Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00027534 | ||
Relator: | MIRANDA GUSMÃO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL ACIDENTE DE VIAÇÃO QUEIXA DO OFENDIDO ACÇÃO CÍVEL EMERGENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO PRESCRIÇÃO PRAZO PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL | ||
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Nº do Documento: | SJ199506080865182 | ||
Data do Acordão: | 06/08/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N448 ANO1995 PAG346 | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7180/93 | ||
Data: | 01/11/1994 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR RESP CIV. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 112 N1 ARTIGO 117 N1 C ARTIGO 148 N3 N4. CCIV66 ARTIGO 498 N1 N3. CE54 ARTIGO 5 N5 ARTIGO 7 N1 F. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1988/12/14 IN BMJ N382 PAG488. ACÓRDÃO STJ DE 1994/02/22 IN CJ ANOII TI PAG12. ACÓRDÃO STJ DE 1990/11/13 IN BMJ N401 PAG563. ACÓRDÃO STJ DE 1989/06/15 IN BMJ N388 PAG418. | ||
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Sumário : | I - A extinção do procedimento criminal por não exercício do direito de queixa não obsta a que o prazo prescricional do direito de indemnização do lesado não seja o da prescrição penal se mais longo do que o estabelecido no artigo 493, n. 1, do Código Civil. II - O lesado para beneficiar do prazo de prescrição penal mais longo do que o estabelecido no artigo 493, n. 1 do Código Civil, apenas terá de provar, na acção cível, que o facto ilícito constitui crime com um prazo de prescrição mais longo do que o de três anos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. A e mulher B intentaram acção cível emergente de acidente de viação contra C, D, E, F, G, Companhia de Seguros H e Companhia de Seguros I, pedindo a condenação solidária destes no pagamento de 2383271 escudos, com o fundamento em embate de veículos em cadeia, no dia 29 de Dezembro de 1982, por culpa do Réu, com danos vários, no montante do pedido. - Contestando, sustentaram os Réus C e D que, tendo a acção sido proposta em 1987, decorreram muito mais de três anos sobre a data em que podiam exercer o direito de queixa e mais de quatro sobre a data do acidente, tendo, por isso, ocorrido a prescrição. - No saneador foi julgado improcedente a excepção de prescrição. - A Ré D interpôs recurso do saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição que foi recebida como agravo. - Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença a condenar os Réus C e D a pagar à Autora B a indemnização de 200000 escudos, acrescidos de juros de mora desde 3 de Abril de 1987 e até integral pagamento. 2. Os Autores apelaram. A Relação de Lisboa, por acórdão de 11 de Janeiro de 1994, negou provimento ao agravo e à apelação, confirmando a decisão recorrida. 3. Os Réus Ce D agravaram para este Supremo Tribunal, pedindo a revogação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões: 1) O acidente dos autos correu em 29 de Dezembro de 1982, tendo a presente acção sido proposta em Março de 1987, decorridos muito mais de três anos sobre aquela data. 2) Os Autores não exerceram, no prazo legal de seis meses, o seu direito de queixa pelas lesões corporais sofridas no sinistro, ficando, desta forma, extinta a possibilidade de procedimento criminal, por força dos artigos 112 n. 1 e 148 n. 4, do Código Penal. 3) O prazo de prescrição do n. 3 do artigo 498, do Código Civil, abrange o prazo de prescrição do direito de queixa, porquanto a caducidade do direito de queixa impede a apreciação penal do facto ilícito. 4) Extinta a possibilidade de procedimento criminal por caducidade do direito de queixa, não se verificam os fundamentos que estão na base da aplicação do prazo previsto no n. 3 do art. 498 do Código Civil, pois, uma vez extinta a possibilidade de procedimento criminal por caducidade do direito de queixa, está também e necessariamente, extinta a possibilidade de no processo crime se formular o pedido de indemnização. 5) Pelo exposto, ao direito dos lesados é aplicável o prazo prescricional de três anos previsto no n. 1 do artigo 498 do Códig Civil e não o previsto no n. 3 do mesmo diploma legal. 6) Nos termos do artigo 112 n. 1 do Código Penal, o prazo para o exercício do direito de queixa começa a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores. No caso presente, esse conhecimento, que é manifestamente naturalístico, foi obtido na data do acidente. Assim, é irrelevante para efeitos de contagem do prazo prescricional, o facto de os autores não constarem como intervenientes na participação do acidente feito pala G.N.R. nem no processo que levou ao despacho de arquivamento pelo Ministério Público. 7) O acidente dos autos foi julgado segundo os princípios da responsabilidade objectiva pelo que não há motivo para se verificar um alongamento do prazo de prescrição nos termos do n. 3 do artigo 498 do Código Civil. 4. Os autores pedem revista, formulando as seguintes conclusões: 1) O douto acórdão recorrido fez errada aplicação das normas jurídicas, violando o disposto no artigo 659 n. 2 do Código de Processo Civil. 2) O conceito de velocidade excessiva é um conceito de direito que se conclui dos factos demonstradores da condução anormal do Réu, designadamente não ter conseguido parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente - artigo 7 do Código da Estrada. 3) Ao não atender a este preceito de direito substantivo, o aliás douto acórdão recorrido além de o ter ofendido, ofendeu igualmente o artigo 5 n. 5 do Código da Estrada, pois o Réu violou tal preceito ao não guardar a distância devida ao veículo que o precedia, atentas as condições da via (nevoeiro), no sentido de poder parar sem perigo de acidente. 4) Ao Réu C cabia ilidir estas presunções de culpa, não se entendendo assim. 5) Dir-se-á que um bom pai de família, diligente, não conduz nas condições em que ocorreu o sinistro, com a violência descrita nos autos, de modo a enfaixar a sua viatura na traseira de um qualquer veículo. 6) Em qualquer dos casos a culpa total do acidente tem que ser imputada ao Réu C. 7) A importância devida aos Autores deve ser equilibrada e proporcionada à gravidade dos danos sofridos e fixada em quantia não inferior à peticionada (2383271 escudos) acrescida de juros sobre essa importância à taxa legal, desde a citação. 8) O douto acórdão recorrido violou os artigos 483, 487 ns. 1 e 2 e 566, todos do Código Civil. 9) Não há, pois, lugar à aplicação do disposto no artigo 508 do Código Civil. 5. Os recorridos apresentaram contra-alegações onde salientam que: 1) Julgado procedente o recurso de agravo, a precludida fica a apreciação do recurso de revista. 2) As decisões recorridas não merecem qualquer censura quanto à apreciação da matéria de facto e à sua conclusão de que o presente acidente deve ser decidido segundo as regras da responsabilidade objectiva. 3) Merecem censura, quando não julgaram verificada a excepção de prescrição, visto a sua alegação e o recurso de agravo pendente, com o que violaram o disposto no n. 1 do artigo 498 do Código Civil. 4) Merecem censura, quando arbitram indemnização aos autores por violação do disposto no artigo 564 do Código Civil, visto que aqueles não alegaram, nem muito menos provaram, que o transporte fosse oneroso, facto - condição - pressuposto do seu direito. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Questões a apreciar no presente recurso. - A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise de três questões: a primeira, se se verifica a prescrição do direito dos autores à indemnização pedida: a segunda, se o Réu C agiu com culpa; a terceira, o quantum indemnizatório a que os Autores têm direito. - A segunda e terceira questões ficarão prejudicadas na sua apreciação caso a primeira sofra resposta afirmativa. - A terceira questão ficará prejudicada na sua apreciação caso a segunda sofra resposta negativa. Abordemos tais questões. III Se se verifica a prescrição do direito dos autores à indemnização pedida. 1. Elementos a tomar em conta: 1. Em 29 de Dezembro de 1982, pelas 9 horas e 45 minutos, ocorreu um acidente de viação na auto-estrada do Norte, com 8 quilómetros, no sentido sul-norte e ainda dentro do concelho de Loures. 2. A presente acção foi instaurada em 13 de Março de 1987. 3. A G.N.R. - Brigada de Trânsito - elaborou a participação do acidente, com a data de 31 de Dezembro de 1992. 4. Nessa participação não se faz qualquer referência aos ora Autores. 5. Com base nessa participação foi aberto processo na comarca de Loures, tendo sido determinado o arquivamento do mesmo por despacho de 30 de Abril de 1984. 6. O Ministério Público considerou aí, designadamente, que "por ilegitimidade do Ministério Público" para o exercício da acção penal se ordena o arquivamento do processo. 7. Não há nesse processo e nesse despacho qualquer referência aos aqui autores, nem aos ferimentos por eles sofridos. 8. O autor sofreu fractura dos ossos do antebraço esquerdo e da tíbia do mesmo lado, bem como amputação do braço esquerdo. 9. A autora sofreu fractura do joelho direito grande laceração do antebraço direito, fractura dos maxilares, fractura dos ossos do nariz, ferida no mento (queixo) e lesão neurológica da face. 10. A autora ficou com uma incapacidade parcial de 15 porcento e o autor total para o exercício da sua profissão e de 65 porcento para o exercício de outras profissões. 2. Posição da Relação e dos Réus/recorrentes 2a) A Relação de Lisboa decidiu, por maioria, não se verificar a prescrição, com base nos seguintes argumentos: - não ser legitimo defender-se que os Autores não declararam pretender procedimento criminal. Não declararam nem deixaram de declarar, uma vez que tudo se passou na sua ausência (não figuraram como intervenientes nem como lesados correndo os autos sem que fossem ouvidos), sendo certo serem os principais culpados. São os autores alheios à forçada "revelia", que resulta de deficiências que lhe não são imputáveis. - o despacho de arquivamento está datado de 30 de Abril de 1984 e a acção deu entrada em 13 de Março de 1987 ou seja antes de decorridos três anos. - é pacífico que a prescrição de 3 anos contemplada no n. 1 do artigo 498 n. 1 do Código Civil também se observa quanto à responsabilidade extracontratual baseada no risco: tratando-se de um caso de responsabilidade objectiva, uma vez que não existe crime, parece não dever verificar-se o alongamento. - a questão será muito discutível se existir uma responsabilidade solidária entre quem responde pelo risco e quem responde como autor de facto ilícito criminal. - Na presente acção o Réu C não é accionado com base no risco, mas sim na culpa. É-lhe imputado, o acidente a título culposo como condutor do veículo onde se deslocavam os autores. Se no final se vier a concluir (por carência de factos) tal não releva para efeitos de prescrição. 2b) Os Réus/recorrentes sustentam ter-se verificado a prescrição com base nos seguintes argumentos: - no caso em apreço, o exercício do direito de queixa é condição "sine qua non" do procedimento criminal - artigo 148 n. 4 do Código Penal: não tendo os Autores deduzido atempadamente queixa, nos termos do artigo 112 do Código Penal, fica precludida a possibilidade de procedimento criminal. - o prazo de prescrição a que se refere o n. 3 do artigo 498 do Código Civil, inclui, necessariamente, o prazo de prescrição do direito de queixa, visto que, a caducidade do direito de queixa impede a apreciação penal do facto lícito. - o facto de os Autores não figurarem como intervenientes na participação do acidente elaborado pela G.N.R. não lhes retira o conhecimento dos factos essenciais à apresentação da queixa e, consequentemente, sujeita-os ao prazo previsto no referido artigo 112. - na decisão final não foi imputado ao Réu C a prática de um ilícito civil e muito menos de um ilícito penal. Não há, assim, motivo para se verificar um alongamento de prazo de prescrição nos termos do n. 3 do artigo 498 do Código Civil. Que dizer? 3. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (artigo 498 n. 1 do Código Civil) mas, no caso de o ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prazo mais longo de prescrição é esse o prazo aplicável (n. 3 do artigo 498, Código Civil). - Face aos factos alegados, teria sido praticado crimes previstos e punidos pelo artigo 148 n. 3 Código Penal, pelo que teríamos um prazo de cinco anos - artigo 117 n. 1 alínea c), Código Penal. - Acontece, porém, que o procedimento criminal respectivo depende de queixa, conforme se prevê no n. 4 do artigo 148, do Código Penal, sendo certo que esse direito de quexa extingue-se no prazo de seis meses, a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores, nos termos do disposto no artigo 112 n. 1, do Código Penal. - Daí que este Supremo Tribunal tenha defendido que "se o procedimento criminal depender de queixa que não tenha sido tempestivamente deduzida, ao direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual é aplicável, não o prazo mais longo de prescrição do respectivo procedimento criminal, conforme o n. 3 do artigo 498 do Código Civil, mas o prazo de três anos estabelecido no n. 1 do mesmo preceito" (Acórdão de 14 de Dezembro de 1988 - Boletim do Ministério da Justiça n. 382, página 488). - Tal orientação foi afastada no acórdão de 22 de Fevereiro de 1994 ao firmar a doutrina de que: "o facto de estar extinto o direito de queixa não obsta a que a prescrição do direito de indemnização seja a de 5 anos, correspondente o eventual crime cometido" - Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo I, página 126. Entende-se ser a recente doutrina deste Supremo Tribunal a mais correcta pelas razões que se passa a expôr. 4. O verdadeiro alcance do n. 3 do artigo 498 do Código Civil só se surpreende quando se tenha presente os próprios fundamentos da prescrição: negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei; consideração de certeza e segurança jurídica; protecção dos obrigados contra as dificuldades da prova, etc. (Vaz Serra, Prescrição e caducidade, Boletim Ministério da Justiça n. 105, página 32; Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, página 445). O legislador entendeu, perante os indicados fundamentos, que o prazo normal da prescrição do direito de indemnização seria o de três anos a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, a não ser que o facto ilícito constitua crime pois, nesse caso, atender-se-ia ao prazo de sua prescrição se fosse mais longo. Compreende-se o propósito do legislador: poderá dizer-se que o fundamento especifico da prescrição de certo prazo estabelecido no n. 1 do artigo 498 do Código Civil (precisamente a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei) cessa quando o facto ilícito pode ser provado durante o prazo de prescrição do procedimento criminal. É este o sentido da doutrina (Antunes Varela, Das obrigações em geral, volume I, 6. edição, página 598; Vaz Serra, Prescrição do Direito de Indemnização, Boletim Ministério da Justiça n. 87, página 58). A partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete passou a contar com o prazo mais longo da prescrição penal (se o ilícito constituir crime e prescrever em prazo mais longo que o normal de três anos), de tal sorte que poderá exercitá-lo enquanto não decorrer tal prazo, o que equivale a dizer que o prazo mais longo para o exercício do seu direito de indemnização surge como um prazo integrado no instituto da prescrição civil, autónomo e dissociado do prazo da prescrição penal que esteve na sua origem. A extinção do procedimento criminal por não exercício do direito de queixa não se repercute no prazo de prescrição mais longo - precisamente, o de cinco anos - do direito de indemnização, na medida em que, conforme se salientou, estar-se perante um prazo integrado no instituto da prescrição civil. Só assim se pode entender a orientação segundo a qual se mantém a regra do n. 3 do artigo 498, mesmo que o crime haja entretanto sido amnistiado, apenas tendo o lesado de provar, na acção cível, que o facto ilícito constituía crime (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado volume I, 4. edição, página 504, Antunes Varela, Das obrigações em geral, volume I, 7. edição, página 623, e Rev. Leg. e Jurisprudência ano 124, página 31; Acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Novembro de 1990 - Boletim do Ministério da Justiça n. 401, página 563). 5. Considerando-se como mais correcta a interpretação exposta, facilitada se encontra a solução da questão em análise: se se verifica a prescrição do direito dos Autores à indemnização pedida. A solução da questão depende da resposta que sofrer a segunda questão a analisar no presente recurso: se o Réu C agiu com culpa. Se a resposta for afirmativa, dir-se-á que não se verificou a prescrição por o ilícito civil constituir crime a que correspondia prazo de prescrição penal de cinco anos. Se a resposta for negativa, dir-se-á que a prescrição se verificou por os Autores não terem exercido o seu direito no prazo estabelecido no n. 1 do artigo 498 do Código Civil. Passemos, pois, à apreciação da segunda questão. IV Se o Réu C agiu com culpa. 1. Elementos a tomar em conta: 1. Em 29 de Dezembro de 1982, pelas 9 horas e 45 minutos, ocorreu um acidente de viação na auto-estrada do Norte, com 8 quilómetros, no sentido sul-norte, e ainda dentro do Concelho de Loures. 2. Conduzido pelo seu proprietário C, n. de matrícula ...., veículo ligeiro de mercadorias, que se destinava a serviço particular. 3. O acidente deu-se numa recta de visibilidade reduzida devido ao nevoeiro que se fazia sentir. 4. O veículo do Réu C embateu fortemente no veículo HL. 5. O lado esquerdo da carroçaria do veículo HL entrou, até ao fundo, na metade direita da cabine do veículo ...., onde se encontravam os autores. 6. Só foi possível retirar os autores do carro francês .... arrancando-lhe toda a cabine. 2. Posição da Relação e dos Autores/recorrentes. 2a) A Relação de Lisboa decidiu que o Réu C não agiu com culpa por a "única coisa provada, a tal respeito, é que numa recta com visibilidade reduzida, devido ao nevoeiro que se fazia sentir, houve um choque de veículos, tendo o que era conduzido pelo Réu C sido embatido na traseira, indo por sua vez embater fortemente no veículo HL". A presunção da velocidade não pode aqui ser aplicada por se desconhecer as condições em que o veículo circulava, como foi embatido e porque embateu num outro. Faltam os factos mínimos para se poderem tirar conclusões num mínimo de segurança. Ignora-se se a condução era ou não feita com velocidade adequada e com os cuidados necessários. 2b) Os autores entendem que o Réu C agiu com culpa não só por conduzir com velocidade excessiva (por não ter parado no espaço livre e visível à sua frente e por o nevoeiro o obrigava a ser especialmente cauteloso) mas também por violar o artigo 5 n. 5 (1. parte) do Código da Estrada: não ter guardado a distância necessária para poder fazer paragem rápida sem perigo de acidente. Entendem, ainda, que o Réu C agiu com culpa por não ter usado da diligência de um bom pai de família face às circunstâncias do caso: em virtude do nevoeiro deveria conduzir com extrema atenção, prudência e baixa velocidade e guardar uma distância razoável do veículo que o precedia, para deter o veículo, se necessário, em condições de segurança. Que dizer? 3. É Jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, a determinação da culpa, constituindo, porém, matéria de direito se derivar da violação de certos deveres gerais tutelados pelo direito ou da inobservância de deveres jurídicos prescritos em lei ou regulamentados. Por outro lado, só os tribunais de instância podem tirar conclusões da matéria de facto dado como provada, desde que, sem a alterarem, se limitem a desenvolvê-la, dado que as conclusões tiradas constituem matéria de facto alheia à competência deste Supremo Tribunal (acórdão de 15 de Junho de 1989, no Boletim do Ministério da Justiça n. 388, página 418). O que se acaba de expôr vem a significar que só existirá culpa do Réu C no caso de se surpreender que através da sua conduta veio a violar as desposições indicadas pelos recorrentes: artigos 7 n. 1 e alínea f) do n. 2 e art. 5 , n. 5, 1. parte, ambos do Código da Estrada de 1955. 4. A matéria factual fixada pela Relação não permite imputar ao Réu C a violação das invocadas normas. - Por outro lado, a factualidade provada não permite inferir que o Réu C não regulou a velocidade que imprimia ao veículo, considerando a circunstância de existir nevoeiro e reduzir a visibilidade, em termos de o poder "fazer parar... no espaço livre visível à sua frente" - artigo 7 n. 1, do Código da Estrada. - Para se poder precisar se uma velocidade é ou não excessiva torna-se necessário não só surpreender a velocidade a que o veículo iria animado mas também atender às caracteristicas do veículo, às condições da via, à intencidade do tráfego e a quaisquer outras cirunstâncias de modo a poder concluir-se que existe (ou não) perigo para a segurança das pessoas e das coisas. Se assim é, não pode deixar-se que correcta é a posição da Relação quando sustenta que: "a presunção da velocidade não pode aqui ser aplicada por se desconhecer as condições em que o veículo circulava, como foi embatido e porque embateu num outro". Por outro lado, a factualidade fixada pela Relação não permite imputar ao Réu C a violação do artigo 5 n. 5, 1. parte do Código da Estrada, que prescreve, "os veículos em marcha devem guardar entre si a distância necessária para que possam fazer qualquer paragem rápida sem perigo de acidente". - Para se concluir pela violação da transcrita norma necessário seria que provado se encontrasse não só a velocidade a que iria animado o veículo do Réu C, mas também a distância que o separava do veículo que o precedia. Só com base nesses dois factos poder-se-ia "partir" para a valoração da condução do Réu C, se a mesma contribua para a segurança ou insegurança do tráfego. Daqui concluir-se, como se conclui, que o Réu C não agiu com culpa. V Conclusão: Do exposto, poderá extrair-se que: 1) A extinção do procedimento criminal por não exercício do direito de queixa não obsta a que o prazo prescricional do direito de indemnização do lesado não seja o da prescrição penal, se mais longo do que o estabelecido no artigo 493 n. 1, do Código Civil. 2) O lesado para beneficiar do prazo de prescrição penal mais longo do que o estabelecido no artigo 493 n. 1, Código Civil, apenas terá de provar, na acção civil, que o facto ilícito constituía crime com um prazo de prescrição mais longo do que o de 3 anos. Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos reunidos nos autos, poderá precisar-se que: 1) Se verifica a prescrição do direito dos Autores à indemnização pedida. 2) O acórdão recorrido merece censura por ter inobservado o afirmado em 1). Termos em que: a) se concede a revista dos Réus C e D e, assim, revoga-se o acórdão recorrido, absolve-se estes Réus do pedido. b) se não conhece da revista dos autores, por prejudicada, face ao decidido em a). Custas pelos Recorrentes/autores. Lisboa, 8 de Junho de 1995. Miranda Gusmão. Sá Couto. Araújo Ribeiro - com a declaração de que me inclinei para a solução do acórdão quanto ao problema da prescrição em grande parte pela diferença dos regimes de prescrição do procedimento criminal do Código Penal de 1886 para o actual; o Código Civil foi elaborado em função do primeiro e o segundo deixa as soluções do Código Civil desprovidas de base lógica e, em larga medida, de sentido. Mário Ribeiro. Decisões impugnadas: I- Sentença de 15 de Setembro de 1992 do 3. Juízo, 1. Secção do Tribunal de Loures; II- Acórdão de 11 de Janeiro de 1994 de Relação de Lisboa. |