Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA FAZENDA | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS EXCECIONAL COMPLEXIDADE MEDIDAS DE COAÇÃO OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO VIGILÂNCIA ELETRÓNICA PRAZO | ||
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Data do Acordão: | 02/16/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - A providência de habeas corpus visa proteger a liberdade individual, revestindo caráter extraordinário e urgente de «medida expedita», com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei. II - A requerente, no essencial, invoca que foi proferido despacho a declarar a excecional complexidade do processo sem que lhe tenha sido concedido um prazo adequado para se pronunciar quando ao mesmo. Alega, então, que os prazos fixados pelo tribunal não respeitaram o prazo de três dias previsto no art. 113.º, n.º 12, do CPP uma vez que o seu termo se conteve, precisamente, dentro desses três dias. Alega, ainda, que o tribunal agiu com abuso de poder, uma vez que essa declaração apenas visou alargar o prazo máximo da medida de coação em causa. III - Nada obsta a que, em situações de urgência, como sucede no caso presente, seja encurtado o prazo normal de 10 dias estabelecido no art. 105.º, n.º 1, do CPP. Ademais, a requerente não alega, de modo efetivo e cabal, ter ficado impedida de exercer o seu direito de defesa. IV - A interpretação pretendida pela requerente relativamente ao n.º 12 do art. 113.º, transformaria a “presunção”, ali contida, numa “dilação”. O conceito de que é automático o “alongamento” do prazo por 3 dias para a prática de certo ato processual, traduzido na interpretação da requerente, não resulta de forma direta e inevitável do pensamento do legislador, tendo a presunção, na sua génese, a ideia de desconhecimento, de incerteza, concretamente sobre o momento da notificação. V - No caso em avaliação, tal está completamente afastado uma vez que se tem por seguro que a notificação do despacho de 18-01-2021, que fixava o prazo para 19-01-2022, foi acedida e conhecida da destinatária, a requerente nos autos, num primeiro momento, por via telefónica, concretamente pelas 09h40 desse dia 18-01-2022, seguindo-se, nessa mesma manhã, a respetiva notificação eletrónica, de cujo conteúdo a defensora da arguida teve conhecimento num momento preciso, certificado nos autos: às 12 horas 34 minutos e 19 segundos, do referido dia 18-01-2022. VI - Como tal, a requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre a proposta de declaração de excecional complexidade, dispondo de mais de 24 horas desde o momento em que foi notificada até ao termo do prazo fixado para o efeito, não sendo, por isso, possível afirmar que lhe foi negado o seu direito de audição e, inelutavelmente, prejudicado o seu direito de defesa. De qualquer forma, a pretensa violação do direito de defesa não constituiria fundamento do pedido de habeas corpus, por não se incluir na previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 222.º CPP. VII - Sem prejuízo da faculdade conferida à requerente de utilização das vias de recurso e de arguição de nulidades e irregularidades pelos meios processuais próprios, não se identifica desconformidade processual que torne ostensivamente ilegal, pelo motivo indicado na al. c) do n.º 2 do art. 222 CPP, a situação de obrigação de permanência na habitação da requerente. VIII - Não estando declarada nulidade que torne inválido o despacho (art. 122.º CPP) que declara o processo de excecional complexidade e não competindo ao STJ, no âmbito desta providência, conhecer dessa matéria, decorre que o prazo da medida de coação de obrigação da permanência na habitação com vigilância eletrónica, aplicada à requerente, se elevou para dois anos e seis meses, em conformidade com o disposto nos art. 215.º, n.º 3, do CPP, al. d) do seu n.º 1, 201.º e 218.º, n.º 3, todos do CPP, não se verificando, por conseguinte, uma situação de excesso de prazo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA, sujeita à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, no Processo nº 3014/19...., do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., vem requerer a providência de HABEAS CORPUS, invocando os artigos 31º da Constituição da República Portuguesa (CPP) e 222° do Código de Processo Penal (CPP), nos termos e com os seguintes fundamentos: “I. Dos Factos: 1º Em 22.07.2022[1] a Arguida foi sujeita à medida de coação de prisão preventiva convertida em obrigação de permanência em habitação sob vigilância electrónica que teve por fundamento o perigo de fuga e continuação de actividade criminosa. 2º No caso concreto, o prazo máximo de duração da medida de coação é um ano e seis meses, nos termos do Artº 215º, nº 2, al. d) do CPP. 3º Na sessão do julgamento do dia 18.11.2021 foi designada a continuação de julgamento para leitura do acórdão para o dia 13.01.2022. 4º Nesse dia ao invés da leitura, foi comunicada a alteração não substancial de vinte pontos de nova factualidade da acusação, tendo o tribunal considerado que tal não integrava uma alteração substancial da acusação. 5º Esta factualidade foi comunicada à Arguida sem que se tenha indicado (naquele momento, o que só veio a suceder em 21.01.2022 de modo genérico e por insistência da Arguida) quais os concretos elementos de onde decorria aquela nova factualidade. 6º Perante a extensão e quantidade dos factos alterados, e ainda, perante a falta de indicação de quaisquer meios probatórios em que se baseou o tribunal, a Arguida tomou posição no sentido de não prescindir de prazo para se pronunciar sobre a propugnada alteração. 7º Na sequência da Arguida não ter prescindido daquele seu prazo de defesa, por despacho datado de 14.01.2022 o tribunal comunica que pondera “proferir decisão de excecional complexidade do presente processo” para o que concede prazo “… até à próxima segunda-feira, dia 17.01.2022”. 8º A Arguida em 17.01.2022 informa o tribunal não prescindir do prazo geral previsto no Artº 105 do C.P.P., por o Artº 215, nº 4, do C.P.P. não prever prazo especial ou outro mais curto que afaste a aplicação do prazo geral aplicável ainda que se trate de processos urgentes. 9º Ainda assim, tratando-se de despachos distintos e notificados igualmente em dias distintos, só se presumem efectuadas no 3º dia posterior à data certificada pelo CITIUS. 10º Com efeito, o primeiro despacho datado e notificado a 14.01.2022 (sexta-feira), fixou o limite do prazo dia 17.01.2022 (segunda-feira) e o segundo despacho, datado e notificado a 18.01.2022 (terça-feira), fixou o limite do prazo dia 19.01.2022 (quarta-feira), em ambos os casos dentro dos três dias da notificação electrónica. 11º Assim sendo, resulta que o tribunal por duas vezes consecutivas, não concede qualquer prazo à Arguida para se pronunciar quanto à declaração de excepcional complexidade. 12º Com efeito, em ambos os despachos, impôs-se um dia que se designou de “prazo”, concretamente, o prazo de sexta que terminou na segunda-feira e o prazo de terça que terminou na quarta. 13º Não obstante ambos os despachos violaram o disposto no Artº 105 do C.P.P., Art. 32.º, n.º 1 e n.º 5 da C. R.P. e a Artº 21-A, nº 5 da Portaria nº 114/2008 de 06/02, a Arguida reiterou em ambos os requerimentos por si apresentados não prescindir de prazo para se pronunciar quer sobre a alteração dos factos quer sobre a declaração de excepcional complexidade. 14º Resulta do exposto que o despacho que atribuiu declaração de excepcional complexidade foi proferido sem ter sido concedido prazo à Arguida, apenas e só para manter a Arguida detida sob declaração de excepcional complexidade, pois, na sequência de tal declaração o prazo da medida de coação elevou-se para dois anos e seis meses, nos termos do disposto no Artº 215, nº 3 do C.P.P. 15º Note-se que é fundamento do próprio despacho que “A lei não estabelece prazo para o Arguido se pronunciar, pelo que o dito prazo será de 10 dias, se o Juiz não fixar prazo diferente (artº 105, nº 1 do C.P. Penal) … Em situações de urgência, relacionadas designadamente com a proximidade do prazo normal máximo da medida de coação da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), estabelecidas no art. 215º do Código de Processo Penal, o prazo do art. 105º, n.º 1 do Código Penal pode ser, como foi, encurtado. Os atos processuais que contendam com o prazo máximo da apontada medida de coação, decorrentes da disposição do art. 215º do Código de Processo Penal, devem ser praticados em prazo consentâneo, permitindo a fixação de prazo inferior ao prazo supletivo de 10 dias.” 16º Ainda que se considere - o que não se concede – que a lei permita o encurtamento do prazo legal mínimo de defesa nos termos defendidos no despacho, no caso, o prazo foi encurtado de 10 dias para nenhum dia porque entre a notificação do despacho e o começo do prazo nenhum dia decorreu. 17º De notar que o prazo máximo de duração da medida de coação terminaria no dia seguinte ao dia da prolação do despacho que atribui excepcional complexidade aos autos que eleva automaticamente o prazo de duração da medida de coação para dois anos e seis meses, Artº 215, nº 3 do C.P.P. 18º A decisão de atribuir excepcional complexidade visou apenas e só a alteração do prazo máximo da medida de coacção com o prepósito de manter a Arguida detida e não a excepcional complexidade por não se verificar. 19º A invocada excepcional complexidade foi decretada depois de toda a produção de prova, depois de designado dia para leitura do acórdão e só depois da Arguida não ter prescindido de prazo de defesa perante a comunicação dos 20 pontos da factualidade alterada. 20º Com o devido respeito, o tribunal não está a agir de boa fé nem a respeitar os elementares direitos de defesa da Arguida e está a usar como expediente a classificação do processo como de excepcional complexidade para, como já referido, prolongar o prazo máximo da medida de coacção aplicado à Arguida. 21º De facto, só é de excepcional complexidade porque o tribunal assim o entendeu. 22º Com efeito, quando se iniciou a audiência de julgamento o processo já era composto por centenas de folhas e os mesmos volumes e apensos; já havia sido admitida a constituição da assistente; a acusação, obviamente, já havia sido deduzida; não foi requerida a instrução; à arguida já eram imputados os crimes pelos quais será condenada, o número de arguidos foi sempre um, apenas e só a Arguida. 23º Em sede de audiência iniciada com a produção de prova em 15.04.2021 que se prolongou por 10 (dez) sessões até ao dia das alegações finais no dia 18.11.2021, para além das vicissitudes usuais de qualquer audiência, nada há com relevo para a decisão que já não constasse dos autos em fases processuais anteriores e, no entanto, a excepcional complexidade do processo nunca foi declarada. 24º Então, se assim é, pergunta-se: que factos novos ocorreram no decurso do processo que legitimem a excepcional complexidade? Nenhum… 25º A não ser que tal facto seja o facto da Arguida ter manifestado a intenção de exercer o seu direito de defesa. 26º Ora, a definição de excepcional complexidade terá sempre de ter em consideração, num todo, sopesando as dificuldades do processo, o número de intervenientes, o carácter altamente organizado do crime e a necessidade de se carrear para os autos mais elementos de provas que se mostram assaz importantes, não só para a acusação, bem como para os demais intervenientes. 27º A produção de prova ou recolha acrescida não foi susceptível de perturbar o normal andamento do processo, encontrando-se o processo na sua fase final e consequentemente inexistiam motivos que validassem a determinação da excepcional complexidade do presente processo, não podendo nunca aceitar-se como motivo a aproximação do prazo máximo de prisão preventiva a que estava sujeita a arguida. 28º O Tribunal ao declarar a especial complexidade do presente processo excedeu claramente os seus poderes, abusando dos mesmos apenas e só para manter em prisão preventiva. 29º O despacho recorrido violou a lei processual penal, mais concretamente o artigo 215º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal. 30º Além de que o Tribunal a quo violou direitos e garantias constitucionais da Requerente, nomeadamente violou o princípio da legalidade (artigo 3º da Constituição da República Portuguesa) e os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (artigo 18º da Constituição da República Portuguesa) ao declarar a especial complexidade do processo sem que os pressupostos legais estejam cumpridos. 31º Foram igualmente violados os artigos 27º, nº 1 e 28º, n.º 4 da C. R. P. quanto à restrição desproporcional e injustificada do direito à liberdade e relativamente aos prazos de prisão preventiva alargados por despacho que violou a lei processual penal. 32º A densificação e concreta definição do conceito de «ilegalidade da prisão», como fundamento e para efeitos da providência de habeas corpus, tem a sua previsão legal nas alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa, enquadrando-se a situação da requerente na al. c) do referido artigo por se manter detida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial. 33º Com efeito, só foi declarada a excepcional complexidade por a Arguida não ter prescindido de prazo de defesa quanto à factualidade alterada e quanto à declaração proferida de especial complexidade sem que tenha sido concedido prazo à Arguida para se pronunciar. Prova: - Despachos com as referências nºs ..., ..., ... e ...; - Requerimentos com as referências nºs: ..., ... e .... Nos termos supra expostos, deve o despacho em causa ser considerado nulo e em consequência, considerar-se esgotado o prazo máximo da medida de coação aplicada à Arguida a partir do dia 22.01.2022, devendo a Arguida ser restituída à imediata liberdade por ilegalmente detida. 2. Foi elaborada a informação a que se reporta o nº 1 do artigo 223º do CPP, conforme se transcreve: “Em obediência ao disposto no art. 223º, n.º 1 do Código de Processo Penal, presta-se a seguinte informação sobre as condições em que se mantém a arguida AA sujeita à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância eletrónica (OPHVE): Vejamos, primeiramente, a sequência de atos processuais relevantes. Foi imposta à arguida AA, em 22/07/2020, a medida de coação de prisão preventiva (admitindo-se, logo nessa altura, a possibilidade de lhe vir a ser aplicada a medida de coação de obrigação da permanência na habitação com vigilância eletrónica). Por decisão de 30/07/2020 foi alterada a medida de coação, ficando a arguida sujeita medida de coação de obrigação de permanência na habitação, prevista no art. 201º do Código de Processo Penal, com recurso à vigilância eletrónica (OPHVE). Foram necessidades cautelares relacionadas com o perigo de continuação da atividade criminosa e do perigo de fuga que justificaram a imposição das medidas de coação privativas da liberdade. A arguida foi acusada da prática dos seguintes crimes: - um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal; - quinze crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas a), b), d) e e) do Código Penal; e - dois crimes de falsidade informática, previstos e punidos pelo artigo 3º, nºs. 1 e 3 da Lei n.º 109/2009 de 15.09. Realizou-se o julgamento, tendo sido designado o dia 13/01/2022 para a leitura do acórdão. Em 13/01/2022 foi feita uma comunicação de alteração não substancial de factos, não tendo a arguida prescindido de prazo para preparação da defesa. Não obstante, com o acordo de todos os sujeitos processuais, incluindo da arguida, foi designada a continuação do julgamento para dia 18/01/2022. Porém, no dia 14/01/2022, a arguida apresentou requerimento dizendo que não prescindia do prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa, informando ainda que iria “requerer a produção de prova, designadamente, prova testemunhal e reinquirição de testemunhas”. Foi proferido despacho, no dia 14/01/2022, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para preparação da defesa, contado da comunicação da alteração, ficando sem efeito a continuação da audiência no dia 18/01/2022 - não obstante a arguida anteriormente ter dado o seu acordo para a continuação da audiência nesta última data. Concomitantemente, nesse mesmo despacho de 14/01/2022, determinou-se a notificação da arguida, do M. Público e da assistente de que o tribunal ponderava a declaração de excecional complexidade do processo, dando-lhes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa questão até ao dia 17/01/2022, inclusive. No próprio dia 14 foram as notificações enviadas eletronicamente. No final do dia 17/01/2022, a arguida apresentou requerimento dizendo que somente nesse próprio dia estava notificada do despacho proferido em 14/01, pelo que não dispusera de prazo para se pronunciar sobre a questão da excecional complexidade. Nessa decorrência, na manhã do dia 18/01 - e porque a arguida se presumia notificada no dia 17, nos termos do n.º 11 do art. 113º do Código de Processo Penal -, foi proferido despacho, concedendo-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre a questão da declaração da excecional complexidade até ao 19/01/2022, inclusive.[2] Despacho esse que foi telefonicamente notificado pela secção à Defensora da arguida, na própria manhã do dia 18, pelas 09.40 horas (cfr. termo, com a ref. elet. ... de 18/01/2022). Foi de seguida, nessa mesma manhã, enviado eletronicamente a notificação do despacho de dia 18 (e correspondente retificação), como certificado no sistema citius, constando ainda deste sistema que a notificação foi “lida” pela destinatária, Defensora da arguida, no próprio dia 18, mais concretamente pelas 12.34.19 horas (veja-se, a tal respeito o que se deixou dito no despacho de 21/01/2022) A arguida apresentou requerimento no dia 19/01/2022, repetindo que não prescindia do prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade e insistindo que não lhe fora concedido prazo para se pronunciar sobre essa questão. Por decisão de 21/01/2022 (dia 20, feriado municipal), apreciando o requerimento da arguida, vincou-se que o prazo do art. 105º, n.º 1 do C. P. Penal não é imperativo, podendo ser encurtado, como foi, por despacho judicial, para efeitos do n.º 4 do art. 215º do C. P. Penal, atenta a urgência decorrente do limite do prazo da medida de coação vigente. E, ainda, que lhe foi concedido prazo suficiente e adequado para se pronunciar sobre a questão da declaração da excecional complexidade do processo. Abrindo novo parêntesis, é relevante salientar que quer a assistente, em 17/01/2022, quer o M. Público, em 19/01/2022, se pronunciaram sobre a questão declaração da excecional complexidade. Ambos em sentido favorável. Prosseguindo, por despacho de 21/01/2022, foi declarada pelo tribunal a excecional complexidade do processo. Além disso, porque a arguida requerera, em 19/01/2022, a indicação dos meios de prova em que se baseou o tribunal para a realização da comunicação da alteração não substancial de factos, foi proferida decisão em que se afirmava o entendimento de que da lei não resulta a necessidade de tal indicação. Porém, precavendo a possibilidade de entendimento diverso em instância superior, fez-se a indicação dos meios de prova. E, na sequência do também requerido pela arguida, determinou-se que o prazo de 10 dias para exercer a defesa apenas se iniciaria após a notificação à mesma do despacho em causa (de 19/01/2022). Perante isto, cumpre dizer que não é verdade que tenha sido declarada a excecional complexidade dos presentes autos sem que tenha sido concedido à arguida prazo para se pronunciar sobre tal questão. A arguida, no requerimento da presente providência, entre o mais, omite que foi notificada, por via telefónica, no dia 18/01/2022, nos termos do n.º 8 do art. 113º do Código de Processo Penal, para se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade (sendo certo que, bem antes, era já sabedora de que o tribunal a pretendia ouvir sobre essa questão, tendo recebido notificação a tal propósito; e só não se pronunciou porque não o quis fazer). A arguida – faz-se notar – não arguiu vício ou invalidade dessa notificação. Aliás, no despacho de 21/01/2022 foi afirmada a realização de tal notificação. Assim, entendendo-se, como entendemos, que é legalmente possível o encurtamento do prazo do art. 105º, n.º 1 do CPP para audição da arguida para efeitos de declaração de excecional complexidade, decorre do exposto que a tomada de tal decisão foi tomada dando a possibilidade à arguida de se pronunciar, em prazo razoável e, por conseguinte, sem sacrifício do núcleo essencial das garantias de defesa. É, portanto, nossa firme convicção que a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), a que continua sujeita a arguida ora requerente, não é ilegal, não se mostrando excedido o respetivo prazo de duração máxima de tal medida de coação. Junte aos presentes autos de habeas corpus, para melhor contextualização, certidão dos seguintes elementos do processo principal: - atas do 1º interrogatório judicial da arguida, realizado em 22/07/2020; - despacho de 30/07/2020, com a ref. elet. ..., que substituiu a medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de OPHVE; - despacho de acusação, com a ref. elet. ...; - despacho de reexame da medida de coação, com a ref. elet. ..., de 20/12/2021; - atas da audiência de julgamento dos dias 18/11/2021 e 13/01/2022; - requerimento da arguida de 14/01/2022, com a ref. elet. ...; - despacho de 14/01/2022, com a ref. elet. ...; - notificação com a ref. elet. ...; - requerimento da assistente de 17/01/2022, com a ref. elet. ...; - requerimento da arguida 17/01/2022, com a ref. elet. ...; - despacho de 18/01/2022, com as refs. elets. ... e ...; - termo da secretaria de 18/01/2022, com a ref. elet. ...; - notificação com a ref. elet. ...; - promoção do M. Público de 19/01/2022, com a ref. elet. ...; - requerimento de 19/01/2022, com a ref. elet. ...; - despacho de 21/01/2022, com a ref. elet. ...; - notificação com a ref. elet. .... 3. Foi convocada a secção criminal, notificados o Ministério Público e o Defensor do requerente e realizou-se a audiência, em conformidade com os artigos 223.º, nºs 2 e 3 e 435.º, do Código de Processo Penal, tendo a seção reunido para deliberação. III. Fundamentação 1. Resultam apurados os seguintes factos e ocorrências processuais, com relevância para a decisão da providência requerida: i. Em 22.07.2020, por despacho do juiz de instrução criminal, foi imposta à arguida AA, a medida de coação de prisão preventiva, admitindo-se, logo nessa altura, a possibilidade de lhe vir a ser aplicada a medida de coação de obrigação da permanência na habitação com vigilância eletrónica; ii. Em 30.07.2020, foi alterada a medida de coação de prisão preventiva, ficando a arguida sujeita à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo. 201º do Código de Processo Penal, com recurso à vigilância eletrónica (OPHVE); iii. A arguida foi acusada da prática dos seguintes crimes: a. um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal; b. quinze crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas a), b), d) e e) do Código Penal; c. dois crimes de falsidade informática, previstos e punidos pelo artigo 3º, nºs. 1 e 3 da Lei n.º 109/2009 de 15.09; iv. Realizou-se o julgamento e foi designado o dia 13.01.2022 para a leitura do acórdão; v. Em 13.01.2022 foi feita a comunicação de alteração não substancial de factos, não tendo a arguida prescindido de prazo para preparação da defesa e foi designada a continuação do julgamento para 18.01.2022, com o acordo de todos os sujeitos processuais, incluindo da arguida, vi. Em 14/01/2022, a arguida apresentou requerimento no sentido de não prescindir do prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa e informou que iria “requerer a produção de prova, designadamente, prova testemunhal e reinquirição de testemunhas”; vii. Em 14.01.2022 foi proferido despacho a conceder o prazo de 10 dias para preparação da defesa, contado da comunicação da alteração tendo ficado sem efeito a continuação da audiência para 18.01.2022 - não obstante a arguida anteriormente ter dado o seu acordo para a continuação da audiência nesta última data; viii. No despacho 14.01.2022 foi determinada a notificação da arguida, do MP e da assistente, de que o tribunal ponderava declarar o processo de excecional complexidade e fixou prazo até 17.01.2022, inclusive, para se pronunciarem sobre tal matéria; ix. Em 14.01.2022 as notificações foram enviadas eletronicamente; x. Em 17/01/2022 (ao final do dia), a arguida veio aos autos transmitir que somente nesse dia estava notificada do despacho proferido em 14.01, em consequência do que não dispusera de prazo para se pronunciar sobre a questão da excecional complexidade; xi. Em 18.01.2022 (durante a manhã), foi proferido novo despacho, concedendo à arguida a possibilidade de se pronunciar sobre a questão da declaração da excecional complexidade até 19.01.2022, inclusive. xii. Em 18.01.2022, pelas 09.40 horas (referência ...) o despacho desse dia foi telefonicamente notificado à Defensora da arguida, seguindo-se, nessa manhã, a respetiva notificação eletrónica, como certificado no sistema Citius, onde consta que a Defensora da arguida, teve conhecimento do conteúdo da notificação no dia 18.01, pelas 12.34.19 horas; xiii. Em 19.01.2022 a arguida veio aos autos transmitir não prescindir do prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade e que não lhe fora concedido prazo para se pronunciar sobre essa questão. xiv. Em 21.01.2022[3], foi proferido despacho judicial, que: a. apreciou o requerimento da arguida e salientou que o prazo do artigo 105º, n.º 1 do CPP não é imperativo e, por isso, susceptível de ser encurtado, oque determinou para efeitos do n.º 4 do artigo 215º do C. P. Penal, atenta a urgência decorrente do limite do prazo da medida de coação em vigor; b. decidiu que fora concedido prazo suficiente e adequado para que a arguida se pronunciasse sobre a questão da declaração da excecional complexidade do processo.[4]; c. declarou a excecional complexidade do processo; d. com referência ao pedido da arguida de 19.0.2022, sobre indicação dos meios de prova em que se baseou o tribunal para a realização da comunicação da alteração não substancial de factos, decidiu que da lei não resulta a necessidade de tal indicação; não obstante, prevenindo a possibilidade de entendimento diverso em instância superior, no mesmo despacho foram indicados os meios de prova; e. determinou-se que o prazo de 10 dias, para exercer a defesa, apenas se iniciaria após a notificação à mesma do despacho em causa (de 19/01/2022). 2. A Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade pessoal, como direito fundamental que é, de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas, sendo que a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias aí previstas e na lei – artigos. 27º, nº 2 e 28º, da CRP, e artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos. O artigo 31º, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Habeas Corpus”, consagra no seu nº1 que «Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».
3. Conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça «É uma providência urgente e expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação direta, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o “habeas corpus” testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”[5]. E escrevem os mesmos autores[6]: “(…) (1) a providência do “habeas corpus” é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de ação cautelar e de recurso judicial. (…)”[7] Por seu turno, concluí o acórdão do STJ de 30NOV16: «Em suma: A previsão - e precisão - da providência, como garantia constitucional, não excluí, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação direta, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável»[8]. 4. Assim, em conformidade com os citados preceitos constitucionais, a providência de habeas corpus tem natureza excecional para proteger a liberdade individual, revestindo caráter extraordinário e urgente de «medida expedita», com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei. Em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.° 1 do artigo 220.° do CPP e, quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.° 2 do artigo 222.° do mesmo diploma legal. [9] 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal vai no sentido de que “os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão”[10] e tem sublinhado que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade, com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. 6. Não constitui, portanto, um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade[11] ou a conhecer nulidades ou irregularidades de atos processuais. 7. Como afirmou o Supremo Tribunal no seu Acórdão de 16 de dezembro de 2003, trata-se de “um processo que não é um recurso, mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (...) 8. A natureza sumária da decisão de habeas corpus, por outro lado, não se deve conjugar com a definição de questões suscetíveis de um tratamento dicotómico e em paridade de defensabilidade. É que em tal hipótese e como se acentua na decisão de 1 de fevereiro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça não se pode substituir, de ânimo leve, às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade que, como se viu, importa que seja grosseira. É que, como continua a afirmar o Supremo Tribunal de Justiça “Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP”[12]. 9. Acresce que, de acordo com o princípio da atualidade, é necessário que a ilegalidade da prisão seja atual, consubstanciando-se atualidade a reportada ao momento em que é necessário apreciar o pedido[13]. Tem sido unânime a Jurisprudência do Supremo Tribunal relativamente à exigência da verificação do pressuposto da atualidade da prisão ilegal. No Ac. de 18/07/2014 sustenta-se: “A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe, além do mais, uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado aquele pedido”[14] Vejamos se assiste razão à requerente AA. 10. Do exposto relativamente aos factos e atos processuais relevantes, resulta que as medidas de coação privativas de liberdade (de prisão preventiva de 22.07.2020 a 30.07.2020 e medida de coação de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo. 201º do Código de Processo Penal, com recurso à vigilância eletrónica (OPHVE) de 31. 07.2020 até à data), foram impostas à requerente AA por Juiz de Instrução Criminal, entidade competente nos termos do artigo 268.º nº1, alínea a) do CPP, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos. 191º, 192º, 193º, 194º, 195º, 202º, n.º 1, al. a), e 204º, alíneas a), b) e c), todos do CPP. A arguida encontra-se acusada da prática de crimes dolosos, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, designadamente: um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal; quinze crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas a), b), d) e e) do Código Penal e dois crimes de falsidade informática, previstos e punidos pelo artigo 3º, nºs. 1 e 3 da Lei n.º 109/2009 de 15.09. Do exposto resultam, desde logo, preenchidas as exigências das alíneas a) e b) do nº 2 do referido artigo 222ºdo CPP. 11. Resta apreciar a pretensão da peticionante à luz do disposto na alínea c) do nº 2 do citado artigo 222º: “Manter-se (a medida de coação) para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”
12. A questão em discussão na providência de habeas corpus que a requerente, no essencial, identifica como abuso de poder ao ser declarada a excecional complexidade, relaciona-se diretamente com a validade e eficácia do ato que procedeu a tal declaração no prazo da medida de coação a que se encontra sujeita a requerente (artigo 215º nº 3 do CPP), e pode ser sintetizada do modo seguinte: i. O despacho de 14.01.2022, foi notificado à requerente[15] eletronicamente, através do sistema Citius, e fixou o prazo até 17.01.2022, inclusive, para que a mesma se pronunciasse relativamente à declaração de excecional complexidade do processo em que é arguida; ii. Porque nesta data (17.01) a requerente transmitiu que somente nesse dia estava notificada, em consequência do que não dispunha de prazo para se pronunciar sobre a questão da excecional complexidade e que não prescindia do prazo previsto no artigo 105º do CPP, por o artigo 215º, nº 4 não prever prazo especial ou outro mais curto que afaste a aplicação do prazo aplicável, ainda que se trate de processos urgentes, no dia 18.01.2022 foi proferido novo despacho, (durante a manhã), a conceder à requerente a possibilidade de se pronunciar até dia 19.01.2022 inclusive, sobre a questão da declaração da excecional complexidade; iii. Este despacho foi notificado telefonicamente à requerente, na pessoa da sua Defensora, pelas 09.40 horas do mesmo dia 18.01 (referência ...), seguindo-se a sua notificação eletrónica, de cujo conteúdo tomou conhecimento nesse mesmo dia 18.01, pelas 12 horas 34 minutos e 19 segundos, como certificado no sistema Citius., isto é, mais de 24 horas antes do términus do prazo fixado para se pronunciar. iv. Entende a requerente, interpretando o nº 12 do artigo 113º do CPP, que beneficia do prazo de 3 dias estabelecido pela presunção daquela norma, o que determina que, em ambas as situações, o limite dos prazos fixados pelo tribunal se contiveram dentro daqueles referidos três dias; que o tribunal, por duas vezes consecutivas, não lhe concedeu prazo a que se reporta o nº 1 do artigo 105º do mesmo diploma legal, o que redunda numa violação do artigo 215º, nº 4 e, por conseguinte, numa diminuição das suas garantias de defesa, o que torna ilegal a sua situação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica. 13. Dispõe o citado nº 12 do artigo 113º do CPP que «Quando efectuadas por via electrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja». 14. Ora, o primeiro aspeto que se assinala é o de que não é posta em causa na norma a possibilidade de, em situações de urgência, como sucede no caso presente, ocorrer o encurtamento do prazo normal de 10 dias estabelecido no artigo 105º, nº 1. 15. Nem tal poderia ser questionado, sabido como é que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema, considerando que, face à premência de estar a findar o prazo da prisão preventiva ou, como no caso, da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica “é razoável o encurtamento do prazo ordenador de 10 dias, previsto no artigo 105º, nº 1 para a prática de ato processual, não advindo daí constrição alguma dos direitos de defesa, demais a mais quanto estes estão em cotejo com outros como os «da celeridade e da prossecução do interesse público em investigar os crimes e punir os seus responsáveis”[16] 16. Em segundo lugar salienta-se que a requerente não alega ter ficado impedida de exercer o seu direito de defesa, de modo efetivo e cabal. O que afirma é que, por via da interpretação que a própria fez daquela citada norma do artigo 113º nº 12, entende que o prazo que tinha ao seu dispor era um e não aquele que o tribunal considerou e lhe fixou e, por isso, considera que o despacho que declara o processo de especial complexidade terá sido proferido de forma inoportuna e mesmo sem que tenha sido concedido prazo à requerente para previamente se pronunciar. 17. Ora, a interpretação pretendida pela requerente, relativamente aquele nº 12 do artigo 113º, transformaria a “presunção” ali contida numa “dilação”. Efetivamente, como referido no acórdão do STJ de 2.11.2018 [17] “A presunção em causa é uma presunção iuris tantum e pode ser ilidida mediante prova em contrário, de acordo com o art. 350º, nº 2 C. Civil. Foi estabelecida e o prazo que lhe está adjacente foi convencionado não em benefício de qualquer sujeito processual, mas para ultrapassar situações de imprevisibilidade ou de dúvida acerca do momento em que é feita a notificação. É em nome da segurança e da certeza que são necessárias para um correcto desenvolvimento processual que é instituída a presunção. E esses são desígnios de ordem pública e de interesse do Estado na boa administração da justiça. Os sujeitos processuais são somente, dir-se-ia, beneficiários indirectos.” 18. Efetivamente, o conceito de que é automático o “alongamento” do prazo por 3 dias para a prática de certo ato processual, traduzida na interpretação da requerente, não resulta de forma direta e inevitável do pensamento do legislador. “Isso seria nada mais nada menos do que admitir, num caso como o presente em que é seguro ter-se a notificação como feita num momento preciso, que haveria uma genérica atribuição de um prazo suplementar, ou seja, uma “dilação”.[18] 19. Assim, enquanto o propósito do despacho que ordenou a notificação foi o de, por manifesta urgência, estabelecer um prazo que tornasse mais rápida a prática do ato, a requerente pretende transformá-lo num prazo que o retarde. 20. Acresce que, tendo a presunção na sua génese a ideia de desconhecimento, de incerteza, concretamente sobre o momento da notificação, o que poderia sustentar a possibilidade de a ilidir, no caso em avaliação tal está completamente afastado uma vez que se tem por seguro que a notificação do despacho de 18.01.2021 que fixava o prazo para 19.01.2022, foi acedida e conhecida da destinatária, a requerente nos autos, num primeiro momento, por via telefónica, concretamente pelas 09h40 desse dia 18.01.2022 (referência ...), seguindo-se, nessa mesma manhã, a respetiva notificação eletrónica, de cujo conteúdo a Defensora da arguida teve conhecimento num momento preciso, certificado nos autos: às 12 horas 34 minutos e 19 segundos, do referido dia 18.01.2022.
21. Por conseguinte, a requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre a proposta de declaração de excecional complexidade, dispondo de mais de 24 horas desde o momento em que foi notificada até ao termo do prazo fixado para se pronunciar, não sendo, por isso, possível afirmar que lhe foi negado o seu direito de audição e, inelutavelmente, prejudicado o seu direito de defesa. De qualquer forma, a pretensa violação do direito de defesa não constituiria fundamento do pedido de habeas corpus, por não se incluir na previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º CPP. 22. Assim sendo, sem prejuízo da faculdade conferida à requerente de utilização das vias de recurso e de arguição de nulidades e irregularidades pelos meios processuais próprios, não se identifica uma desconformidade processual que torne ostensivamente ilegal, pelo motivo indicado na al. c) do n.º 2 do art.º 222 CPP, a situação de obrigação de permanência na habitação da requerente. 23. Efetivamente, não estando declarada nulidade que torne inválido o despacho (artigo 122º CPP) do despacho de 21 de janeiro de 2022, não competindo ao Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito desta providência, conhecer dessa matéria, decorre que, por força daquele despacho de 21 de janeiro que declara o processo de excecional complexidade, o prazo da medida de coação de obrigação da permanência na habitação com vigilância eletrónica aplicada à requerente, eleva-se para dois anos e seis meses, em conformidade com o disposto nos artigo 215º nº 3 do CPP, alínea d) do seu nº 1, 201º e 218º nº 3, todos do CPP. 24. Em consequência, encontrando-se a requerente privada de liberdade desde 22.07.2020, o termo do prazo máximo da medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, resulta previsto para 22 de janeiro de 2023, pelo que se impõe concluir que, para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, a medida de coação aplicada se mantém, atualmente, dentro do prazo legalmente previsto, não se verificando, por conseguinte, a situação de excesso de prazo a que este preceito se refere, termos em que carece o pedido de fundamento, devendo ser indeferido. III. Decisão Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4, alínea a), do artigo 223.º do CPP, acordam os juízes da secção criminal em indeferir o pedido por falta de fundamento bastante. Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 16 de fevereiro de 2022 Maria Helena Fazenda (relatora) José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto) Pires da Graça (Presidente da Secção) ________ [1] Interpreta-se a data referida como mero lapso de escrita. Compulsados os autos, verifica-se que a arguida se encontra sujeita a medida de coação privativa de liberdade desde 22/07/2020 Atendo-se apenas à leitura eletrónica do despacho, considerou já o STJ que ao arguido fora dada a oportunidade de se pronunciar sobre a questão da declaração de excecional complexidade, não sendo possível afirmar que lhe foi negado o direito de audição. E, nessa decorrência, negou provimento ao habeas corpus – veja-se o Ac. de 25/10/2018, relatado pelo Sr. Conselheiro Nuno Gomes da Silva, proferido no proc. n.º 78/16.5PWLSB-A.S1, disponível em dgsi.pt. |