Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6184/21.7T8VNF-A.G1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
EXEQUIBILIDADE
CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Num entendimento mais restrito, alguns autores consideram que apenas as sentenças proferidas em ações declarativas de condenação constituem título executivo, enquanto outros, num entendimento mais alargado, sustentam que constitui título executivo toda a sentença que no dispositivo contenha uma componente condenatória, independentemente da espécie de ação que lhe deu origem.

II - Sufragando o entendimento mais alargado, para que a sentença possa servir de base à execução, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença.

III - A impugnação pauliana não é causa de invalidade do ato impugnado, razão pela qual, a procedência da impugnação pauliana não invalida a venda impugnada, isto é, não invalida o ato de transferência do património do devedor para terceira pessoa (adquirente).

IV - Na procedência da ação pauliana, ao credor apenas é reconhecido o direito de poderem executar os bens vendidos na medida necessária à satisfação do seu crédito, no património dos adquirentes (terceiros) e a impugnação pauliana não tem o efeito de fazer retornar os bens à esfera jurídica do alienante.

V - Sendo instaurada execução autónoma contra os terceiros adquirentes fundada na sentença proferida na ação de impugnação pauliana dependerá, ainda assim, da existência de título executivo contra o próprio devedor, do qual conste a exequibilidade do crédito em causa (questão que nos autos não se coloca).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

Cada um dos Executados nos autos principais AA e BB, deduziu, separadamente, oposição à execução intentada por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS S.A., invocando, todavia, os mesmos fundamentos de facto e direito, razão pela qual se ordenou a apensação por incorporação do apenso C a este apenso A.

Assim, alegam os Embargantes na sua oposição à execução, em síntese:

a) A inexistência de título executivo e a inexigibilidade da obrigação exequenda;

b) Que a sentença de impugnação pauliana junta com o requerimento executivo não condenou os Executado(a)(s)/ Embargantes a pagar qualquer quantia à Exequente, o que redunda na invocação da sua ilegitimidade passiva.

c) Que na ação pauliana apenas foi reconhecido um crédito da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS S.A. sobre a mãe dos Embargantes de € 81.610,49, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa civil legal (4%), pelo que o imóvel que esta lhes doou apenas responde na medida deste crédito, pois que só quanto a este crédito a doação foi considerada ineficaz.

d) A litigância de má-fé da Exequente/embargada.

Terminam requerendo:

- sejam os presentes embargos julgados procedentes, absolvendo-se os embargantes da instância executiva e ordenando-se a respetiva extinção da execução;

- se condene a exequente como litigante de má-fé, em multa e indemnização aos executados/embargantes, nos termos dos arts 858º e 543º do CPC

- se ordene a imediata suspensão do prosseguimento da instância executiva, ao abrigo do disposto no art. 733º nº1 al c) do Código de Processo Civil.


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Na sua contestação a Exequente/ Embargada CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS S.A. pugna pela improcedência dos Embargos de Executado, afirmando:

Quanto à exceção de inexistência do título: que o título executivo em que a CGD baseou a sua pretensão é a sentença, acompanhada dos documentos que provam a existência e montante do crédito, a saber, as livranças, o contrato e a nota de débito, que é um documento emitido em conformidade com o título executivo e que o complementa.

Quanto à ilegitimidade dos Executados: que os Embargantes são parte legítima pois a CGD pode executar as frações autónomas de que aqueles são titulares, e cuja doação foi julgada ineficaz em relação à CGD, na sua esfera jurídico-patrimonial, para cobrança dos créditos que a CGD detém contra a doadora, conforme sentença proferida na ação de impugnação pauliana supra identificada.

Requer ainda a Embargada a sua absolvição do pedido de litigância de má-fé e a condenação dos Embargantes como litigantes de má-fé.


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Foi proferido despacho saneador – sentença, com o seguinte dispositivo:

julgo parcialmente procedentes os Embargos de Executado e, em consequência:

A) Ordeno o prosseguimento da execução contra os Embargantes, apenas com vista à penhora e venda executiva da nua propriedade dos imóveis identificados na sentença de impugnação pauliana oferecida à execução – ponto 3 dos Factos Provados – e para pagamento do crédito aí reconhecido à Embargada, no montante de € 81.610,49, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa civil legal (4%) contados desde “a data da citação do avalista para a acção executiva.”; juros esses que a Exequente contabilizou no requerimento executivo no montante global de € 14.479,72 (catorze mil quatrocentos e setenta e nove euros e setenta e dois cêntimos), totalizando assim esse crédito o montante global de € 96.090,21 (noventa e seis mil e noventa euros e vinte e um cêntimos).

B) Reduzo a quantia exequenda ao valor referido em A), acrescido dos juros legais.

C) Condeno Embargantes e Embargada nas custas na proporção dos respectivos decaimentos.

D) Absolvo as partes dos pedidos de condenação por litigância de má fé, respectivamente, formulados.”


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Inconformada com aquela decisão judicial, veio a embargada/exequente dela interpor recurso de apelação, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação:

Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra, em que ordene o prosseguimento da execução para cobrança de todo o crédito peticionado, declarando, assim, improcedentes os embargos deduzidos.

Custas pelos embargantes na ação e no recurso custas a cargo dos recorridos”.


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Inconformados, com o decidido pela Relação, interpõem recurso de Revista os embargantes, para este STJ e formulam as seguintes conclusões:

A- O título dado á execução pela recorrida é uma sentença proferida no âmbito de uma ação de impugnação pauliana.

