Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3004/10.1TBVFX.L2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO SOB CONDIÇÃO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
RETROATIVIDADE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I - Invocado, no recurso, o conhecimento de matéria de facto não alegada, tal não constitui apreciação de questão de que não podia tomar conhecimento (art. 615, nº 1 al. d)), mas, sim, erro de julgamento.
II - O erro de julgamento não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que implique a nulidade da sentença, pode é, ser tomado em consideração em sede de apreciação de mérito.

III - Como se lhe referia o Prof. A. Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146, “Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.

IV - Ensina o Prof. Manuel de Andrade in Teoria-Geral, vol. II, pág. 356 que a condição exprime “uma vontade hipotética”, mas “atual e efetiva, embora subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não como certo”.

V - Verificada a condição resolutiva, esta produz efeitos retroativamente (arts. 276 e 274 do CC), sendo que os atos do credor condicional perdem eficácia.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



TRAÇO CRIATIVO - ARQUITECTURA, PLANEAMENTO E DESIGN, L.DA, instaurou ação de condenação com processo comum de declaração, sob a forma ordinária, contra IGREJA CATÓLICA ORTODOXA DE PORTUGAL.

Essencialmente alegou:

Entre a autora e a ré foi celebrado um contrato pelo qual a autora se obrigou a elaborar o conceito de ocupação da Quinta do … e da Quinta de …, que se encontram situadas na freguesia da …, concelho de …, contra o pagamento da quantia de €87.000,00 (oitenta e sete mil euros), acrescido de IVA.

Tal acordo resultou de uma proposta apresentada em 28 de Março de 2007, que foi aceite pela ré.

A autora realizou todo o trabalho acordado, levando a efeito os estudos e projetos de arquitetura e outras especialidades que foram apresentados na Câmara Municipal de … .

Este acordo fazia parte de um projeto mais amplo que envolvia a realização de investimentos que seriam realizados pela ré e financiados por uma entidade norte-americana e que ascendiam ao montante de mil milhões de euros

Formulou o seguinte pedido: ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 87.000,00 (oitenta e sete mil euros), acrescida de Iva à taxa legal, bem como ao pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a sua citação até integral e efetivo pagamento.

Regularmente citada, a ré contestou invocando a exceção de ilegitimidade passiva dizendo que é uma instituição sem fins lucrativos, não prosseguindo quaisquer atividades de natureza económica e por isso nunca iria desenvolver, até por não ter capacidade financeira para tal, qualquer projeto como o descrito na p. i.

A iniciativa e a responsabilidade do projeto de investimento imobiliário coube inteiramente à entidade norte-americana referida na p. i., a P…, Inc.

A ré foi contactada por esta entidade no sentido de colaborar no projeto, inicialmente procurando terrenos na zona de … para a implementação do empreendimento a construir.

A ré seria compensada com a futura atribuição da titularidade de instalações religiosas a edificar no local.

Todo o projeto tinha uma condição: a construção do projetado aeroporto da Ota, o qual não se veio a concretizar e, por isso, também o projeto de investimento da P…. acabou por não se realizar.

Mais impugnou o invocado pela autora no que respeita ao acordo relativo aos serviços alegados na p. i., dizendo que não celebrou com aquela o contrato para a prestação de serviços invocados, tendo antes sido acordado que a Autora seria remunerada pela sua participação no projeto imobiliário com o montante correspondente a 5% do capital investido.

Foi deduzido o pedido de intervenção principal provocada da P…, o qual foi deferido, tendo a mesma sido citada, não tendo, no entanto, tido qualquer intervenção nos autos.

Procedeu-se ao saneamento dos autos.

Procedeu-se à realização da audiência final.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a presente ação, absolvendo a Ré do pedido e condenando a autora como litigante de má-fé na multa de 10 UCs (dez unidades de conta).

Apresentou a A. recurso contra esta decisão, vindo a ser deliberado pelo Tribunal da Relação:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a presente apelação quanto à condenação da A. como litigante de má fé, absolvendo-a nesse particular; no restante, julgar improcedente a apelação interposta, confirmando-se a decisão recorrida”.

Novamente inconformada, a autora, apresenta recurso de revista e, conclui as suas alegações:

I – O Tribunal da Relação de Lisboa, no seu douto acórdão, violou normas de direito adjetivo por excesso de pronúncia, violação do princípio do contraditório e do processo equitativo, pelo que - na esteira do entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça de que sempre que seja imputado ao Acórdão da Relação a violação de normas de direito adjetivo, tal circunstância impede desde logo que se entenda que existe dupla conformidade relativamente a reapreciação da matéria de facto ou de direito - ter-se-á a admitir o presente recurso de revista.

Pelo exposto, salvo melhor e mais douto entendimento, nos termos do disposto nos artigos 671.º n.º 1 e 3 do NCPC é admissível o presente recurso quanto às questões aqui mencionadas.

II - A questão jurídica em apreciação nos presentes autos é a de saber, face ao quadro   factual dado como provado, se foi ou não celebrado entre a recorrente e a recorrida um contrato de prestação de serviços e quais as consequências jurídicas da existência ou inexistência desse mesmo contrato. A resposta a tal questão – fundamental – é antagónica entre a douta sentença do Tribunal da 1.ª Instância e o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto o primeiro negou a existência de qualquer contrato de prestação de serviços e o segundo veio decidir que existiu um contrato de prestação de serviços que, contudo, na ótica do Tribunal a quo estava sujeito a uma condição resolutiva.

Assim sendo, na esteira da douta jurisprudência existente relativamente à existência de dupla conforme, constatamos que, relativamente a esta questão jurídica fundamental a apreciar nos presentes autos inexiste dupla conforme porquanto, ao abrigo do n.º 3 do artigo 671.º do CPC é admissível a apresentação de recurso de revista de um acórdão do Tribunal da Relação que confirme com fundamentação essencialmente diversa a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância. Cfr. artigo 671.º n.º 3 CPC a contrario.

Pelo exposto, a recorrente entende que, quanto a esta matéria é, igualmente, admissível o presente recurso de revista, nos termos do disposto no 671.º n.º 1 e 3 do NCPC.

III - A recorrente, na sua petição inicial, formulou um pedido de condenação da recorrida no pagamento de € 87.000,00 (oitenta e sete mil euros) com fundamento num contrato de prestação de serviços entre si realizado com a recorrida para a elaboração de um conceito de ocupação da Quinta … e da Quinta de …, no concelho de …. . Por seu lado a recorrida, na sua douta contestação de fls 94 a 113 dos autos, impugnou todos os factos essenciais alegados pela recorrente, alegando não ter celebrado com a recorrente qualquer contrato.

O Tribunal a quo, em violação do princípio do dispositivo previsto no artigo 5.º n.º 1 do CPC - entendeu dar como provados factos essenciais – factos n.ºs 7, 8 e 9 - que nada tem que ver com o que a recorrida tinha referido na contestação, factos estes que tiveram, clara, influência no douto acórdão proferido, tanto mais que, objetivamente, foi com base nestes factos que o Tribunal a quo decidiu considerar improcedente o recurso apresentado pela recorrente.

O Tribunal a quo substitui-se à parte, dando como provada uma factualidade essencial nunca alegada pela recorrida – a existência de uma cláusula resolutiva no contrato de prestação de serviços – e nessa mesma factualidade fundamentou a improcedência do recurso apresentado pela recorrente.

Face ao exposto, salvo melhor e mais douto entendimento, o Tribunal a quo ao considerar provados os factos n.º 7, 8 e 9 no douto acórdão, julgando-os e apoiando neles a aplicação do direito, cometeu uma nulidade no douto acórdão, por excesso de pronúncia – nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 d) do CPC - porquanto o Tribunal conheceu de questões que não podia, nessas circunstâncias, tomar conhecimento.

IV - O Tribunal a quo, contrariamente ao que tinha sido decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância e na esteira da posição que foi defendida pela recorrente nas suas alegações de recurso, entendeu que, efetivamente, foi celebrado entre a recorrente e a recorrida um contrato de prestação de serviços, contudo, na nossa modesta ótica, erradamente o Tribunal a quo entendeu inovar e defender com base nos factos provados n.ºs 7 e 8 – cuja impugnação aqui se fez em sede de nulidade – que existia uma suposta, mas não alegada por qualquer uma das partes, condição resolutiva acordada pelas partes nesse mesmo contrato de prestação de serviços, condição esta cuja existência não se aceita.

V - Face aos factos que constam e irão constar do rol provados salvo melhor e mais douto entendimento, ficou demonstrada a existência de um verdadeiro contrato – que podemos classificar como um contrato de prestações de serviços oneroso – porquanto resulta dos mesmos que alguém – a recorrida – solicitou à outrem - recorrente – para lhe efetuar um projeto, mediante o pagamento de uma retribuição – factos n.º 1 a 4. De igual forma, até resulta provado que os aludidos trabalhos até foram efetuados – factos n.ºs 5 e 6. Contrato este que não estava sujeito a qualquer condição resolutiva.

VI - A distinção de que a recorrida era quem contratava, que esta era quem era a titular do projeto e que a sociedade P… apenas a iria – à recorrente - financiar é cristalina bastando para tal verificar-se as cartas constantes de fls 142 a 160 dos autos assinadas pela própria recorrida, a documentação do Município de … de fls. 645,703, 723 a 735 dos autos, bem como a documentação constante dos autos de fls. 126 a 127 dos autos cuja tradução se encontra a fls 216 a 218 dos autos.

Tal documentação permite, efetivamente, interpretar o rol dos factos dados como provados de forma clara e não enviesada, isto é, quem era a titular do projeto e nele mandava era a recorrida, quem contratou a recorrente foi a recorrida, quem teria de pagar à recorrente era a recorrida.

VII - In casu, atentos à especificidade do contrato celebrado pelas partes, estaremos perante um contrato de prestação de serviços de carácter inominado, ao qual será de aplicar os artigos 1154.º e seguintes do Código Civil, bem como, por interpretação extensiva, as disposições sobre o mandado, por força do disposto nos artigos 1155.º e 1156.º do referido Código.

VIII - Conforme resulta dos factos provados a recorrida contratou a recorrente para prestar-lhe os serviços que constam do rol dos factos provados n.ºs 2, 4, 5, 6, 9 e 14 - pelo que a recorrente cumpriu as obrigações a que estava adstrita, pelo contrário, a recorrida incumpriu a sua obrigação de pagar o preço – facto provado n.º 20 - pelo que, não resultando do rol dos factos provados o preço do trabalhos efetuados pela recorrente, deve a recorrida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC, ser condenada a pagar à recorrente a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação, quantia esta que deverá ser acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, deste a citação até integral e efetivo pagamento.

Ao não decidir desta forma, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 1154.º e ss do Código Civil.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pela recorrente ser considerado totalmente procedente por provado”.

Apresentou resposta a ré, concluindo:

A) As alegações da Recorrente TRAÇO CRIATIVO – ARQUITETURA, PLANEAMENTO E DESIGN, LDA. não abalam minimamente nem a fundamentação nem a consistente construção jurídica do Acórdão do Douto Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos presentes autos, sob escrutínio de V. Exas. Juízes Conselheiros, o que por si só justificaria que a melhor resposta fosse, singelamente, o oferecimento do mérito do Acórdão recorrido.

B) No entanto, por imperativo deontológico inerente ao patrocínio, impõe-se-nos uma resposta.

C) Pede-se licença para renovar aqui o que já se afirmou na decisão em crise, agora sob escrutínio de V. Exas., pois faz a correta aplicação do Direito, sem esperar que de outro modo fosse.

D) As alegações de recurso da Recorrente não cumprem os requisitos legais para que o presente recurso seja procedente, pelo que o requerido pela Recorrente não é sindicável, não devendo ser admitido o recurso de revista.

E) Ao interpor o presente recurso, o único objetivo da Recorrente é entorpecer o sistema judicial, servindo-se de um mecanismo que sabe, à partida, não ser aplicável ao caso concreto.

F) Não estão verificados nenhum dos pressupostos necessários para a interposição de recurso de revista, nem mesmo de revista excecional, pretendendo simplesmente a Recorrente fugir ao instituto da dupla conforme, e impugnar uma decisão já proferida em primeira e segunda instância, assim protelando o fim do presente processo, sem qualquer fundamento legal para o fazer.

G) O conceito de dupla conformidade assenta, numa primeira análise, na confirmação “in totum” da decisão de 1.ª instância por parte da Relação.

H) No caso presente a parte recorrente viu a Relação confirmar a decisão da primeira instância pelo que não divergindo no essencial a fundamentação dos arestos de 1.º e 2.º instâncias, temos efetivamente o bloqueio recursório constante no n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

I) Só pela via da revista excecional poderia a revista ser admitida, contudo, nenhum desses fundamentos foi alegado pela Recorrente, nem se encontra preenchido qualquer pressuposto legal que permita que o recurso de revista excecional seja aceite.

J) Invoca a Recorrente nas suas Alegações que existe nulidade do douto acórdão por excesso de pronúncia, violação do princípio do contraditório e do processo equitativo.

K) O Tribunal a quo fez uma correta apreciação do conteúdo da Contestação, da prova documental e da prova testemunhal produzida no julgamento, resultando claro os factos provados, pelo que andou bem o Tribunal a quo em confirmação a decisão de primeira instância.

L) Acontece que, como já foi dito, a fundamentação jurídica adotada pela Douta acórdão ainda que, se assim se considerar, parcialmente, diversa da invocada pela Recorrida, permitiu decidir a questão que importava conhecer, sem que o Tribunal a quo tenha ultrapasso a factualidade invocada e o pedido formulado.

M) Por tudo o que se indica, não se verifica o alegado vício da nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, nem uma situação subsumível ao conceito de “decisão surpresa”.

N) Recordamos que o que se discutia nos autos era se entre a Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato de prestação de serviços para elaboração do conceito de ocupação da Quinta … e da Quinta de …, pelo que toda a prova documental e testemunhas deverá ser apreciada em conformidade com o objeto do litígio e os temas da prova.

O) Conforme resulta da própria prova documental, a parceria estabelecida entre as partes, implicaria o desembolso de montantes bastante avultados e os mesmos não seriam totalmente a fundo perdido. Tanto que, como é referido no depoimento de várias testemunhas e que a Recorrida entende ser suficiente para se dar como provado, o projeto englobaria uma variedade imensa de infraestruturas que, não sendo todas de cariz social e humanitária, teriam logicamente que gerar receitas que seriam recebidas pelo financiador do projeto, a P…. Iniciative.

P) Pelo que andou bem o douto acórdão recorrido ao considerar estes factos como provados, face à prova documental e testemunhal produzida, não podendo tais factos ser dados como não provados ou como provados na redação pretendida, uma vez que:

(vi) Não existe contrato de prestação de serviços escrito e tal facto não se deve à Recorrida;

(vii) Existe apenas um orçamento que não está assinado pela Recorrida;

(viii) A prova testemunhal da Recorrente é insuficiente para provar que foi entregue e aceite um orçamento do valor peticionado pela Recorrida;

(ix) A prova testemunhal da Recorrida depõe em sentido diverso;

(x) A prova testemunhal ouvida não é congruente sobre se existiu ou não um contrato entre as partes nos termos alegados.

Q) Assim sendo, renova-se o que já se afirmou e fundamentou nos presentes autos, agora sob escrutínio de V/ Exas, Venerandos Juízes Conselheiros, pois o douto Acórdão ora recorrido faz a correta valoração e a aplicação do Direito, sem esperar que de outro modo fosse.

Nos termos expostos e nos mais que V. Exas. Venerandos Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao Recurso de Revista, mantendo-se o douto Acórdão sob recurso”.


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O recurso foi admitido, em despacho notificado.

Apesar da verificação de dupla conforme, entendeu-se que a fundamentação de direito, na sentença e no acórdão, era diferente porque, são distintos os institutos jurídicos aplicados, (falta e ónus da prova por um lado e contrato resolvido por verificação de condição resolutiva por outro) que justificaram aquelas decisões.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.


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Nas Instâncias foram julgados como provados os seguintes factos:

“Foi dado como provado, em 1ª instância, que:

1 - No ano de 2007 a fundação norte-americana P… Initiative (PS), em parceria com a ré, propôs-se realizar um investimento num projecto imobiliário a levar a efeito na zona de … no montante de 2.000 milhões de dólares, montante que seria todo ele financiado pela PS. alterado na Relação por: “No ano de 2007, a Ré Igreja Católica Ortodoxa de Portugal assumiu-se perante a Câmara Municipal de …, como promotora de um projecto, em parceria com a fundação norte-americana P… Initiative (PS), sendo esta última que, dada a sua capacidade económica, aí realizaria, financiando exclusivamente e por inteiro, um investimento de um projecto imobiliário a levar a efeito na zona de …. no montante de 2.000 milhões de dólares”.

2 - Tal projecto consistia na construção de diversos equipamentos, nomeadamente, um hospital, um hotel, um aquaparque, um parque multiusos com áreas desportivas, uma basílica, uma universidade politécnica, uma esquadra da GNR, um quartel dos bombeiros, um teatro, entre outros.

3 - A ré contactou a autora, em início de Janeiro de 2007, com vista à realização dos estudos, projectos, acompanhamento da implantação do terreno e tudo o mais que fosse necessário para a concretização daquele projecto imobiliário.

4 - A autora aceitou participar no projecto.

5 - Nessa sequência a autora realizou vários estudos e projectos com vista à concretização do projecto imobiliário, tendo ainda tido várias reuniões com a ré.

6 - No âmbito do referido em 3, a autora realizou o conceito de ocupação da Quinta … e da Quinta de …, nos termos do documento de fls. 646 e segs., o qual foi apresentado à Câmara Municipal de … .

7 - A autora sempre esteve ciente que era condição essencial do projecto referido em 1 e 2 a concretização do então futuro aeroporto de Lisboa a implantar na Ota.

8 - O resultado do trabalho da autora só teria aproveitamento e o seu custo só seria pago pela PS caso o aeroporto fosse instalado na Ota, o que era do perfeito conhecimento e concordância da autora.

9 - A autora viria a usufruir de benefícios económicos decorrentes da sua intervenção com a execução de todo o projecto e o acompanhamento técnico da execução do mesmo.

10 - No âmbito do projecto referido em 2, à ré seria atribuída a titularidade dos equipamentos de natureza humanitária e de natureza religiosa, como o hospital e a basílica.

11 - O investimento global do projecto era superior a mil milhões de euros.

12 - A ré não pediu e a autora não apresentou qualquer orçamento para a realização do referido em 6.

13 - Com a inviabilização da construção do aeroporto na Ota, a PS desistiu de levar a efeito o projecto de investimento referido em 1 e 2.

14 - A ré assumiu perante a Câmara Municipal de … a titularidade do projecto.

15 - A PS assumiu-se perante a Câmara Municipal de … como o financiador integral do projecto com a condição referida em 7.

16 - aditado pela Relação- “A A. apresentou na Câmara Municipal de … os mais diversos requerimentos, antes e depois da apresentação do Conceito de Ocupação da Quinta … e da Quinta de …”.

“A Câmara Municipal de … concordou com o conceito apresentado pela A., tendo demonstrado interesse no desenvolvimento do projecto” (artigo 28º da petição inicial).

17 - aditado pela Relação- “A Câmara Municipal de … concordou com o conceito apresentado pela A., tendo demonstrado interesse no desenvolvimento do projecto”

“A Câmara Municipal de … ficou a aguardar que a Ré apresentasse um Plano de Pormenor e Avaliação Ambiental” (artigo 29º da petição inicial).

18 - aditado pela Relação- “A Câmara Municipal de … ficou a aguardar que a Ré apresentasse um Plano de Pormenor e Avaliação Ambiental”.

“O que a Ré nunca fez pelo facto de se ter desinteressado de todo o processo, a partir de Fevereiro de 2009” (artigo 30º da petição inicial).

19 - aditado pela Relação- “A Câmara Municipal de … em Outubro de 2009 inclui no seu Plano de Acção Territorial o pretendido projecto”

“Contudo, a Ré até à presente data não pagou à A. qualquer quantia a qualquer título” (artigo 40º da petição inicial).

20 - aditado pela Relação- “A Ré até à presente data não pagou à A. qualquer quantia a qualquer título”.

“Embora a mesma, por diversas vezes, tivesse prometido proceder ao seu pagamento, reafirmando bastas vezes que tinha milhões de dólares à disposição para efectuar o projecto” (artigo 41º da petição inicial).


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Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C. No caso em análise questiona-se:

- Saber se o Tribunal a quo se substituiu à parte, dando como provada uma factualidade essencial nunca alegada pela recorrida - a existência de uma cláusula resolutiva no contrato de prestação de serviços - e, nessa mesma factualidade fundamentou a improcedência do recurso apresentado pela recorrente.

- Saber, face à matéria de facto provada, se foi ou não celebrado entre a recorrente e a recorrida um contrato de prestação de serviços e quais as consequências jurídicas da existência ou inexistência desse mesmo contrato.

Analisemos:

-Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal (excesso de pronúncia):

Refere o art. 5 do CPC que “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” e termina referindo que, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

No caso vertente, a recorrente, questionando a matéria de facto apurada nas instâncias, não impugnou essa mesma matéria de facto, sendo certo que se a impugnasse o devia fazer nos termos preceituados no art. 640 do CPC que refere o modo como a impugnação deve ser feita no recurso interposto e, tem a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”.

Não tendo impugnado a decisão sobre a matéria de facto, temos esta como assente.

No recurso de revista, a recorrente nada invoca demonstrativo de que a Relação deveria ter conhecido, de outro modo, da matéria de facto. Isso se nota das conclusões supratranscritas, sendo que na motivação, nada de relevante na matéria se diz. A recorrente limita-se a configurar o eventual erro de julgamento da matéria de facto como nulidade por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento.

Mas são situações distintas.

Invocado, no recurso, o conhecimento de matéria de facto não alegada, tal não constitui apreciação de questão de que não podia tomar conhecimento (art. 615, nº 1 al. d)), mas, sim, erro de julgamento.

O erro de julgamento não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que implique a nulidade da sentença, pode é ser tomado em consideração em sede de apreciação de mérito.  

Neste sentido, o Ac. do STJ de 23-03-2017, no Proc. nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, que refere : “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC”.

E já se lhe referia o Prof. A. Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146, nos seguintes termos: “(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.

(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer” (sublinhado nosso).

No entanto, in casu, a Relação não tomou em consideração factos não alegados nos articulados (articulado da ré, contestação), conforme se nota no Ac. proferido ao abrigo do art. 617, nº 1, ex vi art. 666, ambos do CPC e que refere que a questão havia sido conhecida no acórdão recorrido.

Refere-se nesse acórdão: “É evidente que não existe no acórdão proferido a nulidade apontada, consubstanciada no pretenso excesso de pronúncia (…).

Tal questão já havia sido aliás expressamente invocada pela ora recorrente relativamente à decisão proferida em 1ª instância.

