Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4315/21.6JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃOI
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADA PROVIMENTO
Sumário :

I. A Lei n.º 94/2021, ao aditar o segmento «exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância» na parte final da al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, colocou a redação do preceito em conformidade com a declaração de inconstitucionalidade parcial da norma, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional («TC») n.º 595/2018, que, assim, passou a admitir recurso de acórdão da Relação para o STJ em caso de aplicação de pena de prisão efetiva em recurso de decisão absolutória, bem como com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, segundo o qual «qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei» (na interpretação do Comité dos Direitos Humanos – «Comentário Geral n.º 32» ao artigo 14.º do PIDCP, de 23.08.2007).

II. Como se sublinha no acórdão n.º 595/2018 do TC (§ 6), dele ficaram expressamente excluídas «outras dimensões normativas extraídas do mesmo preceito legal, apesar de terem sido também já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional», indicando-se, de entre elas, as normas que estabelecem a irrecorribilidade, do acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal de 1.ª instância (acórdão n.º 101/2018).

III. Vincada a distinção das situações, não pode encontrar-se no acórdão do TC n.º 595/2018 ou no acórdão n.º 429/2016 (que lhe esteve na origem e vem agora invocado pelo recorrente), fundamento que permita equiparar os casos em que, em acórdão proferido em recurso, o tribunal da Relação condena o arguido em pena de prisão, revertendo uma decisão de absolvição em 1.ª instância, e os casos em que o tribunal da Relação se limita a revogar a suspensão de execução de uma pena de prisão aplicada e suspensa em decisão da 1.ª instância

IV. Não existe qualquer lacuna de regulamentação que, como pretende o recorrente, deva ser resolvida por aplicação da al. d) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP em «interpretação a contrario» – o que obrigaria a enfrentar a questão na presença da proibição da aplicação analógica das normas excecionais (artigo 11.º do Código Civil), como são as normas restritivas (artigo 400.º do CPP) da regra da recorribilidade das decisões (artigo 399.º do CPP) – ou por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil [artigo 672.º, n.º 1, al. a): revista excecional], que, conforme jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça não tem lugar em processo penal [cfr. a fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2024, DR 1.ª série, de 19.4.2024, e, por todos, o anterior acórdão de 04.05.2023, Proc. n.º 2855/21.6T8BCL.G1.S1].

V. Da conjugação dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância.

VI. Como se tem assinalado, este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

VII. Tendo o recorrente sido condenado em pena de prisão inferior a 5 anos suspensa na sua execução e tendo o tribunal da Relação revogado a suspensão da execução da pena, não é admissível o recurso interposto do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, que é rejeitado.

Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 4315/21.6JAPRT.P1.S1

3.ª Secção

ACÓRDÃO

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Por acórdão de 22 de julho de 2022, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, julgando totalmente procedente a acusação, condenou o arguido AA, com a identificação dos autos, nos seguintes termos:

«a) pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado, p.p. conjugadamente, nos art. 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, 132.º, n.º 2 als. c) e e) e 147.º, todos do CP, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de prisão;

b) pela prática, em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelos art. 86.º, n.º 1 al. c) e 3.º, n.º 2 al. l) da Lei n.º 5/..., de 23/02 (RJAM) na pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; e, por fim,

c) pela prática em autoria material e concurso efectivo dos crimes descritos nas als. a) e b) supra, na pena única, em cúmulo jurídico, de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, mediante a sujeição do mesmo:

- à obrigação de entregar mensalmente e durante todo o período da suspensão, a quantia de € 300,00 ao demandante BB, por conta da indemnização (…) (cf. art. 51.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CP); e bem assim;

- à obrigação de se submeter ao tratamento médico/psiquiátrico e/ou psicológico que se mostre necessário e adequado a debelar a problemática do consumo abusivo de bebidas alcoólicas, nos termos que vierem a ser determinados pela DGRS (cf. art. 52.º, n.º 2 e 3 do CP).»

2. Discordando da decisão, dela interpuseram recurso o arguido e o Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de ... de ... de 2023, julgou improcedente o recurso do arguido e, julgando o do Ministério Público procedente, revogou a suspensão e condenou o arguido na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão (efetiva).

3. Do acórdão da Relação vem agora interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo arguido AA, que apresenta motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1.º O Recorrente foi condenado em 1ª Instância numa pena de prisão de três anos e oito meses suspensa na sua execução pelo período de quatro anos com sujeição a regime de prova, nomeadamente, tratamento médico do alcoolismo e pagamento mensal da quantia de 300,00€ por força da indemnização arbitrada no valor total de 60.000,00€.

2.º Por força do recurso apresentado pelo MP, o Recorrente viu revogada a decisão desta 1ª Instância, tendo-lhe sido pela primeira vez aplicada prisão efetiva, revogando-se a suspensão aplicada e a forma de pagamento da indemnização arbitrada.

3.º Sustenta a recorribilidade desta decisão do Tribunal da Relação do Porto, por estar sujeito à regra geral de recorribilidade do art. 399.º CPP, formalizando ser inconstitucional a interpretação literal e imediata do art. 400.º, n.º 1, al. e) CPP, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pela Relação em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a 5 anos, quando o Tribunal de 1ª Instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade.

4.º O recurso impõe-se pois pela primeira vez se vê confrontado com pena de prisão efetiva, e por isso o seu direito e justificação para o recurso apenas ganha existência e consistência processual no momento da decisão que lhe é desfavorável neste aspeto, considerando com os fundamentos alegados supra ter sempre direito ao recurso em um grau sobre tal decisão inovatória.

5.º O Arguido não tomou posição quanto a uma sanção privativa de liberdade, porque pela primeira vez foi condenado em tal, não se podendo considerar a apresentação da sua defesa na contra motivação do recurso da acusação interposto como recurso, já que tal é meramente o exercício de um contraditório não tendo natureza recursiva.

6.º Defende o arguido sobretudo a possibilidade de apresentar a sua defesa em recurso face à decisão anterior perante um Tribunal situado num plano superior àquele de que se recorre independente, imparcial, como resulta da Constituição e do próprio Direito internacional onde tal direito de recurso encontra, aliás, igualmente sede vinculativa para o ordenamento português e perante a referida anterior decisão.

7.º Assim o teor literal destas normas - al. e), e f) do n.º 1, do art. 400.º, do CP P -mostra-se desconforme com a Constituição, tendo que desaplicar a norma em causa, e, nessa medida, permitir que o arguido condenado pela primeira vez na Relação em pena privativa de liberdade e consequentemente do modo de execução do pagamento da indemnização a que foi condenado, possa recorrer da mesma, no caso, para o STJ.

8.º Também subsiste outra razão de ordem pois, consoante alegação supra, se é certo que, de acordo com a interpretação literal do disposto no artigo 400º alíneas d) e e) resulta irrecorrível o acórdão proferido pela Relação que confirme decisão de primeira instância - dupla conforme - não menos certo é que existe uma lacuna quanto à situação em que o acórdão proferido pela Relação não confirme decisão de primeira instância e condene em pena inferior a cinco anos, pela primeira vez, nesta peculiar situação somos da opinião que, face à referida lacuna de lei, se poderá concluir pela recorribilidade da decisão ora em causa, por argumento a contrario, à luz da al. d), visto tratar-se de decisão que, proferida em recurso pela Relação, não vem confirmar a anterior, proferida em primeira instância que não condenou em pena privativa de liberdade tendo suspendido a execução da mesma, alterada agora sem modificação da matéria de facto, apenas decidindo pela pena privativa de liberdade.

9.º Considera o Arguido ter assim direito a recorrer perante tal decisão desfavorável necessariamente dirigido e conhecido pelo STJ por ser o único grau de recurso acima da Relação.

10.º A ordem pública, a verdade material e as garantias de processo penal (constitucionalmente consagradas no artigo 32.º da CRP) não se coadunam com a impossibilidade de recorrer sendo que estas razões de admissibilidade do recurso radicam em interesses de ordem pública.

11.º Também o enquadramento constitucional e a jurisprudência TC quanto à inconstitucionalidade da norma contida na al. e) e f) do n.º 1, do art. 400.º, do CPP, quando interpretada no sentido de não admitir recurso do acórdão condenatório da Relação, proferido em sede de recurso, na sequência de decisões absolutórias da 1.ª instância nos demonstram a assunção da inconstitucionalidade das referidas alíneas em sucessivos e diversos acórdãos consoante alegado supra decidindo como mais recentemente o Acórdão nº 429/2016 de 6 de Outubro ser inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal.

12.º Aliás, estivéssemos nós perante o direito processual civil e a presente decisão sempre poderia ser objeto de recurso nos termos do art. 671.º, n.º 1 (porque inexiste dupla conforma), pelo que se crê que o direito penal não poderá ser nas suas normas legais menos garantístico do que o direito civil, já que o direito consagrado constitucionalmente não é um segundo grau de recurso mas sim “uma dupla jurisdição sobre o mérito”.

13.º Tem o arguido sempre “ direito a recorrer “ ao menos uma vez de “ decisão desfavorável“, ora decretada pelo Acórdão do Tribunal da Relação, pois se existir a recusa em admitir o recurso do arguido relativamente à condenação em pena privativa de liberdade, determina que o recorrente fique totalmente impossibilitado de defender o seu direito, o que claramente configura uma situação de indefesa inultrapassável, constitucionalmente censurável, violando frontalmente o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, artigo 32º, nº 1 “ in fine “ , artigo 202º , nº 1 e nº 2.