B- No âmbito dos embargos deduzidos pelos ora recorrentes, estes alegam que, na sentença proferida no âmbito de tal Ação Pauliana, foi reconhecido um crédito à recorrida CGD, pelo montante de € 81.610,00 acrescido de juros de mora, pelo que o imóvel que lhes foi doado apenas responde na medida desse indicado crédito, pois que só quanto a este crédito em causa, a doação foi considerada ineficaz.

C- Na douta sentença proferida em 1ª instância, o Sr. Juiz a quo julga os embargos parcialmente procedentes, concluindo que o título oferecido à execução constitui título executivo, apenas com a finalidade de se executar os imoveis da propriedade dos aqui recorrentes, no valor necessário à satisfação dos créditos mencionados nessa sentença de € 81.610,49, acrescido de juros de mora, contados desde a data da citação do avalista;

D- Face ao teor das conclusões apresentadas pela apelante CGD, defendia a mesma, uma errónea interpretação da parte decisória da sentença, (cfr. conclusão transcrita supra e identificada pela apelante sob o item”15”).

E- O Venerando Tribunal da Relação de Guimarães profere o douto acórdão, aqui, pelo presente, posto em crise, revogando a sentença proferida em 1ª Instância, e sumariando, a sua decisão nos seguintes termos:

I- A exequibilidade da sentença proferida em ação de impugnação pauliana, para efeitos de instauração da execução contra o terceiro adquirente, deverá ser aferida em função do que ali for dado como provado e concretamente reconhecido relativamente ao crédito em causa e ao modo como o mesmo se encontra titulado.

II- Quando da sentença proferida em sede de ação de impugnação pauliana resulte não só o reconhecimento do crédito do exequente sobre o devedor mas também que esse credito consta de um contrato de mutuo com fiança, nos termos dos quais a fiadora se obrigou como principal devedora, o qual constitui, por sua vez título executivo nos termos do artigo 703º, nº 1, alínea b), do CPC, essa sentença conterá então os requisitos de exequibilidade necessários à determinação dos limites objetivos e subjetivos da pretensão executiva a deduzir contra o terceiro adquirente do bem a penhorar no respetivo património, nos termos conjugados dos artigos 616º, nº1, e 818º , 2ª parte. Do CC e dos artigos 10º, nº5, e 735º, nº 2 , do CPC, ainda que aquele crédito não conste do dispositivo da sentença, mas dos seus fundamentos.

III- É que o título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário da decisão é assim, é a parte dispositiva nos termos dos fundamentos.

F- Motivando o douto acórdão proferido, os Sr. Juízes Desembargadores, começam por apreciar a questão colocada pela apelante CGD, dizendo que esta sustenta o respetivo recurso na questão de conhecer … “ se podemos afirmar se a sentença exequenda constitui título executivo bastante para promover a execução com vista a obter o pagamento do crédito exequendo peticionado pelo recorrente/exequente e que abranja também aquele valor do crédito reconhecido já na sentença mas que não consta do dispositivo da mesma. “(parte final do último parágrafo de fls 9 e início de fls 10 da sentença)

Ora,

G- sabendo-se que o âmbito dos recursos encontram-se delimitados pelas conclusões das alegações, não se afigura que a douta decisão proferida tenha mantido pronuncia em função da delimitação das conclusões das alegações em apelação.

H- Na verdade, basta atender ao teor da conclusão deduzida sob o item “15” da motivação da apelação, para se evidenciar que a questão colocada é diversa da questão que o venerando Tribunal recorrido identifica no acórdão recorrido;

I- Aliás, são questões diametralmente diferentes, porquanto a pretensão da apelante contende com a interpretação da parte decisória da sentença, e a decisão proferida no Acórdão recorrido, defende a exequibilidade do título fundado no reconhecimento do crédito constante da fundamentação da sentença. Consequentemente,

J- Entende-se que, o Acórdão recorrido extravasa os limites das conclusões das alegações indo além da questão colocada, apreciando não a interpretação que deve ser efetuada da parte decisória, como conclui a apelante, mas, indo para além dessa questão, interpretando o título de modo a concluir que no caso concreto “… embora não resulte diretamente do dispositivo dessa sentença decorre claramente do contexto da respetiva fundamentação.” (1º parág de fls 17 do acórdão recorrido)

K- Entende-se que o douto acórdão proferido encontra-se ferido pelo vício da nulidade por excesso de pronúncia, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

Sem prescindir,

L- Na hipótese de doutamente se entender que não há, in casu, o invocado vício, não podem os recorridos deixar de invocar que, no seu entendimento, o acórdão aqui posto em crise, desrespeita o princípio do trânsito em julgado da decisão que configura o título dado à execução;

M- Ainda que seja inequívoco que, no título dado á execução, num dos itens se dá como provada a existência de um determinado crédito, não é menos certo que na respetiva parte decisória, consta o reconhecido direito da CGD obter o pagamento de um certo e determinado crédito, e de nenhum outro;

N- No caso dos autos, e ao contrário do que a apelante preconiza, não estava em causa uma interpretação da parte decisória, estaria, isso sim, em causa, uma decisão judicial que não satisfazia na íntegra a pretensão deduzida, e nessa medida, cabia á ali A. (CGD) recorrer dessa decisão e não o tendo feito, ficou tal nulidade sanada com o trânsito em julgado.