Este Tribunal da Relação apreciou-a devidamente, em termos claros e suficientes, concluindo que a invocação da dita condição resolutiva aposta ao contrato de prestação de serviço prestado pela A. teve efetivamente lugar, concretamente nos seguintes artigos da contestação apresentada pela Ré:

A vontade da referida Fundação P… Iniciative, INC, a amplitude e a natureza do projecto determinavam, por um lado, a disponibilidade de terreno com a dimensão e as condições adequadas e, por outro, a escolha de uma localização privilegiada do mesmo, do ponto de vista de acessibilidades e fluxo de potenciais utilizadores; e...” (artigo 14º);

“Esse conjunto de condições determinantes foi encontrado nas proximidades do novo Aeroporto de Lisboa, ao tempo aprovado para ser edificado na OTA, Concelho de Alenquer” (artigo 15º).

Acrescenta ainda que:

Mas, a aqui A. sempre esteve bem ciente que havia uma condição essencial que teria de verificar-se – o futuro Aeroporto de Lisboa teria de implantar-se na OTA, concelho de Alenquer, e que...” (artigo 21º);

“O resultado do trabalho por ela produzido só teria aproveitamento e o seu custo só seria pago pela Fundação Americana P… Iniciative, INC.,” (artigo 22º);

“O que significa que era convicção, não só de todos os interessados, mas também da opinião pública em geral, que o Aeroporto de Lisboa ali seria implantado” (artigo 23º).

“E, com base num acordo de cavalheiros estabelecido entre a aqui A. e a supra identifica Fundação P… Iniciative, INC, a A. e a R., cada uma à sua maneira, comprometeram-se a “arriscar” o seu envolvimento e a sua participação e custos, na perspectiva de a condição e implementação do projecto do Aeroporto de Lisboa ocorreria na Ota” (artigo 25º);

“Nem a A. entregou, previamente ao início dos trabalhos que desenvolveu ou, em qualquer outro momento, à R. ou à Fundação P… Iniciative, INC., qualquer orçamento! Isto porque a A. sabia e aceitou que apenas seria compensada se a implantação do Aeroporto de Lisboa se viesse a verificar na Ota; o que determinaria o pagamento por parte da Fundação dos trabalhos realizados pela A. até à aprovação do projecto por ela elaborado e com a subsequente entrega à A. do controlo da execução do projecto” (artigos 29º a 31º).

“Sendo certo que o projecto só não se concretizou porque falhou a condição essencial aceite pela A: a localização do novo Aeroporto de Lisboa teria que ser na Ota.” (artigo 34º).

“Porque ocorreu uma mudança na localização do novo Aeroporto de Lisboa, que, em lugar de se localizar na Ota, passou para Alcochete, a supra referida condição não se cumpriu” (artigo 35º).

E acrescenta: “Ao invés do invocado pela apelante, a Ré expôs desenvolvidamente os factos que vieram a ser dados como provados e que constam dos pontos 7º, 8º e 9º, conforme resulta óbvio e inegável através da simples leitura dos artigos da contestação que se transcreveram supra”.

A ora arguente, no seu recurso de revista, vem agora revisitar uma questão jurídica – o alegado excesso de pronúncia – que já foi perfeita e totalmente dilucidada no acórdão recorrido, nada mais havendo a acrescentar a este propósito.

Os factos vertidos nos pontos 7, 8 e 9 da matéria de facto provada não são factos novos e foram discutidos nos autos, são factos que foram alegados pela defesa apresentada pela ré e aos quais a autora podia fazer contraprova em julgamento.

Tendo sido alegados pela ré na contestação, não são factos “inventados” pela 1ª Instância ou pela Relação, pelo que se entende não ter havido, pelo tribunal recorrido, violação do princípio do dispositivo previsto no artigo 5 n.º 1 do CPC, ou violado o princípio do contraditório.

A autora respondeu à contestação, replicou dizendo, nomeadamente nos arts.” 29.º A R., nos artigos 21.º a 38.º, 87.º a 98.º, 103.º, 104.º, 107.º, 108.º e 109.º da sua douta contestação, tenta, encapotadamente, alegar uma nova excepção, ao alegar que, supostamente, existiria um acordo de cavalheiros entre a A. e a P… INICIATIVE para que o trabalho efectuado pela A. só fosse remunerado se o projecto continuasse, o qual constituiria, nas suas palavras, um negócio sob condição resolutiva. 30.º Alegação essa que, mais uma vez, é, gritantemente, falsa, já que a A. nunca contratou nada com a fundação P…. INICIATIVE, mas sim com a R.” (sublinhado nosso).

Pelo que não se verifica o apontado vício de excesso de pronúncia, enquanto vício de natureza puramente formal - que é do que cuida exclusivamente o artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, nas suas diversas alíneas.

