Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96A198
Nº Convencional: JSTJ00029875
Relator: MARTINS DA COSTA
Descritores: EXECUÇÃO
NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA
NULIDADE
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: SJ199605280001981
Data do Acordão: 05/28/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N457 ANO1996 PAG302
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 434/95
Data: 10/31/1995
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: A VARELA IN RLJ ANO119 PAG56. ANSELMO DE CASTRO IN A ACÇÃO EXECUTIVA PAG224. A REIS PROC EXEC TI PAG341. L CARDOSO IN MANUAL PAG585.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC / RECURSOS.
DIR CIV - DIR OBG / DIR REAIS.
Legislação Nacional: CPC876 ARTIGO 848.
CPC67 ARTIGO 201 N1 ARTIGO 203 N1 N2 ARTIGO 228 N1 ARTIGO 264 ARTIGO 742 ARTIGO 751 N3 ARTIGO 892 N1 N2 ARTIGO 897 N4.
CCIV66 ARTIGO 416 ARTIGO 1380 N2 ARTIGO 1410 N1.
CPC39 ARTIGO 892.
Sumário : I - A falta de notificação dos titulares de direito de preferência, em execução, tem como consequência a subsistência desse direito, que poderá vir a ser exercido em acção própria (artigo 892, n. 2 do Código de Processo Civil).
II - Isso não exclui, porém, a configuração de nulidade processual decorrente dessa falta bem como da falta de indicação de possíveis preferentes, a qual cabe, em princípio, ao exequente (artigo 201, n. 1 do mesmo Código).
III - O executado tem legitimidade para invocação dessa nulidade, no caso da existência de vários preferentes, devendo fazer então a identificação destes (artigo 203, n. 1 e 897, n. 4 do citado Código).
Decisão Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
I - A, interpôs o presente recurso de agravo do acórdão da Relação, de fls. 22 e seg., que negou provimento ao recurso interposto de despacho em que se indeferiu a arguição de nulidade por falta de notificação de preferentes em acção executiva.
O recorrente formula, em resumo, as seguintes conclusões:
- o exequente não forneceu os elementos necessários à identificação dos preferentes na venda de prédio rústico, designadamente se o prédio estava ou não arrendado, se pertencia ou não a comproprietários e quais os actuais proprietários confinantes;
- o tribunal não notificou os preferentes;
- essa falta deve ter consequência idêntica à da falta das citações exigidas na execução;
- a tese da propositura, em separado, de acção de preferência, levaria à duplicação de processos e a incertezas sobre a tempestividade dessa acção;
- deve anular-se todo o processado a partir da prática da nulidade;
- foi violado o disposto nos artigos 194 alínea a), 201 ns. 1 e 2, 205 ns. 1 e 2, 864 n. 3 e 892 do Código de Processo Civil, 10 do Código Civil e 205 e 207 da Constituição.
Não houve contra-alegações.
II - A situação de facto, descrita no acórdão recorrido, é a seguinte:
"Em execução cambiária movida aos executados, pelo exequente, foi penhorado um prédio rústico dos ora agravantes, sito em Penela.
A esta comarca foi deprecada a venda, em hasta pública.
Aí foi designado, para arrematação, o dia 23 de Junho de 1993, às 10 horas.
Foram aí notificados o exequente e os executados, tendo sido publicados anúncios.
Imediatamente antes da hora da arrematação, os ora agravantes, por requerimento, arguiram a nulidade consistente na não notificação dos preferentes.
Foi logo esse requerimento indeferido, tendo sido notificados os arguentes.
Realizou-se a arrematação, tendo o exequente ficado com o prédio em causa".
III - Quanto ao mérito do recurso:
Antes de mais, importa notar que, no acórdão recorrido, se diz que os factos aí descritos estão "documentalmente provados" mas o certo é que não está junto ao processo qualquer documento relativo a esses factos.
Os únicos documentos incorporados são a certidão de fls. 1, passada nos termos do artigo 742 n. 3 do Código de Processo Civil, e o requerimento de fls. 2, de interposição do recurso na 1. instância, do qual consta, aliás, que não há "agravantes" mas um só agravante, o "co- -executado" A.
Não foi sequer junta certidão da decisão proferida na 1. instância, como se exige no citado artigo 742 n. 3 e se ordenou no despacho de fls. 11, pelo que se verifica a situação anómala de o recurso ter sido julgado sem a junção da decisão recorrida.
Aliás, tendo-se decidido que o recurso, que subiu nos próprios autos, deveria subir em separado (fls. 9), este regime de subida dependia de requerimento do interessado para "que se proceda em harmonia com essa decisão" (artigo 751 n. 3 do citado Código), o que não teve lugar, como consta de fls. 11, pelo que o recurso deveria, em rigor, ter continuado a ser processado nos próprios autos.
Seria ainda conveniente, para a apreciação do recurso, a junção do requerimento de arguição de nulidade, apresentado na 1. instância, mas esta falta é imputável ao recorrente, ao qual competia, nesta parte, a instrução do agravo, para o que foi notificado nos termos do citado n. 3 do artigo 751.
Não se mostra agora indispensável a requisição daquela decisão da 1. instância, uma vez que este recurso deve ser julgado de harmonia com a situação configurada no acórdão recorrido.
Assim, apesar das deficiências apontadas, e tendo em conta as conclusões da alegação do recorrente, a questão suscitada resume-se nestes termos: em execução para pagamento de quantia certa, foi penhorado o prédio rústico de um dos executados; não se fez menção, na execução, da existência de preferentes na venda do prédio; no dia designado para arrematação, e imediatamente antes dela; esse executado arguiu a nulidade de falta de notificação dos preferentes, a qual foi logo indeferida; trata-se apenas de saber se se configura ou não essa nulidade.
Pelo artigo 892 do Código de Processo Civil, "os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da arrematação... para poderem exercer o seu direito no acto da praça..." (n. 1) e "a falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular" (n. 2).
O objectivo deste preceito é o de ficar definida na execução, em princípio, a questão de eventual direito de preferência, evitando-se futuros litígios, e aquela notificação tem finalidade idêntica à da comunicação, prevista no artigo 416 do Código Civil, que é imposta ao "obrigado" à preferência.
Notificado o titular do direito de preferência, na execução, ele deve comparecer à arrematação para exercer aí o seu direito, sob pena de caducidade, e, por aquele n. 2 do artigo 892, a omissão da notificação equivale à falta da referida comunicação, ficando o preferente com o direito de intentar a respectiva acção no prazo legal previsto no artigo 1410 n. 1 do citado Código Civil.
Deve notar-se porém, que, não sendo reconhecido o direito ao notificado, na procedência de oposição deduzida por algum interessado, nomeadamente o arrematante, o pretenso titular do direito não fica impedido de pedir o seu reconhecimento judicial, em acção autónoma, uma vez que tal decisão se baseia em simples "juízo provisório", não susceptível de constituir caso julgado material (cfr. A. Varela, na Rev. Leg. J., 119, p. 56, em nota, e Ans. Castro, A Acção Executiva..., p. 224).
O ponto que está aqui em discussão é o de saber se a falta da aludida notificação, independentemente dos motivos ou circunstâncias que a determinaram, apenas pode ter a "cominação" de subsistência do direito à acção de preferência, como se decidiu no acórdão recorrido, com o argumento do disposto no artigo 201 n. 1 do Código de Processo Civil, e como parece ser a opinião de E. Lopes Cardoso, ao afirmar que "a falta de notificação não induz em nulidade processual..." (Manual da Acção Executiva, p. 585), ou, como pretende o recorrente, se pode verificar-se tal nulidade.
Numa primeira apreciação e em face da letra da lei poderia ter-se como excluída a nulidade processual mas entende-se que a hipótese justifica algumas considerações.
O citado artigo 892 reproduz idêntica norma do Código de 1939 e, na lei anterior (artigo 848 do Código de 1876), dispunha-se que os titulares do direito de preferência eram citados para assistirem à praça e só aí poderiam exercer esse direito, pelo que a falta dessas citações tinham o efeito normal de anulação de todo o processado posterior ao momento em que deveriam ter sido realizadas (cfr. A. Reis, no Proc. Exec., II, p. 341 e 344).
Do confronto dessas disposições, e apesar de a notificação dos preferentes dever porventura ser feita pelas regras próprias da citação (artigo 228 n. 1 do Código de Processo Civil), resulta que a alteração introduzida pela lei actual respeita apenas à "consequência" da falta de chamamento dos preferentes à execução, substituindo a anulação do processado anterior pela subsistência do direito à acção de preferência, mas isso não exclui, necessariamente, a ocorrência de alguma nulidade processual.
A lei manda notificar os titulares do direito de preferência (n. 1 do citado artigo 892), o que se não traduz em mera faculdade ou poder arbitrário mas num dever jurídico, cuja falta implica, em princípio, a omissão de um acto processual legalmente prescrito.
Essa notificação dirige-se a pessoa ou pessoas determinadas e pressupõe, desde logo, a sua prévia indicação na execução, mas a lei não prevê, em qualquer momento, designadamente no da nomeação dos bens à penhora ou neste acto, a obrigação de fazer essa menção, o que conduz a uma certa lacuna ou falta de regulamentação adequada.
Tal lacuna deve ser preenchida no sentido de caber ao exequente, em princípio, a identificação dos preferentes, por ter "o principal ónus de promover os termos da execução", não podendo "negar-se aos outros credores verificados ou reconhecidos a faculdade de tomar a iniciativa..." (A. Reis, na obra cit., p. 344), e entende-se que também o executado o pode fazer, como parte no processo e interessado na sua intervenção da qual poderá resultar aumento do valor da adjudicação no caso de haver pluralidade de preferentes (artigo 879 n. 4 do Código de Processo Civil), e que o próprio tribunal pode e deve ordenar o suprimento da omissão (artigos 264 e segs. do mesmo Código).
Assim, havendo titulares de direito de preferência na venda judicial, tanto a falta da sua indicação como da notificação, no caso de estarem identificados, constituem omissão de formalidade e de acto prescritos na lei, o que é susceptível de "influir no exame ou na decisão da causa", uma vez que se pretende que seja definido na execução, em princípio, algum eventual direito de preferência, e esse objectivo fica prejudicado com tal omissão, tratando-se pois da nulidade prevista no artigo 201 n. 1 do citado Código.
Essa nulidade "pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição... do acto" (artigo 203 n. 1 do citado Código) e deve, em princípio reconhecer-se legitimidade ao executado para a sua invocação, dado o prejuízo que lhe pode advir da falta de intervenção dos preferentes, em face do disposto no citado artigo 897 n. 4, salvo se ocorrer alguma das hipóteses aludidas no n. 2 do citado artigo 203, o que, em princípio, não tem lugar, por não ser ele a parte onerada com a indicação dos preferentes.
Em suma, a falta de notificação dos titulares de direito de preferência, na execução, tem a "consequência" de subsistência desse direito mas isso não exclui a configuração de nulidade processual decorrente dessa falta como da falta de indicação dos preferentes, a qual deve ser invocada antes da arrematação.
No caso presente, o executado-recorrente limitou-se a arguir, imediatamente antes da hora da arrematação, a falta de notificação dos preferentes, em termos que não se encontram explícitos (por não ter sido instruído o agravo com o respectivo requerimento), mas deve ter-se como certo que tais preferentes não estavam identificados na execução nem foram então indicados, até porque, na própria alegação do recurso, diz que "incidindo a venda sobre um prédio rústico que, a não estar arrendado e não vigorando... o regime de compropriedade, teria como titulares daquele direito os proprietários dos prédios contíguos".
Desde logo, a nulidade não respeitaria a falta de notificação mas de identificação dos possíveis preferentes e não se justifica que o recorrente não tivesse feito essa identificação, por ser ele quem estaria em melhores condições de o fazer, como proprietário de prédio.
De resto, a circunstância de se tratar de prédio rústico não implica, necessariamente, a existência de preferentes, na sua venda, como resulta do disposto nos artigos 1380 e segs. do Código Civil.
Porque nenhum dos intervenientes na execução havia feito indicação de titulares de direito de preferência, presume-se, em princípio, que eles não existiam e, perante essa situação, a arguição da nulidade de falta de notificação pressupunha a informação da existência e identificação dos preferentes, que podia e devia ser então feita pelo arguente.
Só depois dessa informação, e se ela fosse julgada pertinente, em face de oposição porventura deduzida pelos outros intervenientes, é que se poderia ter como verificada a nulidade processual, sendo então de ordenar a suspensão da arrematação e a notificação dos preferentes.
Por outro lado, o recorrente não invoca sequer, como requisito da sua legitimidade para invocação da nulidade, o possível aumento do valor da adjudicação do prédio, o qual dependeria da existência de vários preferentes, nos termos do citado artigo 897 n. 4, e isso só muito excepcionalmente teria lugar, em face do disposto no n. 2 do citado artigo 1380.
Limita-se o recorrente a alegar, para esse efeito, a inconveniência da "propositura, em separado, duma acção de preferência...", mas isto não lhe confere tal legitimidade, por não ser susceptível de lhe causar qualquer prejuízo, uma vez que, não sendo a venda judicial promovida ou realizada pelo executado, este não teria de ser parte naquela acção.
Deste modo, e perante os elementos disponíveis no recurso, não se mostra verificada a existência de efectiva nulidade processual nem a legitimidade do recorrente para a sua invocação.
Em conclusão:
A falta de notificação dos titulares de direito de preferência, em execução, tem como consequência a subsistência desse direito, que poderá vir a ser exercido em acção própria (artigo 892 n. 2 do Código de Processo Civil).
Isso não exclui, porém, a configuração de nulidade processual decorrente dessa falta bem como da falta de indicação de possíveis preferentes, a qual cabe, em princípio, ao exequente (artigo 201 n. 1 do mesmo Código).
O executado tem legitimidade para invocação dessa nulidade, no caso da existência de vários preferentes, devendo fazer então a identificação destes (artigo 203 n. 1 e 897 n. 4 do citado Código).
Pelo exposto:
Nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 28 de Maio de 1996.
Martins da Costa.
Pais de Sousa.
Amâncio Ferreira.