14.º Assim, caso não se aceite o recurso com fundamento por integração numa das supra referidas alíneas do artigo 399 e 400º CPP, o que resultará de uma interpretação literal das mesmas, cuja inconstitucionalidade, face ao exposto, sempre deverá ser conhecida neste Douto Tribunal.

15.º Deve este Tribunal pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes das alíneas d) e alínea e) do artigo 400º CPP, no caso concreto, também por violação do princípio da proibição da indefesa em virtude de restringir desproporcionadamente o direito de defesa do arguido, assentando o seu núcleo essencial na inadmissibilidade de proibição de recurso como no concreto caso sem que seja previamente conferido ao arguido a quem é decretada pena efectiva de prisão o direito de ver a mesma reapreciada por Tribunal superior, ao menos em um grau.

16.º Pretende-se ora que o Tribunal Supremo aceite o recurso do acórdão da Relação que privou o arguido da liberdade, baseando-se estritamente na interpretação da norma do artigo 400º CPP, requerendo desde logo seja declarada «inconstitucional» a interpretação normativa constante da alínea d) e alínea e) segundo a qual será irrecorrível o presente acórdão da Relação que revogue condenação anterior em pena suspensa e aplique pela primeira vez pena privativa da liberdade, prisão efectiva de até 5 anos, pretendendo a apreciação da constitucionalidade requerida para ser conhecida e decidida no âmbito do presente processo pendente e ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória.

17.º Contudo, e caso assim não se entenda, sempre o presente recurso seria admissível por via do art. 672.º, n.º 1, al. a) do CPC aplicável ex vi art. 5 do CPC, já que há uma total omissão relativamente à possibilidade de recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, quando se encontra em causa aferir a ausência da justa apreciação e aplicação dos princípios e circunstâncias legais normativas aplicáveis ao caso concreto, e bem ainda do pedido de indemnização civil a que foi condenado o Recorrente com o pagamento afeto ao regime de prova da suspensão em prestações mensais durante os quatro anos de suspensão foi também alterado na sequência da revogação da suspensão ora imposta.

18.º Por último, no que tange ao pedido de indemnização cível, e nos termos do art. 400.º, n.º 3 do CPP é possível o recurso ao mesmo, ainda que não o seja relativamente à matéria penal nos termos do art. 671.º, n.º 1 do CPC, pelo que também aqui é admissível.

Assim,

19.º Entendeu o Tribunal da Relação do Porto revogar a suspensão da execução de pena de prisão arbitrada pelo Tribunal de 1ª Instância limitando-se nessa medida a verter mimeticamente o que foi reproduzido pelo MP nas suas alegações.

20.º Na sua decisão o Tribunal da Relação do Porto não efetua um juízo/exame critico e valorativo dos factos, inclusive os que levaram o Tribunal de 1ª Instância a decretar a suspensão condicionada ao pagamento e tratamento do alcoolismo.

21.º O Tribunal recorrido desconsidera/omite elementos essenciais considerados como atenuantes que constam mencionados no acórdão da primeira instância, desvalorizando, sem qualquer fundamento, sem novo elemento sustentador dessa posição ou exposição clara que permita aferir a razão para todas as características das circunstâncias do arguido serem avaliadas negativamente ou não avaliadas de todo.

22.º O Arguido tem vivido o seu dia-a-dia inserido na comunidade, sem que tenha ocorrido o mínimo incidente, o que sempre deveria ter sido valorado nos termos das supramencionadas normas, realçando a justeza e adequação da pena aplicada pelo Tribunal de primeira instância, a mais sensata, eficaz e respeitadora da lei e em especial dos princípios constitucionais e corolários materiais e processuais.

23.º Devendo a ponderação ser realizada atendendo à actualidade, e não à data da prática dos factos, tais elementos mais recentes deveriam ter sido ponderados pelo Tribunal da Relação, pressuposto que sempre seria essencial para apurar da capacidade deste de se integrar, ressocializar, demonstrando-se como a simples censura do facto e a ameaça da prisão têm vindo a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 40 CP) que o aqui recorrente receia, ora tal não ocorreu, sendo que ao realizar uma ponderação dos pressupostos legais incompleta, aquele tribunal viciou o acórdão recorrido de nulidade, nos termos do disposto, entre outros no artigo 379º/1 alínea c) do CPP.

24.º O Tribunal recorrido não aborda que em face dos factos dos autos o Arguido esteve sujeito a prisão preventiva durante cerca de cinco meses, em ambiente prisional.

25.º O Tribunal recorrido não aborda que após esse período em prisão preventiva em EP, a sua medida de coação foi revista, e precisamente pelo alarme social causado pelo caso dos autos ter diminuído - que foi corroborado inclusive pelo Presidente da Junta de Freguesia da área de habitação do Arguido através de declaração escrita junta aos autos- o Arguido passou a estar em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica durante quatro meses até prolação do acórdão.

26.º O Tribunal recorrido não aborda a idade e estado de saúde do Arguido, que conforme consta dos autos é uma pessoa extremamente doente, insulino-dependente que durante o período de reclusão prisional passou a maior parte do seu tempo na enfermaria do EP, conforme relatórios.

27.º Não aborda relativamente à ocasionalidade e fortuitidade do ato isolado, que conforme referiu o Tribunal de 1ª Instância potenciado pelo abuso no consumo de bebidas alcoólicas, manifestado após o seu regresso de 40 anos de imigração e inadaptação ao seu pais conforme refere o relatório social do Arguido.

28.º Não aborda o relatório social do Arguido que podia e devia ter sido levado em consideração, já que a sua elaboração foi solicitada fundamentando o porque de considerar, ao contrário do relatório social, que apenas uma prisão efetiva é suficiente para ressocializar o Arguido, o que constitui uma nulidade que desde já se invoca.

29.º Não aborda porque considera ao contrário do Tribunal de 1ª Instância que o regime de produção de prova decretado, que arbitra o pagamento de uma prestação mensal ao Demandante Cível de 300,00€ durante a suspensão por conta da indemnização de 60.000,00€ arbitrada, que com a revogação da decisão de suspensão da pena de prisão aplicada, foi também retirada a possibilidade de pagamento da indemnização em prestações mensais ao longo de quatro anos (período em que duraria a suspensão), não é suficiente.

30.º Não se manifesta relativamente ao porquê de entender que este regime, ao contrário do que entendeu o Tribunal de 1ª Instância não é suficiente para assegurar que ainda se mostra suscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, servindo de lição e desmotivador suficiente para que o mesmo não volte a encetar comportamentos violadores dos bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico-penal.

31.º Não aborda a circunstância de o Arguido se encontra sujeito ao tratamento à problemática do alcoolismo que potenciou este comportamento.

32.º Por último, desvaloriza por completo o suporte familiar e integração familiar do Arguido sem justificar o porquê, quando estes mesmos familiares sempre se disponibilizaram para acolher o Arguido na sua habitação, em ajudar o Arguido para que o mesmo se reabilitasse.

33.º E desvaloriza totalmente a inexistência de antecedentes criminais do Arguido em 68 anos de vida, desconsiderando por completo que os problemas de que a vítima padecia contribuíram para o desfecho fatal (conforme referiu o perito médico-legal), ainda que o Tribunal Recorrido considere que o Arguido não poderia prever o resultado morte nestes autos.

34.º A ponderação de tais critérios resulta da lei, cuja efetiva apreciação permitiriam concluir pela existência de uma prognose favorável de que possui o recorrente uma personalidade adequada às necessidades, tendo adotado uma conduta justa e respeitadora da lei, quer das regras a que está sujeito quer dos direitos e deveres impostos pelo ordenamento jurídico, o que sempre deveria ter dado lugar à confirmação da medida da pena decretada pelo tribunal de primeira instância.

35.º Sujeitar o recorrente a pena de prisão efetiva, sem que tenha sido sequer indicado motivo de necessidade de proteção geral gravoso o bastante para afastar a segunda finalidade de reintegração do arguido sempre constituirá um retrocesso para este e para a comunidade no que diz respeito à sua reintegração, fim da pena especialmente valorado pela legislação penal, nomeadamente artigos 40 e 42º do CP, violados no acórdão recorrido.

36.º Assim, a acrescer à falta de ponderação de diversos pressupostos a considerar no juízo de prognose legalmente imposto para aplicação/afastamento da medida de pena anteriormente decretada, sempre se dirá que foi afastada solução legal decretada no acórdão da primeira instância que observava todo o trâmite legal imposto para a escolha da pena, por outro que desrespeita expressamente a lei penal, nomeadamente nos seus artigos 40º, 42º, 70º a 72º, todos do C.P.

37.º Apura-se do acórdão recorrido terem sido violados todos os trâmites e elementos a considerar na ponderação a realizar na determinação da medida e escolha da pena, cuja observância sempre daria a decisão diferente, uma vez que relativamente à personalidade do ora recorrente, sempre se dirá que realizou aquele uma adaptação da sua atitude comportamental, adequando a sua conduta ao ordenamento jurídico, nos termos legalmente exigidos.

38.º É, portanto, o acórdão recorrido distanciado da realidade, apresentado solução não só contrária à lei expressa e aos princípios basilares da mesma, como se revela uma decisão judicial distanciada do agente e da realidade deste, cuja consequência é manifestamente potenciadora da marginalização do recorrente, o que não se concebe atendendo à insuficiente ou nenhuma ponderação dos elementos cuja análise estavam ao alcance do tribunal recorrido que muito abreviadamente e com parca fundamentação revogou acórdão proferido pelo tribunal que melhor conhecia os intervenientes processuais, os factos e demais elementos a ponderar.

39.º Por outro lado, a fundamentação a que se encontra adstrito o Tribunal nos termos do art. 374.º, n.º 2 do CPP não se trata de reproduzir mimeticamente o que foi repercutido no papel pelo MP no seu recurso, mas exige sim a abertura de um espaço no qual se explique e justifique porquê a partir de todo o material apresentado se chegou à conclusão que se expressa, o que requer um tratamento individualizado dos distintos elementos de prova que ilustre de maneira suficiente porque razão se lhe atribuiu um dado sentido e valor, positivo ou negativo ao qual se segue a síntese decisória.

40.º Este acórdão, no qual não é efetuado devido juízo critico e valorativo, não ponderando todos os factos e circunstâncias que deveriam ter sido analisados, sempre afecta a juízo de prognose desfavorável realizada por este Tribunal, viciando-a por desconformidade com a lei e com os factos que o Tribunal da Relação tinha a obrigação de conhecer.

41.º No presente acórdão, e no que diz respeito à revogação da suspensão da pena de prisão tal exame e analise não foi efetuado, nem sequer relativamente aos factos que o Tribunal de 1ª Instância considerou preponderantes para a aplicação da suspensão, nem documentais como o Relatório Social que nem abordado foi, nem aos fatos indicados pelo Recorrente, que nem abordados foram.

42.º O acórdão enferma assim de nulidade, nos termos do disposto nos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1/a) do CPP, por falta de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que desde já se invoca.

43.º Pronunciou-se o Tribunal da Relação relativamente à medida da pena em manifesta contradição entre os fundamentos e o resultado final, assim, viciou o acórdão recorrido nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 410º do CPP.

44.º Quando no caso em apreço a pena efectiva de prisão, com a inerente privação de liberdade e afastamento do meio em que se encontra integrado não garante a observância do cumprimento da segunda finalidade das penas, pelo contrário, poderá ter um efeito estigmatizante e potenciadores de criminalidade, não sendo o espaço prisional um meio reabilitador e reintegrador, bem pelo contrário.

45.º A solução do acórdão recorrido submete o recorrente ao regime sempre estigmatizante das prisões, cujo resultado não será o da ressocialização o da sua recuperação para uma vida normal e desejável de integração atento inclusive a sua idade e problemas de saúde – a qual já se verifica hodiernamente -, fim máximo das penas legalmente consagradas.

46.º O acórdão recorrido consubstancia, assim, uma manifesta violação dos direitos e garantias estatuídos, entre outros, nos artigos 2.º, 9.º, e 18.º da CRP, cuja observância é especialmente necessária na aplicação da lei penal, devendo por todo o exposto, e consequente ponderação insuficiente dos pressupostos a ponderar nos termos da lei, devendo o acórdão recorrido ser substituído por outro observador das normais legais consagradas no código penal, processual penal e na Constituição da República Portuguesa.

47.º Nestes termos deve a decisão recorrida ser substituída por outra que repondo a decisão de primeira instância, mantendo-se a suspensão da pena de prisão aplicada condicionada ao regime de prova arbitrado pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Assim, o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu violou os artigos 1.º, 8.º n.º 2, 9.º, 16.º n.º 1, 18.º, 24.º, 27.º n.º 5 e 32.º todos da CRP, art. 672.º n.º 1 al. a) e 671.º n.º 1 do CPC, art. 40.º, 42.º, 43.º e ss, 50.º, 70.º, 71.º n.º 2 al. c), 72.º, n.º 2, al. b), c), e d) e 77.º do CP, e art. 379.º n.º 1 al. a) e c), 370.º, 374.º n.º 2, 410.º n.º 2 al. b) art. 400.º, n.º 1, al. d) e e), art. 399.º todos do CPP.

Nestes termos deve a decisão recorrida ser substituída por outra que repondo a decisão de primeira instância, mantendo-se a suspensão da pena de prisão aplicada condicionada ao regime de prova arbitrado pelo tribunal de 1.ª instância (…).»

4. Respondeu a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação, dizendo:

«O recurso foi admitido pelo Exmo. Juiz Desembargador, nos termos do despacho proferido em .../.../2023 (ref. ª ...), por considerar que o acórdão deste tribunal da relação é recorrível, em virtude de o arguido ter sido objeto de condenação, em primeira instância, em pena suspensa (pena de substituição) e o TRP ter condenado o arguido a uma pena privativa de liberdade, modificando a decisão a quo, bem ainda, com base no disposto no Acórdão no 595/2018 de 11/12 do Tribunal Constitucional, que declara, com forca obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1 a instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a 5 anos, constante do art.º 400º, n.º 1 al. e) do CPP.

Ou seja, o Ex. mº Juiz Desembargador equipara a suspensão da execução da pena e a sua subsequente revogação em sede de Tribunal da Relação à situação apreciada no acórdão do TC, considerando, ainda, que “qualquer interpretação literal impõe declaração (interpretação) de inconstitucionalidade. A interpretação normativa é a da afirmação de admissibilidade do recurso, na circunstância, pelo facto, do Tribunal da Relação ter aplicado pena privativa da liberdade inferior a 5 anos, quando em 1 a instância havia aplicado pena não privativa de liberdade — suspensão da execução da pena”.

Salvo o devido respeito por tal entendimento, entende o MP que o recurso interposto é legalmente inadmissível, pelo que aqui se suscita a:

Questão prévia da inadmissibilidade do recurso

Com efeito, e tal como decidiu o STJ no Acórdão n.º 14/2013, publicado no D.R. n.º 219, Série I de 2013-11-12, relativo a uma situação semelhante à os presentes autos e que motivou fixação de jurisprudência no seguinte sentido:

“Da conjugação das normas do artigo 400.º, alíneas e) e f), e artigo 432.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão”;

Entende o Ministério Público que o recurso do arguido/condenado AA, interposto em .../.../2023 (ref.ª 45680355) do acórdão deste Tribunal da Relação, este proferido em .../.../2023 (ref.ª 16892662), não é legalmente admissível, por força do disposto artigo 400º, alíneas, e) e f) e artigo 432.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência citado, pelo que deve ser rejeitado.

E a tal rejeição obsta a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão n.º 595/2018 de 11/12 do Tribunal Constitucional – este acórdão declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do art.º 400º, n o 1 al. e) do CPP, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1 a instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a 5 anos -, isto porque a situação em causa nos autos não é a mesma, já que o acórdão deste Tribunal da Relação manteve a decisão condenatória da primeira instância e a pena única em que o arguido foi condenado –3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão -, apenas tendo revogado a suspensão da execução dessa pena.

De facto, a situação em causa nos autos é diferente daquela que deu origem à aludida declaração de inconstitucionalidade efetuada pelo Acórdão n.º 595/2018, já que ali se colocava a questão da irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente, face à decisão de absolvição proferida em primeira instância, condena o arguido a pena de prisão efetiva não superior a 5 anos.

Ora, no caso que aqui se aprecia a situação é outra, uma vez que o arguido/recorrente nos presentes autos foi condenado em primeira instância em determinada pena de prisão, cuja execução ficou suspensa sob determinadas condições e o Tribunal da Relação decidiu, apenas, não haver lugar à pena de substituição, revogando a suspensão da execução daquela concreta pena, cujo quantum manteve inalterado.

Na verdade, do que se tratou não foi de reverter uma decisão absolutória numa decisão condenatória, mas tão somente de modificar a espécie da pena, derivando essa modificação da apreciação, crítica e valorativa da matéria de facto dada como provada ao nível das consequências do crime, que este tribunal da Relação considera serem graves, no sentido de não se poder fazer um juízo de prognose favorável, positivo, em relação à aplicação da suspensão da execução da pena concreta de prisão, de3 anos e 8meses, em que foi condenado o arguido em primeira instância, pena concreta que o tribunal manteve.

Ora, em relação a esta matéria, de reapreciação, critica e valorativa da matéria de facto dada como provada e das consequências do crime ao nível da modificação da espécie da pena, o arguido/recorrente teve a oportunidade de assegurar os seus direitos de defesa, designadamente quando lhe foi conferida a oportunidade de, ao abrigo do art.º 413.º, n.º 1 CPP, contrariar, com os seus argumentos, os argumentos constantes do recurso interposto pelo Ministério Público, ao qual este tribunal da Relação deu provimento.

Assim, e salvo melhor opinião, o Ministério Público não vislumbra que a norma ínsita no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, quando interpretada no sentido literal, de que não cabe recurso do acórdão proferido pelos Tribunais da Relação em recurso que revogou a suspensão da execução de uma concreta pena de prisão, inferior a 5 anos, imposta a um arguido, seja inconstitucional, por violar o disposto no art.º 32.º da CRP - direito ao recurso e princípio do contraditório.

Aliás, em situações semelhantes, o Tribunal Constitucional vem reiteradamente afirmando não ser inconstitucional a alínea e) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP, quando interpretada no sentido de, em tais casos, não ser admissível recurso para o STJ - ver, entre outros, Acórdão nº 104/2020, de 12 de fevereiro.

Assim, e em conclusão, entende o Ministério Público que deve considerar-se inadmissível o recurso interposto pelo arguido para o STJ e consequentemente, rejeitar-se o mesmo, nos termos do disposto nos artigos, 420º, n.º 1, al. b), e 414º, n.º 2, do CPP.

Caso assim não se entenda, e em concordância com a fundamentação invocada no acórdão ora recorrido, entende o Ministério Público que o recurso do arguido não deve ser provido.»

5. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer nos seguintes termos (transcrição):

«(…) 5 – Tal como defende o Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, coloca-se a questão prévia da irrecorribilidade da decisão de que vem interposto recurso, afigurando-se dever ser o mesmo rejeitado, como a seguir se analisará.

Assim, (…)

O impugnado acórdão do Tribunal da Relação do Porto manteve a condenação e as penas, parcelares e única, aplicadas ao arguido na 1ª instância, mas reverteu a decisão aí proferida, no segmento relativo à suspensão, na sua execução, da última daquelas, tornando efectiva a pena única de prisão, de 3 anos e 8 meses. (…)

Confirmada foi também a pena única de 3 (três) anos e 8 (meses) de prisão imposta ao arguido, ademais tornada efectiva.

Ora, dispõe o artigo 432.º do C.P.P., com a epígrafe Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e no que ora releva:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…)

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; (…)

Por seu turno, o artigo 400.º do C.P.P., estabelece o seguinte regime relativo a decisões que não admitem recurso, sua epígrafe, também no que ora importa considerar:

1 - Não é admissível recurso: (…)

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; (…)

Daqui resulta, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que os poderes de cognição do nosso mais Alto Tribunal estão, nos casos das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P., delimitados negativamente pela medida das penas aplicadas pelo Tribunal da Relação.

No caso da alínea e), se a pena aplicada não for superior a 5 anos, ou se se tratar de pena não privativa de liberdade, não é admissível recurso, a menos que se trate de caso em que tenha havido decisão absolutória em 1ª instância.

No caso da alínea f), não é admissível recurso se ocorrer uma situação de verificação de dupla conforme, que assenta na presunção legal do mérito de uma decisão concorde das duas instâncias, se as penas aplicadas, em confirmação da decisão da 1ª instância, não forem superiores a 8 anos de prisão.

Da conjugação destas disposições legais resulta, assim, que só é admissível recurso de acórdãos das Relações proferidos em recurso que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso da prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.

E a irrecorribilidade da decisão abrange toda a matéria que se prenda com as infracções penais em causa, “todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a matéria de facto, nulidades, vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais.”1

É basta a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que consagra tal entendimento, de forma pacífica e reiterada ao longo do tempo.

Considere-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão de 08-10-2014 (Processo n.º 81/14.0YFLSB.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Maia Costa, in www.stj.pt): [transcrição]

Tendo havido “dupla conforme”, ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1ª instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefacientes (de menor gravidade) e da não consumação (tentativa).

No mesmo sentido, ainda os acórdãos de 02-12-2015 (Proc. n.º 5887/05.8TBALM.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro João Silva Miguel, in www.stj.pt), de 13-04-2016 (Processo n.º 294/14.4PAMTJ.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Pires da Graça, in www.stj.pt), ou de 02-05-2018 (Processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, in www.stj.pt).

Ou ainda o acórdão de 22-09-2021 (Processo nº 90/16.4JBLSB.C1.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha): [Transcrição].

Assim, nos termos deste normativo, conjugado com o disposto no art. 432, nº 1, al. b), também do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma as condenações da 1ª Instância (princípio da dupla conforme condenatória) relativas aos crimes em que as penas parcelares foram fixadas em medida não superior a 8 anos de prisão.

E, tal como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/03/2018, “5. Como tem sido afirmado na jurisprudência do STJ, estando este, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, está também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relativas à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos ou de penas parcelares de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como de questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito.”

Consignou-se ainda no sumário daquele acórdão: “2. O regime de recursos para o STJ definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, al. b), do CPP, efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais). O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, de um duplo grau de recurso, em relação a quaisquer decisões condenatórias.”

Acresce que, tal como se realça no texto daquele acórdão, o Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta questão, nomeadamente no acórdão 186/2013, de 4 de Abril, decidindo não julgar inconstitucional a norma da al. f), do nº 1, do art. 400, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.”

E o acórdão de 16-12-2021 (Processo n.º 321/19.9JAPDL.L2.S1 - 5.ª Secção, Relator: Conselheiro Cid Geraldo): [transcrição]

Na mesma linha de compreensão, considerem-se, por fim, na jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal, os acórdãos de 28-04-2022 (processo n.º 36/19.8JELSB.L1.S1 – 5ª Secção, Relatora: Conselheira Maria do Carmo Dias), de 28-09-2022 (processo n.º 2983/21.8JAPRT.P1.S1 – 3ª Secção, Relator: Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha), de 02-11-2022 (processo n.º 156/19.9JAFAR.E1.S1 – 3ª Secção, Relator: Conselheiro Ernesto Vaz Pereira), e, já no corrente ano, de 10-01-2023 (processo n.º 4153/168JAPRT.G3.S1 – 3ª Secção, Relatora: Conselheira Ana Barata de Brito) e de 19-01-2023 (processo n.º 151/16.0JAPTM.E1.S1– 5ª Secção, Relatora: Conselheira Maria do Carmo Dias).

Dir-se-á ainda que o regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais), sendo que o referido artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., não consagra um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

Retornando ao caso concreto, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a condenação do arguido, ora recorrente, e manteve as penas parcelares de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado, e de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, que lhe foram aplicadas na 1ª instância, tal como manteve a pena única de 3 anos e 8 meses prisão.

Penas, qualquer delas, inferiores a 5 anos de prisão, compreendendo-se, como tal, na previsão da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P. segundo a qual, não é demais repetir, não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.

Não ocorre a excepção prevista na parte final deste normativo pois o arguido foi condenado em 1ª instância.

De resto, sempre se poderia colocar a questão da irrecorribilidade da decisão em causa, à luz da norma a que se refere a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P.

Por outro lado, é preciso não esquecer que a alteração da espécie da pena decidida pela Relação resultou do recurso interposto pelo Ministério Público da decisão da 1ª instância, a que o arguido apresentou resposta, pugnando, aliás, pela sua improcedência, como facilmente se compreende.

Ora, e como salienta o Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, teve, pois, o arguido, no exercício do contraditório, a oportunidade de se defender da alteração da natureza da pena aplicada, de pena suspensa na sua execução em pena de prisão efectiva, com o que resultou assegurado o seu direito de defesa, mormente o de recurso.

Chamado a pronunciar-se sobre esta matéria, o Tribunal Constitucional (T.C.) tem vindo a decidir não ser inconstitucional a referida norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do C.P.P.

Considere-se, por exemplo, a Decisão Sumária n.º 375/2019, de 21.05.2019 (processo n.º 474/2019, 2ª Secção): (…) no caso de recurso de decisão de primeira instância condenatória, que tenha aplicado pena não privativa da liberdade e em que o recorrente Ministério Público e/ou Assistente pugnem perante a Relação pelo agravamento daquela, o objeto do recurso encontra-se perfeitamente delimitado, balizando-se a possível decisão do mesmo dentro de apertados limites: a moldura penal abstrata aplicável ao crime imputado, a proibição da reformatio in pejus e o pedido do recorrente.

Nestes casos, existe uma efetiva reapreciação do segmento da decisão condenatória relativo às consequências do crime, cujos termos, âmbito e consequências, são perfeitamente antecipáveis pelo arguido. O objeto do recurso e os assinalados limites intrínsecos e extrínsecos à decisão a tomar pelo tribunal superior no julgamento daquele, permitem concluir que a faculdade de responder ao recurso, prevista no artigo 413.º do Código de Processo Penal, assegura um efetivo exercício do direito de defesa, permitindo ao arguido expor perante o tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa, em termos idóneos a persuadir o julgador da sua justeza e a influenciar o curso do seu processo decisório.

E na confirmação desta Decisão Sumária, diz-se no Acórdão n.º 104/2020, de 12.02.2020, do T.C.: (…) o respeito pelo direito ao recurso não significa que o legislador esteja constitucionalmente vinculado a assegurar a impugnabilidade pelo arguido de todas as decisões condenatórias proferidas em recurso, mesmo quando imponham reação sancionatória privativa da liberdade e imediatamente exequível. Constitui entendimento consolidado do Tribunal que o direito ao recurso, assegurado pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não garante ao arguido um segundo grau de recurso em matéria penal, assistindo ao legislador democrático margem de liberdade na modelação do acesso por via de recurso ao tribunal judicial supremo, enquanto via de prossecução de outros direitos e interesses constitucionalmente tutelados, como sucede com a própria eficácia do sistema penal, que tem como condição a emissão de um julgamento final e definitivo em tempo razoável”.

É de reconhecer, assim, como interesse público legitimador da restrição do direito ao recurso, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, por forma a impedir a paralisação do órgão, reservando a intervenção do tribunal cimeiro da orgânica judicial aos casos de maior merecimento penal, desde que preservado o núcleo essencial das garantias de defesa. (…)

E, na continuação, a propósito da compreensão ali expressa pelo interessado, como aqui, sobre a imposição constitucional da admissibilidade de recurso do arguido em todos os casos de agravação das consequências jurídicas do crime pelo tribunal de recurso, mormente nos casos em que é substituída a pena de suspensão de execução da pena de prisão por pena de prisão, imediatamente exequível:

(…) Na verdade, não se está perante uma reversão de decisão absolutória, substituída pelo tribunal de recurso por decisão condenatória, no âmbito da qual, e por decorrência da declaração de culpabilidade e punibilidade do acusado, é apreciada e decidida pela primeira vez a questão da determinação da sanção. Esse elemento, central ao juízo formulado pelo Tribunal no referido Acórdão, não se encontra presente na dimensão normativa aqui em apreço, uma vez que, quer a 1.ª instância, quer o tribunal de recurso, proferiram decisões condenatórias, existindo dupla conforme decisória quanto à declaração de culpabilidade do arguido, o que significa que ambas as decisões conheceram da questão da determinação da sanção. E, ademais, a divergência decisória decorre da modificação do decidido relativamente a outras questões, seja quanto aos fundamentos de facto, por decorrência da procedência da impugnação em matéria de facto (artigo 431.º, alínea b), do CPP), seja quanto aos fundamentos de direito, por via do juízo positivo formulado pela segunda instância relativamente aos pressupostos da reincidência, cujo efeito agravante conduziu o tribunal a quo a uma diferente ponderação das consequências jurídicas do crime, maxime quanto à espécie da pena aplicada: pena de suspensão da execução da prisão com a duração de cinco anos, imposta pela 1.ª instância, enquanto a relação decidiu pela condenação em pena de prisão (efetiva), com a mesma duração.

(…) É certo que o julgamento do recurso comportou um agravamento da posição processual do arguido relativamente ao antes decidido, mas daí não decorre uma situação de indefesa do sujeito processual, constitucionalmente proibida. No âmbito do recurso da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, ciente da pretensão de modificação da reação penal e da natureza fundamentalmente substitutiva do julgamento proferido pela 2.ª instância, pôde o arguido, para além de refutar os argumentos do recorrente, perspetivar as eventuais consequências sancionatórias - à semelhança com o que acontece frequentemente no momento da apresentação na 1.ª instância da contestação e rol de testemunhas (artigo 315.º do CPP), ou nas alegações orais proferidas em audiência de julgamento (artigo 360.º do CPP) - e desse modo influenciar decisivamente o julgamento do recurso.

No quadro em presença, a limitação das garantias de defesa, na dimensão do exercício do direito ao recurso e do acesso a um terceiro grau de jurisdição, não se mostra desrazoável ou desproporcionada, em atenção ao interesse público relevante prosseguido pelo legislador democraticamente legitimado, impondo-se afastar a violação do artigo 32.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, ou outros parâmetros de constitucionalidade” (…).

Para finalizar, não se diga, como o recorrente, que (…) sempre o presente recurso seria admissível por via do art. 672.º, n.º 1, al. a) do CPC aplicável ex vi art. 5 do CPC, já que à uma total omissão relativamente à possibilidade de recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, quando se encontra em causa aferir a ausência da justa apreciação e aplicação dos princípios e circunstâncias legais normativas aplicáveis ao caso concreto (…).

Com efeito, (…) o regime de recursos em processo penal, tanto na definição do modelo, como nas concretizações no que respeita a pressupostos, à repartição de competências pelos tribunais de recurso, aos modos de decisão do recurso e aos respectivos prazos de interposição, está construído numa perspectiva de autonomia processual, que o legislador pretende própria do processo penal e adequada às finalidades de interesse público a cuja realização está vinculado.

O regime de recursos em processo penal, tributário e dependente do recurso em processo civil no Código de Processo Penal de 1929 (CPP/29), autonomizou-se com o Código de Processo Penal de 1987 (CPP/87), constituindo actualmente um regime próprio e privativo do processo penal, tanto nas modalidades de recursos como no modo e prazos de interposição, cognição do tribunal de recurso, composição do tribunal e forma de julgamento.2

O que resulta patente na redacção dos artigos 399.º, 400.º e 432.º, do C.P.P., de que resultam, de forma taxativa, os casos em que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando-se a prevalência do princípio da suficiência do processo penal, devendo entender-se que o C.P.P. esgota a disciplina da matéria da admissibilidade do recurso para o S.T.J., não sendo, pois, possível recorrer às regras do C.P.C., por não se verificar nessa matéria qualquer lacuna.

Resultam claras, pois, as razões legais que obstam ao conhecimento do recurso interposto para este S.T.J. pelo arguido AA, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 132.º, n.º 2, alíneas c) e e), e 147.º, todos do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de prisão, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea c), e 3.º, n.º 2, alínea l), da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (RJAM), na pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, e na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, e também porque é que a sua insubsistência não atenta contra qualquer garantia constitucional que lhe fosse devida.

6 – Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de dever ser rejeitado, por legalmente inadmissível, na vertente criminal, designadamente, o recurso interposto pelo arguido AA, a tanto não obstando o despacho que o admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), 414.º, n.º 2 e n.º 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P.».

6. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, reafirma o arguido a posição assumida no recurso.

7. Realizou-se a conferência – artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.

Apreciando e decidindo.

II. Fundamentação

Dos factos

8. O tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos dados como provados no acórdão da 1.ª instância, que, assim, se mostram estabilizados:

“Factos Provados

1 - No dia .../.../2021, cerca das 22:30 horas, o arguido AA e o ofendido CC encontravam-se no café denominado “...”, sito na Rua ... Concelho de ....

2 - O ofendido CC tinha 68 anos de idade, era uma pessoa frágil e padecia de problemas de ossos e tinha muitas dificuldades de locomoção, o que era do pleno conhecimento do arguido e da população da zona.

3 - Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido ofereceu, insistentemente, bebidas alcoólicas a todas as pessoas que aí se encontravam.

4 - O ofendido CC, recusou a oferta e como padecia de problemas de ossos e de locomoção, estava apoiado e debruçado sobre a mesa de bilhar, enquanto manuseava o seu telemóvel.

5 - Insatisfeito com a recusa, o arguido, usando as duas mãos, empurrou o ofendido CC, com força, projectando-o contra a parede.

6 - Na sequência do empurrão, face às dificuldades de locomoção e equilíbrio, o ofendido CC bateu com a cabeça na parede e caiu, batendo novamente com a cabeça no chão, ficando inconsciente e em paragem cardiorrespiratória.

7 - De imediato o arguido abandonou o local.

8 - Da conduta do arguido AA resultaram para o ofendido CC lesões físicas, nomeadamente,

- No hábito externo:

- Na Cabeça: hematoma com 9 cm por 8 cm, com escoriação medindo 3 cm por 0,5cm inclusa, no terço da na região parietal esquerda;

- No Abdómen: equimose com 2 cm por 1cm na metade esquerda da região umbilical; No hábito interno:

- Na Cabeça: hematoma epicraniano com 11cm por 8,5cm e com maior espessura de 1cm, no terço posterior da região parietal esquerda; Meninges: Hemorragia subaracnoídea com 4cm por 1cm no terço posterior do lobo parietal esquerdo Hemorragia subaracnoídea cerebelosa global; Encéfalo: Configuração normal com circunvoluções cerebrais alargadas e sulcos rasos compatível com edema cerebral. Tecido encefálico com aspecto macroscópico congestionado. Ventrículos com revestimento liso e brilhante, de dimensões diminuídas, com presença de sangue. Vasos da base íntegros. Aparente foco de contusão no terço médio do tronco cerebral.

- No Pescoço: Faringe e Esófago: Lúmen vazio. Mucosa sem alterações macroscópicas aparentes.Infiltração sanguínea dos tecidos da região retroesofágica;

- Na Coluna Vertebral e Medula: Vértebras e estruturas articulares: Fratura-luxação da articulação atlanto-occipital com infiltração sanguínea dos tecidos circundantes. Presença de placa cirúrgica no terço inferior da face anterior das vértebras cervicais.

9 - O CC terá falecido no local onde caiu, onde foi assistido já em paragem cardiorrespiratória pelos bombeiros, tendo sido admitido já cadáver no Hospital ... em ..., tendo sido declarado o óbito pelas 23h15 do mesmo dia.

10 - Sendo que tais lesões determinaram e foram causa adequada da morte do CC, que foi devida às lesões meningo-encefálicas e vertebro-medulares atrás descritas, que foram resultado de lesões traumáticas, por traumatismo de natureza contundente ou actuando como tal, causadas pelo embate na parede com posterior queda da própria altura.

11 - O exame toxicológico do falecido para pesquisa de drogas de abuso e medicamentos resultou negativo, sendo positivo para etanol, revelando uma TAS de 0,12g/lto (com margem de erro de ± 0,02g/l).

12 - O arguido quis e conseguiu molestar o corpo e a saúde do ofendido e provocar-lhe lesões, sabendo que, ao empurrar o ofendido da forma como o fez, motivado pelo facto do ofendido ter recusado bebida alcoólica que lhe oferecia, sendo conhecedor das suas limitações físicas, dificuldades de mobilidade e problemas de saúde, poderia causar-lhe o embate na parede e a subsequente queda, sendo que podia e devia ter previsto a possibilidade do mesmo vir a sofrer lesões que lhe viessem a provocar perigo para a vida ou mesmo até a sua morte, resultado que todavia, não antecipou e com o qual não se conformou.

13 - No dia .../.../2021, cerca das 00h40m, na sequência do ocorrido, a GNR deslocou-se à residência do arguido, sita na ... ..., ....

14 - No local encontravam-se várias pessoas que tentavam avançar na direcção da residência e, de forma audível, proferiam ameaças de morte, dirigidas ao arguido.

15 - Depois de ter sido assegurada a segurança no local, o arguido AA saiu do interior da residência, apresentando na mão uma chave de fendas.

16 - Questionado pelos militares da GNR sobre as características do objecto, o arguido disse que se tratava de uma chave de fendas e por lhe ter sido pedido pelos militares, atirou a mesma ao chão.

17 - De seguida, o arguido colocou uma das mãos atrás das costas, num movimento dissimulado, momento em que, os militares da GNR municiaram a arma de serviço e ordenaram, várias vezes, ao arguido que retirasse as mãos de trás das costas.

18 - Entretanto os militares avançaram em direcção do arguido e verificaram que o arguido tinha colocada, à retaguarda da sua cintura, uma arma de fogo transformada, introduzida parcialmente nas suas calças e, na parte da frente das calças, na zona da virilha esquerda, escondia uma tesoura.

19 - O arguido AA não é possuidor de licença ou título válido que o habilite à posse ou detenção de arma de tal natureza.

20 - O arguido detinha a arma, uma pistola semiautomática, sendo uma arma transformada, de classe A, por transformação clandestina da arma original, sendo inicialmente uma arma lançadora de sinais (simultaneamente de alarme e lançadora de gases), com o calibre 6,35mm Browning (25ACP ou 25 auto na designação anglo-americana), com o calibre original nominal de 8mm, de marca Ekol & Voltran, modelo Tuna, de origem Turca, com o nº de séria ..., de funcionamento semiautomático, de movimento simples (acção simples), com percussão central e directa, com um percutor e um gatilho, com 62 mm de comprimento do cano, sem estriado, alimentada por carregador com capacidade para sete (07) munições, com extracção automática, com o comprimento total de 123mm, em deficiente estado de funcionamento, em regular estado de conservação, apta a disparar, embora com deficiências de funcionamento, as quais condicionam a obtenção da sequencia de automatismo.

21 - O arguido tinha perfeito conhecimento de que é proibido o uso, porte e detenção de objectos como a pistola e as munições supra referidas, bem sabendo que se trata de uma arma de fogo, com as característica supra descritas, sem ser possuidor de licença, titulo ou equivalente que o habilite e lhe legitime a posse e detenção de tais objectos e, que a isso estava obrigado, bem sabendo de tal necessidade e que sua posse lhe era proibida por lei.

22 - O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal vigente.

23 - O arguido não tem condenações criminais averbadas no seu registo criminal.

24 - Nasceu em ..., num agregado familiar numeroso constituído pelos pais e 12 irmãos.

25 - O pai trabalhava como ... e a mãe, para além das lides domésticas, dedicava-se à exploração de terrenos agrícolas e criação de animais, actividades que constituíam fonte de subsistência do agregado que apresentava uma situação sócio-económica humilde, mas cuja dinâmica familiar era funcional, normativa e caracterizada pela afectividade entre os seus elementos.

26 - O pai faleceu em 2012 estando a mãe presentemente a residir com um irmão do arguido.

27 - O arguido abandonou a escola após a conclusão do 4º ano de escolaridade, aos 12 anos, com registo de reprovações atribuídas à falta de interesse pelos conteúdos escolares.

28 - Iniciou actividade laboral juntamente com o pai, como aprendiz de ..., o que fez durante cerca de 2/3 anos.

29 - Nesta altura ingressou na indústria do calçado onde permaneceu até 1981, altura em que emigrou para a ....

30 - Neste país, trabalhou no sector da construção civil tendo sido, em 2006, vítima de um acidente de trabalho e permanecido durante vários anos de baixa médica.

31 - Encontra-se reformado desde 2018.

32 - Em Jan2020, ainda na ..., sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC).

33 - Padece de diabetes e após o AVC, encetou durante algum tempo um comportamento abusivo de bebidas alcoólicas, sobretudo em contextos sociais.

34 - Dados os problemas de saúde referidos, veio para ... definitivamente em ... e é acompanhado na ... ..., com prescrição medicamentosa.

35 - À data dos factos constantes nos presentes autos, integrava o agregado constituído pelo próprio e a cônjuge.

36 - Residiam numa moradia independente, com pátio exterior, propriedade de casal, que construíram com as economias que amealharam ao longo dos anos, enquanto emigrados na ..., com adequadas condições de habitabilidade, inserida em meio rural, pacato, onde não se identificam problemáticas sociais de relevo.

37 - A subsistência económica da família era assegurada pela pensão de reforma de cerca de 1000 €/mês paga ao arguido pelo governo ....

38 - A sua esposa encontra-se desempregada, não auferindo quaisquer rendimentos.

39 - Como encargos mensais fixos (energia eléctrica e água) suportam cerca de 120 € mensais.

40 - O quotidiano do arguido era passado em convívio em meio familiar, na realização trabalhos ocasionais de manutenção da habitação e na frequência pontual do café denominado “S. Bento” com familiares e amigos.

41 - No âmbito do presente processo foi sujeito, em .../.../2021, à medida de coacção de prisão preventiva, tendo passado posteriormente à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica que cumpre desde ...-...-2022, junto do agregado familiar dos cunhados (cunhado e cunhada e os dois netos).

42 - O cônjuge mantém-se a residir na habitação do casal, situada nas imediações da área de residência dos cunhados e visita-o diariamente assegurando o seu acompanhamento nas consultas médicas.

43 - Neste período as necessidades de subsistência do arguido são, assim, satisfeitas pelos cunhados, colaborando o arguido nas despesas do agregado com a mesada em média de 200€/mês,

44 - No âmbito da execução da medida de coacção, tem apresentado um comportamento formalmente adequado aos deveres decorrentes do seu estatuto processual.

45 - Apresenta-se apreensivo e ansioso, denotando capacidade crítica e consciência das consequências que poderão resultar do presente processo judicial e mostrando-se capaz de formular, em abstracto, um juízo crítico de censura relativamente aos factos de que está acusado que considera gravosos.

46 - No meio comunitário onde se insere, é reconhecido pelos elementos a mesma como pessoa geradora de alguns conflitos e que apresentava comportamentos perturbados pelo consumo abusivo de álcool.

47 - Encontra-se em acompanhamento médico sendo referenciada a estabilização da problemática do alcoolismo.

48 - O demandante BB nasceu a .../.../1962 e era filho de CC e DD e irmão do falecido CC que, por sua vez, nasceu a .../.../1952.

49 - Quer o demandante, quer o falecido sempre foram solteiros, nunca tiveram filhos, não têm ascendentes vivos, nem tinham à data dos factos qualquer companheira/o com quem vivessem em união de facto.

50 - Ambos viveram juntos durante toda a vida na ..., habitação que continuaram a partilhar após a morte dos seus pais, em 1998 e 2001, e até ao decesso do ofendido CC.

51 - Ambos outorgaram testamento no ano de 2007 em que se instituíram, reciprocamente, herdeiros universais dos bens o outro.

52 - Ambos sempre mantiveram uma relação afectiva próxima, nutrindo afecto e e carinho um pelo outro, convivendo diariamente, fazendo refeições juntos e repartindo as tarefas domésticas entre si.

53 - Saíam juntos, conversavam diariamente sobre as coisas do dia-a-dia e os mais diversos assuntos da vida de cada um, apoiando-se e ajudando-se mutuamente quando algum deles estava doente.

54. Na sequência do falecimento do ofendido CC, o demandante sentiu sofrimento, dor, angústia e solidão, por ter deixado de ter companhia do falecido.

55 - O demandante trabalha por conta própria, na venda de produtos hortícolas em Feiras.

56 - O demandante BB é beneficiário da segurança social com o nº .... (…)»

Do objeto e âmbito do recurso

9. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

10. O arguido vem, em síntese, suscitar as seguintes questões:

a. Admissibilidade do recurso, mediante desaplicação, por alegada inconstitucionalidade, da alínea e) e da alínea e) em conjugação com a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, em interpretação a contrario, para suprimento de pretensa lacuna legal, ou por via supletiva do artigo 672.º, n.º 1, al. a) do CPC e ainda do artigo 400.º, n.º 3, do CPP, de modo a permitirem o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que aplicou a pena única de 3 anos e 8 meses de prisão (efetiva), alterando a decisão da 1.ª instância que suspendeu a execução dessa pena (conclusões 1 a 17);

b. Nulidade, vícios e revogação do acórdão recorrido, de modo a manter-se a decisão da 1.ª instância, que suspendeu a execução da pena de prisão – conclusões 18 a 47.

Questões prévias – da (in)admissibilidade do recurso

11. A metodologia da decisão requer, por razões de precedência lógica (artigos 368.º, n.º 1, e 608.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), que esta se inicie pela apreciação das questões suscitadas pelos sujeitos processuais ou que o tribunal deva oficiosamente conhecer, suscetíveis de obstar ao conhecimento de mérito.

O recorrente sustenta a recorribilidade do acórdão recorrido no artigo 399.º do CPP, por via do afastamento, por inconstitucionalidade, das mencionadas normas do artigo 400.º do CPP, relativas à inadmissibilidade dos recursos de acórdãos dos tribunais da relação proferidos em recurso, bem como por via da aplicação, por analogia, da al. d) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP ou da aplicação supletiva do artigo 671.º, n.º 1, al. a) do CPC, e com argumento também fundado no artigo 400.º, n.º 3 do CPP.

O Ministério suscita a questão prévia da irrecorribilidade do acórdão recorrido por aplicação das normas do artigo 400.º do CPP que o arguido pretende ver desaplicadas por inconstitucionalidade.

Cumpre, pois, conhecer destas questões prévias.

12. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP que «não é admissível recurso (…) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância».

Por sua vez, a alínea f) do mesmo preceito estabelece que «não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

13. A redação atual desta alínea e) resulta da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, e da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro.

Esta alínea havia sido alterada em 2007, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, tendo o critério da pena abstratamente aplicável sido substituído pelo critério da pena concretamente aplicada. Passou, assim, a estabelecer a irrecorribilidade «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade».

A Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, mantendo o critério da pena concretamente aplicada, alargou, porém, o seu âmbito de aplicação, passando a determinar também a irrecorribilidade das decisões que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, independentemente de haver ou não “dupla conforme” (conformidade entre as decisões da 1.ª instância e da Relação).

A Lei n.º 20/2013 visou «clarificar» que «são irrecorríveis os acórdãos que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos» (Proposta de Lei n.º 77/XII, que lhe esteve na origem).

Por sua vez, a Lei n.º 94/2021 aditou, na parte final, o segmento «exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância», colocando a redação do preceito em conformidade com a declaração de inconstitucionalidade parcial da norma, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional («TC») n.º 595/2018, que, assim, passou a admitir recurso de acórdão da Relação para o STJ em caso de aplicação de pena de prisão efetiva em recurso de decisão absolutória, bem como com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), segundo o qual «qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei»3 (na interpretação do Comité dos Direitos Humanos – «Comentário Geral n.º 32» ao artigo 14.º do PIDCP, de 23.08.2007, citando as comunicações 1095/2002, Gomaríz Valera c. Espanha, 64/1979, Salgar de Montejo c. Colômbia, e 1073/2002, Terrón c. Espanha – o artigo 14.º, n.º 5, é violado não só quando o condenado não tem direito ao recurso de uma condenação imposta «por um tribunal de 1.ª instância, mas também quando a condenação imposta por um tribunal de recurso (…), após absolvição por um tribunal de categoria hierárquica inferior, de acordo com o direito nacional, não pode ser revista por um tribunal de categoria superior», independentemente da gravidade da infração).

14. Decidiu o Acórdão do TC n.º 595/2018, de 13 de novembro de 2018: «(…) o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, por violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição».

A declaração de inconstitucionalidade resultou de pedido do Ministério Público ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição e 82.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), com fundamento na circunstância de a dimensão normativa da al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, em referência, já ter sido julgada inconstitucional, pelo TC, em, pelo menos, três casos concretos, facto evidenciado pelo Acórdão n.º 429/2016, proferido em Plenário, que reverteu a jurisprudência do Tribunal relativamente à constitucionalidade da norma sub judicio – acórdão que o recorrente agora convoca em apoio da sua pretensão (conclusão 11.ª) –, seguido das Decisões Sumárias n.º 664/2016 (2.ª Secção), e n.º 132/2018 (1.ª secção) (cfr. §§ 1, 15 e 16 do Acórdão n.º 595/2018).

Limitando a declaração de inconstitucionalidade aos casos de aplicação de pena de prisão – a única dimensão normativa do preceito sobre a qual, nesse acórdão, importava emitir um juízo de inconstitucionalidade – e estabelecendo uma distinção entre esta pena e as penas alternativas no que respeita aos seus efeitos ao nível da restrição do direito à liberdade, constitucionalmente protegido (artigo 27.º da Constituição), o TC considerou que «em contraste com a execução coativa das penas não detentivas, a execução da pena de prisão efetiva não pode ser condicionada por qualquer decisão adicional» e que «não existe qualquer outro meio de defesa ao dispor do condenado para impedir, atenuar ou sequer adiar a execução da prisão efetiva em que é definitivamente condenado», concluindo que, na ponderação da conciliação com o direito ao recurso enquanto componente do direito de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), «a ausência de possibilidade de recurso implica a imediata restrição forçada da sua liberdade o que demonstra o imperativo de se reconhecer ao condenado o direito ao recurso enquanto valor garantístico próprio – e único! – no quadro das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido» (§ 23 do Acórdão n.º 595/2018).

Como se sublinha no acórdão do TC (§ 6), ficaram expressamente excluídas do âmbito de apreciação «outras dimensões normativas extraídas do mesmo preceito legal (…), apesar de terem sido também já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional», indicando-se, designadamente, as «normas que estabelecem a irrecorribilidade, respetivamente, do (i) “acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal de 1.ª instância” (Acórdão n.º 101/2018); (ii) do “acórdão da Relação que, perante a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condene o arguido em pena de multa alternativa, atentando, no âmbito do estabelecimento das consequências jurídicas do crime subjacente a tal condenação, apenas nos factos tidos por demonstrados na sentença absolutória” (Acórdão n.º 672/2017); e, finalmente, (iii) dos “acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações que, após decisão absolutória de 1.ª instância, condenem e apliquem pena de multa a arguida pessoa coletiva” (Acórdão n.º 128/2018)».

15. Salienta o Tribunal Constitucional a existência de uma «diferença qualitativa entre a pena de prisão e todas as outras penas que deve ser relevada na verificação do direito ao recurso, enquanto garantia de defesa do arguido», pois que «quanto mais grave for a pena aplicada (i.e., quanto mais intensa for a potencial violação dos direitos do arguido), maior necessidade existe de garantir o direito ao recurso».

É, por conseguinte, a consideração da gravidade da pena de prisão, que constitui «a mais intensa restrição» do direito fundamental à liberdade, que fundamenta o juízo de inconstitucionalidade vertido no acórdão n.º 595/2018. O que não sucede, como se nota no mesmo acórdão (§§ 22-24), com a aplicação de uma pena de multa, cujo regime pode, em caso de incumprimento, levar à execução de uma pena de prisão (artigo 45.º, n.º 2, do CP, que prevê o cumprimento da pena de prisão em caso de não pagamento da multa de substituição, e artigo 49.º, n.º 1, do CP, que prevê o cumprimento da prisão subsidiária da pena de multa).

Estas considerações mostram-se perfeitamente transponíveis para o caso em que esteja em causa a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, a qual não tem por consequência direta uma privação do direito à liberdade, que só será afetado em caso de revogação da suspensão, por violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, ou ainda por virtude da prática de crime, nos termos previstos no artigo 56.º do Código Penal. Tanto num caso como no outro, a privação da liberdade só poderá ocorrer por razão imputável ao condenado, mas não diretamente por virtude da condenação.

16. Do que vem de se expor resulta que, vincada a distinção e claramente separadas as situações, não pode encontrar-se no Acórdão do TC n.º 595/2018 ou no Acórdão n.º 429/2016, que lhe esteve na origem, expressamente invocado pelo recorrente, qualquer fundamento que, para efeitos de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, permita equiparar os casos em que, em acórdão proferido em recurso, o tribunal da Relação condena o arguido em pena de prisão, revertendo uma decisão de absolvição em 1.ª instância, e os casos em que o tribunal da Relação se limita a revogar a suspensão de execução de uma pena de prisão aplicada e suspensa em decisão da 1.ª instância.

17. No Acórdão do TC n.º 101/2018 (de 21.02.2018), anteriormente mencionado (supra, 14) – que teve por objeto uma situação idêntica à dos presentes autos – foi apreciada a (invocada) inconstitucionalidade da norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretado no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância.

Na decisão reclamada de não admissão do recurso para o TC entendeu-se que tal norma não é inconstitucional, aderindo-se à fundamentação dos Acórdãos do TC n.ºs 245/2015, 357/2017 e 804/2017. O Reclamante entendia, todavia, que a referida jurisprudência deveria ceder perante o julgamento de inconstitucionalidade constante dos Acórdãos n.ºs 412/2015 e 429/2016, que, na sua leitura, recaíram sobre “a mesma norma” que constituía o objeto do recurso nesses autos (cfr. § 2 do acórdão 101/2018).

O TC começou por notar e realçar que os Acórdãos n.ºs 412/2015 e 429/2016 não apreciaram “a mesma norma”, pois que o que aí se apreciou foi a inconstitucionalidade da norma que estabelecia a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro. Diversamente, nesse caso, não se estava perante uma absolvição pelo tribunal de primeira instância seguida de uma condenação inovatória pelo Tribunal da Relação, mas sim de uma condenação com suspensão da execução da pena, seguida de condenação em pena de prisão efetiva, diferença que, sublinhava-se, não era «inócua para o juízo de inconstitucionalidade», como se havia notado no Acórdão n.º 357/2017.

18. Reafirmando «jurisprudência consolidada», a decisão sumária reclamada, confirmada no acórdão n.º 101/2018, que sublinha a validade dos fundamentos dos Acórdãos n.ºs 245/2015, 357/2017 e 804/2017, remete para a Decisão Sumária n.º 37/2017, em que se afirma que:

«(…) as razões que estiveram na base do julgamento de inconstitucionalidade alcançado no Acórdão 429/2016 não são transponíveis para a avaliação da norma ora em análise, precisamente porque existe uma diferença substancial entre as questões colocadas ao Tribunal Constitucional. (…)

Enquanto que nos casos abrangidos pela norma sindicada no Acórdão n.º 429/2016, o direito de resposta ao recurso não permite um exercício efetivo do direito de defesa, já que exige do arguido absolvido em primeira instância um elevadíssimo grau de antecipação de todos os juízos e argumentos que podem conduzir a uma condenação – v.g. eventual alteração da matéria de facto, discussão do enquadramento jurídico dos factos e operações de determinação judicial da pena concreta e demais consequências do crime – para os poder contraditar, nas situações subsumíveis à norma em apreciação nos presentes autos o quadro é radicalmente distinto.

De facto, no caso de recurso de decisão de primeira instância condenatória, que tenha aplicado pena não privativa da liberdade e em que o recorrente Ministério Público e/ou Assistente pugnem perante a Relação pelo agravamento daquela, o objeto do recurso encontra-se perfeitamente delimitado, balizando-se a possível decisão do mesmo dentro de apertados limites: a moldura penal abstrata aplicável ao crime imputado, a proibição da reformatio in pejus e o pedido do recorrente. Nestes casos, existe uma efetiva reapreciação do segmento da decisão condenatória relativo às consequências do crime, cujos termos, âmbito e consequências, são perfeitamente antecipáveis pelo arguido.

O objeto do recurso e os assinalados limites intrínsecos e extrínsecos à decisão a tomar pelo tribunal superior no julgamento daquele, permitem concluir que a faculdade de responder ao recurso, prevista no artigo 413.º do Código de Processo Penal, assegura um efetivo exercício do direito de defesa, permitindo ao arguido expor perante o tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa, em termos idóneos a persuadir o julgador da sua justeza e a influenciar o curso do seu processo decisório (veja-se, em termos análogos, o recente Acórdão n.º 652/2016)».

19. Reiterando esta jurisprudência e lembrando anteriores acórdãos já proferidos na vigência da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, tal como alterada pela Lei n.º 94/2021, de 21.12 – Acórdãos do TC n.º 710/2022, 35/2023 e 70/2023, que, em situações idênticas ou muito similares nos seus pontos essenciais, concluíram pela não inconstitucionalidade da restrição do direito ao recurso contida nessa disposição (§ 9) – o mais recente acórdão do TC que se pronunciou sobre esta matéria – Acórdão n.º 884/23, de 18.12.2023, proferido em recurso interposto de acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2023, que não admitiu recurso de acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, em recurso, havia revogado a suspensão de execução de uma pena de 3 anos e 3 meses de prisão – veio confirmar a Decisão Sumária n.º 641/2023, em que se decidiu “(…) não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21.12, interpretada no sentido de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que, reapreciando a decisão da 1.ª instância que condenou o arguido numa pena de substituição (suspensão da execução da prisão), apliquem ao arguido uma pena de prisão efetiva”.

20. Do que vem de se expor resulta, em síntese, que a questão da admissibilidade do recurso para o STJ de um acórdão da relação que, em recurso, aplica uma pena de prisão não superior a cinco anos deve analisar-se mediante convocação dos artigos 399.º e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, que regulam esta matéria de forma completa, e que, em aplicação do critério normativo de constitucionalidade da norma, que deles se extrai, validada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, apenas é admissível recurso em caso de absolvição em 1.ª instância, mas não quando a Relação revoga a suspensão de execução de uma pena de prisão inferior a 5 anos aplicada em 1.ª instância.

Não existe qualquer lacuna de regulamentação que, como pretende o recorrente, deva ser resolvida por aplicação da al. d) do mesmo preceito em interpretação a contrario – o que obrigaria a enfrentar a questão na presença da proibição da aplicação analógica das normas excecionais (artigo 11.º do Código Civil), como são as normas restritivas (artigo 400.º do CPP) da regra da recorribilidade das decisões (artigo 399.º do CPP) – ou por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil [artigo 672.º, n.º 1, al. a): revista excecional], que, conforme jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça não tem lugar em processo penal [cfr. neste sentido, salientando jurisprudência consolidada, a fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2024, DR 1.ª série, de 19.4.2024, e, por todos, o anterior acórdão de 04.05.2023 (do ora relator), Proc. n.º 2855/21.6T8BCL.G1.S1, em www.dgsi.pt].

Também não há lugar à aplicação do artigo 400.º, n.º 3, do CPP, que respeita ao recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, que não vem interposto, dele não se extraindo qualquer elemento que possa servir à constituição de fundamento para a admissão do recurso na parte penal.

21. Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que a Lei n.º 94/2021 manteve inalterada, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça «de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º» (que enumera as exceções ao regime-regra de recorribilidade dos acórdãos, sentenças e despachos, previsto no artigo 399.º).

22. Da conjugação de todos estes preceitos [artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP] se extrai que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância.

Como se tem assinalado (neste sentido, por todos, para além dos citados pelo Ministério Público, o acórdão de 01.03.2023, Proc. n.º 685/10.0GDTVD.L2.S1, em www.dgsi.pt) , este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 2007, Vol. I, p. 516), enquanto componente do direito de defesa em processo penal (por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional 64/2006, 659/2011 e 290/2014; neste sentido também, entre outros, o acórdão de 15.02.2023, Proc. 1964/21.6JAPRT.P1.S1, cit., e a jurisprudência nele mencionada, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12, de 09.10.2013, DR 1.ª série, de 12.11.2013), reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos (artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos e artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais).

Em «jurisprudência ampla, sucessiva e reiterada», tem o Tribunal Constitucional reafirmado que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição» ou de «um duplo grau de recurso», em relação a quaisquer decisões condenatórias. Citando o recente Acórdão n.º 57/2022: «(…) não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição o direito a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, dispondo o legislador de liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (ver, entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 189/2001, 336/2001, 369/2001, 49/2003, 377/2003, 495/2003 e 102/2004, acessíveis, assim como os demais adiante citados, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt), posto que os critérios consagrados não se revelem arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. Acresce que este Tribunal tem também reiteradamente entendido não ser arbitrário, nem manifestamente infundado, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (cfr., entre outros, os acórdãos n.º 189/2001, 451/2003, 495/2003, 640/2004, 255/2005, 64/2006, 140/2006, 487/2006, 682/2006, 645/2009, e 174/2010).»

23. Neste sentido, em conformidade com a jurisprudência estabelecida pelo Tribunal Constitucional, tem decidido uniformemente este Supremo Tribunal de Justiça (como nota o Senhor Procurador-Geral Adjunto em seu parecer, com abundante citação de jurisprudência).

Como se afirmou no acórdão de 21.06.2023 (Ana Barata de Brito), Proc. 743/20.2PAPVZ.P1.S1, em www.dgsi.pt, na situação sub judice continua a vigorar a seguinte jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão n.º 14/2013, DR Série I de 2013-11-12): «Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão». Não é admissível, entenda-se agora, face à alteração da al. e) introduzida pela Lei n.º 94/2021, excetuados os casos de absolvição em 1.ª instância, em que o acórdão da Relação é uma decisão de reversão de absolvição em condenação, e em que, pela primeira vez, em recurso, é aplicada ao arguido uma pena.

Essa situação não ocorre no caso presente, pois que, como se viu, as decisões – a de 1.ª instância e a proferida em recurso – são decisões finais condenatórias: a primeira, de condenação em pena de prisão suspensa, a segunda, de condenação em pena de prisão efetiva.

24. Dispõe o artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP que o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, de acordo com n.º 2 do artigo 414.º, segundo o qual o recurso não é admitido quando, entre outros motivos, a decisão for irrecorrível.

25. Na procedência destas questões prévias, e verificada a conformidade constitucional, questionada pelo arguido, da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, deve, pois, o recurso ser rejeitado por inadmissibilidade face à irrecorribilidade da decisão, a isso não obstando a circunstância de ter sido admitido no Tribunal da Relação, pois a “decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior” (artigo 414.º, n.º 3, do CPP).

A procedência destas questões prévias obsta ao conhecimento do objeto do recurso.

III. Decisão

26. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se e taxa de justiça em 5 UC.

Vai o recorrente condenado na importância de 4 UC, nos termos do n.º 3 do artigo 420.º do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 2 de maio de 2024.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Pedro Manuel Branquinho Dias

Maria do Carmo Silva Dias

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1. Cfr. acórdão de 10-03-2021, do S.T.J., proferido no processo n.º 330/19.8GBPVL.G1.S1, 3.ª Secção.

2. Cfr. Acórdão de 11.10.2005, do S.T.J. publicado com o n.º 9/2005, no D.R. n.º 233, I Série-A, de 06/12/2005.

3. Esta última alteração foi suscitada pela prolação do acórdão deste STJ de 30.10.2019 (também relatado pelo ora relator), proferido no Proc. n.º 455/13.GBCNT.C2.S1, invocado perante o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas no âmbito da discussão do 5.º relatório periódico de Portugal relativo à aplicação do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, que levou o Comité a formular uma observação nesse sentido. Sobre este ponto e no que se segue, Lopes da Mota, «A alteração ao artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP pela Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro: recurso para o STJ de decisão de condenação pela relação, em recurso, em caso de absolvição em 1.ª instância», ebook Colóquios do Supremo Tribunal de justiça, Processo Penal – Recursos, Supremo Tribunal de Justiça, Julho de 2003, pp. 24ss, em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/02/livro-digital-coloquio-processo-penal-2022.pdf.