Consequentemente,

O- Tal sentença passou a produzir efeitos jurídicos nos exatos termos que da mesma constam.

P- O segmento condenatório em causa é claro e sem qualquer contradição ou ambiguidade, reconhecendo-se à A. executar o património doado aos aqui recorrentes para pagamento do crédito, no valor fixado por decisão judicial, aludida no facto provado número 15.

Q- Não sendo razoável que se suscite a dúvida sobre se, tal condenação permite que a aqui recorrida obtenha através daquele património, não apenas o crédito aludido no facto provado número 15, mas ainda, e também, um outro crédito aludido num outro facto provado da mesma.

R- Nessa medida não se concebe acertada a douta decisão proferida e aqui posta em crise que, em lugar de apreciar o teor da parte dispositiva da sentença proferida e dada á execução, aprecia a respetiva fundamentação para, através desta, fixar um limite quantitativo que vai para além daquele consagrado na parte dispositiva da mesma.

S- Pelo exposto, entende-se que o acórdão recorrido, deverá ser revogado da ordem jurídica por atentar contra o princípio do trânsito em julgado da sentença, mantendo-se, consequentemente, a sentença proferida em 1ª instância.

Assim se fazendo Justiça!”

Respondeu a embargada concluindo:

“1. O acórdão recorrido não se encontra ferido do vício de excesso de pronúncia, nem viola o Princípio do Caso Julgado.

2. Com efeito, por forma a corretamente interpretar a parte decisória da sentença dada à execução, o douto Tribunal da Relação alicerçou-se na parte dispositiva da mesma sentença.

3. O que foi expressamente solicitado pela CGD, que, nas suas conclusões de recurso, faz múltiplas referências àquela parte dispositiva, designadamente à lista de factos provados, requerendo àquele Tribunal que considerasse tais factos na interpretação a fazer da sentença - vide, designadamente, conclusões n.º 7, 8, 10, 11, 13, 14 e 16 do recurso interposto pela CGD para o Tribunal da Relação de Guimarães.

4. Sendo, aliás, necessário à boa interpretação de qualquer decisão a atenta leitura e consideração da respetiva fundamentação.

5. Assim, o douto Tribunal recorrido mais não fez do que se pronunciar sobre o petitório aduzido nos autos pela então Recorrente, ora Recorrida, e na exata medida por si solicitada, não tendo, em momento algum, emitido pronúncia sobre matéria que não consta das conclusões por si apresentadas.

6. Motivo pelo qual, ao contrário do alegado pelos ora Recorrentes, inexiste qualquer excesso de pronúncia.

7. Por outro lado, o acórdão em apreço também não viola o Princípio do Caso Julgado, já que não altera nem contradiz a sentença proferida naquela ação de impugnação pauliana, limitando-se a interpretá-la no seu todo, e, agora, da forma correta, no sentido que aquele tribunal que julgou a ação de impugnação pauliana verdadeiramente lhe quis dar.

Com efeito,

8. Na ação de impugnação pauliana que precedeu a presente execução, a CGD peticionou que a doação ali em causa fosse julgada ineficaz para cobrança dos três créditos peticionados – dois créditos da sociedade “P...” e um crédito da sociedade “N...”.

9. A existência dos três créditos foi dada como provada naquela sentença, nos factos n.ºs 1, 2 e 13 da lista de factos provados.

10. E a ação foi julgada totalmente procedente.

11. Entendem, contudo, os Recorrentes que a sentença dada à execução apenas permite à CGD a cobrança coerciva dos créditos da “P...”, uma vez que, da parte decisória da sentença dada à execução, consta a expressão “para garantia do pagamento dos créditos da Autora no valor fixado por decisão judicial aludida no facto provado número 15”,

12. Sendo que o dito facto provado n.º 15 se reporta apenas aos créditos da “P...” – embora se reporte aos juros exigíveis quanto a estes créditos, estando os mesmos, antes, reconhecidos nos factos provados n.º 1.º e 13.º da lista de factos provados da sentença.

13. Mas o que o douto Tribunal que julgou a ação de impugnação pauliana determinou foi que a CGD ficava legitimada a executar o património doado na esfera jurídico-patrimonial dos aqui Embargantes para cobrança coerciva dos três créditos vindos de aludir, mas, quanto aos créditos da “P...”, não pelo valor que emerge das livranças – isto é, com juros contabilizados desde a data do vencimento – mas apenas pelo valor que se veio a demonstrar exigível nos embargos de executado a que se reporta o dito facto provado n.º 15.

14. Em momento algum aquele Tribunal afirma que apenas podem ser cobrados pela CGD os créditos cuja existência deu como provada nos factos n.º1 e 13 na lista de factos de provados, e nem sequer determinou que apenas podem ser cobrados pela CGD os créditos a que se reporta o facto provado n.º 15.

15. Afirmou aquele Tribunal, isso sim, que podem ser cobrados os todos os créditos da Autora, mas, quanto aos créditos da P..., apenas pelo valor fixado por decisão judicial aludida no facto provado número 15”.

16. Resultando tal interpretação evidente da letra da sentença junta aos autos.

17. Assim, por força da sentença proferida naqueles autos de impugnação pauliana, está a CGD legitimada a executar o património doado na esfera jurídico-patrimonial dos aqui Embargantes para cobrança coerciva dos três créditos vindos de aludir.

18. Não correspondendo esta interpretação ora feita pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães a qualquer violação do Princípio do Caso Julgado, já que o acórdão recorrido mais não faz do que reafirmar a verdadeira intenção do Tribunal que prolatou a sentença aqui em crise.

TERMOS EM QUE,

Mantendo o acórdão recorrido, que ordena o prosseguimento da execução para cobrança de todos os créditos peticionados pela Recorrente, designadamente, o crédito da “N...”, farão V.ªs Ex.ªs a habitual JUSTIÇA!


*


O recurso foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


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A matéria de facto apurada pelas Instâncias é a seguinte:

“A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS S.A. instaurou a execução para pagamento da quantia de 258 291,21 € (Duzentos e Cinquenta e Oito Mil Duzentos e Noventa e Um Euros e Vinte e Um Cêntimos) contra os Executado(a)(s), ora Embargantes AA e BB e contra CC.

No formulário com que deu entrada da acção executivo a Exequente assinalou «Título Executivo: Outro título com força executiva», bem como «Espécie: Execução Ordinária (Ag. Execução)».

- Na exposição fáctica constante do requerimento executivo – pontos 1 a 3 – a Exequente baseia a execução contra os aqui Embargantes na sentença proferida - a 07 de julho de 2021, e que transitou em julgado a 07 de outubro de 2021 - no âmbito da ação de impugnação pauliana que, com o n.º 4178/17.6..., correu termos pelo Juiz ... do Juízo Central Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., e que acompanhou o requerimento executivo lê-se no dispositivo:

“Julgo procedente o pedido deduzido a título principal, na presente acção, declarando ineficazes relativamente à Autora , os negócios jurídicos de doação e de constituição de direito de uso e habitação titulados pela escritura pública identificada no facto provado número 3, permitindo à CGD executar aquele património na esfera jurídico-patrimonial da donatária 1ª Ré, para garantia do pagamento dos créditos da Autora no valor fixado por decisão judicial aludida no facto provado número 15, ordenando o registo da presente decisão relativamente aos imóveis objecto da referida escritura.»

- Lê-se na fundamentação da sentença nos factos provados:

“Estão provados no processo referido em 1, os seguintes factos:

1. A Autora e a Ré CC, entre outros, intervieram na celebração dos seguintes actos:

a) contrato de abertura de crédito n.º ...91, celebrado por escrito particular com a sociedade no dia 6 de Maio de 2008, no montante de setenta a cinco mil euros), entregues à sociedade P... mediante crédito lançado….. Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a sociedade mutuária entregou à CGD uma livrança com montante e vencimento em branco, cujo preenchimento ficou a cargo desta, por si subscrita e avalizada por DD, EE, FF, GG, HH e CC (cfr. contrato junto como documento número 1 da p.i. que aqui se dá por reproduzido).

b) contrato de abertura de crédito em conta corrente (de utilização simples) n.º ...92, celebrado por escrito particular com a sociedade no dia 21 de Abril de 2009, no montante de (cinquenta mil euros), entregues à sociedade P... mediante crédito lançado na conta … Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a sociedade mutuária entregou à CGD uma livrança com montante e vencimento em branco, cujo preenchimento ficou a cargo desta, por si subscrita e avalizada por DD, EE, FF, GG, HH e CC (cfr. contrato junto como documento n.º 2 da p.i. que aqui se dá por reproduzido).

2. Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança e renúncia de no Cartório Notarial de ..., em ..., exarada de fls. 120 a 123 v.º do livro de notas para escrituras diversas n.º 145-A, Sociedade Unipessoal, Ld. A CGD concedeu à N..., no ato representada pelo seu único sócio e único gerente, HH, um mútuo no montante de 144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil euros), tendo HH e CC, para garantia do capital emprestado e juros à taxa anual de 11,45% acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa de até 4% ao ano a título d 5.760,00, constituído em nome próprio, a favor da CGD, hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de Calendário, descrito na C. R. Predial de ... sob o n.º 482 e sobre a fracção autónoma sita na ..., descrita na C. R. Predial da ... sob o n.º 487, bem como, declarado que se responsabilizam, solidariamente, como fiadores e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pela N... no âmbito do mesmo contrato (cfr. escritura reproduzida no documento número 6 da p.i. - fls. 20 e ss. dos autos).


15. Por apenso ao processo de execução aludido no facto provado anterior, CC deduziu embargos de executado que sob o número 4410/16.3...correram termos no Juiz ... do Juízo de Execuções de ..., nos quais foram proferidos:

- sentença de primeira instância a 14.06.2019 que os julgou parcialmente procedentes, absolvendo os executados da instância executiva relativamente à quantia de € 3.798,47, correspondente à livrança n.º ...30 e respectivos juros, e determinando a redução da quantia exequenda ao montante de € 81.610,49, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa civil legal (4%) contados desde 09.11.2015 até efectivo e integral pagamento;

- acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que manteve a decisão recorrida;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.10.2020, transitado em julgado, que alterou o momento inicial da contagem de juros fixado pela sentença de 1ª instância no dia “09.11.2015” para “a data da citação do avalista para a acção executiva.


Factos não provados: …

5. Há na esfera patrimonial dos demais obrigados, imóveis livres de ónus e encargos cujo valor comercial é suficiente para acautelar o pagamento do montante de 88507,92 de créditos com a P...

6. Os imóveis sobre os quais incidem as hipotecas aludidas no facto provado número 2, têm um valor comercial superior ao crédito concedido no contrato a que reporta a mesma escritura (artigo 49º da contestação).“

- Ainda resulta do apenso B) seguinte: Foi instaurado o processo nº 5935/17.9... pela CGD contra, entre outros, CC, para cobrança coerciva dos créditos titulados pela sociedade “N... e com base nos factos referidos no ponto 2 da aludida sentença proferida na ação de impugnação”.


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Conhecendo:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil – as questões a decidir respeitam:

- Saber se o acórdão recorrido foi além do objeto do recurso de apelação, verificando-se nulidade por excesso de pronúncia.

- Porque na sentença proferida no âmbito da ação pauliana, só foi reconhecido crédito à recorrida CGD no montante de € 81.610,00 acrescido de juros de mora.

- Porque a sentença não reconheceu todos os créditos que constam do contrato de mútuo com fiança.

Ou, como sintetiza o acórdão recorrido, “a única questão a decidir consiste em saber afinal qual o valor do crédito do credor/exequente reconhecido na sentença (de impugnação pauliana) dada à execução, o que implica ainda assim e nesta fase processual, com uma tarefa interpretativa do título executivo, tudo por forma a traçar os limites objetivos e subjetivos do crédito exequendo a observar na execução a promover pelo credor contra o terceiro adquirente”.

Pronunciando-se sobre a alegada nulidade, refere o Tribunal da Relação, em acórdão e remetendo para o acórdão recorrido onde indica que se pronuncia sobre questões suscitadas na apelação. Refere, “a exequibilidade da referida sentença proferida na ação de impugnação pauliana aqui dada à execução, quanto ao crédito ali reconhecido com referência àquela sociedade “N...” (cfr. facto nº2 dos factos provados), embora não resulte diretamente do dispositivo dessa sentença, decorre claramente do contexto da respetiva fundamentação não só no respeitante à existência do crédito contido naquele contrato de mútuo com fiança prestada, o qual constitui título executivo nos termos do atual artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do CPC.” Dizendo que para decidir as questões colocadas pelo recurso se pode usar de razões ou fundamentos não invocados, o que não é suscetível de integrar nulidade por excesso de pronúncia porque não está a conhecer de questão de que não pudesse/devesse conhecer.

E conclui, “a não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença”.

Também entendemos que não está em causa nulidade por excesso de pronúncia porque apenas se analisou a abrangência do título executivo, que era a questão submetida a apreciação, e continua a ser, já que os embargantes não se conformaram com a decisão no acórdão ora recorrido.

Título executivo:

O título executivo é o documento que pode, segundo a lei, servir de base à execução, sendo que a lei, atualmente o art. 703º, do CPC, indica, de forma taxativa, os títulos que podem servir de base à execução.

Anselmo de Castro in Da Ação Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pág. 14 refere, “Define-se título executivo o instrumento que é considerado condição necessária e suficiente da ação executiva”.

Dividindo as espécies de ações consoante o fim, o art. 10º do CPC divide as ações em declarativas ou executivas, sendo que as declarativas (que ora interessa) podem ser de simples apreciação, de condenação e constitutivas.

No caso, e no que respeita aos embargantes, serviu de base à execução uma sentença, sendo que o título executivo sentença vem indicado na al. a), do nº 1, do art. 703º, do CPC, abrangendo apenas as sentenças condenatórias.

Questão pertinente é a de saber se apenas as ações declarativas de condenação contêm força executiva.

Num entendimento mais restrito, alguns autores consideram que apenas as sentenças proferidas em ações declarativas de condenação constituem título executivo, enquanto outros, num entendimento mais alargado, sustentam que constitui título executivo toda a sentença que no dispositivo contenha uma componente condenatória, independentemente da espécie de ação que lhe deu origem.

É este entendimento mais abrangente, o de Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva – À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., p.54, que considera que o legislador ao utilizar a expressão “ação de condenação” no art. 10º e diferentemente “sentenças condenatórias”, no art. 703º, nº 1 al. a), ambos do CPC, quis admitir a possibilidade de serem executadas sentenças proferidas em ações diversas das declarativas de condenação. Era também o entendimento de Lopes Cardoso, in CPC anotado, 3ª ed., pág. 71.

E como ensina A. dos Reis in Processo de Execução, vol. I, 3ª ed., pág. 68, “É o título que autoriza o credor a mover a acção executiva; é o título que define o fim da execução; é o título que marca os limites do procedimento executivo”.

Para que a sentença possa servir de base à execução, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença.

Questão distinta de haver segmento condenatório em ação declarativa constitutiva é, o considerar-se título executivo uma sentença sem condenação.

Para uma sentença servir de título executivo tem, a mesma, de conter uma condenação expressa (mesmo que o pedido de condenação não seja a pretensão principal, deve estar implícito e como resultante da declaração/reconhecimento de um direito) e, só assim é uma sentença condenatória.

Deve, pois, a sentença condenatória ser resposta a um pedido formulado pelo autor, pelo menos implicitamente. Não sendo formulado pedido de condenação, mesmo sequencial à procedência de outro que lhe serve de base, nunca a sentença que vier a ser proferida pode conter ou servir de título executivo.

Até porque, conforme art. 609º, nº 1, do CPC, consagrando o princípio da vinculação do juiz ao pedido formulado dispõe, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” e constituindo nulidade da sentença a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, conforme preceitua a al. e), do nº 1, do art. 615º, do mesmo Código.

Assim como violaria o princípio do dispositivo, consagrado no nº 1, do art. 3º, do CPC, estruturante do processo civil, que impede que o tribunal resolva conflitos de interesses sem que lhe seja pedido por uma das partes.

No sentido do exposto, concordamos com o decidido no Ac. deste STJ de 04-02-2021, proferido no Proc. nº 6837/17.4..., “II. A declaração de nulidade do contrato implica também a declaração dos seus efeitos, mantendo-se dentro do âmbito dos poderes cognitivos do tribunal a declaração da restituição do sinal prestado”.

Em causa, nestes autos, está a decisão proferida em processo de ação de impugnação pauliana.

Da norma do art. 616º, nº 1, do Cód. Civil resulta, claramente, que, em resultado da impugnação “os bens não têm de sair do património do obrigado à restituição, onde o credor poderá executá-los e praticar sobre eles os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei” (Almeida Costa, Obrigações, 3ª edição, 610).

A impugnação pauliana não é causa de invalidade do ato impugnado, razão pela qual, a procedência da impugnação pauliana não invalida a venda impugnada.

Refere Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 7ª edição, Vol. II, pág. pág. 458 que “a procedência da pauliana não envolve a destruição do acto impugnado, porque visa apenas eliminar o prejuízo causado à garantia patrimonial do credor impugnante”, o que “significa que, uma vez reparado esse prejuízo, nenhuma razão subsiste para não manter a validade da parte restante do acto, não atingida pela impugnação pauliana”. E a mesma posição é assumida por Pires de Lima e Antunes Varela (C. Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, pág. 602) onde afirmam que “…sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse …”.

E no mesmo sentido, Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, 5ª ed., pág.22, “(…) não se verifica qualquer invalidade substantiva, porquanto a pauliana não colide com o aspeto substantivo: os bens alienados continuam a pertencer ao adquirente, mas respondem, dentro do seu património, pelas dívidas do alienante, em termos semelhantes àqueles por que respondem os bens hipotecados pertencentes a terceiros”.

Estando em causa ação de impugnação pauliana, pela procedência da mesma a ré (devedora) não está a responder pela dívida que contraiu e, a procedência da impugnação pauliana não invalida o ato de transferência do património do devedor para terceira pessoa (adquirente).

E ao credor apenas é reconhecido o direito de poderem executar os bens vendidos na medida necessária à satisfação do seu crédito, no património dos adquirentes (terceiros) e a impugnação pauliana não tem o efeito de fazer retornar os bens à esfera jurídica do alienante.

Como refere o Acórdão deste STJ de 17-12-2019, no Proc. nº 1542/13.3TBMGR-K.C1.S1, “1. Dado que a procedência da impugnação pauliana não tem como consequência a extinção do efeito translativo da venda, o credor impugnante executa os bens, alvo da impugnação, no património do terceiro adquirente”.

Pelo que os bens apenas respondem na medida do crédito reconhecido.

A sentença proferida na ação pauliana, Proc. nº 4178/17.6..., refere:

- No dispositivo:

Julgo procedente o pedido deduzido a título principal, na presente acção, declarando ineficazes relativamente à Autora, os negócios jurídicos de doação e de constituição de direito de uso e habitação titulados pela escritura pública identificada no facto provado número 3, permitindo à CGD executar aquele património na esfera jurídico-patrimonial da donatária 1ª Ré, para garantia do pagamento dos créditos da Autora no valor fixado por decisão judicial aludida no facto provado número 15, ordenando o registo da presente decisão relativamente aos imóveis objecto da referida escritura”.

E consta da matéria de facto provada nessa ação:

“1. A Autora e a Ré CC, entre outros, intervieram na celebração dos seguintes actos:

a) contrato de abertura de crédito n.º ...91, celebrado por escrito particular com a sociedade no dia 6 de Maio de 2008, no montante de setenta a cinco mil euros), entregues à sociedade P... mediante crédito lançado….. Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a sociedade mutuária entregou à CGD uma livrança com montante e vencimento em branco, cujo preenchimento ficou a cargo desta, por si subscrita e avalizada por DD, EE, FF, GG, HH e CC (cfr. contrato junto como documento número 1 da p.i. que aqui se dá por reproduzido).

b) contrato de abertura de crédito em conta corrente (de utilização simples) n.º ...92, celebrado por escrito particular com a sociedade no dia 21 de Abril de 2009, no montante de (cinquenta mil euros), entregues à sociedade P... mediante crédito lançado na conta … Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a sociedade mutuária entregou à CGD uma livrança com montante e vencimento em branco, cujo preenchimento ficou a cargo desta, por si subscrita e avalizada por DD, EE, FF, GG, HH e CC (cfr. contrato junto como documento n.º 2 da p.i. que aqui se dá por reproduzido).

2. Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança e renúncia de no ..., em ..., exarada de fls. 120 a 123 v.º do livro de notas para escrituras diversas n.º 145-A, Sociedade Unipessoal, Ld. A CGD concedeu à N..., no ato representada pelo seu único sócio e único gerente, HH, um mútuo no montante de 144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil euros), tendo HH e CC, para garantia do capital emprestado e juros à taxa anual de 11,45% acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa de até 4% ao ano a título d 5.760,00, constituído em nome próprio, a favor da CGD, hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de Calendário, descrito na C. R. Predial de ... sob o n.º 482 e sobre a fracção autónoma sita na ..., descrita na C. R. Predial da ... sob o n.º 487, bem como, declarado que se responsabilizam, solidariamente, como fiadores e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pela N... no âmbito do mesmo contrato (cfr. escritura reproduzida no documento número 6 da p.i. - fls. 20 e ss. dos autos).

“15. Por apenso ao processo de execução aludido no facto provado anterior, CC deduziu embargos de executado que sob o número 4410/16.3T8VNF-B correram termos no Juiz ... do Juízo de Execuções de ..., nos quais foram proferidos:

- sentença de primeira instância a 14.06.2019 que os julgou parcialmente procedentes, absolvendo os executados da instância executiva relativamente à quantia de € 3.798,47, correspondente à livrança n.º ...30 e respectivos juros, e determinando a redução da quantia exequenda ao montante de € 81.610,49, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa civil legal (4%) contados desde 09.11.2015 até efectivo e integral pagamento;

- acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que manteve a decisão recorrida;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.10.2020, transitado em julgado, que alterou o momento inicial da contagem de juros fixado pela sentença de 1ª instância no dia “09.11.2015” para “a data da citação do avalista para a acção executiva.

A ação pauliana é uma ação constitutiva modificativa que visa determinar a ineficácia relativa do negócio impugnado, quanto ao credor impugnante e na medida do que se mostre necessário à satisfação do seu crédito.

Mas constitui pressuposto essencial para essa determinação, o reconhecimento do crédito, cujo ónus de prova incumbe ao credor conforme se preceitua no artigo 611º do Cód. Civil. Não constituindo obstáculo ao exercício da impugnação pauliana o facto de o direito do credor não ser ainda exigível, tal como se estatui no artigo 614º, n.º 1, do mesmo Código.

Julgada procedente a impugnação, o credor pode então promover a execução contra o terceiro adquirente com vista a executar o bem objeto dessa impugnação no próprio património deste.

Sendo instaurada execução autónoma contra os terceiros adquirentes, fundada na sentença proferida na ação de impugnação pauliana dependerá, ainda assim, da existência de título executivo contra o próprio devedor, do qual conste a exequibilidade do crédito em causa (questão que nos autos não se coloca).

Em princípio, porque o credor (CGD), já dispunha de um título executivo contra o devedor bastava-lhe alegar o seu crédito incorporado nesse título para que fosse reconhecido como pressuposto da respetiva pretensão.

Assim, o reconhecimento do crédito já titulado por via da sentença proferida na ação pauliana, em princípio é condição suficiente da sua exequibilidade contra o terceiro adquirente. Assim não será quando a sentença disponha de forma diferente e expressa.

Mas a exequibilidade da sentença proferida em ação de impugnação pauliana, para efeitos de promover a execução contra o terceiro adquirente, não deverá ser aferida de forma categorial, genérica ou abstratamente, mas sim em função do que ali for dado como provado e concretamente reconhecido relativamente ao crédito em causa e ao modo como o mesmo se encontra titulado. Assim decidiu o Ac. deste STJ, de 13-05-2021, no Processo nº 2215/16.0T8OER-A.L1.S3, onde se refere, “VI. Assim, a exequibilidade da sentença proferida em ação de impugnação pauliana, para efeitos de instauração da execução contra o terceiro adquirente, deverá ser aferida em função do que ali for dado como provado e concretamente reconhecido relativamente ao crédito em causa e ao modo como o mesmo se encontra titulado.

VII. Quando da sentença proferida em sede de ação de impugnação pauliana resulte não só o reconhecimento do crédito do exequente sobre o devedor, mas também que esse crédito consta de uma livrança, a qual constitui, por sua vez, título executivo nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), e do atual artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do CPC, essa sentença conterá então os requisitos de exequibilidade necessários à determinação dos limites objetivos e subjetivos da pretensão executiva a deduzir contra o terceiro adquirente do bem a penhorar no respetivo património, nos termos conjugados dos artigos 616.º, n.º 1, e 818.º, 2.ª parte. do CC e dos artigos 10.º, n.º 5, e 735.º, n.º 2, do CPC.

Em princípio, repetimos, a sentença da ação de impugnação pauliana confere ao credor o direito de executar no património adquirido por terceiro, na medida do crédito já reconhecido ao credor sobre o devedor.

Refere Cura Mariano in “Impugnação Pauliana”, Almedina, 3.ª Edição, Revista e Aumentada, 2020, pp. 255-256, procurando distinguir os casos em que apenas se visa a penhora do bem transmitido para o terceiro daqueles em que se pretende também a penhora de bens do devedor:

Obtida a sentença autorizando o credor a executar os bens alienados no património do seu adquirente, pode este instaurar a execução para cobrança do seu crédito, se este já for exequível, ou prosseguir execução já instaurada. Conforme prevê o artigo 818.º do C.C., o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando sejam objeto de ato praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado. Nesta execução é suficiente, como título executivo, a sentença de procedência da impugnação pauliana, ainda que não transitada (art.º 704º do C.P.C.), uma vez que nessa mesma sentença foi verificada a existência do crédito exequendo, enquanto requisito essencial de procedência dessa ação declarativa. Apesar de no dispositivo da sentença proferida em ação de impugnação pauliana não constar qualquer condenação no pagamento de uma dívida, dele consta a expressa permissão para o demandante executar um determinado bem que se encontra no património de terceiro para pagamento do crédito do demandante demonstrado nessa ação, o que é suficiente para esse terceiro ser executado nesses termos. Só nos casos em que o exequente pretenda também, na mesma execução, proceder à penhora de bens do devedor para pagamento do seu crédito, é que se revela necessário que o título executivo seja completado pelos documentos que permitem a execução da dívida, segundo as regras do artigo 46º do C.P.C. [atual 703º]” (sublinhado nosso).

No entanto, temos que no caso em analise, o dispositivo da sentença da ação de impugnação pauliana, que transitou em julgado, expressamente limita o montante do crédito da autora, assim como determina o sujeito adquirente.

Contendo esse dispositivo da sentença proferida na ação pauliana, Proc. nº 4178/17.6...:

Julgo procedente o pedido deduzido a título principal, na presente acção, declarando ineficazes relativamente à Autora, os negócios jurídicos de doação e de constituição de direito de uso e habitação titulados pela escritura pública identificada no facto provado número 3, permitindo à CGD executar aquele património na esfera jurídico-patrimonial da donatária 1ª Ré, para garantia do pagamento dos créditos da Autora no valor fixado por decisão judicial aludida no facto provado número 15, ordenando o registo da presente decisão relativamente aos imóveis objecto da referida escritura”.

Verifica-se que permite à credora CGD:

- Executar aquele património na esfera jurídico-patrimonial da donatária 1ª Ré;

- Para garantia do pagamento dos créditos da CGD, no valor fixado pela decisão judicial aludida no facto provado número 15;

- Facto 15 que se reporta ao Proc. nº 4410/16.3T8VNF-B, no qual a devedora e executada CC deduziu embargos de executado e no qual foi proferida:

- sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos, absolvendo os executados da instância executiva relativamente à quantia de € 3.798,47, correspondente à livrança n.º ...30 e respetivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa civil legal (4%) contados desde 09.11.2015 até efectivo e integral pagamento;

- e determinou a redução da quantia exequenda ao montante de € 81.610,49;

- sentença mantida pelo Tribunal da Relação no recurso de apelação interposto;

- e alterada em recurso de revista, mas apenas em relação ao momento do início da contagem dos juros que fixou na a data da citação do avalista para a ação executiva.

No caso concreto, a decisão da ação de impugnação pauliana determinou o montante do crédito da autora, fixando-o em € 81.610,49, não reconhecendo quaisquer outros.

Assim não seria se o dispositivo da sentença, apenas, declarasse ineficazes relativamente à Autora, os negócios jurídicos de doação e de constituição de direito de uso e habitação titulados pela escritura pública, permitindo à CGD executar aquele património para garantia do pagamento dos créditos da Autora.

E este entendimento não contraria a posição de Rui Pinto in revista Julgar on line “exceção e autoridade de caso julgado-algumas notas”, p. 18, citado pelo acórdão recorrido:

É a parte dispositiva que vincula tanto os destinatários, como o tribunal. É ela que pode ser objeto de imposição forçada, por meio de execução da sentença (cf. artigo 703.º, n.º 1, al. a))(…) No entanto, a parte dispositiva constitui a conclusão decorrente de silogismos internos de uma decisão, nos quais os fundamentos de facto ou de direito são as premissas.

Por isso, e sem prejuízo do que se acaba de afirmar, tem-se entendido que a parte dispositiva vincula enquanto conclusão dos fundamentos respetivos. Assim, se o réu for condenado a pagar 10 000 ao autor, sê-lo-á nos termos do crédito reconhecido nos fundamentos da decisão; não por qualquer outra razão. Em suma: apenas à luz dos fundamentos de uma decisão se pode dar a qualificação jurídica à parte dispositiva. O título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário da decisão é, assim, a parte dispositiva nos termos dos fundamentos.”

Assim que se há-de julgar procedente o recurso de revista e revogar o acórdão recorrido.


*


Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I- Num entendimento mais restrito, alguns autores consideram que apenas as sentenças proferidas em ações declarativas de condenação constituem título executivo, enquanto outros, num entendimento mais alargado, sustentam que constitui título executivo toda a sentença que no dispositivo contenha uma componente condenatória, independentemente da espécie de ação que lhe deu origem.

II- Sufragando o entendimento mais alargado, para que a sentença possa servir de base à execução, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença.

III- A impugnação pauliana não é causa de invalidade do ato impugnado, razão pela qual, a procedência da impugnação pauliana não invalida a venda impugnada, isto é, não invalida o ato de transferência do património do devedor para terceira pessoa (adquirente).

IV- Na procedência da ação pauliana, ao credor apenas é reconhecido o direito de poderem executar os bens vendidos na medida necessária à satisfação do seu crédito, no património dos adquirentes (terceiros) e a impugnação pauliana não tem o efeito de fazer retornar os bens à esfera jurídica do alienante.

V- Sendo instaurada execução autónoma contra os terceiros adquirentes fundada na sentença proferida na ação de impugnação pauliana dependerá, ainda assim, da existência de título executivo contra o próprio devedor, do qual conste a exequibilidade do crédito em causa (questão que nos autos não se coloca).

Decisão:

Face ao exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça e 1ª Secção em:

- Julgar o recurso procedente, conceder a revista, repristinando-se a decisão da sentença.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 09-05-2023


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto