Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2373/20.0T8MAI-A.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE ATIVA
LEGITIMIDADE ADJETIVA
DEFEITO DA OBRA
PARTES COMUNS
LITISCONSÓRCIO
INTERVENÇÃO PROVOCADA
REQUERIMENTO
AUTOR
PROPRIEDADE HORIZONTAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Tendo o condomínio, representado pelo administrador, legitimidade para pedir ao empreiteiro a reparação de defeitos de construção nas partes comuns, não se verifica, para a composição do litígio, relativamente a esse aspecto, a necessidade de intervenção dos condóminos, não se configurando uma situação de litisconsórcio necessário natural, ainda que se invoque a existência de defeitos causados nas fracções, para cuja reclamação os próprios condóminos têm legitimidade.

II. Não havendo litisconsórcio necessário, não estão reunidos os requisitos exigíveis a que o condomínio (autor) desencadeie a intervenção provocada dos condóminos, para figurarem do lado activo, sendo certo, por outro lado, que o Código de Processo Civil actual não faculta a dedução dessa intervenção pelo autor, para que a si se juntem terceiros, quer ao abrigo da coligação quer do litisconsórcio voluntário.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I



CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO D. INÊS DE CASTRO veio intentar accão declarativa comum contra HABIREV BEST – TECNOLOGIA DE REABILITAÇÃO E REVESTIMENTOS, LDA., pedindo que a R. seja condenada:

– A proceder, concluindo no prazo de 90 (noventa dias), à eliminação e rectificação dos defeitos de construção das partes comuns do prédio identificado no art. 1º da petição e nas fracções autónomas identificadas no parecer, reparando os respecivos danos no interior das mesmas conforme constam respectivamente dos arts. 38º a 48º da petição ou a mandar proceder, à sua custa, às obras necessárias e adequadas à reparação desses defeitos e mediante fiscalização e orientação de técnico responsável a indicar pela Administração de Condomínio;

- A pagar ao A. Condomínio, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €500,00 (quinhentos euros) por cada dia de atraso até à conclusão das obras para a eliminação dos mencionados defeitos.

– Caso a Ré não proceda a essas obras no prazo de noventa dias, seja condenada a pagar ao A. Condomínio a quantia que se apurar em incidente de liquidação ulterior, a título de obras necessárias para a eliminação dos defeitos de construção, a que se reporta o pedido 1), acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

- Seja a Ré ainda condenada a pagar ao A. a quantia de € 34.211,68 (Trinta e quatro mil duzentos e onze euros e sessenta oito cêntimos), a que se reportam as verbas melhor descritas no item 70º da petição, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento;

- Seja ainda condenada a indemnizar o A. e todos os condóminos afectados, melhor descritos no parecer (Doc. 5) de todos os danos actuais e futuros, em ulterior incidente de liquidação, que os alegados defeitos de construção imputáveis à Ré causaram no prédio do A. e nas referidas fracções.

Alega o A. que:

Em 22.06.2016, a Ré e o A. Condomínio celebraram um contrato de empreitada que teve por objecto a reabilitação das áreas comuns, fachadas e coberturas do edifício, em regime “chave na mão”, o que implicava que tudo estivesse completamente acabado, legalizado e pronto.

Em Outubro de 2018, a Administração do A. Condomínio contratou uma empresa técnica especializada – “H...” - para identificar as anomalias existentes no edifício do A, tendo essa empresa elaborado, em 02.05.2019, um relatório (que é junto aos autos) de visita e peritagem com a apresentação dos resultados.

Durante o ano de 2019 e inícios de 2020, o A. reclamou de diversas patologias que se prendem com as infiltrações de água na cobertura principal e na cobertura no terraço – logradouro, através da tela PVC aplicada pela Ré, nos vãos envidraçados e nas fachadas, tendo a R. tentado pontualmente corrigir alguns desses defeitos, mas, na maior parte dos casos, sem sucesso.

Em 01.02.2019, a Administração do A. enviou uma carta registada à Ré a denunciar os defeitos provenientes de infiltrações que as obras de recuperação por ela levadas a efeito não eliminaram, solicitando-lhe a correcção dos mesmos.

Posteriormente, foram enviados pelo A. inúmeros e-mails das reclamações dos condóminos à Administração de condomínio e desta para a Ré.

Face à inércia da Ré, o A., em 2 de Setembro de 2019, adjudicou à empresa “A..., Lda” esse trabalho, com vista à reparação pontual do terraço que serve de cobertura das garagens e ginásio, reparação das telas em PVC, sendo que esta intervenção se limitou aos pontos mais críticos onde ocorriam as aludidas infiltrações, cujo custo o A. teve de suportar.

O A. alega ainda que o edifício tem defeitos graves que a empreitada celebrada com a Ré não reparou como se impunha, com destaque para a cobertura (18º piso), garagem, 44º lugar de garagem BG, ginásio e cobertura em terraço/logradouro.

O A. alude também a infiltrações nas fracções com origem nas partes comuns.


Tendo sido requerida pelo A. a intervenção provocada dos condóminos que se identificam no despacho proferido na 1ª instância em 15-09-2021, foi, neste despacho, decidido o seguinte:

«Estabelece o artº 316º nº 1 do CPC que, “Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.

No caso dos autos, é pedido pelo autor condomínio, designadamente, que a ré seja condenada a efetuar obras de reparação em partes comuns do edifício e também em frações autónomas que são pertença dos ora chamados.

Ora, estando em causa defeitos existentes nas partes comuns de um edifício onde se situam tais frações autónomas, e sendo a responsabilidade pelos defeitos existentes, quer nas partes comuns, quer nas partes privativas, imputada à aqui ré, por razões de economia processual, e com vista ao afastamento de contradição de julgados, é de todo o interesse que todos os pedidos deduzidos sejam conhecidos na presente ação.

Com efeito, se não fosse admitida tal intervenção, e fosse o autor condomínio julgado parte ilegítima para tal pedido, tal não impediria os ora chamados de virem propor ações autónomas, peticionando as reparações aqui requeridas, nas suas frações.

Ora, nos termos do artigo 32º, nº 1, do Código de Processo Civil “se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade”. “Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade” (artigo 33º, nº 1, do Código de Processo Civil). “É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal” (art. 33º nº 2 do Código de Processo Civil). “A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado” (artigo 33º, nº 3, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, os ora chamados são condóminos do edifício em causa e proprietários das frações afetadas com os defeitos, pelo que a decisão a proferir nestes autos também os afeta. Por outro lado, a eventual improcedência do pedido não impede estes chamados de virem propor nova ação com este objeto.

Assim, para que a decisão a proferir tenha o seu efeito útil, admite-se a intervenção principal provocada do lado ativo dos chamados acima identificados.»


Desta decisão, recorreu a ré para o Tribunal da Relação do Porto, onde foi proferido acórdão que julgou procedente o recurso e revogou o despacho, considerando dever «ser substituído por outro que indefira a requerida intervenção principal, julgando parte ilegítima o recorrido na parte respeitante aos pedidos de eliminação dos defeitos nas fracções autónomas e de indemnização dos condóminos por danos futuros provocados pelos referidos defeitos, com a consequente absolvição da ré da instância quanto aos mesmos».


Inconformado, recorreu o A. para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:

«1) Após a citação do réu, deve a instância manter-se imutável quanto às pessoas, pedido e causa de pedir, ressalvadas as possibilidades de modificação consignadas na lei. Trata-se do princípio da estabilidade da instância, consignado no artigo 260.º do Código de Processo Civil.

2) A intervenção de terceiros constitui uma das excepções previstas na lei a esse princípio, a qual processualmente é admissível através do incidente típico ou inominado previstos nos Art.311º e segs. CPC.

3) O incidente da intervenção principal provocada no caso sub judice fundamenta-se na titularidade das fracções autónomas respeitantes aos chamados, as quais apresentam diversas patologias a par dos defeitos verificados nas partes comuns reclamados na acção.

4) Sendo a origem de tais patologias (fracções e do Condomínio) comuns, a Recorrente entende que existe um interesse conexo que consubstancia na mesma relação material controvertida.

5) O douto acórdão recorrido considera o Condomínio parte ilegítima quanto os pedidos que formula, ou seja, na condenação da Ré na reparação de danos verificados em fracções autónomas, decorrentes dos defeitos existentes nas partes comuns e a indemnizar os condóminos por todos os danos actuais e futuros.

6) Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja, a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (artigo 312º do Código de Processo Civil (CPC)), o qual em relação ao objecto da causa, representa um interesse igual ao do autor ou do réu, conforme o previsto nos artigos 32.º, 33.º e 34.º CPC.

7) O artigo 311º do Código de Processo Civil, que define o âmbito da intervenção principal espontânea e serve de referência à intervenção provocada.

8) No caso sub judice verifica-se uma unicidade quanto à relação material controvertida, com múltiplos titulares, pois o que aqui está em causa, é a verificação de defeitos, mormente infiltrações, nas partes comuns do prédio, as quais se repercutem nas fracções autónomas.

9)  Ora, situação diferente é da coligação de AA, pois, neste caso, há uma pluralidade de partes e uma pluralidade de relações materiais litigadas, desde que se verifique determinados requisitos de conexão objectiva e de compatibilidade processual.

10) Por outro lado, o douto acórdão defende que a lei actual, nº1 e 2º do Art.316º CPC veio restringir os pressupostos da intervenção principal provocada a requerimento do A., mesmo em situações de litisconsórcio voluntário, só permitindo a intervenção de algum litisconsorte do Réu que não haja sido demandado inicialmente nos termos do Art. 39º -A.

11) Considera o douto acórdão que existe ilegitimidade do A. Condomínio dado que só poderá agir em juízo mandato pela Assembleia de Condóminos nas questões referentes às partes comuns do Condomínio e reclamando este na acção a condenação da Recorrida na reparação dos danos nas fracções autónomas.

12) Todavia, tal situação conduz à existência de litisconsórcio necessário entre o Condomínio e cada um dos condóminos afectados, dado que pela própria natureza da relação jurídica a mesma é necessária para obter o efeito útil normal, nos termos do Art. 33º nº2 CPC.

13) Aliás, nos termos do nº3 do mesmo preceito a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, embora não vinculando os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

14) O que se pretende alcançar é que no mesmo processo se possa discutir quer as patologias das partes comuns, quer as que se verificam nas partes privativas, já que todas têm a mesma origem, devendo ser tratadas conjuntamente, mormente, para evitar julgados divergentes, como, aliás, foi decidido na 1ª instância.

15) É que se designa de litisconsórcio necessário natural, sendo que o efeito útil normal da decisão consiste em esta, não vinculando embora os restantes interessados, poder regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (nº 3 do mesmo artigo).

16) Como se referiu as consequências danosas repercutem-se em todos os intervenientes (condomínio/Chamados) atenta a relação material controvertida, os reclamados defeitos nas partes comuns, afectam as fracções em causa, pelo que se verifica uma indivisibilidade ou incindibilidade dos interesses em causa, relevando aqui os interesses colectivos, do Condomínio e dos Condóminos.

17) Pelo que a Mma Juiz da 1ªinstância ao convidar o A. a suscitar o competente incidente, providenciou pelo suprimento da excepção dilatória aplicando rigorosamente o dever de gestão processual previsto no Art.6ºnº2 CPC.

18) Por seu turno o douto acórdão recorrido fez errada aplicação dos Arts.33º nº2 e 316 nº1 CPC»

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, mantendo-se a decisão proferida na 1ª instância.


Contra-alegou a R., concluindo o seguinte:

«1.- O Apelado interpôs o presente recurso de revista ordinária do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual indeferiu o incidente de intervenção principal provocada dos condóminos proprietários das frações autónomas, deduzido pelo Autor, por julgar o Condomínio parte ilegítima, no que concerne ao pedido de condenação da Ré em proceder à eliminação dos defeitos nas frações autónomas e de indemnização dos condóminos proprietários por danos futuros provocados pelos referidos defeitos, absolvendo a aqui Recorrida desses mesmos pedidos.

2.- Defende o Apelado que mal andou aquele Venerando Tribunal da Relação ao julgar parte ilegítima o Condomínio, nos pedidos de reparação dos defeitos e indemnização dos danos ocorridos nas frações autónomas, por entender que o incidente de intervenção principal provocada é idóneo a suprir a referida exceção dilatória de ilegitimidade, uma vez que entende que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário natural, já que o efeito útil da eventual decisão pode regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

3.- Salvo o devido respeito por melhor entendimento, não assiste razão ao Apelado, aqui Recorrente, conforme adiante se expenderá.

4.- O incidente de intervenção principal provocada, previsto ao art. 316.º do CPC visa suprir a preterição de litisconsórcio necessário (n.º 1), ou ainda nos casos de litisconsórcio voluntário (n.º 2), sendo que o fundamento de tal incidente da instância traduz-se na legitimidade do terceiro para intervir na causa.

5.- Com o pressuposto da legitimidade tem-se em vista que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, apresentando-se, por isso, como um reflexo do princípio da autonomia da vontade, já que é o titular do interesse o único que pode prossegui-lo, em juízo ou fora dele, salvo quando a lei disponha diversamente.

6.- Nos termos do art. 30.º, n.º 1 do CPC, autor e réu são partes legítimas quando têm interesse direto, respetivamente, em demandar e em contradizer, interesse esse que se afere, de acordo com o n.º 2 daquele mesmo preceito legal, pela utilidade derivada da procedência da ação ou pelo prejuízo que daí advém, prevendo ainda o n.º3 uma regra supletiva.

6.- Para determinar a legitimidade terá de se ter em linha de conta o pedido e a causar de pedir, devendo atender apenas à relação material controvertida, conforme a mesma é configurada pelo autor. Além disso, dir-se-á que o facto de a relação material controvertida afetar diretamente os interesses de várias pessoas determina, só por si, a necessidade de intervenção de todos os possíveis interessados.

7.- Sucede que, o Condomínio demanda a Ré, por forma a que mesma seja condenada a eliminar os alegados defeitos de construção existentes nas partes comuns do edifício, mais peticionando que a Ré seja também condenar a eliminar os putativos vícios existentes nas frações autónomas, mais peticionando indemnizações pelos danos sofridos pelos alegados prejuízos atuais sofridos.

Ora,

8.- Se os vícios existentes dizem respeito às frações autónomas, como são os seus proprietários, individualmente considerados, que têm o poder de administração sobre as mesmas, apenas poderão ser os próprios a exercer, junto do construtor/vendedor, os direitos em causa.

9.- Já por outro lado, se os defeitos se situam nas partes comuns do edifício, como é da competência exclusiva da assembleia de condóminos e do administrador exercer a administração das partes comuns, o exercício de tais direitos (máxime, os direitos de eliminação dos defeitos de eliminação dos defeitos) compete ao administrador do condomínio, devidamente mandatado para o efeito pela assembleia de condóminos.

Isto dito,

10.- Além de o Condomínio carecer de legitimidade para demandar a construtora para a eliminação de alegados defeitos nas frações autónomas, sempre o incidente de intervenção principal provocada não seria idóneo para suprir tal ilegitimidade, porquanto o incidente de intervenção principal provocada visa sanar a preterição de litisconsórcio necessário ou voluntário.

11.- Como tal, a presença dos condóminos proprietários das frações autónomas, alegadamente defeituosas, não configura uma situação de litisconsórcio necessário, já que não resulta da lei, nem tão pouco de negócio jurídico, a exigência da intervenção de todos os interessados na relação controvertida, nem a sua ausência na presente demanda poderia obstar que a eventual decisão a ser proferida não produza o seu efeito útil normal (cfr. Art. 33.º, CPC).

12.- Pois que, quanto ao litisconsórcio, devemos estar perante dois ou mais sujeitos, ativos ou passivos, da mesma relação jurídica controvertida, desde que o pedido seja o mesmo relativamente a todos eles. Ou seja, no litisconsórcio há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida.

13.- Já no caso de coligação, à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os fundamentos destes.

14.- Daqui resulta que, a admitir que os proprietários das frações autónomas intervenham na presente demanda, ocupando o lado ativo da relação controvertida, sempre tal configuraria uma situação de pluralidade de partes e, bem assim, de pluralidade de pedidos, o que configuraria uma situação de coligação entre o Condomínio Autor e os proprietários das frações autónomas.

15.- Pelo que a admissão da intervenção principal provocada do lado ativo dos proprietários das frações autónomas não seria suficiente e idónea a suprir a falta de legitimidade ativa, pois não estamos perante uma situação de preterição de litisconsórcio necessário, nem sequer de litisconsórcio voluntário, mas sim de coligação.

16.- Em bom rigor, a intervenção dos proprietários das frações autónomas não é necessária para que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal, porquanto a reparação e/ou eliminação de alegados defeitos nas partes comuns do Condomínio Autor não necessita da intervenção judicial dos proprietários das frações autónomas, já que os mesmos, enquanto proprietários, têm legitimidade para agir judicialmente contra a construtora e peticionar a reparação dos alegados vícios, em nada dependendo o seu impulso processual da ação intentada pelo aqui Condomínio Autor.

17.- Pelo que a eventual decisão que venha a dirimir o presente litígio não deixa de produzir o seu efeito útil por os proprietários das frações autónomas não comporem a presente lide.

18.- Atendendo a tudo o aqui expendido, o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto acha-se conforme a uma boa decisão de Direito, não merecendo qualquer reparo, pelo que tal aresto deve ser mantido na ordem jurídica.»


*


Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão a tratar, in casu, a de saber se, diversamente do decidido pelo Tribunal recorrido, se verifica uma situação de litisconsórcio necessário natural, conducente ao deferimento da intervenção provocada dos condóminos, para figurarem nos autos ao lado do Autor (Condomínio).



II


Os elementos a considerar são os que emanam do relatório constante do ponto anterior.


Dispõe o art. 316º do CPC:

«1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.

3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:

 a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.»


Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem no Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, p. 629, que:

«Além de excluir o chamamento de terceiro para se coligar com o autor, em paralelismo com o regime da intervenção principal espontânea […], e de excluir a faculdade de o autor chamar terceiro para com ele formar litisconsórcio voluntário […], o novo artigo ordena mais logicamente as situações em que é admitida a intervenção princi­pal provocada: litisconsórcio necessário; litisconsórcio voluntário por inicia­tiva do autor; litisconsórcio voluntário por iniciativa do réu.»


Assinalam, noutro ponto (p. 630), que:

«No novo código, o litisconsórcío voluntário ativo pode constituir-se por iniciativa livre do réu (n.º 3-b), mas deixou de poder constituir-se por inicia­tiva do autor (n.º 2); o litisconsórcío voluntário passivo pode constituir-se por iniciativa de qualquer das partes, sendo livre a do autor e condicionada a do réu a este mostrar ter nisso um interesse atendível (n.º 2 e 3-a); e o litiscon­sórcio necessário pode resultar da iniciativa livre de qualquer das partes, mas só o autor o pode constituir nos prazos e com os efeitos especiais do art. 261, embora, quando seja ativo, o seu interesse seja fazê-lo logo na petição inicial quando se trate de terceiro que não o quer acompanhar na propositura da ação.»


Estes Autores, em anotação ao art. 311º do CPC (que se refere à intervenção espontânea), vincam, estabelecendo o cotejo com o art. 320º do CPC-61, na versão do DL 329-A/95, que foi suprimida a norma que admitia a constituição de coligação activa.

Fica assim excluída a possibilidade de o autor provocar a intervenção de terceiro para com ele formar litisconsórcio voluntário ou coligar-se. Poderá fazê-lo apenas numa situação de litisconsórcio necessário.

No que tange ao litisconsórcio necessário, preceitua o art. 33º do CPC:

«1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.

2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.

3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.»


No acórdão recorrido, considerou-se o seguinte:

«Afigura-se […] que não ocorrem os pressupostos de admissibilidade da requerida intervenção principal provocada. No tocante ao pedido de condenação da recorrente à eliminação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do condomínio autor, ao seu administrador, como órgão executivo da administração, cabe o desempenho das funções referidas no art.º 1436º do CC, próprias do seu cargo, nos termos dos arts. 6º, al. e) do CPC e 1437º do CC, os quais atribuem ao administrador a função da representação processual do condomínio. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia (n.º 1 do art.º 1437.º do CC). Em qualquer dos casos as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns do edifício (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III (artigos 1251º a 1575º, 2.ª edição, págs. 455 e 456). Relativamente ao pedido de condenação da recorrente na reparação e indemnização pelos danos causados nas fracções autónomas, não existe litisconsórcio necessário entre o condomínio e cada um dos condóminos afectados. Esta figura refere-se à situação em que a mesma e única relação material controvertida tem uma pluralidade de partes, e a lei ou o negócio exigirem a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, sob pena de ilegitimidade (art.º 33.º, n.º 1, do CPC). Existiria, sim, a possibilidade de, na mesma acção, o condomínio autor demandar a recorrente pelos danos causados nas zonas comuns e cada um dos condóminos o fazer relativamente aos danos causados nas respectivas fracções autónomas. Nessa hipótese, deparar-se-ia a figura jurídica da coligação, e não do litisconsórcio voluntário. Há litisconsórcio quando existe pluralidade de partes e unidade quanto a certo ponto e há coligação quando existe pluralidade de partes e pluralidade quanto ao mesmo ponto (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, Lisboa, AAFDL, 1980, vol. II, págs 203 a 231). No que se refere a este «ponto» esclarecia este autor ser a figura-chave da distinção a noção de pedido. Podendo, assim, concluir-se que há litisconsórcio quando existe pluralidade de partes e unidade quanto ao pedido e há coligação quando existe pluralidade de partes e pluralidade quanto ao pedido.

Ainda que de litisconsórcio voluntário se tratasse no que concerne às partes autónomas, como se entendeu no acórdão desta Relação do Porto e Secção de 11-05-2010, nem por isso poderia aqui considerar-se verificados os requisitos da intervenção principal provocada a requerimento do autor. O aresto em referência foi proferido no âmbito temporal de vigência do anterior CPC de 1961, cujo art.º 325.º, n.º 1, facultava o chamamento a qualquer das partes, podendo ambas chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. A lei actual, como decorre dos n.ºs 1 e 2 do art.º 316.º do CPC, veio claramente restringir os pressupostos da intervenção principal provocada a requerimento do autor, e, mesmo em situação de litisconsórcio voluntário, só a faculta para provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. A doutrina de tal aresto não é, por isso, susceptível de ser transposta para o caso vertente.

Daqui decorrendo que a falta de legitimidade do condomínio autor para os pedidos de condenação da ré na reparação de danos verificados em fracções autónomas, decorrentes dos defeitos existentes nas partes comuns, e a indemnizar e os condóminos afectados, não é sanável por via da intervenção provocada dos mesmos condóminos, nem a decisão que venha a dirimir o litígio quanto aos pedidos formulados pelo autor, referentes à eliminação e rectificação dos defeitos de construção das partes comuns do prédio, e a indemnizar o A. de todos os danos actuais e futuros, em ulterior incidente de liquidação deixa de produzir o seu efeito útil pelo facto de os proprietários das fracções autónomas não intervirem na presente acção. Deve, assim, o condomínio autor, ora recorrido, ser declarado parte ilegítima na presente acção quanto a tais pedidos de reparação dos defeitos das fracções autónomas e de indemnização por danos futuros, salvo daqueles que decorram da responsabilização do condomínio perante cada um dos condóminos, provocados pelos referidos defeitos, com a consequente absolvição do recorrente, nessa parte, da instância.»


Conforme é referido no acórdão impugnado, o condomínio é representado em juízo pelo administrador, sendo-lhe conferida personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes deste (arts. 1437º, nº1, do C. Civil e 12º, al. e), do CPC).

Como anotam, relativamente ao art. 1436º do C. Civil, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 453, o administrador «é o órgão executivo do grupo de condóminos constituídos em propriedade horizontal, embora não deva perder-se de vista que, em princípio, as suas atribuições se reportam apenas às coisas comuns e aos serviços de interesse comum», acrescentando ainda, em anotação ao art. 1437º do C. Civil, que este artigo «consagra a legitimidade do administrador para estar em juízo, quer como autor, quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou relativas à prestação de serviços de interesse comum» (p. 455).

Observa Aragão Seia que «se alguma das fracções autónomas apresentar deficiências de construção, é o condómino seu proprietário que tem legitimidade para solicitar à empresa construtora as respectivas reparações e não o administrador.» (Propriedade Horizontal, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, p. 218).

In casu, o Condomínio A. contempla, nos seus pedidos, não apenas as partes comuns (para as quais é nítido assistir-lhe legitimidade), mas também os danos alegadamente causados nas fracções autónomas pela deficiente construção levada a cabo pela Ré, deduzindo, na verdade, um pedido em que contempla apenas as fracções autónomas.

No acórdão recorrido, considerou-se, como resulta da parte reproduzida, que não há litisconsórcio necessário entre o condomínio e cada um dos condóminos afectados, pois essa figura refere-se à situação em que a mesma e única relação matéria controvertida tenha uma pluralidade de partes e a lei ou o negócio exijam a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, sob pena de ilegitimidade (art.º 33.º, n.º 1, do CPC).

Rejeitando-se que, no caso, se verifique litisconsórcio, admite-se, no mesmo acórdão, que seria possível verificar-se uma situação de coligação (art. 36º do CPC), se houvesse interposição da acção pelo condomínio (pelos danos causados nas partes comuns) e pelos condóminos (pelos danos causados nas fracções autónomas).

O litisconsórcio necessário pode ser legal, convencional ou natural, ou seja, pode ter origem na lei, no negócio jurídico, ou decorrer da natureza da relação jurídica em causa.

Defende o Recorrente que ao caso quadra o litisconsórcio necessário natural, pois o que se pretende alcançar é que, no mesmo processo, se possam discutir quer as patologias das partes comuns quer as que se verificam nas partes privativas, já que todas têm a mesma origem, devendo ser tratadas conjuntamente, mormente para evitar julgados divergentes, como foi decidido na 1ª instância.

Considera que se verifica uma indivisibilidade ou incindibilidade dos interesses em causa, relevando aqui os interesses colectivos do condomínio e dos condóminos.

Paulo Pimenta refere, a propósito do litisconsórcio natural, que o problema se deve colocar na conjugação do que se decida numa acção com outra que se lhe siga (nesta sendo partes os que não intervieram na acção anterior). Assim, «sempre que se antecipe ou vislumbre que a decisão a proferir nessa nova acção é passível de bulir com a decisão anterior, aí estará o sinal da necessidade da presença simultânea de todos os interessados numa única e mesma acção – condição da utilidade da decisão a proferir aí.» (Processo Civil Declarativo, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 81).

Dá como exemplo, entre outros, de litisconsórcio natural uma acção destinada a obter a declaração de nulidade de um negócio jurídico, visto que o negócio, a ser nulo, (ou válido), há-de ser para todos os contraentes, impondo-se, assim, a presença de todos eles na lide, sob pena de a questão submetida a juízo não ficar definitivamente regulada, ou a acção de preferência, devendo o preferente demandar o transmitente como o adquirente (p. 82).

Explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (op. cit., pp. 99-100), reportando-se ao nº 3 do art. 33º do CPC, que:

«A norma do n.º 3 não trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças - ou outras pro­vidências - inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais.

A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, decla­rando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas ações de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar.»


Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 63, escrevem:

«O litisconsórcio necessário natural não constitui simples corolário do imperativo de obstar à coexistência de decisões diversas sobre a mesma relação jurídica. O sistema admite esta possibilidade, desde que cada decisão seja suscetível de produzir o seu efeito útil normal, ou seja, desde que a sentença que venha a ser proferida possa regular definitivamente a situação concreta dos interessados intervenientes na lide, com independência relativamente aos não intervenientes. Por regra, o caso julgado apenas vincula os sujeitos intervenientes (arts. 619º, nº 1, e 581º), de modo que o sistema convive com a possíbilidade de existirem sentenças diversas emergentes de ações distintas.»

 Salvo o devido respeito, considera-se que, in casu, relativamente ao aspecto em que é indubitável a legitimidade do Condomínio A., ou seja, no que concerne às partes comuns e, em concreto, aos defeitos aí verificáveis, alegadamente decorrentes da conduta da Ré, não se verifica, para a composição do litígio, a necessidade de intervenção dos condóminos.

A circunstância de poder verificar-se a ocorrência de danos, igualmente causados pela Ré, em consequência das obras que realizou, nas fracções autónomas, legitimará os respectivos titulares a demandar, por sua livre iniciativa, a Ré.  E, naturalmente, impor-se-á, em relação às fracções autónomas, à semelhança do que se passa com as partes comuns, o preenchimento dos requisitos da obrigação de indemnizar.

Não havendo litisconsórcio necessário, não estão reunidos os requisitos exigíveis a que o A. desencadeie a intervenção provocada dos condóminos, para figurarem do lado activo, sendo certo que, como se deixou dito, o Código de Processo Civil actual não faculta a dedução dessa intervenção pelo autor, para que a si se juntem terceiros, quer ao abrigo da coligação quer do litisconsórcio voluntário. Daí que assista razão ao Tribunal recorrido quando refere que, ainda que de litisconsórcio voluntário se tratasse, no que concerne às partes autónomas, nem por isso se poderia aqui considerar verificados os requisitos da intervenção principal provocada a requerimento do autor.

Pelo exposto, improcede o recurso.


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Sumário (da responsabilidade do relator)



1. Tendo o condomínio, representado pelo administrador, legitimidade para pedir ao empreiteiro a reparação de defeitos de construção nas partes comuns, não se verifica, para a composição do litígio, relativamente a esse aspecto, a necessidade de intervenção dos condóminos, não se configurando uma situação de litisconsórcio necessário natural, ainda que se invoque a existência de defeitos causados nas fracções, para cuja reclamação os próprios condóminos têm legitimidade.

2. Não havendo litisconsórcio necessário, não estão reunidos os requisitos exigíveis a que o condomínio (autor) desencadeie a intervenção provocada dos condóminos, para figurarem do lado activo, sendo certo, por outro lado, que o Código de Processo Civil actual não faculta a dedução dessa intervenção pelo autor, para que a si se juntem terceiros, quer ao abrigo da coligação quer do litisconsórcio voluntário.


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Pelo que ficou dito, na improcedência da revista, mantém-se o decidido pelo Tribunal recorrido.

- Custas pelo Recorrente.


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Lisboa, 15-09-2022


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza