Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | SALAZAR CASANOVA | ||
Descritores: | ARBITRAGEM DECISÃO ARBITRAL NOMEAÇÃO DE ÁRBITROS RECUSA SUBSTITUIÇÃO IMPUGNAÇÃO EFEITO DO RECURSO IMPARCIALIDADE REPETIÇÃO DO JULGAMENTO | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 02/15/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO À REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA / ÁRBITROS - SENTENÇA ARBITRAL E ENCERRAMENTO DO PROCESSO / IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL. | ||
Doutrina: | - Mário Esteves de Oliveira, “Lei de Arbitragem Voluntária” Comentada, coordenação Almedina, março de 2014, 104. - Ribeiro Mendes, "A Nova Lei de Arbitragem Voluntária e as Formas de Impugnação das Decisões Arbitrais”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. II, 703-757. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 10.º, N.º 2. LEI N.º 62/2011, DE 12 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 3.º, N.ºS 7 E 8. LEI N.º 63/2011, DE 14 DE DEZEMBRO (LAV): - ARTIGOS 5.º, N.º 3, 9.º, N.º 3, 13.º, 14.º, N.ºS 2 E 3, 15.º, 16.º, N.º1, 44.º, N.º 1, 46.º, N.ºS 3, ALÍNEA IV), 6 E 9. | ||
Sumário : | I - Na arbitragem necessária instituída para os litígios mencionados na Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, impugnada com sucesso junto do Tribunal da Relação a decisão arbitral que não julgou verificados os fundamentos de recusa de árbitro que foi indicado pelos demandantes, deve considerar-se sem efeito a sentença arbitral que, na pendência da referida impugnação e sob condição, foi lavrada (artigo 14.º/3 da LAV, Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro. II - Tem, por conseguinte, o processo arbitral de prosseguir os seus termos com a nomeação de um árbitro substituto daquele que foi destituído com base em fundadas razões sobre a sua falta de imparcialidade ou de independência conforme resulta do disposto no artigo 16.º/1 da LAV aplicável subsidiariamente à Lei n.º 62/2011, de 11 de dezembro, que instituiu arbitragem necessária (artigo 3.º/8 desta Lei). III - O tribunal arbitral praticará os atos processuais que se lhe afigurem necessários, podendo decidir no sentido da repetição de atos praticados e lavrará depois sentença que pode ser objeto de impugnação para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo (artigo 3.º/7 da referida Lei n.º 62/2011). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1. AA Terapie-System AG e BB - Produtos Farmacêuticos, SA requereram arbitragem necessária, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 11 de dezembro, contra CC Farmacêutica, SA tendo por objeto o exercício dos direitos que, nos termos do artigo 101.º do Código da Propriedade Industrial, lhes assistem e emergem da Patente Europeia 104709B1 e da Patente Europeia n.º 2292219B1 (doravante designada EP 219), relativamente a medicamentos genéricos, designadamente os indicados na base de dados da Infomed constante da página eletrónica da Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (Infarmed) relativos às AIM's concedidas a 9 de outubro de 2013 a Rivastigmina Generis, sistema transdérmico,4,6mg/24 h e Rivastigmina Generis, sistema transdérmico,9,5mg/24h. 2. Foi constituído tribunal arbitral composto por 3 árbitros de acordo com o disposto nos artigos 8.º/2 e 10.º/3 da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, Lei da Arbitragem Voluntária, doravante LAV, tendo as requerentes e requerida indicado, cada uma, o respetivo árbitro e estes, por acordo, o árbitro presidente. 3. No despacho saneador de 28-7-2014 (ver fls. 1425) julgou-se, com voto de vencido do árbitro da demandada, o Tribunal Arbitral (TA) incompetente para conhecer e decidir as exceções deduzidas pela demandada no tocante à invalidade da EP 219 e rejeitou-se o pedido de suspensão da instância até julgamento dessa invalidade por outro tribunal enquanto questão prejudicial e rejeitou-se que se aguardasse decisão sobre as oposições à concessão da patente EP 219 pendentes perante o Instituto Europeu de Patentes. 4. A demandada interpôs recurso de apelação (ver fls. 1650 e segs do Vol. IV) para o Tribunal da Relação das decisões referidas em 3 supra, recurso que não foi admitido por este Tribunal no âmbito de reclamação deduzida (ver fls. 1886/1893 do Vol.5) por se ter considerado que, não sendo admissível o recurso como recurso autónomo, seria impugnável diferidamente no âmbito do recurso a interpor da decisão final da ação arbitral, pois o tribunal arbitral não afirmou a sua competência mas declarou-se incompetente para conhecer a exceção perentória de nulidade da patente. 5. A demandada veio no dia 2-9-2014 (fls. 1492 dos autos, Vol. IV) tendo em vista o disposto no artigo 13.º/2 da LAV solicitar ao co-árbitro designado pelas demandantes a lista das arbitragens em que intervinha ou tivesse intervindo, como árbitro ou noutra qualidade em que figure como parte qualquer das partes no presente processo, designadamente as demandantes ou sociedades com estas coligadas, em relação de domínio ou de grupo, nos últimos 3 anos ou em que interviesse ou tivesse intervindo, como árbitro ou noutra qualidade, nomeado por parte representada pela demandante ou por sócios ou advogados que com esta colaborassem nos últimos 3 anos (fls. 1493 a 1499). 6. No dia 16-9-2014 (ver fls. 1763 do Vol. 5) a demandada, alegando ter sido notificada no dia 11-9-2014 dos esclarecimentos prestados pelo árbitro designado pela demandante e considerando que estava pendente o prazo para dedução do processo de recusa do árbitro (artigo 14.º/2 da LAV), informou que iria no dia 19-9-2014 apresentar pedido de recusa de árbitro e requerer a final a sua destituição - o que sucedeu conforme fls. 1796 e segs - e declarou que se lhe afigurava fortemente desaconselhável manter as datas agendadas e iniciar o julgamento da causa antes de ponderar e decidir o incidente de recusa. 7. Na pendência do pedido que a demandada deduziu junto do Tribunal da Relação, pedido contraditado em 28-1-2015 pelas demandantes conforme fls. 3775/3829 do Vol. 8, tendo em vista obter decisão que revogasse a decisão do tribunal arbitral que rejeitou a recusa do árbitro designado pela demandante (artigo 14.º/3 da LAV; ver decisão do TA de 6-10-2014 de fls. 3610/3633 do Vol. 8) procedeu-se à audiência de julgamento (ver Vol. 6) e foi lavrado no dia 11-2-2015 acórdão pelo tribunal arbitral (ver fls. 3068 a 3125 do Vol. 7) com voto de vencido do árbitro indicado pela demandada, decidindo-se, por maioria, condenar-se a demandada em parte dos pedidos, designadamente o de se abster de comercializar em território português os identificados medicamentos genéricos, retirando-os do mercado e ainda no pagamento de sanção pecuniária compulsória e indemnização, tudo nos termos constantes da decisão lavrada a fls. 3124 /3125. 8. Do acórdão arbitral foi interposto pela demandada em 16-3-2015 (ver fls. 3150/3324 do Vol. 7) recurso para o Tribunal da Relação pedindo (a) que o acórdão final seja anulado nos termos dos artigos 9.º/3, 13.º/1, 14.º/2 e 46.º/3, alínea iv) da LAV por falta independência e imparcialidade do referenciado árbitro; subsidiariamente (b) que o acórdão seja anulado nos termos do artigo 46.º/3, alínea a), subalínea ii) da LAV por violação do artigo 30.º/1 da LAV e dos artigos 209.º/2 e 20.º/4 da Constituição da República Portuguesa, devendo, em consequência, o processo baixar ao Tribunal Arbitral para apreciação da exceção perentória de invalidade da patente, para reformulação do guião da prova, para repetição da audiência de discussão e para prolação de novo acórdão final; subsidiariamente (c), que o acórdão final seja anulado, nos termos do artigo 46.º/3, alínea a), subalínea v), 3ª parte, da LAV e do artigo 615.º/1, alínea d) in fine do CPC por não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar; subsidiariamente (d) que o acórdão final seja anulado, nos termos do artigo 662.º/2, alínea c) in fine e n.º 3, alínea c) do CPC; em consequência, deve o processo baixar ao Tribunal Arbitral para ampliação da matéria de facto, modificação do acórdão saneador, realização de novo julgamento e, em conformidade, prolação de novo acórdão final; subsidiariamente (e), deve a decisão sobre a matéria de facto e de direito ser alterada no sentido indicado no presente recurso, e parcialmente anulado, nos termos do artigo 46.º/3, alínea a), subalínea ii), 30.º/1 da LAV por violar os princípios da igualdade das partes e do contraditório, através da admissão, como meio de prova, do relatório pericial produzido noutra ação arbitral; (f) devem ser indeferidos todos os pedidos das demandantes aqui recorridas; (g) cumulativamente devem as recorridas ser condenadas a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente ação arbitral, e ainda reembolsar a recorrente das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pelas demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela demandada, bem como os honorários dos mandatários da recorrente e outras despesas que estas tenham tido com o processo, nos termos do n.º1 e 2 do artigo 533.º do CPC. 9. O Tribunal da Relação de Lisboa lavrou no dia 24-3-2015 acórdão incidente sobre o pedido que a demandada suscitou junto desse Tribunal no sentido de se revogar a decisão do TA que rejeitou a recusa do árbitro designado pelas demandantes; tal acórdão foi posterior à sentença arbitral de 11-2-2015. 10. O acórdão da Relação de Lisboa de 24-3-2015 (ver fls. 3904/3937) revogou a deliberação arbitral de 6-10-2014 considerando que, no caso em apreciação, e face aos elementos que constam dos autos, existem fundadas dúvidas sobre a independência e imparcialidade do árbitro nomeado pelas demandantes, ora requeridas, e julgou, assim sendo, procedente o incidente de recusa do referido árbitro suscitado pela demandada CC Farmacêutica, SA. 11. Desse acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, admitido com efeito suspensivo, que não foi objeto de conhecimento conforme acórdão do TC de 9-7-2015. 12. No dia 18-9-2015, transitada a decisão de recusa do árbitro designado pelas demandantes, a demandada CC requereu (ver fls. 3952/3954 do Vol. 10) no Tribunal da Relação que, "esgotado o poder jurisdicional do Tribunal Arbitral nos termos do artigo 44.º da LAV, deve ser dada também procedência imediata nos presentes autos ao pedido do recurso (cf. o capítulo 2,1, das alegações), anulando o Acórdão Arbitral nos termos dos artigos 9.º/3, 13.º/1, 14.º/2, 46.º/3, alínea iv) e 5.º/3 da LAV". 13. O Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão em conferência de 9-6-2016 (fls. 4327/4338 do Vol. 11) confirmou a decisão sumária do relator que decidiu dar sem efeito o acórdão arbitral proferido nos autos, devendo encerrar-se o processo arbitral. 14. Deste acórdão interpuseram as demandantes recurso com fundamento no disposto no artigo 644.º/1, alínea a) - decisão proferida em 1ª instância que ponha termo à causa ou incidente processado autonomamente - recurso que foi admitido como revista, considerando-se que está aqui em causa uma questão de competência, saber se o tribunal arbitral deixou de ser in totum competente, impondo-se, por isso, a constituição de um novo tribunal arbitral e não a substituição por outro árbitro daquele que tem de cessar funções por fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência. 15. Sustentam as recorrentes, nas conclusões da minuta de recurso, que a pretensão formulada a título principal - anulação do acórdão do tribunal arbitral por falta de independência e imparcialidade do árbitro - não cabe no âmbito estrito de um recurso, antes se compaginando com a pretensão típica de uma ação de anulação do tipo previsto no artigo 46.º da LAV. O objeto da peça processual, tal como proposta e configurada pela recorrida em função da causa de pedir e do consequente pedido, é a própria decisão arbitral, sendo evidente que com ela a CC pretende desencadear os efeitos cassatórios típicos da ação de anulação, não sendo, pois, de admitir a posição que sustente que esta ação de anulação possa integrar um presumível recurso. 16. O pedido de anulação previsto no artigo 46.º da LAV é uma ação que segue a forma de processo especial, dirigida e apresentada no Tribunal da Relação ou no TC Administrativo, que conhece do processo em 1ª instância; trata-se de uma ação nova pelo que é de seguir as regras do processo comum de declaração e, comportando articulados e produção de prova, após o encerramento da audiência, segue-se a tramitação do recurso de apelação. 17. O artigo 5.º/3 da LAV, que o acórdão recorrido aplicou analogicamente, tem por ratio fazer com que a verificação por um tribunal estadual da existência de um facto gerador da invalidade da sentença arbitral tenha nela um efeito equivalente sem necessidade de nova decisão anulatória autónoma; no entanto a dúvida justificada sobre a independência e imparcialidade do árbitro não constitui fundamento para a anulação da sentença e o facto de não se ter incluído no artigo 14.º da LAV uma norma de conteúdo igual ou semelhante à do n.º3 do artigo 5.º da LAV parece constituir identificação suficiente de que as situações contempladas num e no outro caso não devem ser submetidas pelo intérprete ao mesmo regime. 18. A solução que se defende, por ser a mais ajustada ao regime da LAV, é a de que, revogado o acórdão, se ordene o prosseguimento dos autos para que, decididas as questões processuais prévias suscitadas no processo de anulação/recurso, sejam apreciados os temas aqui tratados na única sede em que o devem ser, isto é, no referido processo de anulação/recurso. 19. Seja qual for o entendimento que seja dado à declaração de encerramento do processo' constante do acórdão recorrido, também aqui se entende que o artigo 5.º/3 da LAV não deve ser aplicável pois as razões que justificam que o processo cesse no caso em que o tribunal arbitral seja julgado incompetente para a causa não se aplicam àquele em que o tribunal estadual sancione a recusa de um árbitro; no caso em que se declare que o tribunal arbitral não tem competência para julgar a causa, o processo deve, por isso mesmo, cessar imediatamente o seu andamento, porque esse andamento se dirige a um objeto legalmente impossível e nada mais haverá a fazer. Pelo contrário, no caso de recusa de um árbitro, o tribunal não fica impedido de decidir a questão, devendo apenas substituir o árbitro recusado, prosseguindo para a decisão da causa, agora com outra composição (artigo 16.º/1 da LAV) e não há razão para que esta regra não seja aqui aplicada. 20. E nem se diga que o processo arbitral já terminou com a prolação da sentença arbitral final, com base na norma do artigo 44.º/1 da LAV: é que, se viesse a ser confirmada a posição do acórdão recorrido sobre a ineficácia da sentença final arbitral, então ter-se-ia de concluir que ela deixaria de produzir efeitos, incluindo aquele de dar por encerrado o processo arbitral. 21. Não estando inviabilizada a finalidade da ação arbitral, como ocorre no caso em que a incompetência do tribunal arbitral haja sido declarada, não existe qualquer razão para a aplicação analógica da norma do artigo 5.º/3 da LAV também na parte em que determina que o processo arbitral se encerra com o trânsito em julgado da decisão que declarou essa incompetência. 22. Aliás, os tribunais estaduais, como sucedeu no acórdão que julgou procedente a recusa do árbitro designado pelas demandantes, têm vindo a proferir decisões revogatórias de despachos arbitrais ou sentenças finais proferidas por tribunais arbitrais, ordenando, no caso destas últimas, simultaneamente a esses tribunais que reatem o processo para que seja proferida nova sentença. 23. Se o Tribunal entender ser de adotar o entendimento - que os recorrentes não sufragam - de que, com o trânsito do acórdão que julgou o incidente de recusa, a sentença final arbitral se deve ter por ineficaz, então a única solução que se adapta ao regime resultante da LAV será a de reenviar o processo para o tribunal arbitral para que, preenchida a vaga deixada pela recusa do árbitro, retome o andamento do processo com vista à prolação de nova decisão. 24. Concluem o recorrentes a sua minuta sustentando que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que a) ordene o prosseguimento dos autos para que, decididas as questões prévias suscitadas na ação de anulação, sejam apreciados os temas aqui tratados na única sede em que o devem ser, isto é, na referida ação de anulação ou, subsidiariamente, b) caso se entenda que, com o trânsito do acórdão que julgou o incidente de recusa, a sentença final arbitral se deve ter por ineficaz para que, preenchida a vaga deixada pela recusa do árbitro, retome o andamento do processo com vista à prolação de nova decisão. 25. A recorrida, demandada na ação, sustentou, nas contra-alegações, acompanhando o entendimento do acórdão recorrido de que é aplicável analogicamente ao caso a regra constante do artigo 5.º/3 da LAV segundo a qual o "processo arbitral cessa e a sentença nele proferida deixa de produzir efeitos, logo que um tribunal estadual considere, mediante decisão transitada em julgado, que o tribunal arbitral é incompetente para julgar o litígio que lhe foi submetido, quer tal decisão seja proferida na ação referida no n.º1 do presente artigo, quer seja proferida ao abrigo do disposto no n.º9 do artigo 18.º.e nas subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º3 do artigo 46.º". 26. A este propósito o acórdão recorrido salientou que “ do ponto de vista deste tribunal, é exactamente isso que sucede na situação dos autos, quando o tribunal estadual decide, mediante decisão transitada em julgado, a recusa de árbitro com fundamento em fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência e tal decisão só transita depois de proferida a sentença arbitral, como sucedeu nestes autos. A recusa de árbitro com fundamento em fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência a que proceda o tribunal estadual, constitui um facto, tão gerador da invalidade da sentença, quanto o é a incompetência do tribunal arbitral, na medida em que, contrariamente ao pensamento das reclamantes, o tribunal arbitral não deixa de estar irregularmente constituído quando o seja por um árbitro que viu a sua recusa (e a lei também usa neste contexto a expressão “destituição”, cf. art. 14º/3 e art. 15º/3 da LAV) confirmada por decisão judicial transitada com base (apenas) em dúvidas fundadas sobre a imparcialidade e a isenção”. 27. Salienta a recorrida que "o douto acórdão recorrido, mais uma vez na esteira no despacho reclamado, reconheceu e confirmou a importância da segurança e certeza das partes quanto à imparcialidade e independência dos árbitros, declarando que aquelas são “qualidades constitucionalmente imprescindíveis na pessoa dos árbitros”. Pois o que está em causa é a confiança das partes – no caso concreto, a confiança da ora recorrida - no princípio constitucional do processo equitativo e na objetividade do órgão que o conduz e dirime o litígio. 28. E a confiança das partes nas 'qualidades constitucionalmente imprescindíveis na pessoa dos árbitros' estende-se também à aparência dessas qualidades, ou não fosse fundamento para recusa de árbitro a verificação de circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência, e não certezas quanto à ausência daquelas qualidades". 29. Refere a recorrida, citado Miguel Galvão Teles ("A Independência e a Imparcialidade dos Árbitros como Imposição Constitucional", Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, 2011, Vol. III, pág. 251-283) que “há casos variados de irregular composição do tribunal. Um deles é o de ser formado por árbitros que não preencham os requisitos de imparcialidade. (…) De qualquer modo, tenha-se o tribunal arbitral ou quem for pronunciado ou não sobre a suspeição, sempre poderá, uma vez proferida a sentença, pedir-se a respetiva anulação, com fundamento em irregular constituição do tribunal arbitral, cabendo ao tribunal judicial decidir". 30. Mais refere a recorrida que "a confirmação das razões da existência de fundadas dúvidas sobre a imparcialidade e independência de um árbitro e a sua recusa judicial implicam, ex ipso facto, que a composição do Tribunal Arbitral não foi conforme à LAV, que exige que não recaiam sobre os árbitros fundadas dúvidas sobre a respetiva independência e imparcialidade, cf. artigo 13.º da LAV: 'Tal como se afirmou no despacho reclamado, não é verdade que para a anulação se exija a demonstração da dependência e da parcialidade do árbitro, visto que em lado algum nas várias subalíneas do art. 46º/3 se faz alusão sequer à independência ou à imparcialidade dos árbitros. O que se diz nesse n.º 3 al. a) subalínea iv) é, que é fundamento da anulação da sentença arbitral, «a composição do tribunal arbitral (…) que não foi conforme com a presente lei», exigindo-se depois, adicionalmente, que essa desconformidade tenha tido «influências decisiva na resolução do litígio»' . 31. Ainda que não se diga expressamente no acórdão recorrido, essa desconformidade verifica-se relativamente aos princípios referentes à composição do litígio e à exigência de um processo justo e equitativo, especificamente consagrados nos artigos 9.º, n.º 3, 13.º, 1 e 30.º, n.º 1, da LAV, bem como também nos artigos 20.º, n.º 4 e 209.º, n.º 2, da CRP. 32. Mais se diga que a desconformidade com a LAV na constituição do tribunal arbitral frustrou ainda o direito fundamental da recorrida, previsto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP, a um processo equitativo. Não é constitucionalmente admissível que alguém seja julgado por árbitro sobre o qual recaiam fundadas dúvidas relativas à sua imparcialidade e independência. Relembre-se que o Acórdão Arbitral proferido foi objeto de voto de vencido do Árbitro[…], de molde que foi necessário o voto favorável do Árbitro recusado, em conjunto com o do Árbitro […] para a formação da decisão" 33. É que "o entendimento confirmado no douto acórdão recorrido de que a recusa/destituição de um árbitro com fundamento em fundadas dúvidas acerca da sua independência e imparcialidade gera uma situação de constituição do tribunal arbitral em desconformidade com a LAV, a qual teve influência decisiva na composição do litígio, revela assim todo o acerto, como sempre se defendeu. É esse e apenas esse o critério da LAV, não cabendo lugar a especulações sobre a verificação concreta da parcialidade e dependência de um árbitro sobre o qual recaem essas fundadas suspeitas. Se essas fundadas suspeitas existem, então verifica-se uma constituição do tribunal arbitral em desconformidade com a LAV (artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv). 34. Face a todo o exposto, não pode concluir-se outra coisa que não que o acórdão recorrido confirmou aquela que é uma correta interpretação do fundamento de anulação de decisão arbitral previsto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv) da LAV. A existência de fundadas dúvidas sobre a imparcialidade e independência de um árbitro constatada após a prolação da sentença arbitral constitui causa de anulação da mesma nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), como é defendido amplamente pela doutrina nacional e estrangeira e pela jurisprudência comparada, destacando-se a jurisprudência recente alemã acima citada. 35. Deste modo, verificando-se uma efetiva causa superveniente de anulação do Acórdão Arbitral dos autos, está perfeitamente justificada a aplicação analógica do artigo 5.º, n.º 3 da LAV. 36. A interpretação do Tribunal a quo é ainda sustentada pelo elemento sistemático, porquanto o artigo 5.º, n.º 3, da LAV é tão-só uma concretização do artigo 46.º, n.º 3 da mesma lei: com efeito, a consequência da verificação de um dos fundamentos previstos no artigo 46.º, n.º 3, da LAV é a ineficácia da decisão arbitral proferida, tal como o é a consequência do preenchimento da previsão normativa do artigo 5.º, n.º 3, da LAV. 37. Assim, havendo de facto um fundamento para a anulação do Acórdão Arbitral – como sobejamente demonstrado supra e nos autos – verifica-se o pleno cabimento da aplicação, por analogia, do artigo. 5.º, n.º 3 da LAV, nos termos acolhidos pelo douto despacho e confirmados no acórdão recorrido". 38. Prossegue a recorrida, referindo que "como bem salientou o Tribunal a quo no acórdão recorrido: 'Nem digam as Reclamantes que a lei não quis a solução de ineficácia da sentença arbitral em situações como as dos autos, na medida em que apenas refere como consequência da recusa de árbitro a respectiva substituição – com anulação ou não dos actos até então praticados, o que será decidido pelo novo tribunal arbitral. É que essa solução da substituição do árbitro que viu a sua recusa confirmada pelo tribunal estadual, só a quis o legislador para momentos processuais (ou situações) que não implicassem (a) decisão final. Estando esta em causa, e sendo proferida por tribunal arbitral em que um dos árbitros de parte foi recusado por decisão do tribunal judicial transitada, essa decisão, a partir daquele trânsito, torna-se ineficaz e cessa o processo arbitral'. 39. Resulta de todo o exposto até aqui que o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa confirmado no douto acórdão recorrido é o mais correto à luz do espírito da LAV e dos princípios fundamentais de composição do litígio e da exigência de um processo justo e equitativo supra identificados". 40. No tocante à decisão de encerramento do processo arbitral, sustenta a recorrida que "insistem as recorrentes que a consequência da declaração de ineficácia do Acórdão Arbitral nunca poderia determinar, por via da declaração da ineficácia da decisão arbitral, o encerramento do processo, devendo outrossim determinar o seu reenvio para o tribunal arbitral para que fosse substituído o Árbitro recusado e o processo fosse retomado com vista à prolação de nova decisão. 41. Nesse sentido, requerem subsidiariamente que 'caso se entenda que, com o trânsito do Acórdão que julgou o incidente de recusa, a sentença final arbitral se deve ter por ineficaz, ordene o reenvio do processo para o tribunal arbitral para que, preenchida a vaga deixada pela recusa do Sr. Dr. […], retome o andamento do processo com vista à prolação de nova decisão'. 42. Também neste ponto não assiste razão às recorrentes, entendendo a recorrida que o preciso conteúdo declarado no acórdão recorrido é aquele que mais se adequa ao regime do n.º 3 do artigo 5.º da LAV, aplicado por analogia ao caso vertente. De acordo com esta norma, o “processo arbitral cessa e a sentença nele proferida deixa de produzir efeitos”. Ora, a cessação do processo arbitral é logicamente incompatível com o pretendido reenvio do processo. 43. Acresce que, nos termos conjugados do n.º 1 e n.º 3 do artigo 44.º da LAV, as funções do tribunal arbitral cessam com a prolação da decisão final, extinguindo-se nesse momento o poder jurisdicional do tribunal. Esta extinção do poder jurisdicional é pacífica na doutrina e na jurisprudência arbitrais e não sofre nenhuma contestação. 44. Acresce ainda que o reenvio do processo, caso fosse admissível (e não é), poderia prejudicar o direito da recorrida a um processo justo e equitativo, especificamente consagrado nos já citados artigos 9.º, n.º 3, 13.º, 1 e 30.º, n.º 1, da LAV, bem como também nos artigos 20.º, n.º 4 e 209.º, n.º 2, da CRP, na medida em que tal implicaria que o litígio voltasse a ser julgado por dois árbitros que partiriam para a respetiva resolução já com ideias e juízos pré-formados. Com efeito, não pode esquecer-se que a maioria que decidiu o caso foi composta pelo Árbitro recusado e pelo Árbitro Presidente, o qual se manteria, tendo já formado a sua convicção, em debates e deliberações que terá intervindo em ordem à prolação da sentença arbitral ora declarada ineficaz. 45. Face ao exposto, dúvidas não restam de que o encerramento do processo e a declaração de ineficácia do Acórdão Arbitral constituem a solução mais adequada à aplicação analógica do disposto no artigo 5.º, n.º 3 da LAV aos autos" 46. Sustenta finalmente a recorrida que "sem prejuízo de todo o exposto, caso se entendesse que aos presentes autos não é analogicamente aplicável o regime do citado artigo 5.º, n.º 3 da LAV, e consequentemente não devesse o Acórdão Arbitral ser dado sem efeito, haveria sempre lugar à anulação daquele, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv) da LAV. Pois como ficou sobejamente demonstrado ao longo dos autos de recurso e no ponto 3 supra, a decisão do tribunal estadual que recusou um Árbitro com fundamento na verificação da existência de circunstâncias que suscitam fundadas dúvidas sobre a independência e imparcialidade daquele confirma que o Tribunal Arbitral foi constituído em desconformidade com a LAV, o que por sua vez consubstancia fundamento de anulação da decisão arbitral, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv) da LAV". 47. Decorre do disposto n.º 9 do artigo 46.º da LAV, a propósito da anulação da decisão arbitral, que "o tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas" (negrito nosso). 48. Ou seja, ainda que a causa da anulação seja outra que a composição irregular do tribunal, v.g. violação dos princípios fundamentais processuais do artigo 30.º, n.º 1 da LAV (artigo. 46.º, n.º 3, al. a) ii), condenação para além do pedido (artigo 46.º, n.º 3, al. a) v), sentença proferida após o prazo máximo fixado nos termos do artigo 43.º (artigo 46.º, n.º 3, al. a) vi), entre outras, muitas com muito menor gravidade intrínseca do que a que deu causa à decisão recorrida, sempre se terá que constituir novo tribunal arbitral para decidir as questões que ainda houver a decidir, se alguma das partes o entender. 49. Ora "tendo os pressupostos da recusa de árbitro sido apreciados por decisão judicial transitada em julgado, estão provados os pressupostos de anulação nos termos da norma supra citada, nada mais havendo a ser apreciado por este Tribunal no âmbito da anulação do Acórdão Arbitral. 50. Consequentemente, estão verificados e provados os pressupostos do fundamento de anulação do Acórdão Arbitral, nos termos dos artigos 9.º, n.º 3, 13.º, n.º 1, 14.º, n.º 2 e 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv) da LAV, conforme peticionado pela Recorrida nas suas Alegações de Recurso de Apelação – cf. capítulo 2.1 das Alegações e o pedido formulado em a) – devendo assim o referido Acórdão ser anulado em conformidade, com todas as consequências legais, o que aqui se deixa novamente arguido em termos subsidiários" Apreciando 51. Suscita-se nestes autos a questão de saber qual a consequência que decorre para a sentença arbitral, e depois para o próprio processo arbitral, pelo facto de o tribunal estadual ter revogado, após prolação dessa sentença arbitral, a anterior decisão arbitral que recusou o pedido de destituição de árbitro designado pela demandante com fundamento em fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade (artigos 13.º e 14.º/2 da LAV). 52. Como já se disse, a demandada CC Farmacêutica, SA viu recusado por decisão do tribunal arbitral de 6-10-2014 o pedido que deduziu no tribunal arbitral de rejeição do árbitro designado pelas demandantes AA/BB e DD; inconformada com tal decisão, a CC impugnou no tribunal estadual a decisão de rejeição pelo tribunal arbitral do pedido de recusa do árbitro indicado pelas demandantes tendo a sua pretensão sido bem sucedida conforme acórdão de 24-3-2015. Sucede que, não obstante a dedução do aludido incidente, não foi sustado o andamento do processo arbitral e foi proferida acórdão arbitral no dia 11-2-2015 do qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação. 53. O artigo 14.º/3 da LAV prescreve o seguinte: 3 - Se a destituição do árbitro recusado não puder ser obtida segundo o processo convencionado pelas partes ou nos termos do disposto no n.º2 do presente artigo, a parte que recusa o árbitro pode, no prazo de 15 dias após lhe ter sido comunicada a decisão que rejeita a recusa, pedir ao tribunal estadual competente que tome uma decisão sobre a recusa, sendo aquela insuscetível de recurso. Na pendência desse pedido, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro recusado, pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença". 54. No artigo 15.º da LAV trata-se da destituição de árbitro por incapacitação ou inação e o artigo 16.º. sob a epígrafe, nomeação de um árbitro substituto, prescreve o seguinte: 1 - Em todos os casos em que, por qualquer razão, cessem as funções de um árbitro, é nomeado um árbitro substituto, de acordo com as regras aplicadas à designação do árbitro substituído, sem prejuízo de as partes poderem acordar em que a substituição do árbitro se faça de outro modo ou prescindirem da sua substituição 2 - O tribunal arbitral decide, tendo em conta o estado do processo, se algum ato processual deve ser repetido face à nova composição do tribunal. 55. A procedência do pedido de destituição do árbitro determina, salvo acordo das partes em contrário, a nomeação de um árbitro substituto de acordo com as regras aplicadas à designação do árbitro substituído, solução que vale para todos os casos em que, por qualquer razão, cessem as funções de um árbitro. 56. Mas - pergunta-se - este regime vale quando o processo prossegue para sentença final e esta é lavrada antes de proferida decisão sobre o pedido de destituição? 57. Se o pedido de destituição não é atendido, ou seja, se o tribunal estadual considera que não existem fundadas razões para ter o árbitro por não imparcial ou independente, a sentença subsiste; se o pedido de destituição é atendido, a sentença não pode subsistir, impõe-se a sua anulação. 58. O regime sequencial de anulação da sentença que decorra do pedido de anulação deduzido nos termos do artigo 46.º da LAV mediante ação de impugnação da sentença arbitral, é o que consta do artigo 46.º/9 da LAV que prescreve: " o tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal para serem por este decididas". 59. No entanto, este regime não é aplicável à arbitragem necessária pois nesta o tribunal estadual pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas. Com efeito, o artigo 3.º/7 da Lei n.º 62/2011 prescreve que " da decisão arbitral cabe recurso para o tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo". 60. Por isso, na arbitragem necessária os fundamentos de anulação da sentença arbitral podem ser suscitados no âmbito do recurso interposto da sentença arbitral como sucede nas demais ações propostas em tribunal comum sendo certo que nada obsta à dedução de fundamentos conducentes à anulação simultaneamente com os fundamentos que se prendem com o mérito da causa. 61. Se o tribunal estadual pode conhecer do mérito da causa ou das questões decididas pela sentença arbitral, já não pode o tribunal estadual, posto perante fundamentos de anulação da sentença arbitral que importem o retomar do processo arbitral tendo em vista vícios procedimentais ou outros suscetíveis de sanação, determinar o encerramento do processo arbitral, obstando, portanto, a que seja proferida nova sentença, expurgada dos vícios de que a anterior padecia, passível de recurso quanto ao mérito. 62. Não se justifica, portanto, na arbitragem necessária uma interpretação restritiva do artigo 16.º da LAV segundo a qual a nomeação de árbitro substituto apenas se impõe quando no processo arbitral não foi lavrada sentença arbitral. 63. Podia suscitar-se com utilidade a questão, não obstante a destituição do árbitro, de não se justificar a anulação da sentença arbitral por se entender que a assinalada desconformidade - a participação no processo arbitral de árbitro não independente nem imparcial desrespeitando o artigo 9.º/3 da LAV - não teve influência decisiva na resolução do litígio (ver artigo 46.º/3, alínea iv da LAV) só que, no caso vertente, é manifesto que houve tal influência pois a sentença arbitral procedeu apenas com base nos votos do presidente e do árbitro indicado pelos demandantes. 64. Se o Tribunal for posto perante factos que constituem meras suspeitas de falta de imparcialidade ou de independência que não imponham fundadas dúvidas, não se justifica julgar procedente o pedido de recusa ou destituição do árbitro pois a lei determina que haja fundadas dúvidas (artigo 13.º/3 da LAV). Mas este juízo prende-se com o mérito da decisão impugnatória da decisão arbitral que considerou não haver lugar à recusa; se o Tribunal estadual revoga essa decisão, não se pode reabrir a questão do reconhecimento da falta de imparcialidade ou de independência do árbitro. 65. A destituição de árbitro por falta de independência ou de imparcialidade constitui fundamento de anulação da sentença arbitral; no entanto, a LAV introduz um procedimento de natureza incidental quando, no decurso do processo, se suscitem tais fundadas dúvidas. Pretende-se deste modo evitar o período de incerteza e evitar que a parte pudesse suscitar a anulação da sentença arbitral consoante o resultado lhe fosse ou não desfavorável, como sucederia se o pedido de anulação pudesse ser proposto no prazo fixado no artigo 46.º/6 da LAV após prolação da sentença ou do pedido de retificação. 66. A este propósito salienta Ribeiro Mendes que embora o recurso não tenha efeito suspensivo da marcha do processo arbitral - na medida em que " na pendência desse pedido, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro recusado, pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença (artigo 14.º,nº3, última parte) - a atribuição do caráter urgente ao processo de recurso visa limitar o período de incerteza quanto à situação do árbitro recusado e, por outro lado, evitar que o eventual resultado favorável do processo possa influenciar a decisão de ' deixar cair' a continuação do recurso. De facto, a solução da subida imediata do recurso ' tem a ver com a decisão de não deixar a relevante questão de recusa dependente do resultado ser ou não agradável para a parte recusante" ("A Nova Lei de Arbitragem Voluntária e as Formas de Impugnação das Decisões Arbitrais”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. II, pág. 703- 757). 67. A sentença proferida na pendência do pedido de destituição está, pois, necessariamente condicionada à decisão que vier a ser proferida sobre o pedido de destituição do árbitro, não deixando substancialmente de existir um vício na composição do tribunal arbitral por falta de conformidade com a LAV (ver mencionados artigos 9.º/3 e 46.º/3,iv da LAV). 68. O recurso interposto pelos demandantes reconduz- se precisamente ao acórdão que deferiu o pedido da demandada fundado no requerimento de fls. 3952/3954 (ver 12 supra) conjugado com o pedido de anulação da sentença arbitral. 69. Nesse requerimento, a demandada, ora recorrida, considera que a anulação do acórdão arbitral implica a anulação do processo arbitral na totalidade para prosseguir, querendo as partes, num novo tribunal arbitral, aplicando ao caso por analogia o que se prescreve no artigo 5.º/3 da LAV segundo o qual " o processo arbitral cessa e a sentença nele proferida deixa de produzir efeitos, logo que um tribunal estadual considere, mediante decisão transitada em julgado, que o tribunal arbitral é incompetente para julgar o litígio que lhe foi submetido, quer tal decisão seja proferida na ação referida no n.º1 do presente artigo, quer seja proferida ao abrigo do disposto no n.º9 do artigo 18.º e nas subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º3 do artigo 46.º". 70. Só mais tarde, no âmbito das alegações de recurso, é que passou a sustentar, para o caso de se considerar inaplicável por analogia ao caso o disposto no artigo 5.º/3 da LAV, que as questões decididas pela sentença arbitral teriam de ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas conforme prescrito no artigo 46.º/9 da LAV. 71. Não se vê que haja analogia entre a situação sub judice e aquela que consta do artigo 5.º/3 da LAV. Neste preceito a cessação do processo no tribunal arbitral e da sentença nele proferida que afirmou a sua competência para julgar o litígio que lhe foi submetido resulta do facto de o tribunal estadual ter decidido definitivamente que o tribunal arbitral é incompetente para julgar o litígio, "prevalência que se explica, na lógica do sistema, pelo facto de a consistência e subsistência de uma decisão arbitral sobre o fundo da causa ou sobre a própria competência do tribunal arbitral estar sempre sujeita ao veredito dos tribunais do Estado, por poder instaurar-se junto deles, ao abrigo do artigo 46.º da LAV, a ação de anulação de tais decisões com fundamento na inexistência ou invalidade da convenção (ou sua ineficácia ou inexequibilidade)" (Lei de Arbitragem Voluntária Comentada, coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, março de 2014, pág. 104). 72. A analogia com o disposto no artigo 5.º/3 da LAV foi considerada com base na existência de uma situação superveniente (a decisão definitiva do tribunal estadual posterior à sentença arbitral que revogou a decisão do tribunal arbitral que considerou não haver razão para a destituição do árbitro) que determina a anulação da sentença arbitral com base num fundamento que permitiria essa anulação em ação constitutiva a interpor com fundamento no disposto no artigo 46.º/3, alínea iv) da LAV. 73. A analogia pressupõe um caso omisso que proceda as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (artigo 10.º/2 do Código Civil); a situação aqui, porém, não é a de um caso omisso a carecer de solução por via do caso análogo regulamentado, antes a de saber se a regra que prescreve a nomeação de árbitro substituto, quando se decide justificada a recusa do árbitro, deixa de se aplicar sempre que o tribunal arbitral venha a proferir sentença, valendo, assim sendo, o regime que a lei consagra quando a sentença arbitral é anulada na sequência de impugnação deduzida nos termos do artigo 46.º da LAV. 74. Tenha-se também em atenção que no caso de decisão sobre a incompetência estamos face a um vício insanável. Ora sempre que assim sucede é evidente que não se põe a questão do prosseguimento do processo arbitral ou a sujeição da mesma questão a novo tribunal arbitral. 75. Já vimos que no caso da arbitragem necessária não há razão para uma interpretação restritiva do artigo 16.º da LAV; ou seja, ainda que tenha sido proferida sentença pelo tribunal arbitral e esta tenha de ser anulada, o processo arbitral deve prosseguir com a nomeação de um árbitro substituto; a regra do artigo 44.º/1 da LAV que diz que o processo arbitral termina quando for " proferida a sentença final" tem em vista a sentença final e não a sentença que é passível de anulação nos casos em que o tribunal estadual pode conhecer de mérito, hipótese que não é a prevista no artigo 46.º/9 da LAV. 76. A recorrida sustenta que o processo arbitral tem de se considerar findo porque se impõe a anulação da sentença arbitral, porque, com a sentença, cessa o processo arbitral, porque o reenvio implica que o litígio seja novamente julgado por árbitros que partem para a resolução com ideias e juízos pré-formados e porque assim o impõe o artigo 46.º/9 da LAV. 77. Não cumpre ponderar aqui se, na arbitragem voluntária, a prolação de sentença arbitral anterior à decisão pelo tribunal estadual do pedido de destituição de árbitro impõe que se proceda à constituição de outro tribunal arbitral ou se prevalece a regra da nomeação de árbitro do artigo 16.º da LAV. 78. Não se exclui o entendimento de que a sentença arbitral que é anulada na pendência de processo de destituição de árbitro e que foi proferida para evitar práticas dilatórias é ab initio uma sentença sujeita a condição resolutiva, situação que é diferente da sentença final que é objeto de pedido autónomo de anulação com base em fundamento que só é suscitado ulteriormente à sua prolação; não importa aqui discorrer sobre a eventual preclusão do pedido de anulação quando a questão da falta de imparcialidade já pudesse ter sido suscitada anteriormente por via do mencionado incidente. No entanto, como se disse, as coisas não se põem nos mesmos termos no caso da arbitragem necessária e, embora o regime da arbitragem voluntária seja subsidiário da arbitragem necessária (ver artigo 3.º/8 da Lei n.º 62/2011), não é atendível quando conflitua com as regras da arbitragem necessária ou que decorram necessariamente do regime desta. 79. O prosseguimento do processo arbitral com prolação da sentença cria efetivamente o risco de, reconhecidas como boas as razões para recusa de árbitro pelo tribunal estadual, a sentença proferida não poder subsistir, pois ela é proferida sob condição. Seria, no entanto, surpreendente que, em tal circunstância, se impusesse, para além da anulação da sentença, a constituição de um outro tribunal arbitral, perdendo-se toda a atividade exercida até esse momento, designadamente produção de prova que, no caso, até foi objeto de registo. Perante um tal desiderato seria seguramente muitíssimo imprudente que o tribunal despendesse tempo e esforço, prosseguindo processo para sentença, sujeito a que tudo ficasse perdido quando nada disso sucederia se o processo ficasse suspenso a aguardar decisão por parte do tribunal estadual. 80. Não temos, por isso, por certo que não seja aplicável à própria arbitragem voluntária a mesma solução que considerámos aplicável à arbitragem necessária, não se justificando, também aqui, a interpretação restritiva do artigo 16.º da LAV, prevalecendo este preceito e o regime que dele decorre sobre o regime do artigo 46.º/9 da LAV que tem o seu âmbito circunscrito às anulações de sentenças arbitrais que decorram, o que não é o caso, de pedido de anulação deduzido nos termos do artigo 46.º da LAV. 81. A partir do momento em que o árbitro seja substituído o tribunal arbitral fica composto integralmente por juízes imparciais e independentes (salvo se o novo árbitro designado, também ele, for sujeito a pedido de rejeição por fundadas dúvidas sobre a sua falta de independência ou de imparcialidade) que vão praticar os atos processuais que se lhes afigurem repetir e proferir nova sentença arbitral. 82. Não se vê na lei nenhuma norma que, pelo facto de um juiz proferir sentença que foi objeto de anulação por razão que lhe foi, aliás, inteiramente alheia, considere que ele perdeu, por isso, a sua imparcialidade ou independência; e se isto é assim para os juízes dos tribunais estaduais, que estão sujeitos a estritas e rigorosas regras que integram o seu próprio estatuto profissional destinadas a assegurar a sua independência e imparcialidade, não se vê que entendimento diverso seja aplicável aos juízes árbitros de tribunais arbitrais; não constitui processualmente fundamento de suspeição a prolação de nova sentença pelo juiz que, por razões processuais, viu a sentença por si proferida ser anulada. Não se vê, por isso, que um processo deixe de ser equitativo. São, aliás, inúmeras as disposições da lei processual que cometem a quem proferiu uma decisão a sua reponderação, seja por via de reclamação, seja por via de pedido de reforma, seja por via de decisão de tribunal superior que determinou a sua anulação. 83. Assim sendo, o tribunal arbitral constituído por juízes independentes e imparciais irá naturalmente ponderar os factos e o direito aplicável, podendo inclusivamente repetir atos processuais praticados, proferindo nova sentença arbitral que obviamente pode ser diversa daquela que foi produzida. Concluindo: I - Na arbitragem necessária instituída para os litígios mencionados na Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, impugnada com sucesso junto do Tribunal da Relação a decisão arbitral que não julgou verificados os fundamentos de recusa de árbitro que foi indicado pelos demandantes, deve considerar-se sem efeito a sentença arbitral que, na pendência da referida impugnação e sob condição, foi lavrada (artigo 14.º/3 da LAV, Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro. II - Tem, por conseguinte, o processo arbitral de prosseguir os seus termos com a nomeação de um árbitro substituto daquele que foi destituído com base em fundadas razões sobre a sua falta de imparcialidade ou de independência conforme resulta do disposto no artigo 16.º/1 da LAV aplicável subsidiariamente à Lei n.º 62/2011, de 11 de dezembro, que instituiu arbitragem necessária (artigo 3.º/8 desta Lei). III - O tribunal arbitral praticará os atos processuais que se lhe afigurem necessários, podendo decidir no sentido da repetição de atos praticados e lavrará depois sentença que pode ser objeto de impugnação para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo (artigo 3.º/7 da referida Lei n.º 62/2011). Decisão Concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e, consequentemente, anulando-se a sentença arbitral, ordena-se o reenvio do processo para o tribunal arbitral para que, preenchida a vaga deixada pela recusa do árbitro designado pelas demandantes, se retome o andamento do processo com vista à prolação de nova decisão. Custas pela recorrida
Lisboa, 15-2-2017 Salazar Casanova (Relator) Lopes do Rego Távora Vítor |