava ... nem a mulher do AA (arguido), nem a do CC(vítima), que estava lá em baixo para os meninos... ". " ... Quem estava era eu e o meu marido que está encangrado... . Disse ainda "Mas este (arguido) não lhe atirava que eles eram muito amigos". "Era mais fácil atirar o outro a este do que este ao outro ... ". lnstada pela Senhora Procuradora se ouviu o tiro disse: "Eu ouvi o tiro? Eu estava ao pé deles! Foi amarrada senhora doutora", lnstada ainda pela Senhora Procuradora acerca do local onde estavam disse: "Estavam amarrados à minha porta ... o CCdeu-lhe com um pau no braço, mas era para a cabeça, e agarrou na arma e disse ainda meu filho da curta que agora sempre vais... ". Ainda referiu que a vitima pegou na espingarda virada a ele. R' -) Face ás provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, entendemos que os pontos 4., 6.,9.,13., 14.(apenas do início e até disparo), 16., 19.,20., 21., 22. e 28., dos factos assentes têm que ser alterados; S' -) Importa referir que não se compreende porque razão o Tribunal de primeira instância não valorou os depoimentos das testemunhas EE, FF e GG, e bem assim, porque razão fez tábua rasa das declarações prestadas pelo arguido; T' -) Entendeu o Tribunal de primeira instância, que o arguido engendrou uma estratégia, conjuntamente com tais testemunhas, de tal modo que até só decidiu prestar declarações antes das testemunhas de defesa e a testemunha GG, faltou na primeira data da audiência; U' -) Assiste ao arguido o direito de definir o momento em que pretende prestar declarações e tal não o pode prejudicar; V' -) Decorre do teor do douto acórdão proferido pelo Tribunal de primeira instância e mantido pelo Tribunal "a quo", que o momento escolhido pelo arguido para prestar declarações foi prejudicial à sua defesa, o que encerra uma nulidade insanável, que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos, e que implica a anulação do julgamento; W' -) O Tribunal com base nesse pressuposto, pura e simplesmente desprezou a prova produzida cm audiência de discussão e julgamento e que era favorável à posição do arguido, e não pode o Tribunal referir que as testemunhas EE, FF e GG, eram hostis à vitima e favoráveis ao arguido; X'-) O EE é irmão de ambos, a FF é cunhada de ambos e a GG é a mãe de ambos; Y' -) Ao invés, as testemunhas em que o Tribunal se sustentou, o DD e a BB, são filho e mulher da vitima; Z' -) Estas sim, são testemunhas muito mais parciais, que para além do mais, tinham pendente um pedido de indemnização civil, sendo que pelo valor dele constante, pode-lhes ter criado uma errónea convicção de que iriam receber muitos milhares de contos, o que constituía factor condicionante do seu depoimento; A" -) Ouvidos por diversas vezes os depoimentos, não existe nenhuma razão de fundo para afastar os depoimentos de EE, FF e GG, sendo que o desta última foi feito de forma absolutamente convicta e com uma firmeza indesmentível; B" -) Ao invés, os depoimentos do filho e da mulher da vítima são incoerentes e contraditórios, sendo que nenhum deles explicou com credibilidade o momento do disparo, o que é fundamental para apurar se o disparo ocorreu fruto de um acto intencional do arguido ou ao invés, de um acto involuntário, tenha sido ele originado pela vitima ou pelo arguido; C" -) Devem pois ser alterados os factos dados como assentes sobre os pontos 4., 6., 9., 13., 14.(apenas do início e até disparo), 16., 19., 20., 21., 22. e 28., de forma a que passem a ter a seguinte redacção: Ponto 4. - GG e o neto saíram, então, à porta, tendo o arguido começado a protestar, em alta voz, com este; Ponto 6. - O arguido, que estava a ser agredido pelo seu irmão CC(vítima), refugiou-se dentro de casa, tendo este rebentado com a porta e entrou na casa daquele, agredindo-o dentro da sua própria casa, e bem assim à companheira deste, HH, quando a mesma se interpôs ao meio de ambos; Ponto 9. - Eliminar; Ponto 13. - Eliminar; Ponto 14. - Quando ambos se encontravam agarrados à arma caçadeira e encostados um ao outro, ocorreu um disparo, cujo autor se desconhece e que atingiu a vítima no hemitórax anterior esquerdo ... ; Ponto 16. - Eliminar" ... disparado pelo arguido ... "; Ponto 19. - Eliminar; Ponto 20. - Eliminar; Ponto 21. - Eliminar; Ponto 22. - Eliminar; Ponto 28. - "No momento dos factos a vitima estava alcoolizada, uma vez que tinha 2,57 gll no sangue"; D" -) Atenta a factualidade que se quer ver alterada, nos moldes supra referidos, tem que se concluir que ocorreu um disparo acidental, pelo que o arguido tem que ser absolvido; E"-) Pretendia o recorrente que o Tribunal "a quo", se pronuncie-se sobre a visão por si apresentada de aplicação do direito, face aos factos dados como assentes na decisão da primeira instância, por entender que deveria ter sido aplicada pena diversa ao arguido; F" -) A isso respondeu o Tribunal "a quo" que: "como não há argumentos e nem fundamentos para esta pretensão, ... nada se deve dizer"; G" -) Pretende agora o recorrente, face à omissão de pronuncia do Tribunal "a quo", que o Tribunal "ad quem" se pronuncie, se mesmo com a factualidade dada como assente, deveria ter sido aplicada pena diversa ao arguido; H" -) O Tribunal aplicou ao arguido a pena de 10 anos de prisão, sendo que a moldura penal abstracta se situa entre os 8 e os 16 anos; I" -) Foi dado como provado, que o arguido não tem antecedentes criminais; que é tido como uma pessoa correcta, respeitadora, humilde e não violento; que arguido e a vítima eram amigos e tinham convivido durante a tarde; que a vítima desferiu uma pancada no ombro esquerdo do arguido com um pau, isto apesar de o arguido se encontrar a empunhar a arma caçadeira; J"-) Tais factos são de molde a considerar que ao arguido se deveria ter aplicado a pena mínima legalmente prevista, a qual deveria ser especialmente atenuada, nos termos do disposto no artigo 72°, nº 1 do Código Penal; K" -) E assim sendo, o limite mínimo da pena situar-se-ia nos 18 meses de prisão, que tanto deveria ser a pena a aplicar ao arguido, no caso de ser mantida a factualidade dada como assente pelo Tribunal, que como supra se referiu se pretende ver alterada; L’' - ) A posição do recorrente é que da prova produzida em audiência de julgamento e bem assim aquela que resulta das provas periciais e documentais existentes é de que o disparo efectuado não foi intencional, pelo que o arguido nunca quis matar o seu irmão e nem o matou, uma vez que tal só ocorreu, porque a vítima agarrou os canos da arma em sua direcção, com o intuito de a retirar ao arguido e, nessa sequência a mesma disparou, não tendo sido possível determinar o autor do disparo; M" -) No entanto, se assim se não entender, o que se não concede e nem concebe, sempre se tem que considerar que a pena se deve situar no mínimo e ser especialmente atenuada, aplicando-se, por essa via ao arguido a pena de 18 meses de prisão, os quais devem ser suspensos na sua execução, pelo período máximo de 3 anos; N" -) O douto acórdão recorrido violou entre outras as normas constantes dos artigos 131°, 72° e 14° do Código Penal e artigos 368°,379°, alínea c), do C.P.P .. Nestes termos e nos melhores de direito a suprir por Vªs Exªs, Venerandos Conselheiros, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência, ser o douto acórdão recorrido revogado e substituído por outro que absolva o arguido, ou se assim se não entender, o que não se concebe nem concede, ser o douto acórdão recorrido revogado e substituído por outro que reduza a pena aplicada ao arguido de 10 anos, para 18 meses de prisão, nos termos supra expendidos. Respondeu o Digmo Procurador-Geral Adjunto à motivação do recurso, concluindo: 1. O douto acórdão recorrido não padece de insuficiência fáctica, não se verificando omissão de pronúncia conducente à sua nulidade, sendo suficiente a prova fixada nos autos para a boa decisão; 2. De modo idêntico, não transparece do aresto em crise qualquer erro notório na apreciação da prova, a qual, pelo contrário foi correcta e validamente analisada; 3. Não foram violadas quaisquer normas penais, substantivas e adjectivas, nomeadamente os artigos 131.°, 72.° e 14.° do Código Penal e 368.° e 379.°, alínea c), do Código de Processo Penal. Termos em que deve ser negado o recurso do arguido e confirmado o douto acórdão recorrido. Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, melhor apreciarão e decidirão, fazendo JUSTIÇA! Neste Supremo, a Dig,ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se nos termos de fls dos autos.Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais. Consta do acórdão da Relação: “MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida assentou, no que interessa, na seguinte matéria de facto: 1. No dia 12 de Agosto de 2007, cerca das 22h30m, faltou a energia eléctrica na casa do arguido AA, sita no rés-do-chão, no Lugar de Vilardoufe, Seidões, Fafe, sendo que o contador de electricidade é comum à casa deste, de sua mãe GG, onde se encontra instalado, e de seu irmão CC, residente a cerca de 20 metros. 