Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
617/16.1T8VNG.P2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 06/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO DEFERIDA.
Sumário :

Apesar de a lei não indicar de forma expressa a que instância cabe aplicar a solução prevista no art.º 6.º, n.º 8 do RCP, no caso de existirem recursos (tal como não diz a que tribunal cabe conceder a dispensa do remanescente da taxa), razões de celeridade e de economia processual justificarão que a decisão seja tomada pelo tribunal onde o requerimento foi apresentado, tanto mais que se trata de uma decisão que assenta em pressupostos simples e de natureza objetiva.

Decisão Texto Integral:







Processo n.º 617/16.1T8VNG.P2.S1


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


1. “CABELTE - CABOS ELECTRICOS E TELEFÓNICOS, S.A.”, “CABELAUTO – CABOS PARA AUTOMÓVEIS, S.A.”, “CABELTE INCASA INDUSTRIA NAVARRA DE CABLES, S.A.” e “CABELTE METALS, TRANSFORMAÇÃO DE METAIS S.A.” propuseram, no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, ação contra “ATLANTICPAR, SGPS, S.A.”.


2. A primeira instância proferiu despacho de absolvição da instância, com fundamento na incompetência do Tribunal em razão da matéria, entendendo que não cabia ao Juízo de Comércio apreciar a causa.


3. As autoras interpuseram recurso de apelação, mas o TRP julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão da primeira instância.


4. As autoras-apelantes interpuseram recurso de revista, mas o STJ confirmou o decidido pelas instâncias, sumariando a decisão nos seguintes termos:


«Não cabe na competência do juízo de comercio, definida nos termos do art.º 128.º da LOSJ, nomeadamente na sua alínea c), uma ação destinada a apreciar a nulidade de vários contratos de prestação de serviços celebrados entre as sociedades autoras e a sociedade ré, por não estar em causa uma ação relativa ao exercício de direitos sociais (nem uma ação comportável nas demais hipóteses previstas nesse artigo).»


5. Dado o facto de serem vencidas e, consequentemente, condenadas no pagamento das custas, as autoras vieram requerer que este tribunal declarasse não haver lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça (art.º 6.º, n.º 8 do RCP) ou, subsidiariamente, lhes fosse concedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (art.º 6.º, n.º 7 do RCP).


Sintetizaram a sua pretensão nos seguintes termos:


«(…) entendem as Recorrentes que, na presente ação (…) não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (Regulamento das Custas Processuais – “RCP”). Porém, caso assim não se entenda e por cautela de patrocínio, pretendem desde já requerer, nos termos e para os efeitos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça».


Tal pretensão foi deduzida em tempo, tendo presente a jurisprudência emergente do AUJ n.º1/2022.


6. Na sua petição inicial, as requerentes tinham peticionado o valor de 4.661.453,60 (quatro milhões seiscentos e sessenta e um mil quatrocentos e cinquenta e três euros e sessenta cêntimos) Euros.


7. A primeira instância não chegou a fixar expressamente o valor da causa (nos termos do art.º 306.º do CPC), porque proferiu logo despacho de absolvição da instância, com base na incompetência do tribunal (não tenho chegado, portanto, a haver saneador ou sentença). Porém, é esse o valor constante dos autos como valor da causa, pelo que, aparentemente, seria essa a base tributável para efeitos de taxa de justiça, nos termos do artigo 11º do Regulamento das Custas Processuais.


8. Determina o Regulamento das Custas Processuais, no seu artigo 6º, o seguinte:


«7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.


8 - Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente


9. No caso concreto, atendendo à globalidade da tramitação processual, não se poderá afirmar que, em rigor, o processo terminou antes de concluída a fase da instrução, porque as autoras interpuseram dois recursos (apelação e revista).


Todavia, como consta dos autos, as autoras recorrentes atribuíram a tais recursos o valor de 30.000,01 Euros (pagando taxa de justiça correspondente a esse valor).


Deste modo, a questão do pagamento do remanescente da taxa de justiça, para efeitos do disposto no art.º 6.º, números 7 ou 8, só se colocará quanto ao cálculo das custas respeitante à tramitação em primeira instância.


E em primeira instância, efetivamente, o processo não ultrapassou a fase da instrução, dado ter sido declarada liminarmente a incompetência material do tribunal, pelo que, deste modo, será claramente aplicável a solução prevista no n.º 8 do artigo 6º do RCP, não havendo, portanto, lugar ao pagamento do remanescente da taxa.


10. Deve, porém, suscitar-se aqui a questão de saber se é este o tribunal competente para apreciar a pretensão do recorrente, ou se essa competência deveria pertencer ao tribunal de primeira instância.


A lei de processo não dá resposta expressa a esta questão.


Ao longo do tempo, a jurisprudência do STJ tem apresentado alguma diversidade de pensamento sobre a questão de saber qual o tribunal competente para decidir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça (nomeadamente quando esse pedido é, pela primeira vez, formulado junto do STJ), havendo decisões no sentido de que a questão deverá ser decidida pela primeira instância (a final) ou separadamente por cada uma das instâncias1, ou conhecida integralmente pelo STJ relativamente a todas as instâncias (sendo esta última a tendência mais recente)2.


11. A pretensão formulada pelas requerentes (a título principal) é diversa (e manifestamente mais simples) do que um pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, desde logo por não exigir a necessidade de quaisquer operações de cálculo ou contabilização de atos processuais. Trata-se, tão-só, de decidir se no caso concreto tem aplicação a dispensa de pagamento do remanescente prevista no n.º 8 do artigo 6º do RCP.


Não se trata, portanto, de um benefício concedido por meio de uma decisão judicial (como se verifica na hipótese prevista no art.º 6º, n.º 7 do RCP), mas apenas de declarar que tem aplicação ao caso concreto uma dispensa de origem legal e de natureza puramente objetiva, pois depende do simples facto de se constatar que o processo terminou, na primeira instância, antes de concluída a fase de instrução. E no caso concreto assim foi, pois na primeira instância foi logo proferido despacho de absolvição da instância, com fundamento na incompetência do Tribunal.


12. Apesar de a lei não indicar de forma expressa a que instância cabe aplicar a solução prevista no art.º 6.º, n.º 8 do RCP, no caso de existirem recursos (tal como não diz a que tribunal cabe conceder a dispensa do remanescente da taxa), razões de celeridade e de economia processual justificarão que a decisão seja tomada pelo tribunal onde o requerimento foi apresentado, tanto mais que se trata de uma decisão que assenta em pressupostos simples e de natureza objetiva.


13. Em resumo, verificada a hipótese prevista no n.º 8 do artigo 6º do RCP, não havendo, por isso, lugar ao pagamento do remanescente da taxa, fica consumida a pretensão formulada pelas requerentes em via subsidiária, ou seja, a da concessão pelo tribunal da dispensa do pagamento dessa taxa (nos termos do n.º 7 do art.º 6º).


*


DECISÃO: Pelo exposto, defere-se o pedido formulado pelas requerentes, decidindo ser aplicável o disposto no artigo 6.º, n.º 8 do RCP, não havendo, por força da lei, lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Sem custas neste requerimento.


Lisboa, 25.06.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Luís Espírito Santo


António Barateiro Martins





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1. Veja-se, por exemplo, os Acórdãos do STJ de 31.01.2019, no proc.º n.º 478/08.4TBASL.E1.S1; de 14.01.2021, no proc.º n.º 6024/17.1T8VNG.P1.S1; de 02.03.2021, no proc.º n.º 1939/15.4T8CSC.L1.S1.↩︎

2. Veja-se, por exemplo, os Acórdãos do STJ de 29.03.2022, no proc.º n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1; de 31.01.2023, no proc.º n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1; de 04.07.2023, no proc.º n.º 4105/21.6T8VNG.P1.S1; de 12.03.2024, no proc.º n.º 8585/20.9T8PRT.P1.S1.↩︎