Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
58/07.1PRLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO
AUTORIA
INSTIGAÇÃO
CUMPLICIDADE
CO-AUTORIA
COMPARTICIPAÇÃO
ILICITUDE
CULPA
HOMICÍDIO QUALIFICADO
AVIDEZ
MOTIVO TORPE
MEIO INSIDIOSO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/27/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - A insuficiência para a decisão da matéria de facto como vício, com as consequências que determina – reenvio para novo julgamento –, não pode ser assimilada à não suficiência dos factos provados para a decisão que esteja em causa, mas, diversamente, à impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão. Se os factos provados permitem uma decisão, embora diversa da que foi tomada, não existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada mas, eventualmente, se for o caso, erro de julgamento e de integração dos factos provados.
II - O art. 26.º do CP, que tomou opção legislativa assumindo construções categoriais da dogmática, define a autoria em quatro espécies, tipos ou modalidades: a autoria imediata; a autoria mediata; a co-autoria e a instigação, que considera expressamente autoria e não apenas simples participação.
III - Na distinção entre autoria e simples participação, o conceito legal de autor não coincide com o conceito ontológico ou real, pois que este englobaria apenas como autor o que realiza o facto típico, o “quem” anónimo de Welzel que integra os textos legais, excluindo da sua conceptualização o princípio da acessoriedade limitada, o participante ou “participe”, pois que este pressupõe a existência do facto antijurídico por parte do autor. Por sua vez, a diferenciada responsabilização criminal dos participantes, também não legitima um conceito unitário de autor.
IV - Para a distinção entre autoria e participação duas concepções ofereceram um critério de distinção: o conceito extensivo de autor, complementado pela teoria subjectiva da participação, segundo a qual é autor quem age com animus auctoris e participante quem actua com animus socii.
V - No conceito restritivo de autor e salientando a contribuição do autor ou a do participante, a doutrina orienta-se na definição do critério de decisão em três direcções: a teoria objectivo-formal [em que o decisivo é apenas mas sempre a realização de algum ou de todos os actos executivos previstos no tipo legal], a teoria objectivo-material [em que seria autor quem contribuísse objectivamente da forma mais importante (causa essencial) para o facto], ambas abandonadas, e a teoria do domínio do facto que, provinda do finalismo, defende que, nos crimes dolosos, autor é quem domina finalmente a execução do facto; o controlo final do facto é o critério decisivo da acção.
VI - Para Jescheck, é autor quem executa por si próprio todos os elementos do tipo, quem executa o facto utilizando outra pessoa como instrumento (autoria mediata), e quem realiza uma parte necessária de execução do plano global (domínio funcional do facto), ainda que não seja um acto típico em sentido estrito, mas participando em todo o caso da comum resolução criminosa (cf. Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. da 5.ª edição de 1996, págs. 701-702).
VII - O domínio do facto, para Roxin (Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág. 145 e ss.), podia manifestar-se em três vertentes: o domínio da acção, em que o agente por suas mãos executa o facto, caso do autor imediato; o domínio da vontade própria da autoria mediata, em que o homem de trás (o que formula o propósito criminoso e decide a sua efectivação) domina a vontade do homem da frente (o instrumento, ou executor que executa o facto), por coacção, indução em erro ou âmbito de um aparelho organizado de poder; e o domínio funcional do facto, característico da co-autoria face ao significado funcional da contribuição de cada co-autor, na divisão de trabalho ou repartição de tarefas na concretização da decisão conjunta.
VIII - Na teoria do domínio do facto, autor é, em síntese, quem domina o facto e dele é “senhor”, dele dependendo o se e o como da realização típica – distinguindo-se, aliás e por vezes, um domínio positivo do facto (a capacidade de o fazer prosseguir até à consumação) e um domínio negativo (a capacidade de o fazer gorar) –, sendo, pois, o autor a figura central do acontecimento, em que, numa unidade objectiva-subjectiva, o facto aparece como obra de uma vontade que dirige o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objectivo.
IX - Embora o conceito do domínio do facto esteja longe de ser unívoco, deve entender-se como um conceito aberto, na expressão de Roxin, referido por Figueiredo Dias, isto é «cujo conteúdo é susceptível de adaptar-se às variadíssimas situações concretas da vida e que só na aplicação alcança a sua medida máxima de concretização». Por isso, o conceito básico do domínio do facto pode e deve ser afeiçoado e precisado segundo as circunstâncias do caso, e nomeadamente à luz das diversas espécies (também legais) de autoria e mesmo dos resultados que devem ser alcançados em tema de doutrina da participação.
X - A doutrina do domínio do facto, na dimensão apontada, é a que melhor se harmoniza com os parâmetros da autoria nos crimes dolosos de acção.
XI - A co-autoria pressupõe um elemento subjectivo – o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica – e um elemento objectivo – que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.
XII - A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
XIII - O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à obtenção da finalidade pretendida.
XIV - A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume.
XV - Por isso só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objectiva, governa e dirige o curso do facto (cf. Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, ob. e loc. cit.).
XVI - A co-autoria fundamenta-se também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção.
XVII - Na co-autoria a execução é fruto de uma decisão conjunta, em conexão mútua entre as partes de execução do facto a cargo de cada um dos co-autores numa consideração objectiva.
XVIII - A decisão deve revelar-se através de acções expressas ou acções concludentes e, por isso, qualquer dos co-autores responde pela totalidade da realização típica (cf. idem, págs. 791-792).
XIX - A co-autoria não tem sempre de ser inicial, mas pode ser sucessiva. De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o “se” e o “como” da execução do facto.
XX - A forma de comparticipação que se designa por “instigação” está definida (art. 26.º, 4.ª categoria, do CP) como a acção de quem dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
XXI - Instigador é, pois, aquele que «dolosamente determinar outra pessoa à prática de um facto ilícito típico (doloso)», «quem produz ou cria de forma cabal […] no executor a decisão de atentar contra certo bem jurídico-penal através da comissão de um concreto ilícito-típico»; «o instigador possui o domínio do facto sob a forma de domínio da decisão». O instigador é o «verdadeiro senhor, dono ou dominador da decisão do instigado de cometer o facto» – instigação-determinação que, nos termos do art. 26.º, 4.ª do CP, constitui autoria (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 789-800).
XXII - A integração diferencial entre as categorias da autoria (ou como simples participação), mais do que (ou antes) de excursões dogmáticas, há-de resultar dos factos provados e da específica singularidade com que se apresentem em cada situação, no entrelaçar de feixes concretos de relações entre agentes de um determinado facto ilícito-típico.
XXIII - Revelando a conjugação factual que a recorrente não se limitou a determinar outrem à prática dos factos mas concertou o plano de execução, orientou a actuação, proporcionou as circunstâncias relativas ao lugar e atraiu aí a vítima, sempre em acordo com os co-arguidos, especialmente com o JP, dominando o facto, nas condições da execução, também com domínio funcional em repartição de tarefas, e não apenas com domínio da vontade dos seus comparticipantes, o seu comportamento integra a autoria e, pelo acordo com outrem, na modalidade de co-autoria.
XXIV - Os problemas suscitados pela concorrência de circunstâncias ou elementos que se não verificam em simultâneo relativamente aos vários comparticipantes têm solução nos arts. 28.º e 29.º do CP, que estabelecem a regra reconduzível à comunicabilidade de todas as qualidades, relações ou circunstâncias que sirvam para fundamentar ou graduar a ilicitude, e à incomunicabilidade das qualidades, elementos ou circunstâncias que caracterizem ou graduem a culpa (cf., v.g., Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 848 e ss.).
XXV - As circunstâncias – exemplos padrão – enunciadas nas als. do art. 132.º, n.º 2, do CP estão concebidas como concretizações de modos de revelação de uma imagem global do facto agravado correspondente a um especial conteúdo da culpa (cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, págs. 26-27).
XXVI - A definição do tipo orientador e a função dos exemplos padrão como reveladores de “especial censurabilidade ou perversidade” remetem-nos para o lugar de elementos constitutivos do tipo de culpa.
XXVII - Nesta medida, será relativamente à actuação e à manifestação funcional da contribuição de cada co-autor que deve ser verificada, no sentido e imposição do art. 29.º do CP («cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes»), a concorrência de circunstâncias.
XXVIII - Nesta perspectiva de enquadramento, não se suscitam dúvidas sobre a concorrência na actuação da recorrente (e nas finalidades que contaminaram a decisão de cometer o crime e na contribuição para a execução) das categorias valorativas da al. d) do n.º 2 do art. 132.º do CP (na redacção vigente ao tempo do factos, e actualmente al. e)) – a avidez («com o objectivo de se libertar definitivamente do marido e de lhe retirar e fazer seus valores e dinheiro, bem como o de beneficiar do prémio de um contrato de seguro, como forma de manter o seu elevado nível de vida, decidiu tirar-lhe a vida») –, e o consequente motivo torpe: por aqui se revela a especial censurabilidade, não obstante não se lhe poder referir a causação de sofrimento à vítima.
XXIX - Também na co-autoria o condomínio funcional, tal como vem descrito, integra a recorrente na acção, juntamente com mais duas pessoas, como prevê o exemplo padrão da al. g) (actual al. h) do art. 132.º, n.º 2, do CP).
XXX - A actuação da recorrente, definindo os locais e orientando os co-arguidos nos tempos de execução, atraindo a vítima ao local para ser (e onde foi) surpreendida, e conduzindo por comunicações a concretização da armadilha, constitui um meio insidioso que possibilitou a surpresa da actuação dos co-arguidos, integrando a circunstância da al. h) (actual al. i)).
XXXI - Por fim, o tempo de formação e a permanência da intenção (persistência da intenção de matar «por mais de vinte e quatro horas»: no caso, «pelo menos em momento anterior a uma semana antes» da data dos factos) revelam, também, especial censurabilidade, a caber na al. i) (actual al. j)).
XXXII - Quanto à circunstância fortemente impressiva que vem saliente em relação a todos os arguidos relativa ao modo de execução material do facto (a «violência inaudita e gratuita», na expressão da decisão da 1.ª instância), relativa à culpa («especial censurabilidade», ou mesmo «perversidade») não poderá ser comunicável à recorrente, devendo a desconsideração do exponencial de agravação ter algum reflexo na medida da culpa e do seu efeito como critério de limite na ponderação das especialíssimas exigências de prevenção geral.
XXXIII - Deste modo, e com a valoração da decisão recorrida relativamente a todas as restantes circunstâncias atendíveis e vistas as impositivas necessidades de prevenção geral e a jurisprudência anterior do STJ (cf., v.g., Acs. de 02-04-2008, Proc. n.º 4330/07, de 26-03-2008, Proc. 292/08, de 13-02-2008, Proc. n.º 4729/08, e de 19-04-2006, Proc. 671/06), é de fixar a pena aplicada à recorrente pelo crime de homicídio qualificado pelo qual vem condenada em 21 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Nos autos de Processo Comum (Tribunal Colectivo) n° 58/07.PRLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, foram submetidos a julgamento, os arguidos, AA, BB e CC, vindo a ser condenados, por acórdão proferido em 03/11/2008, respectivamente:
a) A arguida AA, como co-autora material, na forma consumada, de um (1) crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131 ° e 132° n° l e 2 al. d), g), h) e i) do C. Penal, na pena de vinte e três anos de prisão.
b) O co-arguido, BB, como co-autor material, na forma consumada, em concurso real, de um (1) crime de homicídio qualificado p. p. pelos artigos 131° e 132°, n° 1 e 2, al. d), g), h) e i) do C. Penal, na pena de dezanove anos de prisão, e como co-autor material de um (1) crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 1, al. d) do Cód. Penal, na pena de dois anos de prisão; em cúmulo jurídico destas penas, decidiu o Tribunal condená-lo na pena unitária de vinte anos de prisão.
c) O co-arguido CC, como co-autor material, na forma consumada, em concurso real, de um (1) crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131 ° e 132° n° 1 e 2 al. d), g), h) e i) do C. Penal, na pena de dezassete anos de prisão, e como co-autor material de um (1) crime de furto qualificado, p.e p. pelos artigos 203°n° 1 e 204° n° 1 al. d) do Cód. Penal, na pena de dois anos de prisão; em cúmulo das quais, sopesando em conjunto, a elevada gravidade dos factos, a personalidade manifestada pelo arguido, bem como as necessidades de prevenção geral e sobretudo especial, em cumprimento do art° 77° do Código Penal, foi o arguido condenado na pena global e única de dezoito anos de prisão.
d) no pagamento solidário aos demandantes cíveis, da quantia indemnizatória de 503.758,00 euros, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a notificação, até integral pagamento e ainda, quanto ao pedido de indemnização cível deduzido por JC e MC contra BB, no pagamento pela arguida, AA, aos demandantes da quantia de 7.357.05 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido até integral pagamento.

2. Os arguidos AA e CC recorreram para o tribunal de Relação, que todavia, negou provimento aos recursos, confirmando a decisão recorrida.

3. Não se conformando, os arguidos recorrem para o Supremo Tribunal, com fundamento nas motivações que apresentaram.
Arguida BB:
As conclusões da motivação, em que o recorrente «resume das razões do pedido» - artigo 412º, nº 1 do CPP, devem conter as especificações enunciadas nas alíneas a), b) e c) do nº 2 da mesma disposição.
As conclusões da motivação da recorrente não respondem às exigências da lei, pois nem resumem as razões do pedido – constituem mesmo uma reposição ipsis verbis, sob números, do completo texto da motivação – nem identificam, com o sentido próprio que resulta da separação por alíneas, os pressupostos de delimitação das questões para conhecimento do tribunal de recurso.
Não obstante, no texto da motivação e na reposição do texto, sob números, que a recorrente denomina “conclusões”, identificam-se três questões que submete à cognição do Supremo Tribunal.
1ª. Na factualidade «vertida na decisão em recurso» «faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação pelo tipo de crime imputado, mormente nalgumas alíneas qualificativas do tipo de culpa», considerando a recorrente «que resulta claro do texto da decisão recorrida, sem sequer ser necessário o recurso a qualquer elemento externo» á decisão, «que a prova em que se estriba o acórdão não é susceptível, de formular um juízo seguro quanto co-autora material na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado p. p. pelo Artigo 131° e 132°, n° 1 e 2, al. d), g), h) e i) do Código Penal, mormente as alíneas d), g), e i)».
Entende que «se conclui do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, que os factos apurados quanto ao modo e grau de participação da arguida são insuficientes para se decidir no sentido das qualificações apuradas nas diversas alíneas e que consubstanciam imputação da pratica do crime de homicídio qualificado», sendo os factos apurados insuficientes para se decidir tal qual se decidiu, não permitindo, «porque razoavelmente insuficientes, a imputação da qualificação apurada no quadro de homicídio qualificado»; considera ter-se por verificado no acórdão recorrido o vício constante do artigo 410° n° 2, alínea a) o que, não obstante ser de conhecimento oficioso, vem a defesa prontamente invocar».
2ª. Pretende também que «o enquadramento jurídico da dimensão participativa da arguida» deve ser feito «no quadro da instigação», sendo que «consubstancia uma forma de participação num crime alheio e não uma forma de autoria».
3º. A pena foi fixada «acima do limite médio da moldura penal abstracta, que se situaria nos 18,5 anos, e que se encontra já muito próxima do limite máximo».
No caso, a pena encontrada é, no entender da recorrente, excessiva, «pois embora concorram quatro circunstâncias especialmente censuráveis», discorda que lhe sejam todas aplicáveis, «porquanto a violência e o sofrimento do crime para a vítima, em nada tiveram que ver com o pretenso envolvimento da arguida», que «em nada terá determinado o modus operandi da execução do crime, pelo que em nada lhe poderá ser imputada uma maior censurabilidade pela forma violenta com que o mesmo foi executado», havendo que reduzir a pena para uma medida «que se mostre mais ajustada com a justiça que o caso reclama».
Termina pedindo que, na procedência dos «vícios assacados» seja a decisão anulada, ou o acórdão recorrido substituído por outro em que revista a decisão de direito, ou «ainda que assim não seja», «se considere por alterada a medida da pena, diminuindo-se a mesma».
A recorrente manifesta, no cumprimento do n° 5 do artigo 412° do CPP, o interesse na apreciação do recurso interlocutório interposto em 11 de Fevereiro de 2009, «porquanto revestido de particular interesse para a boa decisão da causa».

Arguido CC:
Termina a motivação com a formulação das seguintes conclusões:
1. Com o presente recurso o arguido pretende ver revogada a decisão recorrida, porquanto quer a Sentença condenatória proferida em 1ª Instância, como aquela proferida pelo Tribunal a quo e do qual agora se recorre, configuram decisões injustas que exigem a redução da pena aplicada ao ora recorrente.
2. O Tribunal não avaliou devidamente a personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao alegado crime, e às circunstancias deste, por forma a que, conjugando umas e outras possa emergir um prognostico sustentadamente favorável, uma crença alicerçada nas virtualidades da mera ameaça de pena.
3. O Tribunal não teve em consideração o Relatório de Reinserção Social, nas condições sociais e pessoais, "que desde finais de 2006, CC iniciou um modo de vida autónomo, assumindo maiores responsabilidades, decorrentes da união de facto e da aquisição de nova habitação".
4. "O relacionamento intra-familiar é caracterizado como gratificante pelo casal, com laços de solidariedade que se traduzem, neste momento, no apoio incondicional da companheira''.
5. "No estabelecimento prisional CC mantém um comportamento adequado, tendo sido colocado como ajudante de cozinha, a seu pedido para se manter ocupado."
6. "Neste inventário de personalidade NEO PI-R registam-se como as mais elevadas no arguido, a escala relacionada com amabilidade, na qual obteve um valor de 138 (superior á média de 121,4), sublinhando a tendência do sujeito pata ter ma orientação pessoal virada para os outros, caracterizando-o como um individuo prestável, generoso, com vontade de ajudar os demais...."
7. "Constatou-se que no caso de CC a avaliação da percepção do sujeito sobre a sua agressividade se revelou no plano da hostilidade latente com índices baixos na agressividade verbal e inexistência de valores significativos noutras dimensões de expressão da agressividade, quer física ou de raiva."
8. Ficou provado que o Recorrente se deixou arrastar pela ascendência psicológica do arguido BB para uma situação para a qual em nada tinha contribuído.
9. Nem sequer teve participação directa no desfecho que culminou com a morte de BB.
10. Sendo certo que ao crime praticado pelo arguido é aplicável pena de prisão, e considerando a primaridade do mesmo, e a sua idade, deveria o Douto Tribunal ter atenuado especialmente a pena, uma vez que existem circunstâncias anteriores, contemporâneas e ao crime, que diminuem por forma acentuada a culpa do agente, o facto de ter familiar constituída.
11. O facto de decorridos estes dois anos que se encontra em reclusão o fez interiorizar o desvalor de tais tipos de comportamentos e a necessidade de mudar de rumo de vida, levando-o a agir de acordo com as normas sociais.
12. O arguido é um jovem socialmente integrado, sendo que antes de se encontrar em reclusão trabalhava como carpinteiro.
13. Pelo que, o Tribunal recorrido violou os art. 70° e 71° do Código Penal, violado deste modo o preceituado no art. 13° da C.R.P., que deveriam ter sido interpretados, mediante a aplicação ao arguido de uma pena reduzida, considerado que o ora recorrente se encontrava e encontra-se integrado socialmente, gozando de estabilidade a nível familiar e profissional, concluindo-se assim, que a simples censura do facto e a ameaça de pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
14. Na aplicação da medida da pena, o douto Tribunal não teve em atenção a conduta anterior a sua detenção e posterior do Recorrente, a reintegração do agente na sociedade anterior a detenção, encontra-se socialmente integrado, tendo uma companheira e uma filha menor.
15. Assim sendo, em sede de medida concreta da pena, impunha-se que o Tribunal a quo aplicasse ao arguido uma pena de prisão diminuta.
16. Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal a quo, não atendeu devidamente ao art. 70° e 71° todos do C.P.P., nomeadamente a culpa do agente, as exigências de prevenção especial, de prevenção geral e da culpa.
17. Ao abrigo do disposto no artigo 71°, do C. Penal, ponderar a culpa do agente atendendo às necessidades de prevenção de futuros crimes e a todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham a favor ou contra o arguido.
18. O douto Tribunal valorizou excessivamente a intervenção do arguido, não tendo ponderado devidamente as suas condições pessoais de vida, o facto de o arguido se encontrar social, económica, familiarmente inserido e não ter antecedentes criminais.
19. Deveria o Tribunal Recorrido ter dado atenção ao arrependimento do arguido, bem como a confissão, no entender do douto Tribunal salvo o devido respeito, parcial, deveria ter sido merecedora de uma atenuação especial.
20. Pelo que a pena de prisão efectiva de 18 (dezoito) anos é manifestamente desproporcional e desadequada face a dúbia intervenção do agente da pratica do crime, não tendo existindo salvo o devido respeito qualquer actividade criminosa desenvolvida pelos arguidos, a natureza desenvolvida, intensidade do dolo, e a personalidade dos agentes, quando o ora recorrente não tinha qualquer ligação com a arguida AA.
21. Sendo a pena tão elevada poderá ter efeitos negativos na desejada integração social do arguido, do mesmo passo que não acrescentaria mais vantagem à finalidade primeira a que se pretende vincular a aplicação da pena — a tutela dos bens jurídicos.
22. Deverá a pena aplicada ao arguido especialmente atenuada pelo supra exposto.
Pede a revogação da decisão recorrida, condenando-se o recorrente, «numa pena por um período mais próximo do mínimo, por se considerar que a mesma, ponderada todas as atenuantes, é excessiva e desproporcionada, em consequência, determine o cumprimento do disposto no artigo 414° do Código de Processo Penal».

4. A magistrada do Ministério Público respondeu às motivações, pronunciando-se pela improcedência dos recursos.

5. No Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP.
Relativamente ao recorrente CC, e sobre o pedido para atenuação especial da pena, refere que «é por referência a cada um dos crimes em concurso que apenas pode colocar-se a questão da atenuação especial da pena e tão só quando as circunstâncias específicas do caso concreto apontem no sentido de um menor grau de culpa ou de ilicitude (ou de necessidade da pena) relativamente à pensada pelo legislador em termos da moldura penal abstracta para o correspondente tipo legal».
Resultaria assim injustificado «o uso do mecanismo de atenuação extraordinária da pena no caso do recorrente», pois que, «conquanto susceptível de mitigar a sua culpa se revele o condicionalismo que exógeno aos tipos legais depõe em benefício do arguido [juventude, confissão parcial e bem assim ao arrependimento que denota e à sua condição sócio-económica e familiar] não […] parece que ele permita concluir no sentido de que no caso se verifica uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, logo das exigências de prevenção, pressuposto para se proceder à atenuação extraordinária da(s) pena(s) parcelar(es) imposta(s)».
«Quanto à medida judicial da pena», admite a Exmª Magistrada «que um tudo nada severa por demais possa resultar a medida das [penas parcelares] e por arrastamento a da pena unitária e, como assim, relutância alguma se experimentaria se umas e outra viessem a sofrer uma pequena redução».
Notificado, o recorrente CC manteve a posição expressa na motivação.

6. Após os vistos, teve lugar a audiência requerida pela recorrente BB.
Nas alegações sobre os pontos que indicou, a recorrente remeteu para a motivação, mantendo as posições assumidas.
A Exmª Procuradora-Geral centrou as suas alegações na interpretação e integração da intervenção na execução do facto, defendendo, tal como as instâncias, que a recorrente teve o domínio do facto e praticou actos de execução, quer pelo plano traçado, pela adaptação e adiamento da execução, quer fornecendo a cada momento instruções precisas aos restantes arguidos.
Relativamente à medida da pena, referindo jurisprudência anterior do Supremo Tribunal e na ponderação combinada das exigências de prevenção geral e especial, admite que a pena possa ser fixada em medida «mais próxima» dos vinte anos de prisão.
O assistente pronunciou-se pela confirmação do acórdão recorrido.

7. As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
A arguida AA e a vítima CC de casaram entre si no dia 2 de Maio de 1998.
A arguida AA tinha um estilo de vida muito acima das suas possibilidades económicas, uma vez que apenas dispunha de rendimento próprio no valor de cerca de € 800, relativo a pensão de reforma, sendo a vítima a suportar grande parte das despesas pessoais daquela.
Com efeito, a arguida AA, despendia largas somas monetárias em serviço de táxi, roupas e acessórios de moda, acrescendo o encargo mensal de aproximadamente € 700 com empréstimo bancário.
Todavia, o relacionamento dos cônjuges havia-se deteriorado e a vítima pretendia divorciar-se mas usando a forma não litigiosa.
Tendo a arguida AA proposto como divisão de bens ficar com a casa de Lisboa avaliada em cerca de € 500.000 e com uma casa de férias no Algarve avaliada em cerca de € 200.000, o que a vitima apenas aceitaria e no limite, abdicar da casa de Lisboa.
A vítima sabia das dificuldades em obter o divórcio por mútuo consentimento pois implicava que a arguida AA abdicasse do nível económico a que estava habituada.
Por outro lado, a arguida AA sabia que a vitima havia contratado um seguro de vida cuja indemnização, por morte do tomador, ascendia a € 1.250.000.
Com o objectivo de se libertar definitivamente do marido e de lhe retirar e fazer seus valores e dinheiro, bem como o de beneficiar do prémio de um contrato de seguro, como forma de manter o seu elevado nível de vida, decidiu tirar-lhe a vida.
Acresce ainda que a arguida AA havia ficado com um sentimento de revolta contra a vitima porquanto sofrera um acidente de viação em que este era o condutor da viatura e do qual lhe resultou a amputação de parte do antebraço esquerdo.
Com vista a esse propósito, pelo menos em momento anterior a uma semana com referência a 20 de Janeiro de 2007, a arguida contactou o arguido BB, verbalizando-lhe a intenção de tirar a vida ao seu marido e que contava com a sua participação, o que anuiu.
No seguimento desse propósito, o arguido BB solicitou a VA que lhe emprestasse um taco de baseball, de que sabia ser possuidor, ou um ferro que pudesse servir de arma de agressão.
O propósito homicida da arguida foi reforçado cerca das 12hl6m do dia 18 de Janeiro de 2007, em que contactou o arguido BB, com ele contratando a morte do seu marido mediante a contrapartida económica de € 150.000 (cento e cinquenta mil).
O arguido BB era amigo da arguida AA, há pelo menos um ano, prestando serviços regulares como motorista.
No dia 18 de Janeiro de 2007, cerca das 12hl7m, o arguido BB, com vista a concretizar o acordo firmado com a co-arguida AA, contactou o arguido CC de modo a obter o contacto telefónico de alguém que dispusesse de uma arma de fogo.
No dia seguinte, os co-arguidos BB e CC encontraram-se pessoalmente, a fim de se deslocarem ao Bairro da Cruz Vermelha para ali obter a arma de fogo junto do referido VA.
Durante a conversa entabulada com esse indivíduo, o arguido CC tomou conhecimento que o arguido BB pretendia usar a arma de fogo para matar uma pessoa e que receberia a quantia de € 150.000 por esse serviço.
No decurso dessa conversa, o arguido BB convidou o arguido CC a participar no seu cometimento, partilhando com ele parte da quantia contratada, a que este acedeu.
Ainda no decurso desse propósito, os arguidos AA e BB, contactaram-se telefonicamente, recebendo o BB instruções da hora provável de chegada da vítima à sua casa localizada no Largo ..., n° 5 - apartamento 106 - Lumiar, em Lisboa.
Nessa noite, cerca das 23h00, os arguidos BB e CC, estacionaram a viatura automóvel em que se fizeram transportar, conduzida e propriedade deste, junto à Igreja de Carnide, onde aguardariam pela chegada da vítima e por forma a concretizar os seus intentos.
Para levar a cabo o assassínio, muniram-se de uma marreta pertença do arguido CC e que o arguido BB lhe havia providenciado.
A chegada da vítima a sua casa, já na madrugada do dia 20 de Janeiro de 2007, cerca das 03h45m, o arguido BB hesitou em abordar a vítima e concretizar a sua morte, ainda que essa fosse a firme vontade da AA.
Nesse mesmo dia, cerca das 12h27m, o arguido BB telefonou ao arguido CC, dando conta da reunião com a AA e informando-o de um novo plano, que passava pelo encontro desta com a vítima, numa casa na Av. ..., nesta cidade, dispondo das chaves dessa habitação.
Na realidade, as chaves do referido apartamento haviam sido entregues pela arguida ao comparticipante BB na cidade de Torres Vedras e no período compreendido entre as 12h54m e as 13h25m, do dia 20 de Janeiro de 2007.
Na prossecução do plano, pouco depois das 15h30m, encontraram-se os comparticipantes BB e CC, junto ao edifício da Portugal Telecom em Picoas, fazendo-se transportar, de seguida, para a Av. ..., na viatura automóvel do arguido CC de matrícula 00-00-VO, Renault Megane, carrinha, estacionando-a no sentido ascendente 2 ou 3 prédios antes do prédio em causa.
Uma vez chegados, o arguido BB, usando das chaves entregues pela arguida AA, abriu a porta do prédio referente ao n° 11 daquela artéria e dirigiram-se, pelo elevador, ao 3º andar direito, onde entraram e aguardaram pela chegada da vítima.
A arguida AA de modo a atrair a vítima aquele apartamento, que se encontrava arrendado mas desabitado e com obras de restauração suspensas, e assim concretizar o plano previamente estabelecido, acordou com ele ali encontrar-se por forma a acertar pormenores do divórcio.
Assim, de modo a controlar os passos da vitima e a hora provável de chegada ao apartamento, a arguida AA telefonava-lhe constantemente e de seguida dava conta da sua localização ao arguido BB que, pelo menos desde as 16h18m, se encontrava no interior do apartamento da Av. ....
Cerca das 16h11m, a vitima chega ás imediações do apartamento e aguarda pela chegada da arguida AA, o que ocorreu cerca das 16h32m.
Quando ambos se dirigiam para o apartamento, a vítima apercebe-se que não trazia as respectivas chaves e volta atrás, dirigindo-se à sua viatura automóvel, estacionada nas imediações, para as recolher.
Regressado com as chaves, dirigem-se ambos para o prédio do n° 11 da Av. ..., onde entraram.
Seguidamente, alegando claustrofobia, a arguida tomou as escadas para aceder ao apartamento localizado no 3º andar direito, viajando a vítima de elevador.
Acto contínuo, a arguida avisa o arguido BB da chegada iminente da vítima através de um telefonema.
Chegado ao 3º andar, a vítima entra no apartamento, surpreendendo o arguido CC no corredor e questionando-o quanto ás razões da sua presença no local, ao que este respondeu ali estar a proceder a trabalhos de reparação, de modo a distrair a sua atenção, o que logrou.
Nesse momento, o arguido BB, vindo da cozinha e munido de uma marreta com o cabo de 88 cm de comprimento e 3 cm de diâmetro, o maço com 6 cm x 5 cm x 16 cm e o peso total de 4,715 Kg, desferiu com ela um primeiro golpe na direcção da vítima, falhando o alvo.
Logo de seguida, o arguido inicia o movimento para desferir novo golpe, que desta vez logrou atingir a vítima BB na cabeça, o que provocou o seu imediato desfalecimento.
Já com a vítima no solo, o arguido CC segurou-lhe as pernas de modo a evitar a sua reacção, visto tratar-se pessoa de forte compleição física, e o arguido desferiu-lhe sucessivos golpes com a marreta, atingindo-o ora na região torácica, ora na cabeça, provocando-lhe uma forte hemorragia.
Tais golpes ocasionaram directa e necessariamente as seguintes feridas: Ferida contusa na região occipital, á direita da linha média, situada 7cm para trás do plano vertical que passa na implantação inferior do pavilhão auricular direito e 2,5cm acima do plano horizontal que passa na implantação inferior do pavilhão auricular direito, semilunar, com abertura para cima, com 4cm de comprimento, rectificado, e com equimose roxa perifocal. Ferida contusa na região frontal, na linha média, com a forma grosseira dum "Y", com abertura para a direita e para trás, o ramo maior anterior, com 6,5cm de comprimento e o ramo menor com 2,5cm de comprimento, com escoriação perifocal.
Ferida contusa supraciliar direita, horizontal, com 4cm de comprimento, com escoriação perifocal. Equimose azul periorbitária bilateral. Duas feridas contusas na pálpebra superior direita, horizontais, a superior com 2,5cm de comprimento e a inferior com l,5cm de comprimento. Ferida contusa na pálpebra inferior direita, linear com l,5cm de comprimento, com escoriação e equimose roxa azulada perifocal. Ferida confusa na região mastoideia direita, obliqua para baixo e para a esquerda, com 0,5cm de comprimento, com escoriação e equimose roxa perifocal. Ferida contusa na face posterior do pavilhão auricular direito, vertical, com 0,5cm de comprimento, com equimose roxa perifocal. Ferida contusa do pavilhão auricular direito, na transição do hélix para o lóbulo, transfixiva, horizontal, com 2,5cm de comprimento. Ferida contusa na região pré-auricular direita, com inicio na implantação superior do pavilhão auricular e terminando 2cm para a frente da implantação inferior, obliqua para baixo e para a esquerda, com 7cm de comprimento e 2,5cm de largura máxima, com exposição dos tecidos sujacentes e equimose roxa perifocal maior no quadrante supero-anterior onde tem Sem de diâmetro médio. Escoriação com inicio na região malar direita e terminando na região masseteriana direita, com eixo maior obliquo para baixo e para a direita, com 5,5cm de comprimento e 2cm de largura máxima. Escoriação no mento, na linha média, linear e obliqua para baixo epara a esquerda, com l,5 cm de comprimento.
Escoriação na região submandibular, ramo horizontal direito, semilunar com abertura para fora, com 2,5cm de comprimento, rectificado, e 0,4cm de largura.
Escoriação logo abaixo do ângulo mandibular direito, linear e mais ou menos vertical, com 0,5cm de comprimento. Escoriação no pescoço, na face lateral direita, situada 8,5cm abaixo e 1cm para trás da implantação inferior do pavilhão auricular, vertical, com 2cm de comprimento e 1,5cm de largura. Escoriação no ombro direito, no terço externo do bordo superior, com eixo maior obliquo para trás e para fora, com 2,5cm de comprimento e l,5cm de largura. Escoriação na região escapular direita, no terço externo, com eixo maior horizontal, com lem de comprimento e 0,5cm de largura. Escoriação na região inter-escapular, à direita da linha média, com eixo maior obliquo para baixo e para a direita, com l,5cm de comprimento e 0,6cm de largura. Escoriação na região dorsal, à direita da linha média e situada 32cm abaixo do plano horizontal que passa no bordo superior direito e 10, Sem para a direita da linha média, arredondada, com 0,6cm de diâmetro médio. Escoriação, com fundo apergaminhado, na face anterior do hemitorax esquerdo, situada 22cm abaixo do plano horizontal que passa no bordo superior do ombro esquerdo e na região condro-esternal, de forma irregular, com extremidade inferior com 4,5cm de comprimento e dois ramos superiores semilunares, com abertura para a esquerda, com 7cm de comprimento rectificado e 2cm de largura máxima cada um.
Escoriação, com fundo apergaminhado, na face anterior do hemitorax direito, situada 29,5cm abaixo do plano horizontal que passa no bordo superior do ombro direito e 3,5cm para a direita da linha médio-esternal, semilunar com abertura para cima, com 4cm de comprimento rectificado e 1 cm de largura.
Escoriação no antebraço direito, no terço inferior da face posterior, arredondada com 0,6cm de diâmetro médio. Escoriação na região supra-patelar direita, na metade interna, com a forma grosseira dum triângulo, com vértice para cima, com 5cm de base e 3cm de altura.
Escoriação na perna direita, no terço superior da face anterior, com eixo maior vertical, com 6cm de comprimento e 2cm de largura. Escoriação no joelho esquerdo, no quadrante infero-interno, com a forma grosseira dum triângulo, com vértice para cima, com l,3 cm de altura e 1 cm de base.
Tais feridas determinaram: Fractura da calote craniana no osso frontal, na linha média, com afundamento duma área com eixo maior obliquo para trás e para a direita, com 4cm de comprimento e 2,5cm de largura. Na extremidade mais anterior desta fractura há um traço de fractura linear na linha média do frontal anterior.
Fractura da calote craniana temporo-parietal esquerda. Fractura da base do crânio interessando a lâmina crivosa do etmóide, corpo e grandes asas do esfenóide, faces laterais da sela turca, rochedos e fossa posterior, à direita da linha média. Infiltração sanguínea nas leptomeninges, em maior quantidade sobre os lobos occipitais e cerebelo. Inundação hemática tetraventricular. Edema acentuado do encéfalo.
Infiltração sanguínea nos músculos do pescoço, na face lateral direita. Infiltração sanguínea nos músculos pré-vertebrais cervicais. Luxação C2-C3. Infiltração sanguínea nos músculos da língua, à esquerda da linha média. Fractura do esterno, no 3º espaço intercostal, com infiltração sanguínea perifocal. Fractura da 3ª, 4ª e 5ª costelas esquerdas, nos arcos anteriores, com infiltração sanguínea perifocal e laceração da pleura parietal ao nível do 3º espaço intercostal.
Fractura da 2ª e 3ª costelas direitas, nos arcos postero-laterais, com infiltração sanguínea perifocal.
Fractura da 4ª à 10ª costelas direitas, nos arcos posteriores e laterais, com infiltração sanguínea perifocal e laceração da pleura parietal. Contusão do hilo pulmonar direito. Laceração dos lobos médio e inferior do pulmão direito. Contusão de ambos os lobos do pulmão esquerdo. Infiltração sanguínea nos folhetos posteriores do saco pericárdico. Hemorragias subendocárdicas. Infiltração sanguínea no hemidiafragma esquerdo, na face superior.
Seguidamente, de modo a garantir a consumação do crime pela asfixia, o arguido BB enfiou um saco de plástico à volta da cabeça da vítima e atou-o com um fio eléctrico.
Logo após, os arguidos retiraram à vítima o seu telemóvel, a carteira Dunhill contendo € 200 e as chaves da sua viatura, embrulharam a marreta em plástico e colocaram-na novamente no saco e saíram do apartamento.
Seguiram viagem com destino ao Campo Grande, enquanto o arguido BB desliga o aparelho de telemóvel da vítima.
O arguido BB, na posse dos objectos subtraídos, repartiu de forma equitativa a quantia monetária e entregou ao arguido CC o telemóvel, a carteira e as chaves do veículo.
Em momento não concretamente apurado, o arguido CC solicitou o desbloqueamento do telemóvel em estabelecimento comercial.
Chegados ao Campo Grande, no parqueamento junto da churrasqueira, o arguido BB saiu da viatura e encontrou-se com a arguida AA, fazendo-lhe esta entrega da quantia de € 3.000, em notas do Banco Central Europeu.
Tal dinheiro foi levantado pela arguida, na agência do Lumiar do BANIF, no montante global de € 4000, correspondendo a € 2000 no dia 18 e 19 de Janeiro de 2007, respectivamente.
Deslocaram-se depois em direcção à habitação do arguido BB, em Torres Vedras.
No percurso, pararam no supermercado Modelo daquela cidade, onde o arguido BB adquiriu uma televisão, uma varinha mágica e cabides, pagando-os com o dinheiro entregue pela arguida e entregando ao arguido CC a quantia de € 1.500, como contrapartida da sua participação no homicídio.
No regresso a Lisboa, o arguido CC lança a marreta para uns terrenos baldios, próximo da entrada na auto-estrada A8, no lugar de Catefica.
Os golpes desferidos pelo arguido BB, causaram à vítima graves lesões traumáticas crânio-vasculo-encefálicas e torácicas, que foram causa directa e necessária da sua morte, conforme relatório de autópsia de fls. 742 que se dá por reproduzido.
Agiram os arguidos no propósito, que lograram alcançar, de matar a vítima BB.
Actuaram os arguidos de forma minuciosa e friamente concertada, de comum acordo e em comunhão de esforços, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
Ao atingir a vítima na cabeça e tórax, desferindo fortes golpes e com uma marreta, o arguido BB sabia que se tratava de órgão vital cuja lesão seria susceptível de causar a morte, resultado que o arguido quis e previu.
Os arguidos aproveitaram o facto da vítima se encontrar distraída e de costas para o agressor, para desferir os golpes e desse modo evitar qualquer tipo de defesa e melhor perpetrar o ataque.
A arguida AA sabia que, ao fornecer as chaves do apartamento aos comparticipantes, permitia-lhes surpreendê-lo quando entrasse naquele espaço e usando um meio letal de agressão, lhe pusessem termo à vida.
A arguida contratou a morte do seu marido, como meio de se apoderar dos seus bens, valores e beneficiar de prémio de seguro de forma, a não prescindir do nível de vida a que estava habituada.
A arguida já havia formado esse propósito meses antes mas que se veio a mostrar inabalável desde o dia 18 de Janeiro de 2007.

Mais se provou:
[…]
Mais se provou:

Do CRC dos arguidos CC (22/10/2007) e BB (20/10/2007) nada consta.
Do CRC da arguida AA (extractado em 03/10/2007) nada consta.

Do arguido BB
O processo de desenvolvimento do arguido BB decorreu no Brasil, no seio do agregado de origem (pais e duas irmãs mais novas), em ambiente familiar que o arguido caracteriza como estruturado, em que as relações estabelecidas se pautavam pela afectividade e solidariedade.
De acordo com o próprio, integrado em meio familiar de estrato médio-alto (pai empresário e mãe jornalista) foi-lhe proporcionado um acesso fácil à educação e cultura.
Neste contexto, o percurso escolar decorreu em colégios particulares, onde obteve o equivalente ao 12.° de escolaridade.
O arguido BB, em meio escolar, refere ter desenvolvido relações cordiais com os seus pares considerando que lhe eram reconhecidas, por estes, capacidades de liderança.
Terminados os doze anos de escolaridade opta pela não prossecução dos estudos, centrando os seus interesses no início de actividade laboral. A sua primeira experiência terá ocorrido, aos dezoito anos, na empresa de que o pai era proprietário, com a execução de tarefas inerentes a auxiliar administrativo.
A opção pelo exercício de actividade laboral parece contextualizar-se numa pretensa autonomia, da qual fazem parte o matrimónio, contraído aos 18/19 anos e a emigração para Portugal, com cerca de 21 anos, na perspectiva de contacto com culturas diferentes daquela em que se desenvolveu e que não teve, inicialmente, a aceitação dos familiares.
Das suas vivências em Portugal salienta-se o desenvolvimento de actividade laboral, maioritariamente como servente na construção civil, tendo sido confirmadas as referências a aspectos laborais protagonizados nas duas vezes que integrou uma empresa de construção civil, com maior tempo de duração (de Novembro de 2001 a Abril de 2003 e de Setembro de 2005 a Junho de 2006).
Durante o segundo período, o arguido BB terá alcançado a categoria de chefe de equipa, tendo-se desvinculado, por iniciativa própria, com o argumento de que a retribuição auferida não correspondia às funções que desempenhava.
Estes períodos parecem corresponder a fases de alguma estabilidade e estruturação pessoal, para a qual poderá ter concorrido a reunificação familiar alcançada com a vinda da cônjuge para Portugal, em 2003. A família veio, então, a fixar-se num apartamento arrendado em Carcavelos. A cônjuge vem a desempenhar funções como esteticista numa clínica de estética em Cascais. Neste quadro de aparente integração ocorre o nascimento do filho de ambos.
Em 2006, a companheira e o filho regressaram ao Brasil, onde beneficiariam dos apoios dos familiares de ambos. Esta decisão terá sido tomada em conjunto e motivada pela mobilidade geográfica decorrente da sua actividade profissional, que não permitia ao arguido assumir cabalmente o suporte à cônjuge na gestão do quotidiano.
A partir de Junho de 2006, o enquadramento profissional passa a revestir características de menor estabilidade, vindo a desempenhar funções indiferenciadas, num restaurante na praia na Parede e pequenos serviços por conta de outrem, nomeadamente passear cães de pessoas amigas. Como consequência verificar-se-ia um agravamento das suas condições de vida, em especial a nível habitacional, porquanto passa a residir num quarto arrendado na mesma zona geográfica.
Nesse contexto, e ainda que sem referências expressas, o arguido BB veio a estabelecer relações sociais que lhe proporcionaram o contacto com o casal "P... da C...", para o qual viria a desempenhar as funções de motorista.
No período que antecedeu a privação da liberdade, o arguido residia em Torres Vedras, em casa arrendada, exercendo a actividade laboral de motorista do agregado familiar da vítima.
Da narrativa do arguido poderá inferir-se que, neste período, vivenciou uma situação de isolamento familiar, decorrente do regresso da mulher e do filho ao Brasil, não obstante manter uma diversidade de relações sociais que o próprio mostrou reserva em identificar.
Intelectualmente apresenta capacidade superior, evidenciando raciocínio lógico e adaptação à realidade, com pensamento abstracto que lhe facilita a experimentação pessoal de situações sociais novas.
Possui um bom nível de raciocínio, pensamento lógico e persistência na tarefa, não se detectando qualquer deterioração ao nível da capacidade de concentração/atenção e velocidade de operação mental.
Ao nível afectivo revela um funcionamento intrapsíquico em que os afectos predominam no seu modo de se relacionar com o outro, apresentando um desejo incontido em estabelecer relações interpessoais, a maior parte das vezes investidas narcisicamente.
Denota propensão para rapidamente se empolgar na realização de projectos e cenários vivenciais que possam produzir sensações de excitação e prazer imediato, mesmo que seja indiscriminadamente, como bom ou mau resultado para si ou para os outros, manifestando impulsividade nos seus actos.
O risco e a procura de sensações fortes e originais estão presentes no seu padrão de interacção social, por vezes de forma quase compulsiva, apresentando dificuldade em controlar e gerir de uma forma adequada algumas situações menos gratificantes daí advindas.
Assim, pode quebrar relacionamentos, abandonar empregos, mudar de planos ou de domicílios repentinamente.
Demonstra alguma dificuldade no cumprimento de obrigações.
O arguido tem consciência da licitude ou ilicitude dos seus comportamentos e consequências dos mesmos.
No Estabelecimento Prisional, o arguido BB estrutura o seu quotidiano em torno da prática desportiva, no ginásio da ala em que está integrado, da leitura e da escrita, tendo referido que faz parte dos seus projectos escrever um livro.
Relativamente às suas perspectivas futuras, o arguido pretende regressar ao Brasil, para reintegrar o núcleo familiar constituído, onde beneficiará também do apoio da família alargada, para prossecução do seu processo de integração sócio-profissional.

Do arguido CC

O arguido CC nasceu em Cabo Verde, fruto de um relacionamento esporádico dos progenitores, ficando à guarda da mãe e da tia até aos quatro anos. Com esta idade, acompanha a tia, ainda solteira, na emigração para Portugal, passando esta a assumir, em exclusivo, o seu processo educativo.
Neste contexto, o desenvolvimento do arguido decorre num meio familiar estruturado, composto pelos tios e primos, estabelecendo com estes vinculações afectivas.
Em termos educativos, este agregado regia-se por regras que o arguido CC aceitava e cumpria, algumas das quais condicionadas pelo contexto sócio habitacional dos tios. Efectivamente, estes residiam numa casa, propriedade do patrão do tio, pelo que o arguido, desde cedo, aprendeu a não estender a convivência com os amigos ao seu meio familiar.
Assim, e porque não frequentavam a sua casa, não havia uma ligação entre os amigos e a família, processando-se a socialização com os pares de modo autónomo.
Verifica-se um percurso escolar sem incidentes, até ao décimo ano (que não concluiu), tendo CC optado, então, por uma aprendizagem profissional no ramo de carpintaria.
Paralelamente, integrou actividades ocupacionais estruturadas e organizadas, sendo praticante de futebol, desde os treze anos, no clube desportivo "Casa Pia".
Em termos profissionais, apresenta uma trajectória pautada pela regularidade e estabilidade, quer nas actividades exercidas quer nos vínculos profissionais estabelecidos, factores que concorrem para a aquisição de hábitos de trabalho, que o arguido possui desde muito jovem.
A nível afectivo, salienta-se a relação que mantém, desde há cinco anos, com a companheira, com a qual vive em união de facto após o nascimento da filha, em finais de 2006. Esta relação é caracterizada pelo arguido como coesa e com reflexos positivos ao nível da sua estabilidade pessoal.
Desde finais de 2006, o arguido CC iniciou um modo de vida autónomo, assumindo maiores responsabilidades, decorrentes da união de facto e da aquisição de nova habitação com recurso a crédito bancário. Foi neste apartamento localizado na Atalaia (zona do Montijo), que passou a residir, desde Janeiro de 2007, com a companheira e filha.
O relacionamento intra-familiar é caracterizado como gratificante pelo casal, com laços de solidariedade que se traduzem, neste momento, no apoio incondicional da companheira.
O arguido trabalhava como carpinteiro, por conta de outrem, em diversas obras que implicavam acentuada mobilidade geográfica, nomeadamente Espanha, e a sua ausência de casa por alguns períodos.
A estabilidade dos vínculos laborais estabelecidos e a regularidade no seu desempenho conferiam ao arguido um papel preponderante na sustentação económica do seu núcleo familiar.
Ao nível das relações sociais, o arguido refere amizades de várias proveniências e contextos, seja o escolar, o desportivo e ainda o de bairro, onde tem familiares a residir. Ao que refere, face aos amigos demonstra relativa facilidade em empreender um relacionamento e enfatiza grande disponibilidade para ser solidário, mesmo ao nível económico.
Neste sentido, parece levar ao extremo a valoração do conceito de amizade, tendo dificuldades em não corresponder às solicitações dos amigos. Esta permeabilidade e o carácter aleatório das suas amizades foram, por vezes, objecto de reserva por parte do seu entorno familiar. Entre estas estará a amizade que estabeleceu com o co-arguido BB, relativamente ao qual o arguido se revelou evasivo, ao DGRS.
O seu processo de socialização regista um problema de saúde com repercussões no seu percurso.
Quando o arguido tinha cerca de 20 anos de idade sofreu um acidente de viação que terá despoletado uma doença neurológica congénita, ao nível da cervical.
Este problema de saúde teve consequências ao nível da motricidade da parte direita do corpo, nos membros superiores e inferiores, coxeava levemente, com sintomas, por vezes, de falta de força e sensibilização dos mesmos.
No Estabelecimento Prisional, o arguido CC mantém um comportamento adequado, tendo sido colocado como ajudante de cozinha, a seu pedido, para se manter ocupado.
Mantém o apoio familiar de que dispunha à data da privação da liberdade, sendo visitado pela companheira e outros familiares.
O arguido vivência com angústia e apreensão a presente situação jurídico-penal pelas eventuais consequências e repercussões que possam vir a ocorrer na sua vida.
Denota ainda preocupação com os reflexos na sua família que, sem condições para garantir os encargos com a amortização da casa, teve necessidade de a arrendar, de forma a tentar assegurar a propriedade do imóvel.
Assim, a companheira e a sua filha encontram-se a residir numa habitação de menor dimensão, arrendada, cujo encargo é suportado pelo montante auferido com o arrendamento do imóvel sito na Atalaia. Para além deste rendimento, a manutenção do agregado, actualmente, é assegurada pelo apoio dos familiares e ainda pelo rendimento irregular auferido pela companheira, no desempenho de tarefas de limpeza.
Segundo apurado pela DGRS, o CC tem um funcionamento psíquico, onde a extroversão aparece como a matriz inter-relacional, apresentando facilidade em estabelecer relações de amizade, que se caracterizam por uma necessidade de ajudar, mesmo com auto-sacrifício.
O próprio, tende a sobressair essas características e a definir a sua posição perante as relações de amizade, na idade adulta, como uma pessoa generosa de mais, influenciável e incapaz de contrariar um pedido de auxilio, tendo a percepção de que os outros o consideravam uma pessoa "mole e ingénua" (sic).

Da arguida AA:

A arguida AA, natural de Portimão, é a mais velha de duas irmãs. O seu processo de crescimento decorreu em meio familiar socio-económico organizado e estável, com um ambiente susceptível de lhe proporcionar um desenvolvimento equilibrado.
Do sistema familiar de origem recorda um agregado familiar estruturado ao nível dos papéis e funções parentais, no qual o investimento e o acompanhamento educativo das descendentes assumia um aspecto relevante no quadro da orientação do seu processo de desenvolvimento.
Aos 18 anos de idade veio para Lisboa para dar continuidade ao seu percurso académico no Instituto das Novas Profissões (INP), onde concluiu o curso superior de Assessoria de Administração e Relações Públicas, após o que realizou uma pós-graduação em Marketing, segundo referiu à DGRS.
Durante o período em que esteve a estudar, permaneceu em casa de uma tia paterna.
Posteriormente passou a residir com uma amiga, na altura em que, por influência paterna, iniciou actividade profissional numa instituição bancária.
Com o intuito de ascender profissionalmente, a arguida considerou a hipótese de se matricular numa licenciatura em Direito (o que não concretizou), por entender que esta se adequava mais ao sector bancário.
Para tal, inscreveu-se na cadeira de História do 12° ano, com vista a aceder a esta área de estudos. Neste contexto conheceu o seu primeiro marido, professor desta disciplina, com quem casou aos 24 anos, descrevendo este relacionamento conjugal como equilibrado.
Desta relação nasceu o seu filho mais velho, DD, actualmente com 21 anos.
O casamento terminou consensualmente decorridos 11 anos, ao que refere, por divergências quanto a projectos e estilos de vida entre os membros do casal.
Relata a arguida que estabeleceu posteriormente uma união marital com BB, empresário de produtos alimentares, com o qual viria a casar aos 36 anos de idade.
O casal adquiriu um apartamento em Lisboa, com recurso a crédito bancário e a meios económicos da arguida, decorrentes do processo de divórcio, bem como da venda de um imóvel, propriedade do segundo cônjuge.
Deste casamento nasceu o seu filho mais novo, EE, actualmente com cerca de 8 anos. Foi na sequência desta gravidez, que caracterizou de risco, que refere ter negociado, a pedido do marido, a sua reforma antecipada, situação que se efectivou a 1 de Fevereiro de 2000, contava então 41 anos.
Após esta aposentação, equacionou a criação de um projecto de uma casa de repouso por conta própria, tendo ao que refere iniciado para o efeito, um curso de Geriatria, que não concluiu, em virtude de ter sofrido um acidente de viação a 1 de Abril de 2000, abandonando assim este projecto.
Na sequência deste acidente ocorrido na companhia do marido, a arguida após várias intervenções cirúrgicas, em Portugal e no estrangeiro, foi sujeita à amputação de parte significativa do membro superior esquerdo, ficando com um grau de incapacidade de 83%. A indemnização pelos danos causados, permitiu-lhe, segundo referiu, proceder à amortização da hipoteca da casa de morada de família.
Este acontecimento, constitui-se como um marco de referência no relato das suas vivências passadas, dadas as repercussões na dinâmica conjugal.
Com efeito, o cônjuge, segundo refere AA, passou primeiro por um período depressivo com sentimentos de culpabilização face ao acidente, e posteriormente, começou a manifestar agressividade física e verbal, durante a qual desvalorizava a arguida.
Simultaneamente o cônjuge passou a consumir em excesso bebidas alcoólicas e a frequentar programas de diversão nocturna. Esta situação viria a potenciar a degradação da dinâmica conjugal e o consequente afastamento afectivo e relacional do casal.
No período que antecedeu os factos pelos quais a arguida está indiciada, esta residia na casa de morada de família com o cônjuge e com o filho mais novo, numa dinâmica familiar pouco harmoniosa, e com índices de desgaste emocional.
Do ponto de vista laboral, AA representava em Portugal uma marca inglesa de produtos de decoração, tendo intensificado as suas relações sociais, no quadro de promoção desta actividade. A sua posição contratual relativamente a esta marca foi cedida, segundo nos referiu, para obtenção de capital que foi injectado na empresa, onde o marido era sócio. À data dos factos, equacionava a possibilidade de obter a representação de outras marcas neste ramo de actividade.
Na óptica da arguida, foi a sua postura de iniciativa, aliada às capacidades de relacionamento interpessoal, que terá contribuído para o processo de ascensão e sucesso sócio-económico que o casal atingiu.
A arguida refere ter continuado a desenvolver todas as actividades sócio-profissionais, acentuando as necessidades de valorização da sua imagem, pese embora a progressiva degradação do relacionamento conjugal.
Segundo a AA a dinâmica familiar alterou-se negativamente. O cônjuge foi descrito pela mesma como sendo um sujeito desregrado, perdulário, consumidor em excesso de bebidas alcoólicas ("cerca de 3 a 4 litros de vinho por noite"(sic), tinha para com ela atitudes ríspidas e de sub-valorização.
Afirma estar ciente de que foi o marido responsável pelo acidente que a invalidou, dado nessa altura se encontrar com excesso de álcool, mas no entanto nunca o culpabilizou, com a ilusão de que manteria a sua afeição.
Acrescenta ainda ter tido conhecimento de que o cônjuge tinha começado com programas de diversão nocturna.
Apesar da degradação da dinâmica conjugal e consequente afastamento afectivo a arguida não admitia a eminência duma separação conjugal.
Na avaliação da sua personalidade resultante da articulação entre os dados da entrevista e das provas psicológicas apresentou excelentes resultados nas provas de ciência intelectual, obtendo um resultado que aponta para um QI total de 120, o que corresponde a um nível intelectual superior com competência para o raciocínio conceptual, apresenta aptidão de julgamento/convencionalidade social e capacidade de aprendizagem, com fluência verbal e informação sócio-cultural.
A arguida não apresenta problemas de concentração/atenção e velocidade de operação mental e não se detectou qualquer indicador de deterioração mental.
Apresenta um nível cognitivo superior, revelando, ademais, capacidade para pensar com clareza bem como competências ao nível da resolução de problemas e da abstracção.
Revelou à DGRS, no exame, a tendência para chamar/procurar a atenção e o estímulo por parte dos outros, podendo reagir com esse fim, de modo teatral.
Procurou enfatizar as suas preocupações com a sua saúde, embora de modo superficial, não se verificando valores relevantes na escala de ansiedade, depressão ou nas que manifestam transtornos devidos a stress pós-traumático.
O controlo emocional, a inibição da agressão, a hostilidade excessivamente controlada são traços também dominantes na sua personalidade.
Emocionalmente é difícil dar-se a conhecer ainda que seja exuberante no contacto interpessoal.
Não se constatou qualquer sinal de personalidade patológica.
Nas relações interpessoais, a arguida interage de modo exuberante, procurando o controlo da situação, mostrando no entanto alguma superficialidade na expressão emocional, associada à necessidade de equilíbrio e de transmitir uma imagem positiva de si própria.
Desde que se encontra presa, à ordem do presente processo judicial, apesar de não registar punições disciplinares, procurou que lhe fosse conferido um estatuto diferenciado. Demonstrou ainda algumas fragilidades pessoais pelo que se registaram dois períodos de internamento no Hospital Prisional S. João de Deus em Caxias, por sintomatologia depressiva.
A arguida AA não tem beneficiado de visitas regulares de familiares ou amigos, à excepção do filho mais velho.
Apreensiva quanto ao desenrolar da sua actual situação, a arguida revela dificuldades em delinear projectos de vida futura.
Os arguidos BB e CC denotam arrependimento sobre o cometimento dos factos que reconheceram ter cometido.

8. A arguida interpôs recurso (a fls. 3406 – 11/2/2009) da decisão que consta da acta da audiência no tribunal da Relação, que indeferiu a arguição de nulidade do despacho, também constante da mesma acta, que indeferiu a convocação da arguida para estar presente na audiência, formulado invocando o disposto no artigo 61º, nº 1, alínea a) do CPP.
O requerimento fora indeferido com fundamento no disposto nos artigos 421º, nº 2 e 422º, nº 1 do CPP.
Na motivação do recurso, cujas conclusões não respeitam as exigências do artigo 412º, nºs 1 e 2 do CPP por serem a repetição ipsis verbis do texto da motivação, a recorrente, na interpretação que se colhe, delimita como objecto do recurso (conclusão 18ª) «a nulidade processual constante do artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP», por a presença da arguida na audiência, «porque não obrigatória» ter sido negada, acolhendo a decisão recorrida uma interpretação «restritiva», ilegal e inconstitucional, «da norma contida na alínea a) do nº 1 do artigo 61º do CPP».
A recorrente não interpõe, assim, recurso da decisão que determinou, expressamente, não a convocar para a audiência no tribunal da Relação, mas apenas, tal como vem delimitado, da decisão que, na sequência, indeferiu a arguição de nulidade daquela decisão, que a recorrente suscitou invocando o disposto no artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP - «omissão posterior [ao inquérito e à instrução] de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».
Enquadrada a questão neste fundamento, como a recorrente interpõe e delimita o recurso, a improcedência é manifesta.
Na audiência, não havendo, como no caso não havia, renovação da prova, não há diligências a realizar, e muito menos que pudessem reputar-se «essenciais para a descoberta da verdade», nem a recorrente indica ou concretiza quais seriam ou poderiam ser tais diligências.
A arguição de nulidade foi, assim, bem indeferida, por se não integrar na previsão do disposto na referida alínea d) do nº 2 do artigo 120º do CPP.
A improcedência do recurso é, por isso, manifesta – artigo 420º, nº 1, alínea a) do CPP.

9. Recurso principal da arguida AA :
O objecto do recurso deve ser delimitado através das conclusões da motivação, em que o recorrente «resume das razões do pedido» - artigo 412º, nº 1 do CPP, e que devem conter as especificações enunciadas nas alíneas a), b) e c) do nº 2 da mesma disposição.
As conclusões da motivação da recorrente não respondem, como se salientou, às exigências da lei, pois nem resumem as razões do pedido – constituem mesmo uma reposição ipsis verbis, sob números, do completo texto da motivação – nem identificam, com o sentido próprio que resulta da separação por alíneas, os pressupostos de delimitação das questões para conhecimento do tribunal de recurso.
Porém, no texto da motivação, que as conclusões repetem, podem identificar-se, apesar de tudo, os fundamentos do recurso e a definição do respectivo objecto, dispensando a notificação que, como remédio e sob cominação quanto ao não cumprimento pela recorrente de um ónus processual, está admitida no artigo 417º, nº 3 do CPP:
- Insuficiência da matéria de facto provada para integrar as circunstâncias qualificativas do crime de homicídio, que considera integrar o vício do artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP;
- Natureza da participação da recorrente na prática dos factos não como autora, mas como instigação, que no entender da recorrente não constitui autoria;
- Medida da pena, que considera fixada de modo excessivo.

10. A recorrente invoca a verificação do vício da matéria de facto referido no artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto.
A questão e o seu fundamento foram já suscitados no recurso para o tribunal da Relação, não podendo, porque se trata de matéria referente aos factos, ser retomada no recurso para o Supremo Tribunal, salvo se, oficiosamente por exigências da decisão e não por direito processual do recorrente, o conhecimento da matéria se revelar necessário ( cf. acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I série-A, de 28/12/95).
No entanto, perante os termos em que a matéria vem abordada, o afastamento do âmbito do vício referido no artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP é patente.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto como vício, com as consequências que determina – reenvio para novo julgamento, não pode ser assimilada à não suficiência dos factos provados para a decisão que esteja em causa, mas, diversamente, impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão. Se os factos provados permitem uma decisão, embora diversa da que foi tomada, não existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas eventualmente, se for o caso, erro de julgamento e de integração dos factos provados.
Perante os elementos de concretização da noção, verifica-se que não vem suscitada qualquer questão que releve da insuficiência como vício da matéria de facto, mas apenas, relativamente à actuação da recorrente, discordância sobre a integração das circunstâncias de qualificação do homicídio que o acórdão recorrido aceitou.
Esta é, porém, apenas questão de julgamento sobre a integração dos factos provados, sem a dimensão categorial de vício da matéria de facto que a recorrente invoca.

11. A recorrente defende que actuou apenas como instigadora, que não é autoria, e não como co-autora.
As formas de participação e comparticipação na prática de um crime são definidas nos artigos 26º e 27º do Código Penal em duas categorias fundamentais: a autoria e a cumplicidade.
O artigo 26º, que tomou opção legislativa assumindo construções categoriais da dogmática, define a autoria em quatro espécies, tipos ou modalidades: a autoria imediata; a autoria mediata; a co-autoria e a instigação, que considera expressamente autoria e não apenas simples participação.
É autor de um crime quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros – artigo 26º do Código Penal, ao definir a autoria.
Na distinção entre autoria e simples participação, o conceito legal de autor não coincide com o conceito ontológico ou real de autor, pois que este englobaria apenas como autor o que realiza o facto típico, o "quem" anónimo de WELZEL que integra os textos legais, e, excluindo da sua conceptualização, o princípio da acessoriedade limitada, o participante ou "participe”, pois que este pressupõe a existência do facto antijurídico por parte do autor.
Por sua vez, a diferenciada responsabilização criminal dos participantes, também não legitima um conceito unitário de autor.
Para essa distinção - entre autoria e participação - duas concepções ofereceram um critério de distinção: o conceito extensivo de autor, complementado pela teoria subjectiva da participação, segundo a qual é autor quem age com animus auctoris e participante quem actua com animus socii.
No conceito restritivo de autor e salientando a contribuição do autor ou a do participante, a doutrina orienta-se na definição do critério de decisão em três direcções:
a) A teoria objectivo-formal em que o decisivo é apenas mas sempre a realização de algum ou de todos os actos executivos previstos no tipo legal.
Teoria esta que foi abandonada por não oferecer critério de distinção entre a causalidade do facto e autoria, conduzindo à mesma amplitude do conceito extensivo de autor.
b) A teoria objectivo-material em que seria autor quem contribuísse objectivamente da forma mais importante (causa essencial) para o facto.
Esta teoria foi abandonada por desconhecer o aspecto subjectivo na caracterização da contribuição para o facto, como por exemplo na autoria mediata.
c) A teoria do domínio do facto, que provinda do finalismo defende que nos crimes dolosos, autor é quem domina finalmente a execução do facto; o controlo final do facto é o critério decisivo da acção.
A teoria do domínio de facto actualizou-se em teoria objectiva-subjectiva em que o controlo final não requer apenas a finalidade mas ainda uma posição objectiva que determine o efectivo domínio do facto, combinando o ponto de partida do conceito restritivo de autor com uma certa flexibilidade na integração da autoria que engloba não só o autor material mas também a autoria mediata e o caso de co-autoria.
Para JESCHECK, é autor quem executa por si próprio todos os elementos do tipo: quem executa o facto utilizando outra pessoa como instrumento (autoria mediata), é ainda autor quem realiza uma parte necessária de execução do plano global (domínio funcional do facto), ainda que não seja um acto típico em sentido estrito, mas participando em todo o caso da comum resolução criminosa (cf. “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, trad. da 5ª edição de 1996, p. 701-702).
O critério do domínio do facto na determinação da autoria não estaria apenas no poder de interromper a realização do tipo legal, mas, na pertinência exclusiva ou compartilhada do facto em que este não resulta de quem depende a possibilidade da sua execução, mas de quem a realiza por si só ou através de outro ou a compartilha com outros.
A teoria do domínio do facto ficou conhecida sobretudo a partir de ROXIN, que esboçou para os crimes de resultado uma teoria geral de imputação completamente desligada do dogma causal, deslocando o centro de gravidade da acção, da esfera ontológica para a normativa, com fundamentos em critérios de: diminuição de risco, criação ou não criação de um risco juridicamente relevante; aumento ou falta de aumento de risco permitido, a esfera de protecção da norma, como critério de imputação (cf., CLAUS ROXIN, “Problemas Fundamentais de Direito Penal”, p. 145, ss.).
O domínio do facto, para ROXIN, podia manifestar-se em três vertentes: o domínio da acção, em que o agente por suas mãos executa o facto, caso do autor imediato; o domínio da vontade própria da autoria mediata, em que o homem de trás (o que formula o propósito criminoso e decide a sua efectivação) domina a vontade do homem da frente (o instrumento, ou executor que executa o facto), por coacção, indução em erro ou âmbito de um aparelho organizado de poder, e, o domínio funcional do facto, característico da co-autoria face ao significado funcional da contribuição de cada co-autor, na divisão de trabalho ou repartição de tarefas na concretização da decisão conjunta.
Na teoria do domínio do facto, autor é, em síntese, quem domina o facto e dele é "senhor" dele dependendo o se e o como da realização típica, - distinguindo-se aliás e por vezes, um domínio positivo do facto (a capacidade de o fazer prosseguir ate à consumação) e um domínio negativo ( a capacidade de o fazer gorar) - sendo pois o autor a figura central do acontecimento, em que numa unidade objectiva-subjectiva, o facto aparece como obra de uma vontade que dirige o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objectivo.
Embora o conceito do domínio do facto esteja longe de ser unívoco, deve entender-se como um conceito aberto, na expressão de ROXIN, referido por FIGUEIREDO DIAS, isto é "cujo conteúdo é susceptível de adaptar-se às variadíssimas situações concretas da vida e que só na aplicação alcança a sua medida máxima de concretização", pois que "se é verdade que o conceito tem que ver com o desempenho pessoal do agente no acontecimento, não o é menos que a avaliação são comandados "de fora", assumem o carácter de uma valoração em função do significado social que o contributo do agente para o facto representa. Por isso, o conceito básico do domínio do facto pode e deve ser afeiçoado e precisado segundo as circunstâncias do caso, e nomeadamente à luz das diversas espécies (também legais) de autoria e mesmo dos resultados que devem ser alcançados em tema de doutrina da participação.
A doutrina do domínio do facto, na dimensão apontada é a que melhor se harmoniza com os parâmetros da autoria nos crimes dolosos de acção.
Por outro lado, quer a concepção unitária de autoria, quer a concepção extensiva de autor, não estão de harmonia com a lei vigente, sendo certo que um conceito restritivo de autor "não pode apresentar-se como um conceito fixo, e muito menos apto imediatamente à subsunção, tendo de aceitar-se como aberto e multifacetado conforme a espécie de autoria a que se aplique e a estrutura ilícita típica que está em causa”.
A autoria participa da natureza do ilícito pessoal, sendo um elemento (essencial) à realização do facto ilícito típico.
Há sempre uma valoração normativa do domínio do facto, face aos elementos objectivos e subjectivos do ilícito, ao desempenho pessoal do agente no acontecimento e, ao significado social que o contributo do agente para o facto representa (cf. FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal, Parte Geral”, tomo I, 2ª ed., p. 766-768).
A noção de autoria, para além das modalidades de imediata ou mediata, abrange também os casos de comparticipação com pluralidade de agentes. Neste caso, é essencial o acordo prévio para o facto e a participação directa, mediata ou imediata, na execução do facto.
Não tendo de ser expresso, o acordo tem de ser, se for tácito, concludente no sentido da vontade de executar o facto e de traduzir uma contribuição objectiva conjunta para a realização da acção típica.
O acordo para a realização do facto tem, porém, de ter como base a consciência de colaboração: a participação directa na execução, juntamente com outro ou outros, supõe um exercício conjunto e com intervenção ordenada no domínio do facto, que constitua uma contribuição objectiva para a realização da acção típica.
A co-autoria pressupõe, pois, um elemento subjectivo – o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.
A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e na execução de tal acordo se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.
A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume.
Por isso só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objectiva, governa e dirige o curso do facto (cf., HANS-HEINRICH JESCHECK e THOMAS WEIGEND, “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, trad. da 5ª edição de 1996, p. 701-702).
A co-autoria fundamenta-se também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção.
Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto (cf. idem. p. 726).
Na co-autoria a execução é fruto de uma decisão conjunta, em conexão mútua entre as partes de execução do facto a cargo de cada um dos co-autores numa consideração objectiva.
A decisão deve revelar-se através de acções expressas ou acções concludentes e, por isso, qualquer dos co-autores responde pela totalidade da realização típica (cf., idem, p. 791-792).
A co-autoria não tem sempre de ser inicial, mas pode ser sucessiva.
De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o “se” e o “como” da execução do facto.
A forma de comparticipação que se designa por “instigação” está definida (artigo 26º, 4ª categoria, do Código Penal) como a acção de quem dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
Instigador é, pois, aquele que «dolosamente determinar outra pessoa á prática de um facto ilícito típico (doloso)», «quem produz ou cria de forma cabal […] no executor a decisão de atentar contra certo bem jurídico-penal através da comissão de um concreto ilícito-típico»; «o instigador possui o domínio do facto sob a forma de domínio da decisão».
O instigador é o «verdadeiro senhor, dono ou dominador da decisão do instigado de cometer o facto» - instigação-determinação que, nos termos do artigo 26º, 4ª do Código Penal, constitui autoria (cf. FIGUEIREDO DIAS, op.cit, p. 789-800).
A integração diferencial entre as categorias da autoria (ou como simples participação), mais do que, ou antes de excursões dogmáticas, há-de resultar dos factos provados e da específica singularidade com que se apresentem em cada situação, no entrelaçar de feixes concretos de relações entre agentes de um determinado facto ilícito-típico.
As construções dogmáticas não valem, porém, por si como referências desligadas da realidade, mas estão intimamente ligadas, na dimensão concretizada, a cada situação caracterizada por uma conjugação factual específica.
No caso, perante os factos provados e tal como se coordenam, não resta espaço para aproximação a categorias fora da compreensão e definição da co-autoria.
Com efeito, a actuação dos arguidos, incluindo a recorrente, foi o resultado de uma concertação ou acordo, previamente elaborado e assumido, como expressivamente resulta da descrição dos factos provados.
Verifica-se, através da matéria de facto provada, que a recorrente, decidindo «tirar a vida» ao seu cônjuge, «pelo menos em momento anterior a uma semana com referência a 20 de Janeiro de 2007», «contactou o arguido BB, verbalizando-lhe a intenção de tirar vida ao seu marido e que contava com a sua participação, o que anuiu».
«O propósito homicida da arguida foi reforçado cerca das 12hl6m do dia 18 de Janeiro de 2007, em que contactou o arguido BB, com ele contratando a morte do seu marido mediante a contrapartida económica de € 150.000 (cento e cinquenta mil)».
«No dia 18 de Janeiro de 2007, cerca das 12hl7m, o arguido BB, com vista a concretizar o acordo firmado com a co-arguida AA, contactou o arguido CC de modo a obter o contacto telefónico de alguém que dispusesse de uma arma de fogo».
«O arguido BB convidou o arguido CC a participar no seu cometimento, partilhando com ele parte da quantia contratada, a que este acedeu».
Na concretização desse propósito, «os arguidos AA e BB, contactaram-se telefonicamente, recebendo o BB instruções da hora provável de chegada da vítima à sua casa localizada no Largo João Baptista, n° 5 - apartamento 106 - Lumiar, em Lisboa».
«A chegada da vítima a sua casa, já na madrugada do dia 20 de Janeiro de 2007, cerca das 03h45m, o arguido BB hesitou em abordar a vítima e concretizar a sua morte, ainda que essa fosse a firme vontade da AA».
«Nesse mesmo dia [20 de Janeiro de 2007], cerca das 12h27m, o arguido BB telefonou ao arguido CC, dando conta da reunião com a AA e informando-o de um novo plano, que passava pelo encontro desta com a vítima, numa casa na Av. ... , nesta cidade, dispondo das chaves dessa habitação».
«Na realidade, as chaves do referido apartamento haviam sido entregues pela arguida ao comparticipante BB na cidade de Torres Vedras e no período compreendido entre as 12h54m e as 13h25m do dia 20 de Janeiro de 2007».
Depois, a recorrente acompanhou de perto a actuação dos co-arguidos na execução, indicando o local, fornecendo as chaves do apartamento, orientando os tempos, controlando os passos e atraindo a vítima ao local pré-definido com os co-arguidos.
Com efeito, «a arguida AA de modo a atrair a vítima aquele apartamento, que se encontrava arrendado mas desabitado e com obras de restauração suspensas, e assim concretizar o plano previamente estabelecido, acordou com ele ali encontrar-se por forma a acertar pormenores do divórcio».
«Assim, de modo a controlar os passos da vitima e a hora provável de chegada ao apartamento, a arguida AA telefonava-lhe constantemente e de seguida dava conta da sua localização ao arguido BB que, pelo menos desde as 16hl8m se encontrava no interior do apartamento da Av. ...».
«Cerca das l6hllm, a vítima chega as imediações do apartamento e aguarda pela chegada da arguida AA, o que ocorreu cerca das 16h32m. Quando ambos se dirigiam para o apartamento, a vítima apercebe-se que não trazia as respectivas chaves e volta atrás, dirigindo-se à sua viatura automóvel, estacionada nas imediações, para as recolher».
«Seguidamente, alegando claustrofobia, a arguida tomou as escadas para aceder ao apartamento localizado no 3° andar direito, viajando a vítima de elevador. Acto contínuo, a arguida avisa o arguido BB da chegada iminente da vítima através de um telefonema».
Em suma, como também resulta dos factos provados, «agiram os arguidos no propósito, que lograram alcançar, de matar a vítima BB ».
«Actuaram os arguidos de forma minuciosa e friamente concertada, de comum acordo e em comunhão de esforços, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei».
«A arguida AA sabia que, ao fornecer as chaves do apartamento aos comparticipantes permitia-lhes surpreendê-lo quando entrasse naquele espaço e usando um meio letal de agressão lhe pusessem termo à vida».
Toda a conjugação factual revela, pois, que a recorrente não se limitou a determinar outrem a prática dos factos, mas concertou o plano de execução, orientou a actuação, proporcionou as circunstâncias relativas ao lugar e atraiu aí a vítima, sempre em acordo com os co-arguidos, especialmente com o co-arguido BB, dominando o facto, nas condições da execução, também com domínio funcional em repartição de tarefas, e não apenas com domínio da vontade dos seus comparticipantes.
Tudo a integrar a autoria, e pelo acordo com outrem, na modalidade de co-autoria, tal como vem decidido.

12. A recorrente discorda da medida da pena, que considera excessiva.
Limita-se, porém, a considerações genéricas sobre as finalidades das penas e os critérios de determinação da medida da pena do artigo 71º do Código Penal, sem precisar que elementos, em seu entender, foram desconsiderados ou não suficientemente considerados.
Em rigor, e com aptidão para constituir fundamento relativo aos pressupostos de determinação da medida da pena, a recorrente apenas afirma a discordância da aplicação de todas as «quatro circunstâncias» «especialmente censuráveis» que concorrem.
Atendendo às formulações processuais prestáveis para definição do objecto do recurso e à substanciação das discordâncias, a questão relativa à comunicabilidade das circunstâncias como pressuposto da medida da ilicitude e da culpa constitui, assim, a única a apreciar.
Os problemas – dogmaticamente complexos - suscitados pela concorrência de circunstâncias ou elementos que se não verificam em simultâneo relativamente aos vários comparticipantes, têm solução nos artigos 28º e 29º do Código Penal, que estabelecem a regra reconduzível à comunicabilidade de todas as qualidades, relações ou circunstâncias que sirvam para fundamentar ou graduar a ilicitude, e incomunicáveis as qualidades, elementos ou circunstâncias que caracterizem ou graduem a culpa (cf. v. g. FIGUEIREDO DIAS, op. cit., p. 848 e ss.).
As circunstâncias – exemplos-padrão – enunciadas nas alíneas do artigo 132º, nº 2 do Código Penal, que estão concebidas como concretizações de modos de revelação de um tipo de culpa agravado, são elementos constitutivos de um tipo orientador (revelação de especial censurabilidade ou perversidade do agente) em que se revela uma imagem global do facto agravado correspondente a um especial conteúdo da culpa (cf. “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Tomo I, p. 26-27).
A definição do tipo orientador e a função dos exemplos-padrão como reveladores de “especial censurabilidade ou perversidade”, remete-os para o lugar de elementos constitutivos do tipo de culpa.
Nesta medida, será relativamente à actuação e à manifestação funcional da contribuição de cada co-autor que deve ser verificada, no sentido e imposição do artigo 29º do Código Penal («cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes»), a concorrência de circunstâncias.
Nesta perspectiva de enquadramento, não se suscitam dúvidas sobre a concorrência na actuação da recorrente (e nas finalidades que contaminaram a decisão de cometer o crime e na contribuição para a execução) das categorias valorativas da alínea d) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal (na redacção vigente ao tempo do factos, e actualmente alínea e)) – a avidez («com o objectivo de se libertar definitivamente do marido e de lhe retirar e fazer seus valores e dinheiro, bem como o de beneficiar do prémio de um contrato de seguro, como forma de manter o seu elevado nível de vida, decidiu tirar-lhe a vida»), e o consequente motivo torpe: por aqui se revela a especial censurabilidade, não obstante não se lhe poder referir a causação de sofrimento à vítima, que impressivamente resulta da matéria de facto provada.
Também na co-autoria o condomínio funcional, tal como vem descrito, integra a recorrente na acção, juntamente com mais duas pessoas, como prevê o exemplo-padrão da alínea g) (actual alínea h) do artigo 132º, nº 2 do CP).
A actuação da recorrente, definindo os locais e orientando os co-arguidos nos tempos de execução, atraindo a vítima ao local para ser e onde foi surpreendida, e conduzindo por comunicações a concretização da armadilha, constitui um meio insidioso que possibilitou a surpresa da actuação dos co-arguidos, integrando a circunstância da alínea h) (actual alínea i)).
Por fim, tendo em consideração o tempo de formação e a permanência da intenção (persistência da intenção de matar «por mais de vinte e quatro horas»: no caso, «pelo menos em momento anterior a uma semana antes» da data dos factos) revelam também, especial censurabilidade, a caber na alínea i) (actual alínea j)).
Verificadas todas as referidas circunstâncias em relação à recorrente, por pertinência própria mais do que por comunicabilidade de circunstâncias relativas aos co-arguidos, a integração e a qualificação do acórdão recorrido não merecerá, em geral, qualquer reparo.
De todo o modo, como se salientou, existem nos factos e são por eles revelados alguns elementos de densificação da culpa, que integram o âmbito da circunstância da alínea d), mas que não podem ser considerados na definição da culpa da recorrente, porque lhe são estranhos na específica configuração em que se revela a “especial censurabilidade” ou mesmo a “perversidade”. São os elementos especificamente materiais da execução, especialmente a crueza e dimensão do sofrimento provocado na vítima.
Esta separação – que não aparece saliente na fundamentação da decisão recorrida – deve ser tomada em consideração na determinação da medida da pena.
Dispõe o artigo 40º do Código Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - nº 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - nº 2.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabem ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.
A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cf. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção.
O juiz deve atender, nesta determinação, a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente referidas nas alíneas a) a f) do nº 2 do artigo 71º.
Elementos de referência na determinação da medida da pena são, como primeiras imposições da lei, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respectivas consequências.
A fundamentação do acórdão recorrido sobre a fixação da pena – que aderiu às formulações e aplicação dos critérios legais de determinação da medida da pena – não merece, em geral, reparo, nem a recorrente invoca fundamentos relevantes que afectem, nesta matéria, o julgamento da decisão recorrida.
Haverá apenas um ponto, invocado pela recorrente, com necessidade de reponderação.
A circunstância fortemente impressiva que vem saliente em relação a todos os arguidos relativa ao modo de execução material do facto (a «violência inaudita e gratuita», na expressão da decisão da 1ª instância), relativa à culpa («especial censurabilidade», ou mesmo «perversidade»), enquanto tal e como se salientou, não poderá ser comunicável à recorrente.
A desconsideração do exponencial de agravação deverá, consequentemente, ter algum reflexo na medida da culpa e do seu efeito como critério de limite na ponderação das especialíssimas exigências de prevenção geral.
Deste modo, e com a valoração da decisão recorrida relativamente a todas as restantes circunstâncias atendíveis e vistas as impositivas necessidades de prevenção geral e a jurisprudência anterior do Supremo Tribunal (cf., v. g., acórdãos de 2/4/08, proc. 4330/07; de 26/3/08, proc. 292/08; de 13/2/08, proc. 4729/08 e de 19/4/06. proc. 671/06), fixa-se a pena aplicada à recorrente pelo crime por que vem condenada em vinte e um anos de prisão.

13. Recurso do arguido CC:
Como resulta das conclusões da motivação, o recorrente limita o objecto do recurso à determinação da medida da pena, partindo de uma pluralidade de fundamentos.
No essencial, considera que não foram devidamente avaliadas a personalidade, a conduta anterior e posterior, as circunstâncias do crime e a medida da sua contribuição; tais circunstâncias «que diminuem de forma acentuada a culpa do agente» deveriam, no entender do recorrente, ter determinado a atenuação especial da pena.
Refere ainda a violação do artigo 13º do CRP, que deveria ter sido interpretado mediante «a aplicação de uma pena mais reduzida».
Quando o legislador dispõe sobre a moldura penal para certo tipo de crime tem de prever as mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os de menor até casos de maior gravidade.
Porém, para ter em conta situações pessoais do agente em que a prevenção geral não imponha e a prevenção especial não exija uma pena a encontrar nos limites da moldura penal do tipo, e em que se verifique um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo, a lei dispõe de um instituto que funciona como instrumento de segurança do sistema: a atenuação especial da pena com os pressupostos do artigo 72º do Código Penal.
Para resolver os casos em que «a capacidade de previsão do legislador é necessariamente ultrapassada pela riqueza e multiplicidade de situações reais da vida», «mandamentos irrenunciáveis de justiça, adequação (ou necessidade) da punição» impõem que o sistema disponha de uma válvula de segurança que permita responder a casos especiais, em que concorram circunstâncias que «diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada relativamente ao complexo normal» de casos que o legislador terá previsto e para os quais fixou os limites da moldura respectiva (cfr., JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1990, p. 302).
A esta ideia político-criminal responde o instituto da atenuação especial da pena, previsto no artigo 72º do Código Penal.
O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena – artigo 72º, nº 1.
O nº 2 enumera algumas circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito de diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa ou a necessidade da pena, ou seja, também diminuição das exigências de prevenção.
Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção.
Mas acentuada diminuição significa casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto se apresenta com uma gravidade tão específica ou diminuída em relação aos casos para os quais está prevista a fórmula de punição, que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tais hipóteses quando estatuiu os limites normais da moldura do tipo respectivo (cf. FIGUEIREDO DIAS, idem, p. 306; e v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, de 18/Out./2001, proc. 2137/01, de 30/Out/2003, in CJ (STJ), ano XI, tomo III, p. 208, e de 3/Nov./04, in CJ (STJ), Ano XII, tomo III, p. 217).
No entanto, quando estiverem verificados os pressupostos materiais, a atenuação especial («o tribunal atenua») é uma autêntica consequência jurídica que o tribunal deve declarar.
A atenuação especial da pena só pode, pois, ser decretada (mas se puder deve sê-lo) quando a imagem global do facto revele que a dimensão da moldura da pena prevista para o tipo de crime não poderá realizar adequadamente a justiça do caso concreto, quer pela menor dimensão e expressão da ilicitude ou pela diminuição da culpa, com a consequente atenuação da necessidade da pena – vista a necessidade no contexto e na realização dos fins das penas.
No caso, as circunstâncias do facto e a participação do recorrente numa acção que revela uma ilicitude exponencial – pelo modo de execução, pela indiferença pelo sofrimento da vítima e pelos motivos que determinaram a actuação do recorrente – afastam-se definitivamente dos pressupostos que, excepcionalmente, diminuem de forma acentuada a ilicitude e a culpa e que justificam politico-criminalmente a atenuação especial.
Não se trata, com é patente, de uma situação em que se verifique «um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo», mas, em diverso, de caso em que as exigências de prevenção impõem manifestamente a fixação de uma pena dentro da moldura formal de integração da conduta do recorrente.
No que respeita à determinação da medida da pena na moldura do crime por que vem condenado, as circunstâncias do caso, ponderadas no quadro complexo das finalidades das penas e da gravidade da actuação do recorrente – gravidade avaliada objectivamente em relação ao modo e às consequências, mas também na coordenação intraprocessual das exigências de proporcionalidade valorativa da medida da respectiva contribuição (a co-autoria não implica identidade de contribuição para o facto e da consequente valoração, desde logo na dimensão da ilicitude), sugerem uma apreciação não inteiramente coincidente com o juízo da decisão recorrida.
Há, com efeito, factores de ponderação que não podem ser desconsiderados – as características da personalidade do recorrente que vêm referidas na matéria de facto provada, traçando alguma fragilidade e susceptibilidade de receber influências («influenciável e incapaz de contrariar um pedido de auxilio, tendo a percepção de que os outros o consideravam uma pessoa "mole e ingénua"»), e a medida concreta da sua contribuição causal para o facto, em termos menos relevantes que a do co-arguido, a justificar um afastamento mais acentuado nas medidas das penas, para reflectir a diferença de grau sobre a densidade da ilicitude e também a da culpa apreciada também nas especificidades da personalidade do recorrente.
Nesta outra ponderação considera-se adequada a pena de quinze anos de prisão pelo crime de homicídio, mantendo-se, no mais, a pena pelo crime de furto.
Em cúmulo, e aceitando a ponderação das instâncias, que neste aspecto nem vem autonomizada como fundamento de recurso, fixa-se a pena única em dezasseis anos de prisão.

14. Nestes termos:
I- Julga-se manifestamente improcedente o recurso interlocutório da recorrente AA;
II- Concede-se parcial provimento ao recurso da AA no que respeita à medida da pena pelo crime de homicídio qualificado, p. e p. no artigo 132º, nºs. 1 e 2, alíneas d), g), h) e i) do Código Penal, (na redacção vigente ao tempo dos factos, resultante da Lei nº 48/95, de 15 de Março), condenando-a na pena de vinte e um anos de prisão;
III- Concede-se parcial provimento ao recurso de CC, condenando-o pelo crime de homicídio, p. e p. no artigo 132º, nºs. 1 e 2, alíneas d), g), h) e i) do Código Penal, (na redacção vigente ao tempo dos factos, resultante da Lei nº 48/95, de 15 de Março), na pena de quinze anos de prisão, e em cúmulo com a pena aplicada pelo crime de furto, na pena única de dezasseis anos de prisão.


Lisboa, 27 de Maio de 2009

Henriques Gaspar (relator)
Santos Monteiro
Pereira Madeira