2. Por esse facto, o arguido saiu repentinamente da sua casa e subiu as escadas dirigindo-se ao 1º andar do mesmo prédio, onde reside a sua mãe assim como o seu sobrinho DD, filho do seu irmão CC. 3. Aí, começou a pontapear a porta de entrada, ao mesmo tempo que gritava que a culpa da falta de luz era do DD 4. GG e o neto saíram, então, à porta, tendo o arguido começado a protestar com ambos, em alta voz, tendo, mesmo, desferido um soco que se dirigia ao sobrinho mas foi recebido pela sua mãe, que se colocou à frente do neto. 5. Nesse momento, e alertado pelo barulho, surgiu no local CC, que por ter ficado bastante desagradado com a cena descrita, empurrou o arguido, tendo-se ambos envolvido em luta, no decurso da qual desferiram mutuamente diversos pontapés e murros. 6. De seguida, o arguido saiu em direcção a sua casa, tendo DD alertado o pai que o tio ia buscar a arma. 7. No interior da habitação o arguido AA muniu-se da arma caçadeira que possuía, e cujas características concretas não foram apuradas. 8. De seguida, deslocou-se para o exterior da residência, levando consigo a arma e alguns cartuchos 9. Assim que o arguido saiu da sua residência disparou dois tiros para o ar. 10. Em circunstâncias que não foi possível esclarecer CC muniu-se de um pau de características não apuradas. 11. O arguido encaminhou-se para a eira aí encontrando CC armado com o pau. 12. Este desferiu uma pancada no ombro esquerdo do arguido com o referido pau. 13. O arguido conseguiu colocar um cartucho de caça no interior da arma. 14. Quando ambos se encontravam a pouca distância e de frente um para o outro, o arguido apontou a arma à vítima e efectuou um disparo que o atingiu no hemitorax anterior esquerdo – sobre o mamilo esquerdo – e lhe provocou as seguintes lesões: - contusão e equimose localizada junto do mamilo esquerdo, ligeiramente acima e desviado para a esquerda do mesmo, de 1,7 por 1,5 cm; - orifício único, sem orifícios satélites, de forma ovalada, de 2,8 por 2 cm, localizado na face anterior do hemitórax esquerdo, a 5,5 cm da linha média e a 4 cm do mamilo esquerdo; os bordos deste orifício são ligeiramente irregulares e apresentam-se infiltrados de sangue e enegrecidos por depósito de substância cinzenta-escura; o orifício apresenta nos quadros internos uma orla de contusão uniforme de 2mm de largura, que se apresenta ligeiramente mais larga na parte média dos quadrantes externos (4 milímetros de largura máxima) - orla de contusão excêntrica; na periferia do orifício observam-se ainda pequenas, irregulares e dispersas áreas de epiderme, de coloração avermelhada, áreas essas que são mais evidentes na parte inferior e lateral do orifício; este orifício é seguido de trajecto penetrante na caixa torácica - orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano comprido (caçadeira). - infiltração sanguínea no tecido subcutâneo e músculos em áreas adjacentes ao orifício de entrada dos projécteis de arma de fogo; - fractura dos arcos costais com infiltração sanguínea dos topos ósseos ao nível da 5ª, 6ª e 8ª costelas à esquerda pelo arco anterior, com destruição e perda de tecidos definindo-se a este nível um orifício de contornos irregulares, de 6 por 5 cm - orifício de passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo (caçadeira) em correspondência com o orifício de entrada supra descrito, seguido de trajecto penetrante na caixa torácica; - fracturas dos arcos costais com infiltração sanguínea dos ósseos ao nível da 5ª, 6ª e 8ª costelas à esquerda pelo arco anterior e da 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª costelas à esquerda pelo arco posterior; múltiplas perfurações dos tecidos moles ao nível dos espaços intercostais - aspecto compatível com lesões produzidas pela passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo (arma caçadeira): presença de múltiplos grãos de chumbo nas massa musculares da parede posterior do hemitórax esquerdo; - pericárdio com múltiplas perfurações por passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo; - múltiplas lesões perfurantes ao nível das aurículas e da parede antero-lateral e posterior do ventrículo esquerdo – aspecto compatível com lesões produzidas pela passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo (caçadeira); 15. Realizada autópsia foi detectada a presença: - no espaço pleural esquerdo, em correspondência com o orifício de entrada descrito no hábito externo, de “bucha” constituída por material plástico; - de múltiplos grãos de chumbo no fundo de saco pleural esquerdo; - de múltiplos grãos de chumbo no parênquia pulmonar. 16. O projéctil disparado pelo arguido entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita, sendo a bucha respectiva encontrada no interior do corpo da vítima. 17. As lesões descritas em 14) provocaram, directa e necessariamente, a morte de CC. 18. Após o sucedido, o arguido colocou-se em fuga, levando consigo a arma caçadeira, que não mais foi localizada. 19. O arguido, quis tirar, como tirou, a vida a CC. 20. O arguido alvejou o irmão no tórax e a muito curta distância. 21. Sabia que ao usar uma espingarda caçadeira, cujas características perigosas e potencialidades letais bem conhecia, disparando com ela pela forma supra descrita, iria provocar lesões nos órgãos vitais do seu irmão, susceptíveis de lhe causarem a morte, resultado que queria atingir. 22. Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.Cumpre apreciar e decidir: Invoca o recorrente na conclusão L) que: O Acórdão recorrido padece de vício de erro notório na apreciação da prova, tal como o Tribunal de primeira instância, uma vez que manteve a matéria de facto dada como assente, sendo que na primeira instância, a maior parte dos factos dados como provados, sobretudo os de maior relevo, foram-no em total desconformidade com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e bem assim com a pericial e a demais constante dos autos; Alega ainda contradições insanáveis que resultam dos factos dados como provados, no sentido de que “dos autos resultam informações contraditórias, quanto ao facto de se o disparo foi efectuado de cima para baixo, ou de baixo para cima, e tal não é despiciendo, antes pelo contrário, é que se o disparo foi efectuado de baixo para cima, nunca poderia ter ocorrido por forma intencional, já o inverso, o que resulta como provado, pode ou não ter ocorrido com intencionalidade”; pois que: - Diz o ponto 14. da matéria dada como assente que: "Quando ambos se encontravam a pouca distância e de frente um para o outro, o arguido apontou a arma à vítima e efectuou um disparado ... "; No ponto 14., mais abaixo e na transcrição do relatório de autópsia, pode a dado momento ler-se o seguinte: " ... os bordos deste orifício são ligeiramente irregulares e apresentam-se infiltrados de sangue e enegrecidos por depósito de substância cinzenta-escura"; No ponto 15., pode ler-se: " ... no espaço pleural esquerdo, em correspondência com o orifício de entrada descrito no hábito externo, de "bucha" constituída por material plástico"; No ponto 16. lê-se que: "O projéctil disparado pelo arguido entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita, sendo a bucha respectiva encontrada no interior do corpo da vítima"; - É pois óbvio que do relatório de autópsia, resulta evidente que o tiro foi dado à queima-roupa, isto é, com a arma completamente encostada ao corpo da vítima; Quando do relatório de autópsia decorre que os bordos do orifício se encontravam " ... enegrecidos por depósito de substância cinzenta-escura ... ", quer isto significar que se trata de pólvora; e ainda, a entrada da bucha no hábito interno da vítima, demonstra que o tiro não foi dado a curta distância, como foi dado como provado, mas sim, que o tiro foi dado com a arma encostada ao corpo da vítima; Analisando: Embora o nº 1 do artº 410º do CPP, refira: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vem sendo entendido por este Supremo, que os vícios constantes do artigo 410º nº 2 do CPP, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes. È certo que dispõe o nº 2 do artigo 410º: Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. É certo também que o artº 434º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3 , - artº 434º do CPP Mas, isto significa que sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais. Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação. Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432., fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é.(v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 - 5.a Secção) Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto. Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado. Como se decidiu por ex. no Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06- desta 3.a Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto. Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito,, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para 0 STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto. É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP. A reforma do Código de Processo penal operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto não alterou esse entendimento. Aliás a propósito da direcção do disparo, o acórdão recorrido expressamente referiu: “Diz o arguido que há contradição no modo como se descreve a orientação do tiro e que tal não é despiciendo, antes pelo contrário, é que se o disparo foi efectuado de baixo para cima, nunca poderia ter ocorrido por forma intencional e que já o inverso, o que resulta como provado, pode ou não ter ocorrido com intencionalidade. O que vem descrito, com base no relatório pericial é que o projéctil disparado pelo arguido entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita… A definição da orientação dos disparos (ou de outro tipo de agressões) é uma exigência médico-legal, que pode ser relevante ou decisiva em certas situações, mas não é o caso dos autos, sobretudo porque não se opõe uma dinâmica corporal ou gestual que impeça a conclusão de que houve um disparo intencional. Como afirma o Ilustre Procurador Geral-Adjunto, nenhuma arma se dispara sozinha; todas as armas ligeiras têm uma protecção em volta do gatilho: a arma só dispara se for accionado o gatilho. Não é a este Tribunal que cabe trazer exemplos de exclusão, senão, em conformidade com todos os elementos, conhecer da acusação, decidir e fundamentar.” Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se perfila pois a existência de qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do artº 410ºdo CPP. A matéria de facto provada é bastante para a decisão de direito, inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por ouro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formação cultural média. Quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova, bem como quanto às apontadas contradições, assinaladas pelo recorrente, este parece confundir os termos em que podem ocorrer tais vícios, pois que os liga, não ao texto da decisão recorrida, mas ao modo de valoração da prova, e até à própria prova. Aliás essa confusão é assaz elucidativa, quando a propósito dos documentos dos autos, refere que existem dois em contradição um com o outro: - O relatório de autópsia refere que o projéctil entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita, sendo a bucha respectiva encontrada no interior do corpo da vítima; e, o documento da Policia Judiciária de fis. refere que" ... não existiu qualquer dispersão dos bagos de chumbo, sendo o seu trajecto de frente para trás e, ligeiramente de baixo para cima, isto em relação á vitima."; - refere ainda: E' -) O Senhor Inspector da Polícia Judiciária que escreveu tal informação, numa "cota" a fis. , diz que aquela informação foi obtida junto do Médico legista; F' -) Falta pois saber se o Agente da Polícia Judiciária se equivocou e interpretou erradamente a informação do Médico legista, ou pura e simplesmente se a transcreveu de forma errada, ou ao invés, se foi O Médico legista que ao elaborar o relatório de autópsia, se equivocou e escreveu de forma errada a informação obtida pelo exame ao hábito interno da vítima; Como já salientava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP. É o caso dos autos em que o recorrente questiona o modo de valoração das provas, efectuada pelo tribunal de 1ª instância (v. conclusões P)e segs), valorando umas em detrimento de outras, pretendendo que o Tribunal da Relação “processe a uma reanálise da prova que se produziu em audiência de julgamento.”(v. alínea i), pretendendo revisão e alteração da matéria de facto, (v. conclusões M) N) e C’’) - o recorrente transcreve nas conclusões N) e seguintes da motivação do recurso interposto para o Supremo o mesmo conteúdo das conclusões C) e seguintes da motivação do recurso que interpuseram para a Relação.- e, assacando ao acórdão recorrido omissão de pronúncia, e, por isso pedindo a sua nulidade. . A nulidade por omissão de pronúncia referente a provas e ao seu modo de valoração da prova, integra o objecto de recurso em matéria de facto. * Como diz o Ilustre Procurador Geral-Adjunto, a circunstância de apenas serem apreendidos 2 cartuchos (1 cheio e outro vazio) não pode ter um significado decisivo, dado que o arguido fugiu após o crime, tendo-se entregue dois dias depois e a arma em causa nunca mais foi localizada, não podendo, por isso, ser objecto de exame, ficando-se sem se saber qual o modelo de extracção dos cartuchos (há armas que apenas extraem os cartuchos vazios) nem a razão (sem significado) para se ter encontrado também um cartucho cheio.O arguido conclui que não é pois possível que face aos elementos constantes dos autos, o Tribunal “a quo”, tenha valorado o depoimento do filho e mulher da vítima, e dar como provado que foram disparados três tiros. Possível, é, e essencial, isso sim, é que foi disparado um tiro a curta distância contra a vítima, de tal modo que a própria bucha ficou incrustada no corpo! * Diz o arguido que há contradição no modo como se descreve a orientação do tiro e que tal não é despiciendo, antes pelo contrário, é que se o disparo foi efectuado de baixo para cima, nunca poderia ter ocorrido por forma intencional e que já o inverso, o que resulta como provado, pode ou não ter ocorrido com intencionalidade.O que vem descrito, com base no relatório pericial é que o projéctil disparado pelo arguido entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita… A definição da orientação dos disparos (ou de outro tipo de agressões) é uma exigência médico-legal, que pode ser relevante ou decisiva em certas situações, mas não é o caso dos autos, sobretudo porque não se opõe uma dinâmica corporal ou gestual que impeça a conclusão de que houve um disparo intencional. Como afirma o Ilustre Procurador Geral-Adjunto, nenhuma arma se dispara sozinha; todas as armas ligeiras têm uma protecção em volta do gatilho: a arma só dispara se for accionado o gatilho. Não é a este Tribunal que cabe trazer exemplos de exclusão, senão, em conformidade com todos os elementos, conhecer da acusação, decidir e fundamentar. E assim fez. O arguido, pelo seu lado, fica-se com conclusões, sem que apresente uma hipótese, pelo menos, plausível. Foi o arguido quem começou o desacato, quem agrediu pessoas e coisas, quem ponderou o uso da arma, quem, na certeza e lógica dos factos, a disparou e, também, quem andou fugido durante dois dias. A intenção, essa, acaba por nem vir posta em causa, mas é inerente à conjugação dos factos. * O arguido revolta-se contra o facto de se dar como provado que no momento dos factos estava alcoolizado.Não há nenhuma referência concreta na motivação quanto a este aspecto, mas deve admitir-se que tal facto decorra da prova produzida, sem que a omissão tenha significado negativo. Aliás, como se vê da subsunção jurídica, tal facto foi até positivamente ponderado (se é que não teve, mesmo, bastante influência na generosidade da pena!), pois ali se diz que …estamos perante uma situação de exaltação de uma pessoa que vive em condições humildes e reage de forma exagerada a um episódio de falta de luz, denotando falta de auto-controle associado à ingestão de bebidas alcoólicas. * No mais, o arguido invoca que decorre do teor da sentença recorrida, que o momento escolhido pelo arguido para prestar declarações foi prejudicial à sua defesa, o que encerra uma nulidade insanável, que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos, e que implica a anulação do julgamento.Com efeito, acrescenta, o Tribunal com base nesse pressuposto, pura e simplesmente desprezou a prova produzida em audiência e que era favorável à posição do arguido. Também afirma que o DDl e a BB (filho e mulher da vítima) são testemunhas muito mais parciais, que para além de mais, tinham pendente um pedido de indemnização civil, sendo que pelo valor dele constante, pode-lhes ter criado uma errónea convicção de que iriam receber muitos milhares de contos, o que constituía factor condicionante do seu depoimento. Quod erat demonstrandum, diremos apenas.” A discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre os termos e consequências da valoração dessas mesmas provas, pelo que não integra qualquer nulidade, uma vez que o tribunal se orientou na valoração das provas de harmonia com os critérios legais. O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária. Nem houve lugar, a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República. A decisão recorrida não se limitou pois “ a insistir na forma como entendeu ter actuado o Tribunal recorrido” Outrossim fez uma análise fundamentada do que perante os seus poderes de cognição processualmente delimitados, poderia conhecer., de forma a que ficasse segura de um juízo de convicção, socorrendo-se nessa ponderação das provas, das regras da experiência comum, e explicitando como tribunal de recurso, as razões por que acolheu a decisão da 1ª instância. Em síntese e como se disse recentemente no Ac.deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção. O facto de a Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância. No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º). Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida e, outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo. Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. Inexiste pois omissão de pronúncia, e por conseguinte, inexiste a nulidade invocada, nem ocorrem nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artigo 410º nº 3 do CPP. com referência ao conhecimento da matéria de facto pelo tribunal da Relação quer sobre a legalidade das provas, quer sobre o seu modo de valoração. Sobre a medida da pena: Questiona o recorrente a medida concreta da pena alegando. O Tribunal aplicou ao arguido a pena de 10 anos de prisão, sendo que a moldura penal abstracta se situa entre os 8 e os 16 anos; I" -Foi dado como provado, que o arguido não tem antecedentes criminais; que é tido como uma pessoa correcta, respeitadora, humilde e não violento; que arguido e a vítima eram amigos e tinham convivido durante a tarde; que a vítima desferiu uma pancada no ombro esquerdo do arguido com um pau, isto apesar de o arguido se encontrar a empunhar a arma caçadeira; Tais factos são de molde a considerar que ao arguido se deveria ter aplicado a pena mínima legalmente prevista, a qual deveria ser especialmente atenuada, nos termos do disposto no artigo 72°, nº 1 do Código Penal; E assim sendo, o limite mínimo da pena situar-se-ia nos 18 meses de prisão, que tanto deveria ser a pena a aplicar ao arguido, no caso de ser mantida a factualidade dada como assente pelo Tribunal, os quais devem ser suspensos na sua execução, pelo período máximo de 3 anos. Analisando: Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, Proc. n.º 2555/06- 3ª) A questão da medida da pena, foi suscitada de igual forma no recurso interposto para o Tribunal da Relação, em que o arguido recorrente expressamente invocou: que mesmo com a factualidade dada como assente, o Tribunal “ a quo” deveria ter aplicado pena diversa ao arguido, e explicitou as mesma razões invocadas no recurso para o Supremo Tribunal, de harmonia com o disposto no artigo 412º nº 2 do CPP. A Relação apenas considerou: “o arguido invoca que, se não proceder a sua pretendida versão dos factos, o que se não concede e nem se concebe, sempre se tem que considerar que a pena se deve situar no mínimo e ser especialmente atenuada, aplicando-se, por essa via ao arguido a pena de 18 meses de prisão, os quais devem ser suspensos na sua execução, pelo período máximo de três anos. Como não há argumentos nem fundamentos para esta pretensão, …nada se deve dizer.” Mas argumentos e fundamentos foram apresentados pelo recorrente quando alega: “Foi dado como provado, que o arguido não tem antecedentes criminais; que é tido como uma pessoa correcta, respeitadora, humilde e não violento; que arguido e a vítima eram amigos e tinham convivido durante a tarde; que a vítima desferiu uma pancada no ombro esquerdo do arguido com um pau, isto apesar de o arguido se encontrar a empunhar a arma caçadeira; J"-) Tais factos são de molde a considerar que ao arguido se deveria ter aplicado a pena mínima legalmente prevista, a qual deveria ser especialmente atenuada, nos termos do disposto no artigo 72°, nº 1 do Código Penal; K" -) E assim sendo, o limite mínimo da pena situar-se-ia nos 18 meses de prisão,(…) os quais devem ser suspensos na sua execução por um período máximo de 3 anos” Vide conclusões T’) a W’), Z’) e A’’), da motivação do recurso interposto para a Relação. É assim, evidente, que a Relação não se pronunciou sobre a medida concreta da pena, pelo crime por que foi condenado o arguido, com referência aos factos assentes na 1ª instância, nem se era caso ou não de atenuação especial, Ocorreu neste aspecto nulidade do acórdão por omissão de pronúncia A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar, Essa nulidade não é insanável, porque não englobada nas nulidades previstas no artº 119º do C.Processo Penal. Engloba-se a mesma no disposto na alínea c) do nº 1 do artº 379º do C.PP, que dispõe que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Porém, de harmonia com o nº 2 do mesmo preceito: As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no artigo 414º nº 4. Esta nulidade, mesmo não alegada, é oficiosamente cognoscível em recurso, visto que as nulidades de sentença enumeradas no artº 379º nº 1 do CPP, têm regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, estabelecendo-se no nº 2 do mesmo artigo que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso (v. Ac, deste Supremo de 31 de Maio de 2001, proc. Nº 260/01, 5ª, SASTJ, nº 51,97) Uma vez que não foi suprida essa nulidade, não pode o tribunal de revista sindicar a decisão quanto à pena, por omissão de pronúncia sobre a mesma, objecto de recurso interposto para a Relação. Termos em que, decidindo: Dão parcial provimento ao recurso, quanto à nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a medida concreta da pena, e, consequentemente declaram nulo, nessa parte, esse acórdão, que deve ser reformulado, se possível, pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, para apreciação da medida concreta da pena, questionada no objecto do recurso interposto para a Relação. Tributam o recorrente em 3 Ucs de taxa de justiça. Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Outubro de 2008 Pires da Graça (Relator) Raul Borges |