Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
774/22.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: LUIS ESPIRITO SANTO
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
FALTA DE ASSINATURA
INEFICÁCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PRINCÍPIO DO PEDIDO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
ACÓRDÃO RECORRIDO
ADMISSIBILIDADE
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
TEMPESTIVIDADE
Data do Acordão: 07/01/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PROCEDENTE
Sumário :
I – Tendo a causa de pedir na presente acção a ver essencialmente com o facto de as actas da Assembleia de Condóminos se encontrarem apenas assinadas pela Administração (e não pelos respectivos condóminos) pelo que, no dizer da A., seriam ineficazes não servindo para comprovar as deliberações que aí constam, e havendo a demandante concluído a sua petição inicial com o pedido de «reconhecimento e declaração dos vícios que afetam as actas, a convocatória, as decisões e deliberações indicadas», o acórdão recorrido apreciou e decidiu matéria jurídica substancialmente diversa da invocada pelo demandante (em concreto, a fundamentação substantiva das deliberações e não o vício de procedimento formal subjacente à sua aprovação), extrapolando o âmbito do conhecimento que lhe competia, incorrendo em excesso de pronúncia e violação do princípio do pedido, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), in fine, e e), do Código de Processo Civil.

II – Face ao pedido de que se declarasse a ineficácia das deliberações pretensamente tomadas em Assembleia de Condóminos, o que decorria, no entender da peticionante, da circunstância de nas actas não constar, como legalmente devia, a assinatura dos condóminos, e não tendo o acórdão recorrido abordado este tema por, a seu ver, extrapolar o objecto da apelação e não existir ampliação nos termos do artigo 636º do Código de Processo Civil, impõe-se a sua anulação, competindo ao Tribunal da Relação proceder, em novo acórdão, à apreciação material da questão jurídica em referência.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível).

I - RELATÓRIO.

VILANORTE – Construções, Ld.ª, instaurou acção declarativa de anulação e nulidade contra o CONDOMÍNIO do prédio designado por ..., sito na Av. ..., n.ºs ...a ..., em ..., representado pela respectiva administração PH-Gestão, Prestação de Serviços e Administração de Condomínios, Unip., Ld.ª.

Essencialmente alegou:

Realizou-se assembleia de condóminos em 15 de Novembro de 2021, pelas 18H00.

Da ordem de trabalhos da respetiva convocatória constavam pontos vagos – em violação das normas que impõem o direito à informação sobre as matérias objeto da convocatória, de modo, a assegurar uma participação esclarecida nas deliberações –, a saber, os seguintes: 3- Análise e deliberação sobre obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio; 4- Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior.

A administração escreveu falsamente na acta, a propósito dos pontos 3 e 4, que ali se aprovaram uns trabalhos no montante de 6.000 € + IVA, não registando a votação dessa alegada deliberação, nem determinando com exatidão quais os trabalhos em causa.

O mesmo sucede como registo das alegadas votações do orçamento e da sua repartição, que não tiveram lugar.

Não houve deliberação sobre os pontos 3 e 5, que sempre seria inválida por violação do direito à informação.

As actas 34 e 35 (docs. 9 e 10), das assembleias de condóminos de 12 de Novembro de 2021 e 15 de Novembro de 2021 [e não de 15 de Novembro de 2022, como por manifesto lapso consta em dois artigos da petição], foram apenas assinadas pela Administração, não tendo sido oferecidas a nenhum condómino para assinatura.

Apenas foram enviadas à autora, por carta, em 22 de Dezembro de 2021.

Conclui pedindo «o reconhecimento e declaração dos vícios que afetam as atas, a convocatória, as decisões e deliberações indicadas», sic.

Contestando, o condomínio réu diz, em síntese, que:

Desde o início, a autora põe em causa todas as assembleias de condóminos e todas as deliberações nelas tomadas, num total de nove processos judiciais, tendo as decisões dos processos findos sido favoráveis ao condomínio.

A autora detém actualmente 58 frações, correspondentes 208,5/1000 do capital, e não pagou qualquer quotização de condomínio nos anos 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012, 2014, 2015 e 2020, ascendendo a sua dívida ao condomínio, em 15/11/2021, a 336.128,25 € só de capital;

Salvo escassas penhoras de rendas dos estacionamentos da autora, não tem sido possível obter meios de cobrança eficazes, por os imóveis titulados pela autora estarem onerados com hipotecas e penhoras para garantia de valores superiores aos patrimoniais e até aos valores de mercado na venda em execução;

A autora votou favoravelmente as deliberações tomadas no âmbito dos pontos 3, 4, 1.ª parte, e 5, e e absteve-se quanto à 2.ª parte do ponto 4, pelo que não tem legitimidade para impugnar as respetivas deliberações;

A autora falseia dolosamente os factos, para impor à administração e aos restantes condóminos mais um processo judicial e mais despesas, dificultar a normal gestão condominial, e continuar a não pagar as quotizações de condomínio devidas pelas suas inúmeras frações autónomas.

Termina pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente, e a autora condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização de, pelo menos, 2.000,00 €.

Realizou audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou procedente a acção e anulou as deliberações constantes da acta 35; julgou ainda improcedente o incidente deduzido pelo réu e absolve-se a autora como litigante de má-fé.

A Ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 30 de Janeiro de 2025, julgado a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença na parte em que anulou as deliberações tomadas na assembleia de condóminos do condomínio réu, ocorrida em 15 de Novembro de 2021, constantes da ata n.º 35, e confirmando a sentença no que respeita à absolvição da autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.

O A. apresentou recurso de revista, com as seguintes conclusões:

1.ª Do objecto deste recurso fica excluída a questão da litigância de má fé, favorável à Recorrente.

2.ª A Apelação tem uma função de reexame pelo que apenas pode pronunciar-se dentro das mesmas condições que o tribunal a quo. (art.º 662º, 1, do CPC)

3.ª Logo, excede os seus poderes de conhecimento se considera matéria que não foi alegada na 1ª instância pelas partes, ou aprecia pedidos que não foram formulados, nem julgados (art.º 3º,1 e art.º 5º, 615º, 1, als., d) e e), do CPC),

4.ª Como se referiu, havia que reapreciar a sentença proferida pelo tribunal a quo tendo em conta o pedido formulado pela Autora conexionado com a causa de pedir, o que não sucedeu, ficando viciado de nulidades o acórdão em crise.

5.ª Foi invocado na p.i., que a falta das assinaturas dos condóminos, nos termos dos art.º1º, n.º 1 e 2, do DL 268/94 de 25/10, (na versão anterior à Lei 8/2022) na acta, não comprovava que tais deliberações e actos tivessem ocorrido, sendo, por isso, ineficazes.

6.ª A sentença de 1.ª instância reconheceu o direito de expurgar tais deliberações da ordem jurídica, por meio da acção de anulação, direito facultado aos condóminos, pelo art.º 1433º, 2 e n.º seguintes, do CC.

7.ª A sentença de 1ª instância respeita o pedido formulado no requerimento inicial conexionado com a causa de pedir.

8.ª Tanto na petição inicial, como na sentença, no que se refere à total ausência de assinaturas dos condóminos na acta, alegou-se que a acta não comprovava as deliberações nela vertidas e, por isso eram ineficazes.

9.ª A ineficácia significa que um acto concreto não tem efeitos jurídicos, ou consequências no mundo do direito, podendo essa exclusão da situação jurídica ser ab inicio, posterior, reservada a uma pessoa, a uma condição, etc., conforme for a regulamentação do legislador.

10.ª O meio pelo qual o legislador facultou a expurgação da deliberações ineficazes, por não assinadas pelos condóminos, foi, entre outros, a acção de anulação (art.º 1433º, 2 e ss., do CC)

11.ª A Ré alegou, nas suas alegações de recurso, mas sem razão que tinha havido aplicação retroactiva da Lei n.º 8/2022, mas resulta do texto que a transcrição da nova lei foi indiferente à decisão tomada e não prejudicou a Ré, incorrendo em erro de interpretação por violação do art.º 238º, 1, do CC.

12.ª Na Apelação da Ré, esta insurgiu-se no sentido de que a falta de assinatura de todos os condóminos da acta 35 não provocava, nas deliberações os vícios de: nulidade anulabilidade, ou inexistência, das deliberações do Condomínio.

13.ª A arguição de tais vícios ligados à falta de assinatura da acta, nunca deveria ter sido apreciada em Acórdão, pois não foi invocada no pedido, na causa de pedir, nem na sentença recorrida.

14.ª É sabido, que os recursos têm uma função de reexame do jugamento do tribunal a quo.- regra geral, não podendo conhecer de matérias não apreciadas na 1.ª instância.

15.ª Também violando o pedido, causa de pedir (art.º3, 1, art.º 5º, do CPC),

16.ª Foi posta em crise a função probatória da acta quanto à existência das deliberações aí inscritas.

17.ª Na 1.ª instância, decidiu-se pela procedência da acção e a anulação das deliberações da acta 35 de 15/11/2021, com fundamento na sua ineficácia por a acta apenas ter a assinatura da Administração do Condomínio e nenhum condómino a tinha assinado.

18.ª Na Relação, julgou-se que a ineficácia das deliberações, por falta de assinatura da acta, não permitia a decretar a sua anulação por a ineficácia não ser um vício que não afecta a validade das deliberações, mas somente a sua oponibilidade externa.

19.ª Neste ponto o Acórdão em crise incorre em erro de interpretação do art.º 1433º, 2 e ss, nos termos do art.º 238º, 1, do CC, os condóminos, têm um direito de obter a expurgação da ordem jurídica das deliberações ineficazes.

20.ª A um direito corresponde sempre uma acção para o fazer reconhecer em juízo (art.º 2, 2, do CPC).

21.ª Se o legislador organiza as deliberações entre inválidas e ineficazes no n.º 2, do art.º 1433º, temos que presumir que se exprimiu da melhor forma possível e que são duas categorias diferentes.

22.ª Como supra se expôs a ineficácia não é o mesmo que nulo, anulável, ou inexistente.

23.ª Por outro lado, o meio processual que o legislador estabeleceu para alcançar o fim - acção de anulação , não equivale a um juízo material que não seja o de que as deliberações são ineficazes, mesmo que sejam denominadas de anuladas por ser esse o meio processual atribuído pelo legislador para o efeito.

24.ª Assim, há-que concluir que não assiste qualquer razão ao Acórdão em revogar a decisão da 1.ª instância.

Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.

Encontra-se provado nos autos que:

1. O prédio sito na Av. ..., ...-..., em ..., encontra-se sujeito ao regime da propriedade horizontal e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º .24 da Freguesia de ..., cf. certidão permanente de fls. 66-88.

2. O imóvel destina-se a estacionamento e está dividido em .99 frações, tendo ... frações com permilagem de 6‰ (fr. CO,CP, CQ, GX, MI, MJ, ML, estacionamentos n.º 83, 84, 85, .83, .84,.85,.86), uma com 12,25‰ (fr. GZ, nº .84) e as restantes com 3,25‰, cf. certidão permanente de fls. 66-88.

3. A Autora é condómina do imóvel, cf. certidão permanente de fls. 66-88.

4. Por carta datada de 25/10/2021 e enviada em 29/10/2021, foi a Autora convocada para a assembleia de condóminos do referido Condomínio a realizar no dia 12/11/2021 (6ªFeira), pelas 17H00, ou caso não existisse quórum para a reunião, a ter lugar no dia 15/11/2021, pelas 18H00, cf. fls. 91-94.

5. Da Ordem de Trabalhos dessa convocatória constavam os seguintes pontos:

“1- Discussão e deliberação sobre a (re)organização do sistema de controlo de acessos ao parque de estacionamento, designadamente a manutenção de porteiros ao serviço do Condomínio (e em que horário de funcionamento e com que recursos humanos) ou a alteração para um sistema de empresa de segurança (e em que modalidade de horário de funcionamento presencial ou de cobertura com recurso a câmaras vídeo).

2- Discussão e deliberação sobre:

a) Definição das medidas necessárias à execução das deliberações tomadas no âmbito dos pontos anteriores;

b) Fixação dos custos/orçamentos de cada uma dessas medidas;

c) Repartição dos valores resultantes das deliberações tomadas no âmbito das alíneas anteriores entre comproprietários, com fixação das regras aplicáveis na liquidação, vencimento e cobrança de cada quota-parte nos custos/orçamentos aprovados;

d) Calendarização da execução e implementação de cada uma das medidas aprovadas.

3 - Análise e deliberação sobre as obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio.

4 - Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior.

5 - Nomeação da Comissão de Acompanhamento e ampliação dos trabalhos cometidos à sua apreciação e decisão de adjudicação juntamente com a administração.”

6. A convocatória tinha 2 orçamentos anexos, cf. fls. 91-94.

7. Em 12.11.2021, pelas 17 horas, não foi possível dar início aos trabalhos em primeira convocatória, por apenas estarem presentes ou representados 312,50%0 dos condóminos, cf. fls. 95.

8. A fls. 97-99, encontra-se cópia de ata:

ACTA N° 35

Aos quinze dias do mês de Novembro do ano de dois mil e vinte e um, pelas 18H00, na paróquia ..., sita na Rua dos ..., n.º ... em ..., reuniu em segunda convocatória a assembleia geral de condóminos do Parque de Estacionamento ..., sito na Av. ..., n.º ..., em ..., mediante convocatória previamente enviada, com a seguinte ordem de trabalhos:

1 - Discussão e deliberação sobre a (re)organização do sistema de controlo de acessos ao parque de estacionamento. designadamente a manutenção de porteiros ao serviço do Condomínio (e em que horário de funcionamento e com que recursos humanos) ou a alteração para um sistema de empresa de segurança (e em que modalidade de horário de funcionamento presencial ou de cobertura com recurso a câmaras vídeo).

2 - Discussão e deliberação sobre

a) Definição das medidas necessárias à execução das deliberações tomadas no âmbito dos pontos anteriores;

b) Fixação dos custos/orçamentos de cada uma dessas medidas;

c) Repartição dos valores resultantes das deliberações tomadas no âmbito das alíneas anteriores entre comproprietários, com fixação das regras aplicáveis na liquidação, vencimento e cobrança de cada quota-parte nos custos/orçamentos aprovados;

d) Calendarização da execução e implementação de cada uma das medidas aprovadas.

3 - Análise e deliberação sobre as obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio.

4 - Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior.

5 - Nomeação da Comissão de Acompanhamento e ampliação dos trabalhos cometidos à sua apreciação e decisão de adjudicação juntamente com a administração.

Estiveram presentes ou fizeram-se representar os condóminos dos lugares: .97, .38 e .45, 90, .62 e .63, 80, 46, 47, 48 e .87, 70, 24, .52. 55, .14, .53 e .54, 10, 9, .26, 86, .12, 38, 91, 96, 52, .26, 53, .18, 82, 67 e 68, 78, 71, 79 e 88, .88 e .89, 7, .13 e .85, vários da Vilanorte (208,5%o) e vários da i... (246%o).

Considerando o quórum presente, ou seja, 594,25%o, deu-se início aos trabalhos.

Presidiu aos trabalhos o Dr. AA, secretariado por BB e CC.

Entrando no ponto 1 da ordem de trabalhos - Discussão e deliberação sobre a (re)organização do sistema de controlo de acessos ao parque de estacionamento, designadamente a manutenção de porteiros ao serviço do Condomínio (e em que horário de funcionamento e com que recursos humanos) ou a alteração para um sistema de empresa de segurança (e em que modalidade de horário de funcionamento presencial ou de cobertura com recurso a câmaras vídeo) — foi dada a palavra ao Dr. DD, Advogado que tem acompanhado os processos relativos aos porteiros, incluindo a ação laboral mencionada na última assembleia.

Agora pelas 18H30 entrou o condómino do lugar 40 passando o quórum para 597,50%0. No uso da palavra o Dr. DD esclareceu que, sem a prestação de trabalho suplementar recorrente, não é possível cobrir 24h00/dia durante 365 dias/ano com apenas 4 porteiros, atentas as folgas e as férias.

Por outro lado e por forma a evitar outras reivindicações laborais, importa rever o estatuto remuneratório dos porteiros, por forma a cumprir integralmente as regras aplicáveis em matéria de turnos, trabalho noturno e em dia feriado.

De seguida foram trocadas impressões pelos condóminos presentes.

Um dos condóminos colocou a questão de saber se era viável eliminar o turno das 24H às 8H, tendo a maioria dos demais entendido que não devia ser essa a opção a tomar para a portaria, já que, independentemente do horário, se impõe que o Parque tenha presença humana na portaria 24H por dia.

Afigura-se que o serviço atual, com recurso a porteiros, é financeiramente mais favorável para o condomínio, pelo que é de manter. Ademais, a alteração do sistema implementado na portaria, implicaria o pagamento de indemnizações, sendo que o condomínio não tem liquidez financeira para o efeito.

Assim, por maioria de 506,50%o, com os votos de abstenção dos lugares .97, .38 e .45, .62 e .63, 46, 47, 48 e .87, 24, .52, 55, .14, .53 e .54, 9, .12, 38, 52, .26, .18, 82, 67 e 68, 78, 71, .88 e .89, representando o quórum de 91%o, sem votos contra, foi deliberado manter o sistema da portaria do Parque em regime de 24/7 com recurso a porteiros.

Mais foi deliberado, com a mesma maioria, que a Administração deve diligenciar por substituir o porteiro que vai sair, o Sr. EE, no âmbito até da gestão corrente do condomínio.

Ainda neste ponto a administração informou que é necessário avaliar da necessidade de se contratar mais um porteiro, em tempo parcial, para suprir as folgas e férias dos demais. Após prestados os esclarecimentos solicitados, por maioria dos presentes, representando o quórum de 389%0, com o voto de abstenção da Vilanorte, esta com o quórum de 208,50960, foi deliberado que a Administração deve avaliar a necessidade de proceder á contratação de mais um porteiro, a tempo parcial, apurar os custos com essa contratação, bem como os custos da revisão do atual estatuto de todos os porteiros, e colocar essas situações à apreciação e deliberação de futura assembleia.

De igual forma deverá apurar-se do interesse dos porteiros em funções para realizarem horas extraordinárias, mediante a devida compensação financeira.

Entrando no ponto DOIS da ordem de trabalhos - Discussão e deliberação sobre: a) Definição das medidas necessárias à execução das deliberações tomadas no âmbito dos pontos anteriores; b) Fixação dos custos/orçamentos de cada uma dessas medidas; c) Repartição dos valores resultantes das deliberações tomadas no âmbito das alíneas anteriores entre comproprietários, com fixação das regras aplicáveis na liquidação, vencimento e cobrança de cada quota-parte nos custos/orçamentos aprovados; d) Calendarização da execução e implementação de cada uma das medidas aprovadas — face à deliberação tomada no ponto anterior ficou sem efeito a análise e deliberação deste ponto.

No que se refere ao ponto TRÊS da ordem de trabalhos – Análise e deliberação sobre as obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio — a Administração esclareceu que já com a circular 5/2019 havia elencado os trabalhos preconizados para o Parque e enviado as propostas de custos para os mesmos. Com a convocatória para esta assembleia apenas se enviaram os custos para os trabalhos de construção civil que é necessário realizar no Parque para que os condóminos tivessem conhecimento dos valores atualizados.

Mais informou que os membros da Comissão de acompanhamento eleita em assembleia, sobretudo o Dr. FF e o Eng.° GG, têm juntamente com a administração, acompanhado os trabalhos a efetuar na central SADI, nas bombas da Central de incêndio, na ventilação, na central de CO; no grupo gerador, nas armaduras de emergência, nas bombas das águas pluviais e de esgotos, nos sensores, nas lâmpadas, no sistema CCTV, nas portas corta-fogo e nos elevadores. Lamentavelmente, atendendo aos valores devidos por alguns condóminos, sobretudo pela Vilanorte que nesta data deve ao condomínio a quantia de € 336.128,25, não tem sido possível realizar quaisquer melhorias, sequer as mais urgentes e obrigatórias. Acresce que o atual saldo do condomínio não se afigura suficiente sequer para assegurar o pagamento atempado das remunerações dos trabalhadores e dos serviços prestados por terceiros.

Nesta sequência a condómina do lugar 86 referiu que considera urgente, por questões de segurança, que as centrais de incêndio e de CO sejam intervencionadas.

Após alguma troca de impressões, apurando-se que o valor necessário para esses trabalhos é de € 6.000,00+Iva, solicitou que fosse colocado á votação a aprovação de um orçamento extra para o efeito. Manifestaram-se contra os condóminos dos lugares 7, .13, .85, 10, 89, .0, 79 e 88, porquanto entendem que se a Vilanorte pagasse o que deve os demais condóminos deixariam de ser sacrificados com as comparticipações mensais, já avultadas, ao que acresce o facto de serem sempre chamados a investir mais dinheiro para suprir a falta da Vilanorte.

Entrando no ponto QUATRO da ordem de trabalhos - Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior – foi colocado à votação a aprovação de um orçamento extraordinário no valor de € 6.000,00+Iva, no total de € 7.380,00, foi o mesmo aprovado por maioria de 571,50%0, com os votos contra dos lugares 7, .13, .85, 10, 89, 90, 79 e 88, representando o quórum de 26%o, sem votos e abstenção.

Mais foi aprovado por maioria de 363%0, com o voto de abstenção da condómina Vilanorte, representando o quórum de 208,50%0 e os votos contra dos condóminos dos lugares 7, .13, .85, 10, 89, .0, 79 e 88, representando o quórum de 26%o, que o valor de € 7.380,00 deverá ser rateado pelos condóminos, de acordo com a permilagem, devendo cada um pagar a sua quota-parte, até ao dia 15 de Dezembro de 2021, conforme solicitação de cobrança a enviar pela administração do condomínio.

Quanto ao ponto CINCO da ordem de trabalhos - Nomeação da Comissão de Acompanhamento e ampliação dos trabalhos cometidos à sua apreciação e decisão de adjudicação juntamente com a administração - foi aprovado por unanimidade dos presentes manter os membros da Comissão eleita em anterior assembleia, a saber: Dr. FF. Eng.° GG e Sr. HH.

De seguida o Sr. Eng.° II pediu a palavra propondo um voto de louvor aos membros da comissão de obras pelos trabalhos que têm desenvolvido com a Administração tendo em vista a implementação de medidas de recuperação do Parque. Colocado à votação o voto de louvor foi o mesmo aprovado por unanimidade.

E nada mais havendo a tratar encerraram-se os trabalhos pelas 20H30, tendo sido dado um voto de confiança à administração para posterior elaboração da ata que será assinada pela Administração do condomínio e enviada a todos os condóminos.

A Administração

9. Na assembleia, o representante da autora aprovou a realização das obras no valor de €6.000,00 + IVA, e o ponto cinco da ordem de trabalhos.

10. Não foi aprovado nenhum dos orçamentos anexos à convocatória.

11. A ata foi assinada pela administração do condomínio.

12. A ata não foi assinada por nenhum dos condóminos.

13. Foram assinadas as folhas de presença na assembleia, cf. fls. 182-186 verso.

14. A ata foi enviada a todos os condóminos, cf. 192-195, incluindo a autora por carta de 13.12.2021, que o havia solicitado por carta de 15.12.2021, cf. fls. 99-100.

Não se provou que:

15. Já a Administração resolveu escrever, falsamente na ata de 15/11/2022, a propósito dos pontos 3 e 4 que ali se aprovaram uns trabalhos no montante de € 6.000,00+iva, não registando a votação dessa alegada deliberação, nem determinando com exatidão quais os trabalhos em causa.

16. O mesmo sucede com o registo das alegadas votações do orçamento e da sua repartição, que não tiveram lugar e se, por hipótese, tais matérias tivessem sido postas à votação, teriam um objeto indeterminado, sendo, por conseguinte nulas, uma vez que não é possível determinar a que trabalhos respeitariam.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

Arguição de nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por violação do princípio do pedido (artigo 615º, nº 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil).

Invoca a este propósito a recorrente:

Competia ao Tribunal da Relação reapreciar a sentença proferida pelo tribunal a quo tendo em conta o pedido formulado pela Autora conexionado com a causa de pedir, o que não sucedeu.

Foi invocado na petição inicial que a falta das assinaturas dos condóminos, nos termos dos art.º1º, n.º 1 e 2, do DL 268/94 de 25/10, (na versão anterior à Lei 8/2022) na acta, não comprovava que tais deliberações e actos tivessem ocorrido, sendo, por isso, ineficazes.

A sentença de 1.ª instância reconheceu o direito de expurgar tais deliberações da ordem jurídica, por meio da acção de anulação, direito facultado aos condóminos, pelo art.º 1433º, 2 e n.º seguintes, do CC.

Tanto na petição inicial, como na sentença, no que se refere à total ausência de assinaturas dos condóminos na acta, alegou-se que a acta não comprovava as deliberações nela vertidas e, por isso eram ineficazes.

A ineficácia significa que um acto concreto não tem efeitos jurídicos, ou consequências no mundo do direito, podendo essa exclusão da situação jurídica ser ab inicio, posterior, reservada a uma pessoa, a uma condição, etc., conforme for a regulamentação do legislador.

O meio pelo qual o legislador facultou a expurgação das deliberações ineficazes, por não assinadas pelos condóminos, foi, entre outros, a acção de anulação (art.º 1433º, 2 e ss., do CC)

Na apelação da Ré, esta insurgiu-se no sentido de que a falta de assinatura de todos os condóminos da acta 35 não provocava, nas deliberações os vícios de: nulidade anulabilidade, ou inexistência, das deliberações do Condomínio.

A arguição de tais vícios ligados à falta de assinatura da acta, nunca deveria ter sido apreciada em Acórdão, pois não foi invocada no pedido, na causa de pedir, nem na sentença recorrida.

Os recursos têm uma função de reexame do julgamento do tribunal a quo, não podendo, em regra, conhecer de matérias não apreciadas na 1.ª instância.

Foi posta em crise a função probatória da acta quanto à existência das deliberações aí inscritas.

Na 1.ª instância, decidiu-se pela procedência da acção e a anulação das deliberações da acta 35 de 15/11/2021, com fundamento na sua ineficácia por a acta apenas ter a assinatura da Administração do Condomínio e nenhum condómino a tinha assinado.

Na Relação, julgou-se que a ineficácia das deliberações, por falta de assinatura da acta, não permitia a decretar a sua anulação por a ineficácia não ser um vício que não afecta a validade das deliberações, mas somente a sua oponibilidade externa.

Neste ponto o Acórdão em crise incorre em erro de interpretação do art.º 1433º, 2 e ss, nos termos do art.º 238º, 1, do CC, os condóminos, têm um direito de obter a expurgação da ordem jurídica das deliberações ineficazes. O meio processual que o legislador estabeleceu para alcançar o fim - acção de anulação , não equivale a um juízo material que não seja o de que as deliberações são ineficazes, mesmo que sejam denominadas de anuladas por ser esse o meio processual atribuído pelo legislador para o efeito.

Passemos à sua análise:

Afigura-se-nos assistir inteira razão à recorrente.

A causa de pedir da petição inicial tem essencialmente a ver – entre outros fundamentos – com o facto de as actas da Assembleia de Condóminos em causa apenas se encontrarem assinadas pela Administração (e não pelos respectivos condóminos) pelo que, no dizer da A., seriam ineficazes (vide artigo 34º, alínea a), não servindo para comprovar as deliberações que aí constam.

A A. concluiu coerentemente formulando o seguinte pedido: «o reconhecimento e declaração dos vícios que afetam as actas, a convocatória, as decisões e deliberações indicadas».

Daqui resulta, em termos absolutamente claros e inequívocos, que a A. invocou como causa de pedir a verificação do vício da ineficácia das deliberações alegadamente tomadas e vertidas em acta que fora apenas assinada pela Administração do Condomínio e não por qualquer dos seus condóminos.

Já a sentença de 1ª instância considerou que:

Nesta acção, não foi demonstrada a aprovação da acta 35, que não se encontra assinada por nenhum dos condóminos – apenas pela administração.

Pelo que as deliberações não são eficazes.

Não sendo as deliberações eficazes, importa julgar procedente a ação.

(…)

Pelo exposto:

1. Julga-se procedente a ação e anulam-se as deliberações constantes da acta 35”.

Não obstante esta estruturação concreta imprimida pela A. à sua causa de pedir e ao pedido sequencialmente formulado, decidiu o acórdão recorrido:

Nenhuma destas deliberações belisca qualquer disposição legal. Todas respeitam à administração das partes comuns do edifício, que compete à assembleia dos condóminos e a um administrador (artigo 1430.º do CC). As deliberações vindas de identificar com os n.ºs iii. e iv. respeitam o artigos 1424.º, n.º 1, que estabelece que, sem prejuízo de disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações. Todas as deliberações foram tomadas por, pelo menos, maioria de votos dos condóminos presentes, representando, pelo menos, um quarto do valor total do prédio, conforme determinado no n.º 6 do artigo 1432.º (lembramos que a assembleia do dia 15 de novembro de 2021 reuniu em segunda convocatória, por não ter havido quórum para a constituição da convocada para o dia 12).

Todas as deliberações são, pois, válidas, pelo que se revogará a sentença que as anulou.

Para anular as deliberações sub judice, o tribunal a quo invocou o disposto no artigo 1.º do DL 268/94, na versão da Lei 8/2022, que não estava em vigor na data da assembleia. Seja na primitiva versão, seja na de 2022, o artigo em questão não prevê nenhum caso de invalidade de deliberações, nem sanciona deliberações em certas circunstâncias ou de certo tipo com qualquer espécie de invalidade. O artigo em causa rege sobre a necessidade de serem lavradas atas das assembleias e das formalidades a que devem obedecer. Agora, como antes, a falta de formalidades da ata pode conduzir à ineficácia das deliberações. A norma situa-se no campo da eficácia em sentido estrito, não contendo qualquer cominação de invalidade, seja de anulabilidade, seja de nulidade.

A necessidade de assinatura das atas para a eficácia das deliberações foi debatida durante a vigência da versão inicial do artigo. Leiam-se, exemplificativamente, o Ac. do TRL de 07/04/2016, proc. 2816/12.6TBCSC-A.L1-2 (Ondina Carmo Alves) e Rui Pinto Duarte, ob. cit., pp. 102-105, bem como doutrina e jurisprudência citadas em ambos os locais.

O tema, não tendo sido requerida pela autora ampliação do objeto do recurso, ultrapassa o âmbito da apelação”.

Vejamos:

Afigura-se-nos insofismável que o acórdão recorrido apreciou e decidiu matéria jurídica substancialmente diversa daquela que consta da petição inicial, concretamente em termos da sua causa de pedir e pedido, bem como da própria sentença de 1ª instância.

Ou seja, versou o aresto em causa sobre a fundamentação substantiva das deliberações tomadas e não sobre o vício de procedimento formal subjacente à sua aprovação (in casu, a ausência das assinaturas dos condóminos na acta da Assembleia).

Dessa forma o Tribunal da Relação extrapolou manifestamente o âmbito do conhecimento que lhe competia, incorrendo em excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil.

Com efeito, o que foi essencialmente pedido pela A. ao tribunal é que declarasse a ineficácia das deliberações pretensamente tomadas em Assembleia de Condóminos, o que decorria, no entender da peticionante, da circunstância de nas actas não constar, como legalmente devia, a assinatura dos condóminos.

Foi também esse, em termos essenciais, o fundamento da sentença de 1ª instância que julgou a presente acção inteiramente procedente (independentemente da apreciação marginal dos pedidos de condenação das partes em litigância de má fé).

Acontece, porém, que o acórdão recorrido em vez de se debruçar concretamente sobre a existência, ou não, do vício da ineficácia das deliberações, tal como funcionalmente lhe competia, passou afinal a apreciar do fundamento substantivo da desconformidade do teor das deliberações com as normas legais e regulamentares a que se encontrariam sujeitas, concluindo nesse contexto pela sua inteira compatibilidade e pela revogação do decidido.

E, surpreendentemente, afirmou-se ainda que (quanto ao essencial do recurso de apelação):

O tema (necessidade de assinatura das atas para a eficácia das deliberações) não tendo sido requerida pela autora ampliação do objeto do recurso, ultrapassa o âmbito da apelação, não tendo sido requerida pela autora ampliação do objeto do recurso, ultrapassa o âmbito da apelação”.

Ora, cumpre desde logo referir que se encontrava processualmente vedada à A. a possibilidade de proceder à ampliação do objecto do recurso nos termos gerais do artigo 636º do Código de Processo Civil, na medida em que não havia decaído em qualquer dos fundamentos por si apresentados nos autos (a acção fora julgada, na parte que ora interessa, inteiramente procedente).

Por outro lado, o tema que o acórdão recorrido entendeu assumidamente não abordar, com a avocação de um pretexto manifestamente desajustado, era precisamente aquele que se encontrava directamente em discussão nos autos, isto é, saber se a falta de assinaturas dos condóminos na acta da assembleia de condóminos, tendo em conta a aplicação da lei vigente ao tempo da realização da Assembleia, produziria, ou não, consequentemente, o efeito da ineficácia das deliberações.

Apenas isso (independentemente da concreta e relativamente discutível formulação jurídica empregue no dispositivo da sentença de 1ª instância).

Pelo que, sem necessidade de outras justificações ou desenvolvimentos, impõe-se anular o acórdão recorrido, nos termos dos artigos 615º, nº 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil, devendo o Tribunal da Relação apreciar substantivamente, em novo acórdão, a questão jurídica em referência (a qual consiste, repete-se, em saber se a falta de assinaturas dos condóminos na acta da assembleia de condóminos, tendo em conta a aplicação da lei vigente ao tempo da realização da Assembleia, produziria, ou não, consequentemente o efeito da ineficácia das deliberações).

Concede-se, nesta medida, a revista.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em conceder provimento à revista, anulando o acórdão recorrido nos termos supra expostos.

Custas da revista pelo recorrido.

Lisboa, 1 de Julho de 2025.

Luís Espírito Santo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Anabela Luna de Carvalho

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.