Assim que, há-de ser julgado improcedente a revista, neste segmento.

Matéria de direito: - saber, face à matéria de facto provada, se foi ou não celebrado entre a recorrente e a recorrida um contrato de prestação de serviços e quais as consequências jurídicas da existência ou inexistência desse mesmo contrato.

A matéria de facto é a fixada na Relação, a quem cabe o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – art. 662, nº 1, do CPC.

Sem ser muito explicita, parece-nos que a recorrente pretende (conclusão nº 4) a alteração da decisão de direito, resultante da alteração da matéria de facto, nomeadamente dos pontos 7 e 8.

Às partes cabe alegar os factos essenciais da causa de pedir (autora) e os factos essenciais em que se baseiam as exceções invocadas (ré), como resulta do nº 1 do art. 5, do CPC.

Assim, que não se possa deixar de ter em conta os factos consubstanciados nos pontos 7 e 8 e demonstrativos de matéria de exceção oponível à pretensão da autora.

Dos factos provados resulta que as partes celebraram um contrato de prestação de serviço, sujeito a condição resolutiva, nos termos previstos no artigo 270 do CC.

Como bem se demonstra no acórdão recorrido:

“Perante o quadro factual apurado nos autos, cumpre concluir que o presente contrato de prestação de serviço não teve a ver, de forma circunscrita, fragmentada, redutora e parcelar, apenas com a elaboração pela A. em favor da Ré do dito Conceito de Ocupação de duas quintas, fora de qualquer outro contexto essencial e justificador.

Diferentemente, o seu objecto era muito mais amplo e abrangente. A sociedade contratada (a ora A.) foi a projectista escolhida que desenvolveria a sua prestação em favor da Ré, aquando da implantação no terreno do gigantesco empreendimento projectado entre ambas e que teria lugar no Concelho de …, a par (e na previsão essencial) da construção do novo aeroporto, garantido segundo decisão política publicamente anunciada na altura.

Era isso que verdadeiramente interessava a qualquer das partes envolvidas – as celebrantes do contrato de prestação de serviço (A. e Ré) e a entidade financiadora (a interveniente) – não servindo o Conceito de Ocupação para coisa alguma, tomado isoladamente.

Sem a parte restante, que necessariamente se seguiria, o trabalho desenvolvido pela A. de que a petição inicial se ocupa não tinha o menor valor, utilidade ou préstimo.

E neste ponto é absolutamente incontornável que se proceda à ligação entre o objecto efectivamente contratualizado e a implantação do novo aeroporto na Ota que, em termos essenciais, o justificava, condicionava e explicava.

Sem o novo aeroporto na Ota (que era, na altura, publicamente garantido pelas autoridades oficiais competentes que iria acontecer) o empreendimento projectado, grandioso e muitíssimo dispendioso, perdia todo o sentido prático e útil, ocasionando o desinteresse do financiador que suportaria economicamente todos os avultadíssimos custos desta complexa operação.

Ora, tanto a A. como a Ré tinham perfeita consciência desta essencialidade, como aliás não podia deixar de ser.

De resto, tal era do perfeito conhecimento da A., que viu nesta situação uma enorme e invulgar oportunidade de negócio altamente rentável, sendo paga através do dinheiro que chegaria por via dos fundos norte-americanos (P…. Iniciative), e não à custa da Ré que não tinha, manifestamente, condições para o fazer.

O contexto que rodeou o contrato de prestação de serviços respeitava a um empreendimento futuro por iniciar, que supunha preliminarmente o desenvolvimentos de alguns estudos, tidos por necessários pela respectiva projectista.

Assim, perante a matéria de facto dada como provado, há ter tomar em consideração a estipulação entre as partes de uma verdadeira condição resolutiva, nos exactos termos previstos no artigo 270º do Código Civil, que determinaria a extinção dos efeitos do negócio: a não localização/construção do novo aeroporto na Ota, com tudo o que isso significava.

Ou seja, o crédito referente ao direito à retribuição que a A. poderia exigir, a suportar exclusivamente pela interveniente financiadora e não pela Ré, face à conhecida incapacidade económica daquela para a suportar, resolveu-se – tal como todo o negócio global donde emergia -com a verificação de um evento futuro e incerto (que os contraentes tinham então como adquirido): a (inesperada) não construção do novo aeroporto na Ota.

De resto, da matéria dada como provada resulta que não foi sequer apresentado ou pedido qualquer orçamento pela A. à Ré, relativamente a este estudo prévio necessário para a possível alteração do PDM por parte da Câmara Municipal de … .

Nem se compreenderia que tivesse sido.

Tratou-se da realização de um trabalho prévia e instrumental que se inseria no contexto mais global da efectivação do projecto em que a A. se envolveria e que seria custeado pela interveniente, apenas beneficiando a Ré se e quando fosse possível implementar o respectivo empreendimento no terreno, subordinado ao facto essencial que na verdade o viabilizaria – a construção na Ota de um novo aeroporto, com todas as consequências sociais, económicas e comerciais daí advenientes.

Com a decisão política de não construção de um novo aeroporto na Ota todo o projecto ruiu, sem ser possível imputar qualquer tipo de responsabilidade aos diversos interessados, que viram as suas fortes expectativas de lucro igualmente destruídas, aniquiladas e arrasadas.

Todos perderam sem que seja possível dirigir a qualquer um deles o juízo jurídico de censura inerente à figura do inadimplemento contratual.

Bem sabendo a A. que o seu pagamento estava dependente da intervenção no negócio de uma terceira entidade – a financiadora estrangeira -, nada fazendo supor ou admitir, desde o início, que o mesmo viesse a ser suportado pela Ré (que não tinha condições objectivas para o suportar), o compreensível desinteresse daquela, que por seu turno não teve sequer participação na decisão de escolha da projectista e na de atribuição de quaisquer trabalhos prévios, impede, por sua natureza, a possibilidade de recuperação dos custos a que instrumentalmente procedeu.

Tratou-se, em suma e no fundo, do risco de um negócio que, à revelia de todos os interessados, se gorou apenas e só em consequência de uma decisão política que acabou por fazer funcionar a condição resolutiva aposta ao contrato em apreço (não construção do aeroporto na Ota), nos termos gerais do artigo 270º do Código Civil”.

Ensina o Prof. Manuel de Andrade in Teoria-Geral, vol. II, pág. 356 que a condição exprime “uma vontade hipotética”, mas “atual e efetiva, embora subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não como certo” e que “não se desdobra em duas declarações de vontade, sendo a segunda limitativa da primeira. Constitui uma declaração de vontade única e incindível ... A condição faz corpo com o negócio em que é aposta”.

A ideia de incindibilidade da declaração de vontade e, portanto, da unidade do negócio condicional, só pode aceitar-se no sentido de que o declarante apenas quis celebrar o negócio como negócio condicional. Só quer a produção dos efeitos do negócio propriamente dito se verificada a condição, ou só quer que esses efeitos se tornem definitivos e se consolidem, quando verificada a condição.

Assim se refere o Ac. do STJ de 10-12-2009, no Proc. nº 312-C/2000.C1-A.S1, “vê-se claramente que a razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a sua futura verificação, uma vez que, na sua perspetiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende de circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta”.

Verificada a condição resolutiva, esta produz efeitos retroativamente (arts. 276 e 274 do CC), sendo que os atos do credor condicional perdem eficácia.

Assim se lhe refere o Ac. do STJ de 10-12-2009, “Também aqui (no domínio da condição resolutiva) ambas as partes podem praticar atos dispositivos ou de oneração.

Porém, verificada a condição, os efeitos do negócio que até aí se estavam produzindo, cessam, deixam de existir no mundo jurídico.

O negócio fica destruído retroativamente”.

A matéria de facto constante dos pontos 7 e 8 constitui uma condicionante de que dependia a consolidação do negócio ou a sua destruição retroativa.

Assim, temos que, face à matéria de facto provada (e é essa que conta) não tem fundamento a pretensão da autora de pedir à ré uma indemnização, porque os efeitos produzidos pelo contrato foram destruídos.

Pelo que improcede, também, a revista neste segmento.

Devendo, por conseguinte, ser confirmado o acórdão recorrido.


*


Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - Invocado, no recurso, o conhecimento de matéria de facto não alegada, tal não constitui apreciação de questão de que não podia tomar conhecimento (art. 615, nº 1 al. d)), mas, sim, erro de julgamento.

II - O erro de julgamento não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que implique a nulidade da sentença, pode é, ser tomado em consideração em sede de apreciação de mérito.  

III - Como se lhe referia o Prof. A. Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146, “Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.

IV - Ensina o Prof. Manuel de Andrade in Teoria-Geral, vol. II, pág. 356 que a condição exprime “uma vontade hipotética”, mas “atual e efetiva, embora subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não como certo”.

V - Verificada a condição resolutiva, esta produz efeitos retroativamente (arts. 276 e 274 do CC), sendo que os atos do credor condicional perdem eficácia.

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, negar a revista e, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 26-01-2021

Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Nos termos do art. 15-A, do Dl. nº 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3 do Dl. nº 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.

Maria Clara Sottomayor – Juíza Conselheira 1ª adjunta

António Alexandre Reis – Juiz Conselheiro 2º adjunto